Meu texto no JL:
António Manuel Baptista
(1924-2015), professor de Física na Academia Militar e no Instituto Português
de Oncologia (IPO), foi pioneiro em Portugal na Física Médica - designadamente na
área da Medicina Nuclear –, mas ficou sobretudo conhecido entre nós como um
divulgador da ciência, usando vários meios - imprensa, rádio, televisão e
livros. A sua intervenção nesta área teve um papel relevante no despertar de
vocações para a ciência e no alargamento da cultura científica num tempo em que
esta era incipiente no país. Baptista foi pioneiro na autoria de programas
sobre ciência na RTP e de vários livros, saídos principalmente na Gradiva. Homem
das «duas culturas», é de salientar a sua faceta literária, manifesta no seu
convívio com grandes nomes da literatura nacional como Alexandre O’Neill e
Mário Cesariny.
Filho do Coronel António Manuel Baptista e D. Maria Rosa da Conceição Baptista, nasceu na vila de Almeirim, em cuja toponímia está homenageado. Estudou na Escola Primária de Almeirim, no Liceu Sá da Bandeira em Santarém e no Liceu Passos Manuel de Lisboa. No final dos estudos secundários, era seu intuito entrar para a Marinha, mas um problema de tuberculose não só o impediu o acesso a uma carreira militar como o obrigou a um tratamento no sanatório do Caramulo, que lhe atrasou a vida escolar. Para aproveitar algumas cadeiras preparatórias que tinha feiro na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, inscreveu-se na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, na Licenciatura em Ciências Físico-Químicas, que concluiu em 1948. No último ano dos seus estudos universitários, teve como professor de Física o espanhol Julio Palacios Martinez, um encontro que se revelou determinante na sua carreira. Iria trabalhar com ele primeiro no Centro de Estudos de Física, anexo ao Laboratório de Física da Faculdade de Ciências, que era apoiado pelo instituto para a Alta Cultura (IAC).
Palacios, que tinha sido contratado como
catedrático pela Universidade de Lisboa na sequência de uma purga de docentes
pelo regime de Salazar, dirigiu aquele Centro de Estudos, trabalhando em electroquímica.
Quatro anos depois, foi chefiar um novo centro do IAC no Instituto Português de
Oncologia (IPO), denominado Centro de Física Nuclear, onde passou a trabalhar em
problemas de Medicina Nuclear, levando consigo Baptista. Os dois deram um impulso a trabalhos sobre a aplicação de
radioisótopos no diagnóstico e terapêutica de cancro.
Baptista foi bolseiro em Londres
em 1953 e nos Estados Unidos em 1957: foi graduado pela International School of
Nuclear Sciences and Engineering, no Argonne National Laboratory, Lemont, perto
de Chicago, e fez pós-graduação na Universidade da Carolina do Norte.
Doutorou-se, já regressado ao país, pela Academia Militar, em 1961, onde foi logo
recrutado como Professor Catedrático. E no IPO dirigiu o Laboratório de
Radioisótopos. Jubilou-se aos 70 anos. A sua obra em Medicina Nuclear
granjeou-lhe vários prémios e distinções, a começar pelo 1.º Prémio Pfizer em 1958.
Muito apreciados foram os seus
programas de divulgação da ciência na rádio e na televisão e, numa fase posterior
da sua vida, os seus escritos nos jornais e nos livros. Foi autor e
apresentador de muitos programas de rádio de divulgação científica e história
da ciência na Emissora Nacional, (desde 1976, RDP) e na TSF (1961-1986). Fez
programas da Telescola na RTP (1961). Foi autor e apresentador de programas de
divulgação científica na RTP (1961-1986), entre os quais “Ciência,” “Ciência a
cada Passo”, “Científicamente” e “Ciências do Homem”. Quando a televisão ainda era a preto e branco
e só existiam dois canais, influenciou muitos jovens a seguir carreiras
científicas. E ganhou a atenção de um público mais alargado para a ciência, num
tempo em que a divulgação científica tinha uma escala bem menor do que hoje. Foram,
por isso, muitos justa a atribuição que lhe foi feita do Prémio de Imprensa
(1969) e do Prémio Vídeo da Televisão (1981).
A partir da jubilação, Baptista
começou a prestar maior atenção à edição de livros. Já antes tinha sido autor
de três obras didácticas. mas, entre 1994 e 2004, foi o autor de sete livros de
divulgação científica, cinco dos quais na Gradiva. Os dois últimos documentam
uma polémica que manteve com o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, que, numa
abertura solene das aulas na Universidade de Coimbra, tinha deixado fortes
críticas à ciência.
Senhor de uma enorme cultura, foi também poeta: recitou poemas seus no programa “Perfil” da RTP, da responsabilidade do seu amigo Alexandre O’Neill. Manteve contactos com o surrealista Mário Cesariny e conviveu com outras grandes nomes da cultura nacional do seu tempo. Num dossiê dedicado pela revista Colóquio Letras da Fundação Gulbenkian (n.º 198, 2018) a Alexandre O’Neill vieram a lume algumas cartas trocadas com António Manuel Baptista e Luís Pedreira, cedidas pela filha do primeiro, Cristina Ovídio, para além de poemas juvenis de O’Neill e estudos sobre várias facetas da sua obra Baptista deu uma grande entrevista à revista Ler ao jornalista Carlos Vaz Marques.
Sobre a questão das “duas culturas”, isto é a separação
entre a cultura científico-tecnológica, por um lado, e a cultura artística, por
outro, que o intelectual britânico Charles P. Snow abordou numa famosa
conferência em Cambridge em 1959, Baptista afirmou então: «No nosso espírito é possível estabelecer pontes muito
próprias. A ciência é uma delas. A poesia outra. Pontes também para um
território sagrado, que é a mente humana.»
No ano do centenário do seu nascimento a herança de António Manuel Baptista na cultura portuguesa merece ser destacada, muito em particular o seu contributo para a consideração da ciência como parte da cultura. A Academia Militar homenageou-o no dia dos seus cem anos. Os CTT emitiram um selo em sua homenagem. E a Tinta da China vai reeditar o livro A Ciência no Grande Teatro do Mundo, cuja primeira edição saiu em 1998, como o n.º 97 da colecção «Ciência Aberta» da Gradiva. Vale a pena lê-lo porque mantém a actualidade, ao ligar a ciência com a história, a filosofia e poesia.
1 comentário:
António Manuel Batista foi um dos nossos Grandes.
Quando li este post não me pude esquecer sobretudo neste momento que escreveu e passo a citar :
"Se, de uma forma muito simples, mas clara, dissermos que o pensamento ideológico é um pensamento fechado, comprometido com uma conclusão prévia, e se considerarmos que ciência é o contrário disso mesmo (ou, no caso das ciências sociais, o empenho para do contrário disso mesmo se aproximar), perceberemos que o pensamento praticado por Boaventura Sousa Santos e aquilo que, em geral, afirma fazer-se no seu Centro de Estudos Sociais não serão ciência, mas ideologia.".
RS
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