domingo, 24 de julho de 2016

Ainda o livro sobre Montaigne: introdução do autor

As pessoas estariam na praia, estendidas na areia, ou então preparando‑se para almoçar, bebericando um aperitivo, e ouviriam conversar sobre Montaigne na rádio. Quando Philippe Val me pediu para falar sobre os Ensaios* na antena da France Inter, diariamente durante alguns minutos, no Verão, a ideia pareceu‑me tão absurda, e o desafio tão arriscado, que nem me atrevi a escapar‑lhe.

Em primeiro lugar, reduzir Montaigne a excertos era absolutamente o contrário de tudo quanto aprendera à luz das concepções reinantes nos tempos em que era estudante. Nessa época, atacava‑se a moral tradicional exposta em Ensaios sob a forma de sentenças e exaltava‑se o regresso ao texto na sua complexidade e nas suas contradições. Quem ousasse trinchar Montaigne e servi‑lo aos nacos seria imediatamente declarado minus habens, atirado para o caixote do lixo da história como se fora um avatar de Pierre Charron, autor de um Tratado da Sabedoria, construído com máximas copiadas dos Ensaios. Desafiar essa interdição, ou encontrar maneira de a contornar, era uma provocação tentadora.

Em seguida, seleccionar cerca de quarenta passagens de algumas linhas para as glosar em poucos minutos, ilustrando nelas, ao mesmo tempo, tanto a espessura histórica como o alcance actual, o desafio parecia‑me insustentável. Deveria escolher as páginas ao acaso, como Santo Agostinho folheando a Bíblia? Pedir a uma mão inocente que as escolhesse a dedo? Ou cruzar a galope os grandes temas da obra? Dar uma ideia aproximada da sua riqueza e da sua diversidade? Ou contentar‑me apenas em destacar alguns dos meus fragmentos preferidos, sem preocupação de unidade nem de ser exaustivo? Fiz um pouco de tudo, sem ordem nem método.

Por fim, ocupar a antena à hora de Lucien Jeunesse**, a quem devo a melhor parte da minha cultura da adolescência, era uma oferta irrecusável.

Antoine Compagnon


* O texto é o da edição de 1595 na versão do «Livre de poche», col. «La Pochothèque» (Librairie générale française, 2001), sob a direcção de Jean Céard. (N. do A.)
** Animador de rádio, cantor, actor (1918‑2008). Durante trinta anos, até

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