No Expresso de há duas semanas foram publicadas algumas das declarações que fiz à jornalista Catarina Vasconcelos sobre o ITER - o grande reactor de fusão internacional que está em construção perto de Marselha. Divulgo aqui o meu depoimento na íntegra:
CV - Porque se crê que este projeto possa ser mais revolucionário do que 
outras experiências de fusão nuclear? 
CF - A máquina é do mesmo tipo de outras já existentes, designadamente a 
máquina europeia JET- Joint European Torus, perto de Oxford, no Reino 
Unido, mas bastante maior. Máquinas desse tipo são chamadas "tokamaks", nome que vem de um acrónimo 
russo para "câmara toroidal com bobinas magnéticas", inventada  no final
dos anos 50 pelos físicos russo Igor Tamm (Nobel da Física em 1958) e 
Andrei Salharov (este muito conhecido pela defesa que fez dos direitos 
humanos; ganhou o Nobel da Paz em 1975).
O tokamak do ITER, em Cadarache, perto de Marselha, que começou agora a 
ser montado uma vez que a base acabou de ser construída, é um grande 
"donut" metálico
no interior do qual está um vácuo onde se injecta um plasma: núcleos de 
deutério (hidrogénio pesado: um protão e um neutrão; o núcleo de hidrogénio normal é só um protão) e 
trítio (hidrogénio muito pesado, com um protão e dois neutrões) e electrões.  O gás é aquecido por uma resistência eléctrica e mantido afastado das 
paredes (que derreteriam à temperatura atingida pelo plasma) graças a um 
enorme enorme magnete.
Com o aquecimento o deutério pode-se fundir com o trítio dando hélio, 
libertando neutrões e energia.  esta forma de energia nuclear  é parecida com a que é produzida pelo Sol e do qual depende toda a vida 
na Terra, embora a reacção seja um pouco diferente (e também com as das 
bombas de hidrogénio,
que são parte dos actuais arsenais nucleares). 
Portanto, a ideia é 
imitar o Sol (ou outra estrela, já que o Sol é uma estrela banal entre 
muitas outras)  na Terra. A promessa é ter energia limpa (ao contrário das actuais centrais 
nucleares, não se formam produtos radioactivos de longa duração, que 
seja necessário armazenar algures) e segura (ao contrário de Chernobyl é possível desligar o reactor numa 
fracção de segundo) usando combustível que temos em abundância (o 
hidrogénio, que está na água, por exemplo a do mar;
o trítio é uma forma muito rara de hidrogénio, que se regeneraria no 
ITER a partir do choque do hélio com o lítio num lençol envolvente).
O JET não conseguiu produzir mais energia do que a que lá se mete. O 
ITER pretende obter dez vezes mais energia do que lá se mete. Não será 
ainda suficiente
para produzir electricidade com uma normal central eléctrica que 
funciona com uma turbina. Tal é o objectivo de um projecto que se 
sucederá ao ITER, denominado DEMO, que terá um output 25 vezes maior do que o input. O 
ITER vai fornecer a potência de 500 MW ao passo que o DEMO vai fornecer 
2000 MW (para comparação, a central termoeléctrica de Sines dá 1256 MW).
Mas há bastantes problemas a resolver: a engenharia é muito complicada e 
os custos têm vindo a derrapar. Não haverá fusão no ITER antes de 2035 e 
os custos até lá estão previstos  oficialmente em 20 mil milhões de euros, mas há quem diga que vão ser 
mais do triplo disso. O custo  real passou é mais do dobro do previsto  
há 10 anos. Por dificuldades políticas, económicas e técnicas o ITER tem-se 
atrasado. Antes de haver fusão em 2035 prevê-se que haja plasma dentro 
da máquina em 2025.  Receio que os preços aumentem e os prazos deslizem. Actualmente estão a 
gastar 2 mil milhões por ano (para comparação a ajuda este ano à TAP vai 
ser  1200 milhões) e os custos vão subir à medida que o reactor for 
sendo construído.
A ideia é boa em princípio, mas será que em 2050, quando o DEMO poderá 
levar a um modelo, o PROTO, comercialmente viável. Noto que o ITER não é um reactor, mas uma 
experiência: nunca ser+a ligado à rede eléctrica. O DEMO será um reactor 
experimental, com ligação à rede eléctrica. O PROTO será já um reactor 
comercial.  Não haverá formas economicamente mais competitivas de obter energia, 
usando as chamadas "energia alternativas", designadamente a solar? A questão é: será mais viável construir o Sol na 
Terra ou aproveitar melhor a energia que o Sol nos envia? 
CV - Qual é a importância, na sua perspectiva, de juntarem esforços países 
como o Japão, os Estados Unidos, a Coreia do Sul, a Índia à União 
Europeia, na corrida a uma energia "limpa"? 
CF - E também a Rússia e a China, que são superpotências rivais dos EUA. Só 
este facto é extraordinário, juntarem-se os países que têm mais de 80% 
do PIB do mundo e mais de 50% da população num grande projecto científico. O CERN - um projecto de física 
fundamental - não tem a mesma amplitude geográfica (basicamente é a 
União Europeia mais a Suíça, o Reino Unido e a Noruega) e custou menos  (o acelerador LHC  custou cerca de 15 mil milhões até agora).
Há ainda projectos espaciais, tendo os Estados Unidos uma agência 
(NASA), a União Europeia outra muito menor (ESA), e a Rússia e a China 
outras, havendo forte concorrência entre algumas delas (a NASA e a ESA 
vão cooperando).
Aprende-se muito a trabalhar em conjunto. O ITER mostra que é possível a 
cooperação científico-técnica à escala global. Só por isso vale a pena! 
Não faz muito sentido que os países que estão a trabalhar em conjunto 
para preparara o futuro se enfrentem numa guerra. Portanto, o ITER pode ser visto como uma espécie de vacina que previne 
uma terceira guerra mundial. Mas não nos iludamos: não há projectos 
muito concretos para o DEMO. Tanto os Estados Unido como a Rússia como a China podem ter no futuro 
projectos próprios para produzir energia de fusão nuclear. A verdade é que ninguém sabe como vai ser, a prazo, o futuro da fusão 
nuclear controlada.
Um aspecto positivo para nós, portugueses e europeus, é que o ITER se 
situa-se num sítio da Europa, não longe daqui, e dá  oportunidades de trabalho a físicos e engenheiros portugueses e negócios 
à indústria portuguesa. Mas temos de o ajudar a pagar: 45% dos custos são cobertos pela União Europeia (agira sem o Reino Unido, que está a 
negociar como é que vai continuar associado). 
CV - Ian Chapman defende a fusão em detrimento da cisão. De que forma é a fusão nuclear mais vantajosa? 
CF - Chapman é um jovem físico especialista em fusão nuclear que preside à 
agência nuclear britânica. Está a defender  a sua dama, como é natural, mas a energia nuclear convencional ainda há 
cerca de 10% da energia eléctrica em todo o mundo (muito mais do que isso em países como a França). A produção de energia nuclear de cisão está 
levemente ascendente, provavelmente porque essa forma de energia não produz gases de efeito estufa como o 
dióxido de carbono.
A grande vantagem da energia nuclear de fusão, que também não produz 
esses gases pois a combustão não é química mas nuclear, é que não temos que armazenar resíduos radioactivos, além de as 
operações serem potencialmente mais seguras. Além disso, a energia libertada por processo é cerca de três vezes maior 
na fusão do que na cisão. Mas a energia nuclear de cisão é uma tecnologia bem desenvolvida ao 
contrário do que se passa com a energia nuclear de fusão.  que com o ITER está ainda no seu início. 
CV - O que falta para que a fusão nuclear possa resultar numa energia 
comercialmente viável? Ou, por outra, acredita que poderá vir a ter um 
papel importante no sector da energia a nível mundial? 
CF- Falta desenvolver a tecnologia. É um grande desafio... Claro que há 
simulações em computador, mas têm de se fazer  o processo na realidade. As temperaturas são elevadíssimas, pelo menos tão altas como no interior 
mais profundo do Sol. Os campos magnéticos  têm de ser muito fortes para manter o plasma apertado longe das paredes 
do tokamak; o íman deve dar para levantar um avião!
Os neutrões, que são neutros e por isso incontroláveis pelos magnetes, saem do interior do tokamak a velocidades muito grandes (há até quem 
receia que eles possam prejudicar os materiais de que é feita a máquina e o seu invólucro, tornando alguns componentes radioactivos, uma posição 
que é contestada por outros; há que experimentar).
Com toda a franqueza, eu  tenho esperança que a energia nuclear de fusão 
possa satisfazer as grandes necessidades de energia da humanidade, mas não tenho - ninguém tem a certeza - 
absoluta. O processo pode-se revelar caro demais. Ou complicado demais, dada a escala do reactor comercialmente viável. Há 
quem prossiga com o desenho de  máquinas alternativas mais leves, que possam interessar investidores 
provados já que o ITER é um projecto público  internacional. Ou pode haver descobertas tecnológicas que levem a outras 
formas de produção de energia.
É muito arriscado  fazer previsões! Eu direi que, com 64 anos, já não 
vou ver a fusão nuclear a operar de forma corrente, oxalá veja de forma experimental. Talvez o meu filho vá ver: antes de 
2060 não deve haver energia de fusão comercialmente viável. Sendo assim, acho que a fusão nuclear não vai 
contribuir para resolver o problema grave das alterações climáticas. Virá, se vier, demasiado tarde. Temos de desenvolver mais 
ainda as energias alternativas, tecnologias que são mais leves e baratas.

 
 
 
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