terça-feira, 17 de setembro de 2024

OS 50 ANOS MAIS RECENTES DA GAZETA DE FÍSICA

 Meu artigo na Gazeta de Física (número especial de aniversário):

A «Gazeta de Física», fundada em 1946 por Armando Gibert, vai no volume 46 (normalmente saem quatro fascículos por volume, sendo este anual, embora dois fascículos surjam, por vezes, agrupados). Todos os volumes podem ser consultados no sítio da revista: http://spf.pt/magazines/gfis. 

Até Abril de 1974, durante 28 anos, saíram cinco volumes, pelo que depois dessa data saíram os restantes 41 volumes. Curiosamente, o último fascículo, o n.º 9 do vol. 5 (os volumes tinham, então, mais fascículos do que actualmente) ostenta a data de Abril de 1974, mas foi preparado antes da Revolução, pois não há qualquer menção à mudança política no país. 

A revista, subsidiada pelo Instituto de Alta Cultura e pela Junta de Energia Nuclear, era propriedade da Gazeta de Matemática Lda. A sede ainda era no mesmo sítio do número inicial: o Laboratório de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. A composição e impressão eram na Tipografia Matemática Lda., em Lisboa. Havia, em vez de um director, uma Comissão de Redacção, onde ainda perduravam dois nomes da comissão de 1946: Rómulo de Carvalho (1906-1996) e Lídia Salgueiro (1917-2009), o primeiro professor do Liceu Pedro Nunes e a segunda professora da Faculdade de Ciências de Lisboa. Os outros redactores no número de 1974 eram José Gomes Ferreira, Fernando Bragança Gil, João Sousa Lopes, Maria Teresa Gonçalves, Frederico Gama Carvalho (filho de Rómulo de Carvalho), Rui Namorado Rosa, José Carvalho Soares, João Bessa e Sousa, e Mário Trigueiros.

Num tempo politicamente tumultuoso, a Gazeta conheceu uma pausa entre 1974 e 1978, mas, em Fevereiro de 1978, regressou, com o grafismo alterado. A capa do fasc. 1 do vol. 6 mostrava a medalha da Sociedade Portuguesa de Física (SPF) que tinha servido para assinalar a 1.ª Conferência Nacional de Física, realizada em 23 e 24 de Fevereiro de 1978 na Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa. 

No editorial assinado por Fernando Bragança Gil (1927-2009 ), professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e então secretário-geral da« SPF (foi o primeiro a ocupar esse cargo),  dava-se conta da aquisição da revista aos anteriores proprietários,« passando a Gazeta a ser o órgão da SPF, criada um pouco  antes de 25 de Abril de 1974 com sede na Avenida da República, 37-4.º, em Lisboa. Bragança Gil dizia aí, lembrando a herança de «cinco volumes com um total de 1400 páginas que 

«a Gazeta de Física constituiu uma das primeiras publicações periódicas, a nível mundial, exclusivamente dedicada ao ensino e à divulgação da Física». 

Reafirmava a política anterior de ser uma revista de divulgação da Física e de apoio ao seu ensino, e não uma revista de divulgação de trabalhos originais de investigação: 

«O seu nível mais elevado alcança a classe dos professores do ensino médio e a dos estudantes universitários dos anos mais adiantados. Ocupa-se da divulgação dos conhecimentos da Física, ou com ela relacionados, da meditação sobre os conceitos em que essa ciência se fundamenta e dos problemas do seu ensino.» 

Mais afirma que ia naturalmente passar a noticiar a actividade da SPF. Tinha sido designado director da revista João Sousa Lopes, secretário-geral adjunto. Como que marcando a continuidade, o novo número abria com um artigo de Lídia Salgueiro, sobre Manuel Valadares (1904-1982) 

«[1], um dos físicos banidos do ensino e da investigação pelo Estado Novo, tal como Armando Gibert (1914-1985), pela purga de 1947. A autora lembrava que Valadares, para além de ter estado na origem da Portugaliae Physica, a revista científica de física criada há 80 anos [2] que, tal como a Gazeta, passou para a SPF quando esta foi criada, «com o seu entusiasmo contribuiu também para a fundação da revista Gazeta de Física.»

A história do início e desenvolvimento inicial da Gazeta, a «revista dos estudantes de física e dos físicos e técnicos-físicos portugueses», já foi contada na própria revista [3-4]. Têm de ser consideradas extraordinárias a iniciativa e a persistência dos fundadores – além do mentor Armando Gibert e dos já referidos Lídia Salgueiro e Rómulo de Carvalho, também Jaime Xavier de Brito (1893-1960), professor liceal, arrancarem e prosseguirem com o projecto editorial. 

Para além da ajuda dos seus colegas da Gazeta de Matemática, fundada em 1939, e em boa medida inspiradora, valeu a Gibert e seus companheiros a angariação de anúncios. Gibert viu a reclamação que interpôs contra o seu afastamento ser atendida, mas esperou e desesperou pelo reconhecimento da tese de doutoramento que tinha defendido  na Escola Politécnica de Zurique (ETH), sob a orientação de Paul Scherrer, o famoso físico nuclear suíço. Só em 1974, o seu título de doutor foi reconhecido e ele pôde ser contratado como professor universitário. Quando Gibert faleceu, Lídia Salgueiro escreveu um obituário de Gibert, no fasc. 4 do vol. 8 (1985) [5]. Em 2007, saíram na Gazeta dois artigos recordando Gilbert, um de Júlia Gaspar e outro da mesma autora e de Ana Simões [6-7].

Entre 1978 e 2024 passaram 46 anos, tantos quantos os volumes da Gazeta, o que dá conta da regularidade da revista, ao contrário do que, por várias razões (desde logo a falta de apoios materiais), aconteceu nos 28 anos anteriores. A publicação da revista reflecte bem a vitalidade da física e dos físicos em Portugal, que foi crescendo com a expansão da ciência em Portugal nas últimas três décadas.

Regista-se aqui o nome de todos os directores da Gazeta de Física após 1974, todos eles professores de Física de instituições universitárias portuguesas, que asseguraram a regularidade da revista:

- João Sousa Lopes, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que entrou, como foi dito no fasc. 1 do vol. 6 (1978) e só dirigiu dois fascículos.

- Carlos Sá Furtado, da Faculdade de Ciências e Tecnologia« da Universidade de Coimbra, que entrou no fasc. 3-4 do vol. 6 (1979), como anunciava o editorial de Henrique Machado Jorge, então secretário-geral da SPF, que noticiou também a formação de uma Comissão Redactorial «activa e participante» com sete nomes de docentes do ensino secundário e superior de Lisboa, Coimbra e Porto.

- Filipe Duarte Santos, da Faculdade de Ciências de Lisboa, novo secretário-geral da SPF, que entrou com o fasc. 3-4 do vol. 7 (1984), assessorado por uma Comissão de Redação renovada, agora só com docentes do ensino superior. Com esse número a revista voltou a ter um design de capa mais parecido com o que tinha vigorado entre 1946 e 1974.

- João Bessa e Sousa, da Faculdade de Ciências da Universidade« do Porto, que entrou como codirector com Filipe Duarte Santos no fasc. 2 do vol. 13 (1990), que indica uma Comissão de Redacção e Administração com novos nomes.

- Carlos Fiolhais, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, que se juntou a João Bessa e Sousa e a Filipe Duarte Santos a partir do fasc. 4 do vol. 15 (1992). A

Comissão de Redacção e Administração tinha oito nomes. A partir do fasc. 1 do vol. 16 (1993) a revista sofreu uma profunda remodelação gráfica, mudando o logotipo, passando a capa de vermelho para azul e aumentando o tamanho. A Comissão de Redacção e Administração limitava-se agora a quatro nomes, dos corpos gerentes da SPF. O editorial dizia que se procurava« «corresponder às crescentes exigências colocadas à SPF 

«na sociedade portuguesa, nomeadamente no campo da divulgação científica, contribuindo para uma crescente tomada de consciência colectiva sobre o papel essencial desempenhado pela Física nos mais variados domínios da actividade humana.» 

Como nota de irreverência, a capa ostentava a famosa fotografia de Einstein com a língua de fora. E, como sinal de continuidade, publicava-se uma entrevista com Rómulo de Carvalho [8].

- Carlos Fiolhais e João Bessa e Sousa, que foram codirectores a partir do fasc. 1 do vol. 20 (1997), dedicado aos 50 anos da Gazeta de Física. O artigo inicial é de Lídia Salgueiro, sobre o início da Gazeta, em que lembrava esses anos difíceis [3]. Uma boa parte desse número era dedicada a Rómulo de Carvalho.

- João Bessa e Sousa, que foi director único da Gazeta a partir do fasc. 2-3 do vol. 20 (1997). Registou-se uma mudança da cor da capa no fasc. 1 do vol. 21, de azul para verde, que durou cinco fascículos.

- Carlos Fiolhais, que foi director único da Gazeta desde o fasc. 2 do vol. 22 (1999). Passou a haver três correspondentes, em Lisboa, Coimbra e Porto, em vez de uma Comissão de Redacção.

Passou então a exercer as funções de editor Carlos Pessoa, jornalista do Público, e a responsabilidade pelo grafismo passou ser da Lupa Design, empresa da artista Danuta Wojciechowska.

O grafismo da Lupa durou sete números, sendo substituído pelo da empresa Mediaprimer a partir do fasc. 2 do vol. 24 (2001). O editorial, escrito pelo novo director, prometia não só «continuar uma tradição riquíssima de meio século de publicação ao serviço da Física» mas também incluir uma maior variedade de assuntos, como entrevistas (saiu nesse número uma de Alain Aspect, Nobel da Física de 2022, num exclusivo Science et Vie / Gazeta de Física) e páginas de opinião. A partir do fasc. 2 do vol. 27 (2004) Constança Providência e Lucília Brito passaram a ser directoras adjuntas. Cessou no fasc. 4 do vol. 27 (2004) a colaboração de Carlos Pessoa, substituído pela jornalista Paula Almeida, que, por sua vez, cessaria a sua colaboração com o fasc. 4 do vol. 29 (2006).

- Teresa Peña, do Instituto Superior Técnico, que começou a dirigir a revista a partir do fasc. 3-4 do vol. 30 (2007), assessorada por Gonçalo Figueira, Carlos Herdeiro, Filipe Moura e Yasser Omar. Mudou nessa altura o logotipo e o design, que passou a ser da Dossier, Comunicação e Imagem. Passaram a ser colunistas Jim Al-Khalili (investigador inglês, que assim dava um toque internacional à revista), Carlos Fiolhais, Constança Providência e Ana Simões. Foi nessa altura que se consolidou a edição on-line da revista, criando-se um arquivo digital completo. Foi nesse número que se lembrou o fundador da revista em dois artigos [6-7].

- Gonçalo Figueira, do Instituto Superior Técnico, que passou a ser o director no fasc. 1 do vol. 36 (2013), assessorado por Carlos Herdeiro e Filipe Moura, atendendo ao facto de Teresa Peña ter assumido as funções de presidente da SPF.

- Bernardo Almeida, da Universidade do Minho, que passou a ser director no fasc. 1 do vol. 41 (2018), funções que continua a exercer actualmente. Na equipa que o assessorava era constituída por Francisco Macedo, Nuno Peres, Filipe Moura e Olivier Pellegrino, existindo ainda uma numerosa comissão editorial, que integrava, entre outros nomes, os antigos directores Gonçalo Figueira, Teresa Peña e Carlos Fiolhais. Continuaram a existir três correspondentes regionais. O design desse número era da Fid’algo, que tinha substituído a Dossier a partir do fasc. 1 do vol. 38 (2015). O actual design gráfico é da DR Absolut Graphic Lda.

A Gazeta de Física tem publicado artigos de divulgação científica, pedagógica e histórica das mais diversas áreas da Física, entrevistas com físicos de nomeada (alguns deles prémios Nobel), notícias nacionais e internacionais da física, ampla informação sobre as Olimpíadas Nacionais e Internacionais de Física, recensões de livros e artigos de opinião. A Gazeta publicou, entre 1978 e hoje, alguns números especiais:

- fasc. 1, vol. 13 (1990) «Física em Portugal. Uma abordagem da situação actual»;
- fasc. 1, vol. 20 (1977), «50 anos da Gazeta de Física»;
- fasc 3, vol. 29 (2006), «À luz de Einstein»;
- fasc. 2-3, vol. 32 (2009), «Ano Internacional da Astronomia»;
- fasc. 3-4, vol. 33 (2010), «Física aplicada à biologia e à medicina.
- fasc. 1, vol. 34 (2011), «Lasers e aplicações»;
- fasc. 2, vol. 34 (2011), «História e protagonistas da física em Portugal no século XX»;
- fasc. 1-2, vol. 39 (2016), «Ano Internacional da Luz»;
- fasc. 3-4, vol. 40 (2018), «A física da Terra»;
- fasc. 2, vol. 42 (2019), «Einstein, Eddington e o Eclipse»;
- fasc. 1, vol. 43 (2020), «A física dos oceanos»;
- fasc. 2-3, vol. 44, (2021), «Buracos Negros»;
- fasc. 1-2, vol. 45, (2022), «A física do clima»;
- fasc. 1, vol. 47, (2024), «Manuel Valadares».

Em 2003 saiu como anexo o «Relatório-Síntese Global da Avaliação Externa dos Cursos de Ciência Física», redigido por uma comissão presidida por Filipe Duarte Santos.

Merecem também referência, para além dos directores, redactores, correspondentes e gráficos, que ajudaram a fazer a Gazeta de Física nos últimos 50 anos, e nem todos aqui nomeados, as funções de secretariado desempenhadas por Maria José Couceiro, em Lisboa, Florbela Teixeira, no Porto, e Carolina Borges Simões e Cristina Silva, em Coimbra. E, claro, as instituições que apoiaram financeiramente a revista, como a Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

Por último, vale a pena lembrar, por não terem perdido a actualidade, as palavras de Gibert que abriram o primeiro número da Gazeta de Física, em 1946, num artigo intitulado «Tribuna da Física,» que foram subscritas por toda a redacção:

«A Gazeta de Física tem por primeiro e grande objectivo contribuir activamente para o desenvolvimento e elevação dos estudos da Física em Portugal em todos os graus de ensino, assim como para o esclarecimento de um público mais vasto sobre a posição real da intervenção da Física na vida moderna e sobre a acção do nível científico dos físicos e técnico-físicos no ritmo e na independência do progresso industrial do nosso país.»

Referências

[1] L. Salgueiro, «Vida e obra de Manuel Valadares», Gazeta de Física, vol. 6 (1978) 2-12.
[2] C. Fiolhais, «Portugaliae Physica: A revista científica da Sociedade Portuguesa de Física», idem, vol. 46, fasc. 3 (2023).
[3] L. Salgueiro, «A epopeia do começo da Gazeta de Física», idem, vol. 20, fasc. 1 (1997), 3-5.
[4] A. Pereira e I. Serra, «A Gazeta de Física e a Física em Portugal», idem, vol. 21, fasc. 1 (1998), 7- 11.
[5] L. Salgueiro, «Armando Gibert (1914-1985)», idem, vol. 8, fasc. 4 (1985), 124-125.
[6] J. Gaspar, «Armando Carlos Gibert (1914-1985), o fundador da Gazeta de Física», idem, vol. 30, fasc. 2-3, 12-13.
[7] J. Gaspar e A. Simões, «A Recordar o Passado, a Pensar no Futuro: era uma vez uma Gazeta de Física», idem, vol. 30, fasc. 2-3, 14-16.
[8] C. Auretta e A.M. Nunes dos Santos, «Uma Conversa com Rómulo de Carvalho/ António Gedeão», idem, vol. 16, fasc. 1, 2-8.

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