Com frequência, tomo conhecimento de iniciativas, de projectos, de empreendimentos declarados disruptivos e inovadores destinados a apoiar, a dar suporte ao ensino. Como a escassez de professores diplomados é crescente e não se encontra facilmente quem, não tendo diploma, queira apresentar-se como professor, a oportunidade de negócio é grande, há que aproveitá-la!
Se as novas tecnologias digitais já proporcionavam plataformas, documentos e equipamentos para ajudar os professores ou para os substituírem, com a "democratização" da inteligência artificial essa oportunidade viu-se ampliada e diversificada. Não faltam propostas de empresas, fundações, ONG, universidades que mais parecem propaganda a milagres: se isto for acolhido, então... resolve-se isto e aquilo. Nenhum problema, nenhum constrangimento.
Imagem recolhida aqui. |
Como fará isso? Reduzindo substancialmente o número de professores necessários ao funcionamento do sistema. Parece um contrassenso, não é? Para se resolver a falta de professores, diminui-se o número de professores.
Em concreto: amplia-se o espectro digital inteligente com avatares, com uma app de ensino, e com uma plataforma. Tudo isto deu muito trabalho a conseguir. Imagino que sim.
Mas, dizem os responsáveis pela empresa, assim se consegue uma aprendizagem mais individualizada, maior envolvimento dos alunos, maior foco da sua parte (em tempos mais reduzidos dado que a sua atenção não vai além de cinco minutos), mais possibilidade de ser acompanhado e de ter feedback personalizado. Também se apontam vantagens para os (poucos) professores que operam no sistema: aligeira-lhes a tarefa de avaliar e dar feedback, permite-lhes ter uma ideia precisa da evolução dos alunos para os ajudar a conseguir melhor desempenho, torna as suas aulas mais funcionais.
E, claro, os sistemas poupam dinheiro, é o velho princípio: "fazer mais com menos".
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Nota: Uma entrevista aos empresários em causa pode ser encontra aqui e uma tradução da notícia pode ser lida aqui
6 comentários:
No 1 CEB essa brilhante ideia não é funcional. Os alunos não são digitalmente autónomos e os pais precisam de quem tome conta dos filhos menores enquanto vão trabalhar. E a gente até passa diplomas e tudo.
Prezado Leitor Anónimo
1) Estes discursos / projectos não especificam a idade dos alunos: podem referir-se ao 1.º ciclo do ensino básico ou ao ensino universitário. Não é preciso ser psicólogo para se perceber que o ser humano não é, à partida autónomo, vai ganhando autonomia...
2) Quanto aos diplomas, há escolas (privadas) que não atribuem diplomas porque entendem que o diploma nada diz daquilo que os "formados" conseguem fazer. E isso faz parte da sua imagem de marca. ´Recorrem ao slogan: "mostra-me o que consegues fazer..."
3) Há propostas - e são várias - para que a escolaridade obrigatória deixe de acontecer na escola (em edifícios) e passe a acontecer em "ecossistemas de aprendizagem". No caso, a escola (edifício) teria outras serventias, nomeadamente passar diplomas.
4) Que cuida dos menores? Bom, talvez já existam avatares, hologramas, robots programados para tal.
Cordialmente, MHDamião
Isso vai no sentido do que eu sempre pensei ser o ideal de ensino a alcançar: o estudante autodidacta. Pensa por si, escolhe por si, busca as ferramentas de que precisa; e quando fica bloqueado pede ajuda, aí sim, a um professor humano. O professor passa a ser um investigador e disponibilizador de fontes e ferramentas que só interfere quando solicitado. Deve ser sempre deixada em aberto a hipótese de interferir sempre que dê conta - deve estar atento - de que o estudante mostra desorientação ou escolhas muito inadequadas.
Eu sempre desejei isso para mim: dêem-me os objectivos, os livros, os apontamentos, as fontes, e eu estudo sem precisar de nenhum 'mestre'. Até porque 'mestres' são um bem muito escasso, a que se pode recorrer em situações especiais, e na verdade podem até ser um perigo se usam os seus saberes para criar 'seguidores'.
Diz bem, estimado leitor, "ideal de ensino". A realidade é, contudo, diferente. Como humanos, não conseguimos aprender, de modo autónomo, sem ensino, o conhecimento que, desde há milénios, passou a ficar confiado à escola, o "conhecimento secundário". É evidente que o sentido da educação escolar deve ser o da autonomia... quem começa a aprender algo não é autónomo em relação a essa aprendizagem, mas a escola deve fazer com se torne autónomo em relação a essa aprendizagem. Cordialmente, MHDamião
A abordagem, pela rama, das matérias escolares, que os dirigentes políticos vêm impondo aos professores e às escolas não se coaduna com o número exagerado de mais de cem mil professores e educadores de infância que lecionam em Portugal, por exemplo. Atualmente, qualquer professor monodocente (educador de infância ou professor primário) tem formação, ainda que não seja universitária, mas apenas politécnica, para leccionar as trivialidades de Matemática, de Física, de Química, de Português e de Francês, por exemplo, dos curricula do secundário. Dizer que à falta de professores, num sistema todo feito para afastar os professores do ensino, é, no mínimo, paradoxal!
Se o ensino secundário não tem valor por si próprio, mas apenas como rampa de lançamento para os ensinos universitário e politécnico, onde, verdadeiramente, os alunos poderão vir a aprender alguma coisa, então reduzam o número de disciplinas do básico e secundário para metade do atual, e, de um momento para o outro, passaremos a ter excesso de professores.
Errata: onde se lê "à falta de professores", deve ler-se "há falta de professores".
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