terça-feira, 10 de setembro de 2024

CAMPONESES

Por A. Galopim de Carvalho

Era assim que se dizia - camponeses. Conheci-os bem, na minha adolescência, como campista selvagem que fiz nesses anos por entre as herdades do Alentejo. Digo por entre as herdades porque todo o território que conheci nesta condição de rapaz com mais dois ou três companheiros, “por esses campos fora” era pertença deste ou daquele grande proprietário que, nesses anos eram conhecidos por lavradores ou terratenentes. Conheci-os também no Quartel, em Artilharia 3, em Évora, como oficial subalterno (fui aspirante, alferes e tenente miliciano) nas duas ou três recrutas que ministrei.

Inicialmente amedrontados e tímidos, eram jovens fortes de braços e pernas, mas, no geral, com pouca agilidade. As suas mãos, queimadas pelo sol, contrastavam com os seus corpos demasiado brancos, fruto de uma vida inteira quase sem verem a luz do dia. 

Calejadas, gretadas e de unhas grossas e duras, estas mãos eram o reflexo da rudeza dos trabalhos agrícolas. Mãos sem os movimentos finos, que a escola e a escrita desenvolvem, só funcionavam em bloco, como um todo de braços e corpo. A sua caneta era a enxada, como alguns diziam, a brincarem com a sua própria condição.

Com o advento da liberdade, mau grado as muitas dificuldades sentidas por uma franja muito significativa dos nossos concidadãos, Portugal mudou, como se diz, da noite para o dia, em muitos aspectos da nossa vida. E um desses aspectos pode ser exemplificado com base no que escrevi acima. Deixou de haver camponeses como estes meus recrutas. Não sei praticamente nada sobre o actual mundo rural que também mudou radicalmente, mas sei que já não há, entre os portugueses, mãos grossas sem os movimentos finos, que a escola e a escrita desenvolvem.

3 comentários:

Anónimo disse...

Estimável Professor Doutor Galopim de Carvalho,

Presumindo que o advento da liberdade que V.Ex.a refere tem a ver com o golpe militar que no dia 25 de abril de 1974 acabou com a longa noite fascista, não posso deixar de esclarecer os leitores mais novos deste blogue que camponeses de mãos calejadas já os havia no tempo da República, que nos livrou dos reis, e no tempo da fundação do reino. Não foi a escola, principalmente, que acabou com as mãos grossas sem movimentos finos. O principal impulso que levou ao fim da miséria nos campos e nas cidades dá pelo nome de emigração. O aparente desenvolvimento educacional de Portugal, que levou à transformação de milhares e milhares de filhos de camponeses em professores e educadores de infância, deve-se sobretudo a um ensino facilitista e relaxado para os alunos, que oferece diplomas, mas pouco emprego garante fora do mundo das escolas.

Anónimo disse...

Valha-nos Deus!

Anónimo disse...

É preciso resistir!
Hoje, o senhor Ministro da Educação anunciou que vai acabar com o projeto Maia.
Viva Portugal!