Vale a pena ler o artigo de que se reproduz a identificação ao lado.
O seu autor, o francês François-Xavier Bellamy, professor de Filosofia e deputado no Parlamento Europeu, assina vários livros que tocam a educação escolar, entre os quais está um com significativa divulgação em Espanha e em Portugal: Os deserdados.
O texto é resultado de uma conversa conduzida por Tania Alonso-Sainz, traduzida por Bianca Thoillieze e transcrita por Laura Suárez Gil. Essa conversa, que aconteceu à distânci, em 20 de novembro de 2020, inscreve-se nos Diálogos sobre educación organizados pela revista Teoría de Educación. Revista Interuniversitaria.
Bellamy não é propriamente inovador ao recordar por exemplo que:
aquilo que se apresenta como novo se tornou sinónimo de melhor do que aquilo que existiu ou existe;
não é por algo ser novo que é necessariamente bom, como não é por algo ser antigo que é necessariamente mau;
a construção do futuro precisa do conhecimento relevante que vem do passado;
a criatividade e a liberdade dependem substancialmente desse conhecimento que nos foi legado;a oposição entre progressistas e conservadores redunda numa falácia;
a inovação é... antiga, sempre existiu e é nada menos do que fundamental
...
Não é propriamente inovador, mas é importante repetir o que certos discursos parecem querer fazer esquecer. Assim, se me é permitido, recomendo a leitura desta conversa que aconteceu entre... jovens!
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Referência do artigo: Bellamy, F.-X. (2021). Crisis de la transmisión y fiebre de la innovación. Teoría de la Educación. Revista Interuniversitaria, 33(2), 169-178. https://
doi.org/10.14201/teri.25407
6 comentários:
Obrigado, Drª Helena, vem mesmo ao encontro do que eu penso: o objectivo primeiro da Educação não é preparar para uma profissão para a vida activa, nem é formar cidadãos responsáveis e democratas - embora estes objectivos estejam obrigatoriamente presentes. Mas o mais importante é transmitir uma herança cultural de milénios, aquilo que a humanidade viveu e criou, relativizando a menoridade e efemeridade do presente. Saber História, saber Arte e Cultura, saber Ciência, é mais importante do que ser matraqueado com a crise climática, o racismo e o colonialismo ou a imensidade de sexos possíveis que temos à 'escolha'.
Para os arautos da Nova Educação, inovar é, por exemplo, substituir a Filosofia pelo Ubuntu. E o Governo acha bem!
Estimado Leitor Mário Gonçalves, Bellamy lembra-nos, justamente, que a aceitação da Europa pelo modelo escolar de especialização precoce, de matriz americana, afastou a cultura dos currículos por não se lhe reconhecer préstimo. Diz ele "después las revoluciones pedagógicas, me parece que renunciamos a esta idea, que preferimos un modelo (...) orientado hacia la competición económica para hacer alumnos que estén muy preparados en un solo ámbito y creo que perderemos mucho, desgraciadamente, en el plano del
desarrollo humano, intelectual y espiritual, que permitía el enraizamiento en esta
cultura general."
Um livro que reflecte de modo alargado sobre a questão é "Sem fins lucrativos" de Martha Nussbaum (https://dererummundi.blogspot.com/2023/04/no-25-de-abril-pelo-que-ele-significa.html). Não negando a importância de se prepararem os alunos para serem, um dia, profissionais capazes, responsáveis, afirma que a educação escolar não se pode circunscrever a esse objectivo.
Permita-me discordar quando diz que o objectivo primeiro da educação não é formar cidadãos responsáveis e democratas. Esse objectivo inscreve-se nos desígnios do aperfeiçoamento humano. Pela via do conhecimento, há que esperar, que desejar que os alunos se tornem cidadãos responsáveis e democratas. Isto não é doutrinamento, não é ideologia, não é imposição, é, parece-me educar o bom carácter.
Cordiais cumprimentos,
MHDamião
Sim, Cara Helena Damião, provavelmente estamos mais de acordo que em desacordo, contudo "educar o bom carácter" é como sabe bem um objectivo muito perigoso. Existe e existiu isso mesmo nas ditaduras, o problema é a definição de "bom carácter", que é impossível ser consensual mas fácil de ser ditada por dogmas. Aceito e concordo mesmo que algum esforço tem de ser feito pelo educador para que o educando se comporte 'civilizadamente', outro conceito polémico mas mais consensual. Contudo, todos sabemos que a excelência ou simples competência de uma pessoa numa dada área não pressupõe que seja, vá lá, boa pessoa. Não faltam sábios rabugentos e maldosos, artistas misóginos ou pedófilos, entre os mais reputados. Elon Musk é um exemplo de má pessoa altamente qualificada. Wagner teve simpatias germano-imperialistas. O que eu digo é que os atributos psico-sociais da pessoa estão em segunda prioridade na educação, não devem sobrepor-se à formação científica, artística e histórica. Aliás, penso que a disciplina de História devia ser tão ou mais valorizada que Português ou Matemática, de modo a incluir debate e formação no sentido de promover a adesão ao comportamento civilizado que referi, abandonado a neutralidade histórica onde isso se justifique.
No essencial, estamos de acordo caro Mário Gonçalves. A noção de "carácter" e de "bom carácter" desapareceu da educação quando quisemos torná-la funcional segundo as regras do mercado de trabalho, o que, bem vistas as coisas, tem mais de um século. Contudo, é uma noção, que precisa de ser regatada, diz por exemplo Victoria Camps ou João Boavida. E dizem-no não por alinhamentos religiosos ou partidários; dizem-no com base na filosofia da educação. Mas mesmo que os valores éticos sejam (bem) trabalhados na escola para se eles venham a manifestar-se na acção (delineando o carácter da pessoa), não há garantias de que isso aconteça. Então, para quê educar no plano axiológico? Porque não podemos, como educadores deixar de o fazer comprometidos que estamos com esses valores. Vale a esperança de que alguns assumirão esses valores, que são valores universais. Na verdade, como descobertas da humanidade esses valores têm de ser transmitidos sob pena de se perderem. É melhor fazer isso do que não o fazer e, insisto, chamar os alunos aos valores não é doutriná-los, é formar a sua humanidade. Acrescento o seguinte, de acordo com o que diz: a formação ética tem de andar a par da formação científica, artística, histórica, motora... sendo que os conteúdos das disciplinas permitem assinalar valores: se os alunos estudarem Wagner, o que duvido, podem ser confrontados com o paradoxo a que alude, se estudarem história perceberão que muitos morreram pela liberdade, se estudarem física não poderão deixar de saber o que aconteceu a G. Bruno, a Galileu a Einstein...
O tema em que aqui nos detivémos precisaria de ser trazido a debate, sem os "pré-conceitos" comuns. Estarmos, como outros a pensar neste assunto já não é mau...
Cordialmente, MHD
É mesmo estimulante conversar com a Drª Helena, e até subscrevia todo o seu texto, se eu não fosse um incorrigível 'velho do restelo' céptico e um pouco misantropo. A vida fez-me assim. Quando escreve que "vale a esperança de que alguns assumirão esses valores, que são valores universais", e quando observo oque são as pessoas, o que são os professores, o carácter, já agora dos próprios professores, não posso deixar de duvidar muito dos belos propósitos que cita. Muito escasos serão os educadores à altura desse desafio, e tudo na profissão e no meio escolar converge em os desmotivar ainda mais. Só uma Escola de nicho, elitista portanto, com uma equipa coerente, bem formada e corajosa, poderia conseguir esse desiderato; mas isso é...uma Utopia. No mundo real, prefiro que se limitem a ensinar "o programa", "a matéria" como de dizia, em vez de tentar passar um pacote de barbaridades enviesadas para a cabeça dos inocentes. Dirá que tenho uma visão muito negra da actual Escola, da actua Sociedade; a maior parte das denúncias e alertas que aqui se fazem só me vêm dar razão. Espero que ao menos alguns iluminados, no bom sentido iluminista, consigam realizar aquela Utopia nem que seja numa só escola. Não a maço mais, já lhe tirei muito tempo, despeço-me com uma sincera vénia.
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