sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

MILIONÁRIO!

Por Eugénio Lisboa
 
Quando eu tinha os meus sete ou oito anos e vivia em Lourenço Marques, na fronteira entre a cidade do caniço e a cidade do cimento, numa casa pelintrosa, mas com garagem (sem carro) e quintal com árvores boas para se trepar, sem telefone, sem telefonia, sem luz eléctrica e com frigorífico de carregar pela boca, mas com uma liberdade do caraças e uma data de mato por detrás do muro das traseiras e uma suspeita de cobras agachadas no dito mato, dinheiro não havia, mas tristeza e amargura também não.

A malta divertia-se como podia, fazendo fisgas, espadas de pau e umas espingardas mal amanhadas. Brincávamos ao Errol Flynn, do GAVIÃO DOS MARES, ao Tarzan, da selva africana, ao Tom Mix do Farwest, e, pondo uns lenços atrás dos bonés, vivíamos o drama do BEAU GESTE, morrendo por cima dos muros da varanda, frente ao deserto que lá não estava. Era porreiríssimo. Mas digo mais: descobrimos depressa que se podia ser milionário, mesmo sem se possuir um tostão.

Vou dar um exemplo. Um dia, se calhar, para festejar bons resultados escolares, o meu pai conseguiu que um amigo com carro, do género calhambeque com patine, nos levasse, a mim e aos meus dois irmãos, ao Jardim Zoológico, que ficava fora da cidade. Íamos ao fim da manhã e iam-nos buscar ao fim da tarde. Mas não íamos com as mãos a abanar: levávamos uma feijoada para o almoço, um livro com boas histórias e água geladinha. Depois de uma visita gulosa aos bichos, comíamos a suculenta e bem recheada feijoada e, no fim do almoço, refastelávamo-nos no chão, como leões saciados e mergulhávamos, deslumbrados, na história do João Grande e do João Pequeno. E, depois dessa, em todas as outras, desses mundos que não conhecíamos mas que nos arrancavam, por momentos e com muita força, da Estrada do Zixaxa! Sair da Estrada do Zixaxa para os desertos africanos do BEAU GESTE ou para os mares do Errol Flynn ou para os paradeiros do João Grande, com poucos recursos mas com uma data de energia e imaginação – era a nossa grande proeza. Uma tarde no Jardim Zoológico, com bichos iguais aos que víamos no cinema, com uma feijoada do camando, água geladinha e histórias a dar com um pau, caramba, se isto não era ser milionário, então não sei o que seria! Era baril! Ninguém, mas ninguém, no resto do mundo, naquele momento, estava a ter um dia como aquele.

A inveja que aqueles ricaços deviam ter de nós! Bem feito! Não vive aquelas coisas quem quer, vive-as só quem sabe e pode. E nós éramos, de longe, nessa altura, os mais sábios e poderosos do mundo, naquela África quente e com espaço a nunca mais acabar. Sem cheta, mas ali, ao leme, como gente! Que se lixasse o dinheiro: a força e a alegria estavam noutro lado! Quem estava a ter um dia porreiríssimo éramos nós e não aqueles ricaços aloirados da Polana. Que, ainda por cima, usavam palavras difíceis que eu nunca ouvira!

Eugénio Lisboa

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro Eugénio, também eu vivi, no meu Alentejo, tempos de grande fraternidade entre as pessoas, onde a alegria e a felicidade eram genuínas e contagiantes.

Ah, os ricaços, esses que exploravam e mantinham o povo com fome, esses malvados, com os campos ao abandono, sem produzir, tiveram poucos motivos para rir, pois o Álvaro Cunhal tirou-lhes as terras que estavam abandonadas, e entregou-as a quem a trabalha, Bem feito, não foi? só assim, passou a haver trabalho e comida na mesa para o povo.

Lembra-se do Slogan "a terra a quem a trabalha"? Foi isso que aconteceu, ainda hoje é justíssimo que assim seja.

Depois veio a "Lei Barreto" que pretendeu acabar com essa ideia, de cooperativas e coletividades, essas coisas de cariz soviético.

António Barreto, realizou o seu sonho de acabar com a reforma agrária e o comunismo no Alentejo.

Hoje, nos campos do Alentejo, reina a exploração, a escravatura, e outros crimes que seguramente se caracterizam por tráfico humano como assistimos.

É engraçado que não se houve uma palavra a António Barreto, sobre o que se passa nos campos do Alentejo, talvez porque ele nunca quis saber da agricultura, e nem do povo. Traidor.

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