Meu artigo no último "As Artes entre as Letras":
José de Almada de Negreiros, o grande escritor e pintor do
modernismo português, nasceu em 7 de Abril de 1893 no interior da ilha de S.
Tomé, no Golfo da Guiné, que banha a costa ocidental de África. O pai, António
Lobo de Almada Negreiros, era tenente de cavalaria e administrador colonial e a
mãe, Elvira Sobral de Almada Negreiros, era uma mestiça santomense. O local do
nascimento foi a roça Saudade, na freguesia de Trindade, a cerca de meia hora
da cidade de S. Tomé, capital do país. Almada veio para a metrópole com dois
anos de idade, o que fez com que tenha perdido as referências à sua terra natal,
onde nunca voltou. Foi viver para Cascais na casa dos seus avós maternos. A mãe
morreu pouco depois enquanto o pai continuava como administrador em S. Tomé. O
pai iria a Paris em 1900, sem passar por Portugal, dirigir o Pavilhão das Colónias
na Exposição Universal. José de Almada Negreiros
e o seu irmão António estudaram no colégio jesuíta de Campolide, em Lisboa, de
onde tiveram de sair quando os jesuítas foram afastados do país após a
implantação da República em 1910. Não é muito conhecido que Almada foi
estudante no liceu de Coimbra, na escola que hoje é chamada de José Falcão. A
seguir estudou na Escola Internacional de Lisboa, tendo depois entrado na vida
artística praticamente como autodidacta.
A casa onde Almada nasceu foi recentemente adaptada para
restaurante, onde se podem desfrutar magníficos pratos da cozinha santomense,
numa esplanada com vista para a luxuriante floresta tropical com o Atlântico em
fundo. Na esplanada muito bem decorada – o tecto está engalanado com panos africanos
multicolores e no chão repousam cestos com exóticas frutas tropicais – pode
respirar-se tranquilamente o ambiente da África equatorial. A ementa tradicional
é fixa, havendo duas entradas antes do prato principal, da sobremesa e do café,
feito de cafezeiros locais. Muito perto da roça Saudade pode visitar-se o Monte
Café, uma grande roça onde hoje se pode visitar um museu didáctico, que mostra
não só como se fazia café nos tempos coloniais, mas também como era a vida na roça.
Existia um importante agrupamento de casas, com escola, hospital e tudo. Nos séculos XIX e XX explorava-se a mão de
obra barata dos negros. Era trabalho forçado porque os trabalhadores, muitos
deles trazidos à força de África, recebiam menos do que eram obrigados a pagar
pelo alojamento, o que significa que estavam totalmente nas mãos dos proprietários.
No restaurante - à porta do qual alguns meninos vendem aos
turistas por poucas dobras framboesas silvestres que eles próprios apanharam
nas redondezas - existe uma divisão com peças de escultura e pintura santomenses e outra, mais pequena, com muitos
livros de Almada – o romance “Nome de Guerra”, o manifesto Anti-Dantas, poesia,
teatro, etc. – e, nas paredes, cartazes, o maior da Fundação Gulbenkian, e
reproduções de desenhos do artista. São Tomé tem uma relação ambivalente com
Almada – por um lado ele é um filho da terra e um dos criadores culturais mais distintos
do século XX português, mas por outro a sua família fez parte dos colonizadores
africanos e não se encontram na obra de Almada muitas referências às suas
origens.
Se por S. Tomé passou um dos nomes maiores da arte portuguesa,
deve acrescentar-se que passou também um nome importante da ciência nacional, o
almirante Gago Coutinho, que esteve no arquipélago como geógrafo. O seu
trabalho permitiu determinar a linha do equador, que passa no ilhéu das Rolas (também
chamado ilhéu Gago Coutinho) a sul da ilha de São Tomé, bastante perto do hotel
Pestana Equador, que tem um serviço de “transfer” a partir da ilha maior. É uma
experiência inolvidável primeiro o percurso automóvel entre a capital de S.
Tome e o cais de embarque do Pestana e depois a curta travessia de barco até ao
hotel. A visita é obrigatória para quem
deseja fazer uma fotografia com um pé no hemisfério Norte e o outro no hemisfério
Sul. Embora não seja necessário, os turistas que sobem do hotel ao monumento
que assinala a linha do equador – um belo local com vista para a ilha maior -
beneficiam em utilizar como guia um dos rapazes da pequena aldeia de S.
Francisco Xavier, uma terreola de pescadores com cerca de 200 habitantes, muito
perto de hotel.
Gago Coutinho encabeçou a missão geodésica portuguesa em S. Tomé
entre 1915 e 1918, quando Almada tinha entre 23 e 26 anos e começava a sua
carreira artística. O militar da Marinha, que ficaria famoso em 1922 pela sua travessia
aérea do Atlântico sul com Sacadura Cabral, entregou em 1919 ao governo português
a carta e o relatório da missão, o primeiro levantamento geodésico completo de
uma colónia portuguesa.
Pormenor curioso: um dos rapazes locais que vende artesanato
junto ao monumento do equador tem para mostrar uma planta a que chamam “mulher
portuguesa”, pois ela encolhe mal seja tocada.
Além da subida pelo meio da floresta ao sítio do equador, e da vista à
praia do Café, junto à aldeia de S. Francisco, vale a pena fazer uma visita de
barco em volta do Ilhéu das Rolas, vendo outras praias, como a praia da Bateria,
a praia da Escada, e a praia da Joana. A terra natal de Almada Negreiros é um
local único do mundo, com uma paisagem natural deslumbrante. Acresce a simpatia dos santomenses, sempre prontos
a ajudar com indicações sobre as espécies vegetais, algumas das quais estão na
base da culinária que os portugueses conhecem do programa “Na roça com os tachos”
do chefe João Carlos Silva.
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