terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Plataformas escolares para registo de dados: "Tudo pode ser vendido. Tudo pode ser subtraído"

Em Junho do passado ano, o Professor Paulo Guinote pronunciou-se, no seu blogue, sobre uma das plataformas postas ao "serviço" do sistema educativo português com o objectivo de recolher uma enorme diversidade de dados de instituições escolares, de pessoas que a elas estão ligadas e de acções que nelas têm lugar. O seu texto, de grande interesse, é o seguinte: 360 Controle Central Total + 0 Autonomia = Escola 360Hoje saiu no Público um artigo de opinião da sua autoria, sobre o mesmo assunto, a que vale a pena dar atenção Quanto valem os dados dos alunos? Dele retirámos as passagens que se seguem.
Maria Helena Damião e Isaltina Martins

"Neste momento, milhares de escolas já cedem uma massa imensa de informação a um conjunto muito restrito de empresas privadas que cobram por esse serviço, ficando na posse de dados de todo o tipo sobre os alunos e famílias.
(...) o maior valor passou a estar na informação sobre os indivíduos e os seus hábitos e a forma como a adesão alargada aos novos aparatos tecnológicos e ferramentas digitais para as mais pequenas operações do dia-a-dia passou a estar monitorizada por uma multiplicidade de aplicações instaladas voluntariamente (ou por defeito) em computadores, tablets, smartphones e até relógios, [por isso] acho muito interessante que o tema seja abordado nas aulas de modo a que os indivíduos percebam até que ponto muitas das suas acções passaram a ser meros pontos em vectores de informação, destinados a alimentar algoritmos que, por sua vez, lhes fornecem “gratuitamente” sugestões para continuarem a consumir e assim manterem um ciclo permanente de fornecimento de mais informação a terceiros
Informação cedida quase sempre de forma voluntária, porque inconsciente. Ou porque, afinal, a app é gratuita e dá muito jeito, sem que se perceba tudo o que lhes está associado e como isso pode ser comercializado de forma altamente lucrativa. Mesmo a mais pequena pesquisa num motor de busca acarreta que se aceite a “politica de privacidade” do fornecedor do serviço, da qual nem 1% da população se preocupa em ler as letras grandes, quando mais as pequenas. 
Neste momento, a quase totalidade dos agrupamentos e escolas recorre a plataformas digitais para registo dos alunos e dos seus dados (assim como de professores e funcionários), bem como da generalidade das suas rotinas diárias. 
Centenas de agrupamentos e milhares de escolas já cedem uma massa imensa de informação a um conjunto muito restrito de empresas privadas que cobram por esse serviço, ficando na posse de dados de todo o tipo (familiares, económicos, geográficos, de aproveitamento, assiduidade e sua tipificação) sobre os alunos e famílias (...).
A conversão em informação digital de algo tão simples como os consumos nas papelarias e bares escolares permite a acumulação de informação em servidores externos, com níveis de segurança muito frágeis, que, mesmo que sejam respeitadas as regras legais ou éticas no seu armazenamento e uso, podem ser “roubados” a qualquer instante por um hacker mediano.  
Tudo pode ser vendido. Tudo pode ser subtraído. O que comemos, o que gastamos, quando, onde, a que ritmo. Até as doenças dos alunos ou as suas necessidades específicas (...).
Que se queira acrescentar uma nova camada de cedência de dados – quando se defende que as aulas sejam suportadas quase só em meios digitais – acerca da prática docente, dos hábitos de estudo, dos recursos usados, quando, onde, como, é subir outro nível – mas um nível muito importante – na entrega de informação dos alunos a plataformas online sem que exista uma garantia efectiva da manutenção da sua privacidade, já que o seu uso para efeitos comerciais é quase inevitável, mesmo que encoberta por termos como “partilha de informação” ou “busca de estratégias mais eficazes de gestão”. E há algum cuidado com isso quando se assinam contratos que quase todos os que cedem os dados desconhecem? A alternativa é o regresso à idade da pedra do papel como suporte único? Nada disso, é começar por repensar o que se entende e queremos quando falamos em “Economia Digital”. Professor do 2.º ciclo do Ensino Básico" 
Nota - também o Professor António Duarte se pronunciou sobre este assunto no seu blogue: aqui

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