quinta-feira, 12 de setembro de 2024

O DESAMOR NA EDUCAÇÃO ESCOLAR

Volta a passar na RTP2 a série documental portuguesa com o título Outra escola, que foi para o ar em 2019. Dá a conhecer escolas e experiências escolares diversificadas. A abordagem é, sob o ponto de vista educativo e pedagógico, superficial e enviesada. Ainda assim, revela alguma coisa, mesmo cinco anos passados.

O segundo episódio poderia chamar-se "desamor". Os autores entraram numa escola que aderiu ao projecto de Autonomia e Flexibilidade Curricular e auscultaram alunos, pais, director e professores. Ouvi, ao início, com atenção, depoimentos de alunos e, quase no final, o depoimento de uma professora; não consegui ouvir com atenção o que está pelo meio, por causa desse "desamor" ao "santuário" que é a instituição escolar (uso a expressão de Gert Biesta, que ele usa na conferência a que há poucos dias aludi neste blogue).

Dizem então os alunos nos primeiros segundos:

"Eu gosto da arquitectura da escola, mas não gosto de alguns docentes.
Gosto do espaço verde, mas não gosto de alguns professores.
Eu gosto do espaço verde, sim, mas não gosto das aulas (...)
Eu gosto da arquitectura das casas de banho, mas não gosto de alguns professores (...)
Gosto de espaços grandes, mas não gosto de alguns professores.
Gosto dos intervalos, mas não gosto das aulas.
Gosto dos intervalos, mas gosto dos professores.
Gosto da liberdade que nos dão na escola, mas não gosto de alguns professores."

Diz a professora nos últimos segundos, sobre a escola no seu sentido geral, com uma expressão que reforça as palavras:

"A escola parece uma coisa muito pesada (...). Há falta de coragem na educação: (...) os professores têm muito medo de não serem capazes de ensinar. E em cima do medo não se consegue construir nada, pelo menos eu não consigo, do ponto de vista criativo (...). O medo bloqueia (...). A escola está sob uma pressão muito grande, é muito negra, está longe de ser um sítio maravilhoso."

A pergunta que fica é: porquê

Porque é que os alunos dizem tão despudoradamente "não gosto"? Não gosto das aulas, não gosto dos/de alguns professores... Parece haver uma hostilidade latente, que percebemos não derivar dos alunos, ou não apenas deles; é mais uma voz plural que se vai entranhando no pensar social;

Porque é que, muitos professores, se reverão na declaração da professora? Parece não haver uma saída do cenário que ela descreve, uma possibilidade de tornar a escola ao que Biesta diz que ela deve ser.

Precisamos de pensar nesta pergunta, precisamos de encontrar uma saída.

11 comentários:

Mário R. Gonçalves disse...

Santuário não é, não, vamos por de parte idealismos ingénuos. è um espaço organizadode trabalho, marcado a toque de campaínha, os professores não têm de estar sorridentes e empáticos a hora toda, têm um plano a cumprir com seriedade. Tudo isto nãoagrada aos mais novos. A partir do 10º, mas sobretudo 11º e 12º, é diferente - tive alunos que adoravam as minhas aulas, e sei-o pela festa que me faziam no fim do ano lectivo. Tive outros que me detestavam. Enfim. A Escola é como quelquer outro local de vida em sociedade: tem de haver regras, uns gostam, outros não; uns cumprem, outros não. Isso do "amor" é treta romântica, está um em frente de 30 a tentar ensinar equações, ou a sociedade feudal; o espaço é de comunicação específica, quase técnica, o amor ficou em casa..

Anónimo disse...

O “Porquê?”, lançado pela professora Helena Damião, deveria levar a uma corrida de uma multidão, pelo menos, de professores e alunos, à caixa de comentários deste artigo.
“Apropriarem-se” de projetos e projetinhos, como o aberrante Projeto Maia, é mais fácil do que pensar, e dá muitos pontos para subir na carreira única dos professores dos ensinos básico e secundário e dos educadores de infância.
Passando adiante, tomo a liberdade de alterar o contexto e perguntar:
Porque é que, na década imediatamente posterior ao 25 de Abril, se organizaram tantas festas de homenagem aos professores primários da Ditadura de Salazar e Caetano?
Nesses tempos, o povo soberano do novo regime, incluindo antigos alunos e pais extremosos, teciam loas ao papel de educadores exemplares assumido pelos professores primários durante a ditadura fascista. Hoje todos sabemos que não foram assim tão exemplares: o ambiente na maior parte das escolas era de autêntica selvajaria. Os professores aplicavam quotidianamente reguadas dolorosas, entre outras sevícias muito mais cruéis, sobre crianças indefesas. Então como se explicam as homenagens? As autoridades do Estado, com a bênção da Santa Madre Igreja, tinham inculcado nas cabeças dos pais que os filhos, se queriam aprender e passar de ano, deviam obedecer aos professores que eram a autoridade nas escolas. Com o prémio da passagem de ano, os alunos acabavam por “gostar” dos seus professores. Depois, para rematar o processo, o Estado democrático equiparou os professores primários a professores do liceu!
Nos nossos dias, ainda na semana passada, as autoridades da educação impunham aos professores o Projeto Maia (Monotorização, Acompanhamento e Investigação em Avaliação Pedagógica), fazendo tábua rasa da autonomia científica e pedagógica consagrada no estatuto da carreira docente. O objetivo central é que todos, todos, todos os alunos, quer estudem, quer não estudem, sejam avaliados muito positivamente e alcancem o PASEO (Perfil do Aluno à Saída Escolaridade Obrigatória). Com este papel absurdo que o Estado atribuía aos professores, quem poderá gostar deles?!
É preciso resistir!
Lutemos para acabar com o Projeto Maia, as Aprendizagens Essenciais, o PASEO e a Filosofia UBUNTU em “contexto de sala de aula”.

Anónimo disse...

Lá vem a lamechice de sempre.

Anónimo disse...

O projeto Maia foi, e ainda é, uma imposição. Pode não ser uma imposição direta do anterior ministro da educação, mas quando o professor x, na escola y, não tem autonomia científica e pedagógica para avaliar com critérios racionais os seus alunos porque o senhor diretor e o Conselho Pedagógico apenas permitem a utilização de critérios de avaliação absurdos, o que é isto senão uma imposição ?!
Dir-me-á, o professor x que recorra para o tribunal z, mas com a proverbial morosidade da nossa justiça, o professor entrava com a ação no início do ano letivo e a sentença viria passados uns três ou quatro anos letivos. Valha-nos o atual ministro da educação, Professor Doutor Fernando Alexandre, que já anunciou que vai acabar com o projeto Maia. Tenhamos esperança de que também retire do contexto escolar a Filosofia do Ubuntu, que até admito que não tenha caráter obrigatório, mas que é aplicada em contexto escolar é, lá isso é!
Cordialmente!

Helena Damião disse...

Prezado Leitor o que eu disse acima é que o projecto Maia e outros (como o dos manuais digitais) não são uma imposição da tutela. Quando as escolas decidem implementá-los passam a estar vinculados aos mesmos, ainda que seja de presumir que, tratando-se de "experiências", caso percebam que prejudicam os alunos, possam (melhor, devam) desvincular-se deles. Sob o ponto de vista normativo-legal, não sei o que poderia acontecer a um professor que se recusasse a participar num projecto, medida, ou experiência que suscita dúvidas razoáveis de, além de não beneficiar os alunos, os prejudica, nem sei a que instância ele se poderia dirigir ou que instância o poderia interpelar. Sob o ponto de vista ético-deontológico a questão é mais clara: qualquer dúvida (insisto, razoável) que houvesse legitimaria a recusa, um pedido de tempo para pensar, a solicitação de informações suplementares, etc. Enfim, o que eu quero dizer é que os professores, como todos os profissionais intelectuais, não podem limitar-se a cumprir; precisam de conhecer o que está em causa e de prever, de alguma maneira, as consequências daquilo que fazem. Cordialmente, MHDamião

Helena Damião disse...

Estimado Leitor Mário Gonçalves, eu não estava a pensar no "amor" romântico e muito menos no frágil "gostar"... estava a pensar no "amor ao mundo" de Santo Agostinho, retomado, não só mas também, por filósofos alemães do pós-guerra (alguns deles ateus), como Hannah Arendt ou Hans Jonas e, que, por exemplo Gert Biesta retoma. Estava a pensar na vinculação a..., no importarmo-nos com... por isso remeti para este último autor. E talvez possamos concordar com ele quando refere que o desligamento humano é uma característica da escola, como o é da sociedade.
Sobre assemelhar a escola a outra qualquer organização social, não posso concordar; ela é, antes de mais, como Coménio, disse "uma oficina de humanidade". Nela está o que, como humanidade, conseguimos construir e que, por lhe darmos valor, queremos actualizar no presente e passar para o futuro. Daí a expressão "santuário"... Por certo que não é uma igreja porque não pode doutrinar, não é uma empresa porque os seus fins são altruístas, etc.
Cordialmente, MHDamião

Anónimo disse...

Doutora Helena Damião,

Permita que lhe faça a pergunta, com a esperança de que a sua resposta possa ser um contributo para acelerar o processo de aniquilamento do Projeto Maia nas escolas:
- A Senhora Doutora é contra ou a favor do Projeto MAIA?

Cordialmente.

Helena Damião disse...

Prezado Leitor Anónimo, pelo que tenho escrito neste blogue e disponibilizado o que outros escrevem, percebe-se que não vejo sentido educativo e pedagógico nesse projecto. Não é uma questão de estar contra ou a favor, é uma questão de fundamentação do projecto e de operacionalização do mesmo, que vejo distante do conhecimento que tenho por (mais) seguro em termos de avaliação da aprendizagem.
Cordialmente, MHDamião

Helena Damião disse...

Caro Leitor Anónimo das 12h26, o MECI anunciou o: "cessar do projeto MAIA" (https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=%3D%3DBQAAAB%2BLCAAAAAAABAAzNDE2MgAAyTauyAUAAAA%3D). Projecto que nunca foi uma imposição por parte da tutela: foram as escolas, ou seja directores e professores, que o acolheram. É certo que com alguma sedução (ou um pouco mais do que isso) por parte da tutela e de outras instâncias, mas a sua implementação sempre ficou ao critério das escolas. Cordialmente, MHDamião

Anónimo disse...

No 1.o CEB não pode ser como o Gonçelvas afirma. Os alunos que não se conquistam são casos perdidos. A afetividade no ensino é determinante.

Anónimo disse...

Como adulta, sempre que não gosto de um formador ou de um professor, mando-o passear (sem mim), mesmo já tendo pago. E explico, enviesadamente, os motivos da minha desistência, à frente de toda a gente, com sentido de protocolo, boa educação, voz grave e sorriso. Embirro com aprumos “desverticais”, arrogância e altivez. Um professor tem de ser um pouco despenteado e caloroso, sem perder a gravata, ainda que torta. Sábio, disponível, confortável psicologicamente. Alguém que nos apeteça seguir. Assim, como o professor Fiolhais.