segunda-feira, 30 de maio de 2022

Ensinar na Universidade entre o desinteresse e o desconcerto

Quim Brugué, professor de Ciência Política na Universidade de Girona, com trinta anos de carreira, escreveu, recentemente, um artigo de opinião para a revista Política & Prosa sobre o preocupante estado a que o ensino superior chegou. Tem o cuidado de dizer que se trata de uma reflexão pessoal, subjectiva, a partir da qual “procura partilhar receios e expectativas, abrir um debate”. Fazendo nossa a sua opinião, apresentamos uma síntese desse artigo, que vale a pena ler na íntegra.

Maria Helena Damião e Isaltina Martins

À medida que as universidades se modernizaram e entraram nos rankings internacionais, o ensino foi-se diluindo e perdendo prestígio. Os professores progridem segundo critérios bem estabelecidos, que os têm levado a encarar a actividade docente com desinteresse e desconcerto. 
O desinteresse explica-se pela irrupção de um modelo académico que levou a docência para um lugar marginal; o desconcerto tem a ver com a falta de ligação à realidade. 
Quando um professor tem sucesso – medido a partir das publicações que faz e dos euros que consegue para financiar investigação –, o prémio é a redução da carga docente. Logo, o bom professor é aquele que, por fim, consegue deixar de ver alunos e de dar aulas. 
Esta situação é-me particularmente dolorosa porque entendo o ensino não como uma sobrecarga, mas como uma das profissões mais importantes em qualquer sociedade. A dedicação do ensino não pode ser um estorvo; é uma dádiva e, portanto, reclama vocação e compromisso. Professor – ouvi dizer uma vez – é aquele que explica o que sabe, mas ensina o que é. Uma responsabilidade enorme. 
A docência teria de ser o centro da nossa vida académica, mas não é. Isto tem-se tornado cada vez mais verdade e mais perturbador. 
Recordo-me de na última década do século XX nos reunirmos semanalmente, durante horas, no claustro, a falar das disciplinas e dos alunos; na década seguinte, já só discutíamos os concursos para conseguirmos recursos de investigação e estratégias para publicarmos em revistas indexadas; e ultimamente, a impressão que tenho, é que só tratamos de aspectos administrativos. 
A progressiva irrelevância da docência não aconteceu por vontade dos professores, mas pela imposição de um certo modelo universitário. Para fazer carreira é preciso direccionar os esforços para o que importa: investigação de impacto internacional. A dedicação à docência é uma perda de tempo e pode ter consequências nefastas no próximo concurso. 
O modelo baseia-se num sistema de incentivos e na crescente precarização laboral. A carreira está refém de um conjunto de indicadores que se concentram na quantidade de artigos publicados em determinadas revistas. O trabalho docente não conta e, portanto, melhor, perturba o ritmo competitivo que domina na academia. O mesmo sucede com os processos de acreditação dos cursos, que tendem a marginalizar a actividade docente, difícil de medir. 
A crescente precarização faz com que os professores não possam desviar-se das directrizes estabelecidas, sobretudo se estão no início da carreira: têm de focar-se no que conta, e a docência claramente não conta. 
Reverter esta situação implicaria modificar o modelo de universidade que se foi impondo e também reverter a precarização laboral. 
É um modelo que introduz no ensino uma ortodoxia rígida no que respeita aos conteúdos e aos métodos. Não envolve os alunos, oferece-lhes veritas científicas num tempo de profundas incertezas e, claro, isso não resulta. Uma academia que se desvincula do mundo tem pouco para ensinar. Não fazemos ideia de quem são os alunos a quem nos dirigimos, do que precisam. Alunos que se transformaram e que deixámos de conhecer, de maneira que não sabemos o que devemos ensinar-lhe nem porquê. 
Temos professores que se sentem cada vez mais frustrados pois a universidade bloqueia o seu potencial. Para sair daqui não bastam os esforços pessoais – que existem e são muito meritórios –, é preciso revolucionar a universidade. 
Nessa revolução é preciso ter bem presente que se trata de uma instituição geradora de conhecimento, que deve aspirar a melhorar o mundo. Por isso é preciso transmiti-lo a quem o irá fazer: os alunos. 

1 comentário:

Eugénio Lisboa disse...

Magnífico e certeiro texto. Assino por baixo. Hoje, na carreira do docente, a docência é o que menos ordena. O que diriam, deste modelo assassino, aqueles grandes e sedutores professores que foram Henri Bergson e Ortega y Gasset! Os seus auditórios, em Paris e em Madrid, enchiam-se a deitar por fora!
Eugénio Lisboa
Que a Prof. Helena Damião não desista da luta!

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