domingo, 30 de junho de 2024

Num perfeito alinhamento com orientações da OCDE

Num perfeito alinhamento com orientações (algumas muito recentes) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), o movimento de desescolarização da escolaridade e de aniquilação dos professores avança. Tem sido alegremente acolhido e promovido por governos, sociedade, comunicação social e, até, por universidades e escolas públicas. 

Enredados que estamos no discurso da ajuda aos mais desfavoreciados, da ineficácia do Estado, de fazer mais com menos, da urgência de mudar radicalmente a educação para se conseguir o tal futuro, de colocar o alunos com as suas necessidades, aspirações e paixões no centro sabe-se lá de quê, da filantropia empresarial que só quer ajudar, daqueles que surgem de todos os lados com visões e missões nada menos de que infalíveis para resolver o problema da igualdade de oportunidades, etc... dizia eu, enredados que estamos nesse discurso não percebemos os passos de gigante que têm sido dados para a destruição da uma instituição milenar que tem sido o suporte de progresso da humanidade: a escola.

Se o leitor tiver tempo e paciência, compare o que é dito neste apontamento da OCDE com a notícia que se pode ler aqui e da qual reproduzo, de seguida, breves pontos, relacionados com a dissolução da escola e da função docente. Omito designações pois, na verdade, no texto podiam constar outros nomes e outras circunstâncias que, mesmo assim, se manteria a "filosofia" de base.

Jornal:

Uma escola no campo de refugiados de (...), uma estrutura do tamanho de um quarto alimentada por painéis solares dentro da qual alunos, orientados por um mentor, socorrem-se de computadores e internet para desenvolver as suas aptidões e paixões (...)".

Empreendedor e fundador, tal como apresentado na notícia:

Em vez de professores temos um computador. Imaginem o poder que um computador pode ter para mudar a vida de uma criança. Pode estar nos confins do mundo e só necessita das ferramentas para aprender e trilhar o seu caminho. Damos as ferramentas e oportunidades.”

Político:

“Os políticos dizem querer mudar, mas não querem e a Educação nunca mudou” [E "enalteceu" a “coragem” de...] ao “atuar num campo em que ninguém quer mudar" (...). “A mudança vai acontecer porque o mundo físico está a ser invadido pelo mundo digital e necessitamos de ideias e pessoas com coragem para mudar de alto a baixo” (...). “Os políticos podem aprender com o que fizeste”. “Durante anos o centro era o professor e poucos tiveram a coragem de dizer que tudo devia ser sobre o aluno. Os atores são os alunos”.

Ah, sim. Estamos em Portugal! Mas sintonizados com o que se passa no mundo.

A CONDIÇÃO DOCENTE REVISITADA: DE 1966 a 2024

Em 1966, realizou-se, em cooperação com a Organização Internacional do Trabalho, a Conferência Intergovernamental Especial sobre a Condição dos Professores, convocada pela UNESCO, organismo da Organização das Nações Unidas. Daí saiu uma Recomendação na qual se estabelecem padrões mundiais para a profissão docente (ver aqui).

Em concreto, nesse documento, que vale muito a pena ler ou reler, organizam-se, entre outros os seguintes aspectos:
- direitos e deveres dos professores, destacando-se a alusão à sua autonomia e responsabilidade educativa;
- padrões desejáveis para a sua formação inicial e continua, bem como para o seu recrutamento;
- circunstâncias de trabalho favoráveis ao ensino e à aprendizagem;
- possibilidades de participar nas decisões educativas através de consultas e negociações com as autoridades políticas. 

A Recomendação, ainda que sem carácter vinculativo, é tida como um marco fundamental no delineamento da "condição docente" e na afirmação do "estatuto do professor".

Ainda assim, é um marco que se distancia da realidade: passadas quase seis décadas, mesmo na Europa, onde nos situamos, a situação do ensino afigura-se de sentido contrário. Vemos a desinteletualização declarada dos professores, a menorização da sua capacidade deliberativa, a negação da sua autonomia, a sua formação débil, desadequada e apropriada por interesses vários, as circunstâncias de trabalho que lhe negam a liberdade de ensinar, tornando-o um funcionário, a falácia que é a sua chamada a participar no debate educativo...

Eventualmente por estas e outras razões, nomeadamente a falta de professores a nível mundial, o Secretário-Geral das ONU, António Guterres, entendeu promover a “Cimeira para a Transformação da Educação” que se realizou em finais de 2022. Dela saiu a resolução de criar o que foi designado por Painel de Alto Nível sobre a Profissão Docente, o qual reuniu um conjunto de especialistas que, com base na auscultação de professores, apurou recomendações para os Estados-Membros,

Passados dois anos, em 2024, o Painel apresentou essas recomendações para as quais António Guterres pediu a maior atenção a governos, mas também a agentes educativos directamente ligados ao ensino, no sentido de se encontrarem caminhos capazes de contribuírem para a dignificação da profissão docente e se construir uma "educação de qualidade para todos.

No documento, que se pode consultar aqui, diz-se, a abrir, o seguinte: "Os professores são fundamentais para potenciar o maior recurso de cada país: as mentes do seu povo. O nosso mundo entrou num período de mudanças dramáticas – crise climática, revolução digital e aumento das desigualdades. Mais do que nunca, as pessoas precisam de competências e de conhecimentos relevantes e de qualidade que somente (...) os sistemas educativos transformados podem proporcionar. Logo, acima de tudo, estes sistemas precisam dos melhores professores possíveis. Porém, hoje enfrentamos uma escassez dramática de professores em todo o mundo e milhões de professores não têm o apoio, as competências e a formação contínua de que precisam para responder às exigências dos sistemas educativos em rápida mudança. 
 
Num momento de indefinição quanto aos desígnios da formação de professores e aos requisitos de acesso à profissão, seria importante que quem está envolvido em ambas as matérias, assim como os próprios professores, analisassem os dois documentos, ainda que com o sentido crítico que essa tarefa merece. É que a informação constitui uma base de grande valia para as decisões que venham a ser tomadas.

ESCOLA PÚBLICA

Por A. Galopim de Carvalho

Deixo-vos aqui, estimados amigos o essencial da minha intervenção de ontem, em Évora, na Sessão Comemorativa do Dia da Cidade, no Palácio de D. Manuel.

«É verdade que se alargou a escolaridade obrigatória e gratuita até ao 12.º ano. E isso foi bom. Foi, mesmo, muito bom. No meu tempo, a escolaridade obrigatória e gratuita era a chamada 3.ª classe (actual 3.º ano). É verdade que o parque escolar deu um grande pulo em frente, comparativamente ao de um passado que nos envergonhava. É verdade que os Jardins de Infância são hoje uma realidade em crescimento.

Mas a verdade é que isso não chega. Está “a léguas” de chegar. 50 anos de liberdade e de democracia mantiveram as duas categorias de escolas que eu conheci a partir dos anos de 1930, há quase um século: a privada, ao serviço de uma minoria com capacidade financeira; a pública, para os outros, a maioria, onde cabem uma classe média, mal remunerada, e uma outra, a raiar a pobreza ou a sobreviver dentro dela.

A luta dos professores, numa intensidade nunca vista, trouxe ao de cima, a degradação a que chegou este grande sustentáculo de qualquer sociedade democrática que, entre nós, dá pelo nome de Escola Pública.

Esta degradação está bem estampada nas classificações (os rankings), oficialmente divulgadas, que põem em evidência uma quantidade preocupante de escolas públicas más e de alunos maus. Uma realidade vergonhosa, que reflecte a muito pouca atenção que tem sido dada a este sector, por parte dos sucessivos governos do Portugal de Abril.

A classe política, no seu todo, a quem os Capitães de Abril, há 50 anos, generosa, honradamente e de “mão beijada”, entregaram os nossos destinos, mais interessada nas lutas pelo poder, esqueceu-se de facultar conhecimento, civismo, cidadania, em suma, à sociedade liberta do sufoco em que vivera.

E, aqui, a Escola falhou completamente.

E não estou só nesta afirmação. Recordo as palavras do então Primeiro-ministro, António Costa, em finais de 2015, na cerimónia de entrega do Prémio Manuel António da Mota, no Palácio da Bolsa, no Porto. Ei-las:

“De uma vez por todas, o país tem de compreender que o maior défice que temos não é o das finanças. O maior défice que temos é o défice que acumulámos de ignorância, de desconhecimento, de ausência de educação, de ausência de formação e de ausência de preparação.”
A verdade é que esta situação não se inverteu. A verdade é que, depois de 50 anos de liberdade em democracia, continuamos a ser um povo desinteressado pelos valores da ciência e da cultura, alienados pelo “jogo da bola” e em que a grande maioria dos apoiantes e votantes nos partidos políticos desconhecem os fundamentos das respectivas ideologias. A iliteracia cultural e científica de uma parte importante da nossa população, a todos os níveis socioprofissionais, é a prova provada desse falhanço. 

São muitos os portugueses a quem a escola deu e continua a dar diplomas, mas não deu e continua a não dar a educação, a formação e a preparação essenciais a uma cidadania plena. Verdadeiros défices na educação, na formação e na preparação para uma cidadania plena abriram as portas a um populismo, vazio de conteúdos, a que a democracia deu voz e que, usufruindo da liberdade dessa mesma democracia, nos procura arrastar para um modelo de sociedade que a História já mostrou que sempre nos amordaçou, com consequências funestas.

Todos sabemos que há boas e excelentes escolas públicas, que há bons e excelentes professores, mas o essencial do problema que temos de enfrentar reside na quantidade preocupante de escolas más, de professores maus e de alunos maus.

A oitava ronda do PISA (Programme for International Student Assessment), da OCDE, em 2023, mostrou que, em trinta países, Portugal ocupa: o 30.º lugar em Ciências,  o 29.º em Matemática e o 24.º em leitura. Resultados que nos envergonham e que confirmam as minhas preocupações. Ando a dizê-lo, há décadas, e estes números vêm dar-me razão.

Estes resultados do PISA trazem, ao de cima, uma geração de adolescentes: sem interesse pelo saber, ignorantes de quase tudo, mergulhados a fundo nos seus smartphones, vítimas de reformas educativas que lhes diminuíram ou retiraram a capacidade crítica, em que o rigor foi substituído pela facilidade. A diluição de disciplinas como História, Filosofia e Literatura, são disso testemunho.

As direcções das escolas têm sido pressionadas no sentido de facilitar as aprovações e os professores são convidados a agirem em conformidade. Reprovar um aluno representa hoje, para o professor, e para os professores do conselho de turma, ter de justificar essa decisão, depois de elaborar e aplicar planos e medidas burocráticas (de eficácia nula) que mais parecem um castigo aplicado aos docentes, a que eles fogem subindo as notas.

O actual sistema de avaliações, demasiado injusto, não ajuda a elevar o nível do ensino. Avança-se por quotas e não por mérito. Praticamente, nada avalia. Propostas de avaliações a sério têm sido rejeitadas por parte dos muitos que não querem ou receiam ser avaliados. Neste capítulo, os maus professores, que os há e não são assim tão poucos, os tais que recusam as avaliações a sério e veem na Escola um emprego assegurado até à aposentação, têm contado com o apoio dos sindicatos, que põem ao mesmo nível os bons e os maus profissionais.

A falta de professores é uma realidade por demais conhecida e todos sabemos porquê – A profissão não agrada a ninguém. O que temos vindo a fazer é pôr remendos.

Todos sabemos e os governos também sabem que a mola real de uma verdadeira e eficaz política de Educação exige dotação orçamental adequada à importância deste sector na sociedade. A verdade é que, se nunca lhe atribuíram essa dotação, é porque a Educação nunca esteve entre as suas prioridades. Muitas vezes “crucificamos” os ministros da tutela, mas esquecemo-nos de que eles são prisioneiros das dotações orçamentais que lhes cabem, no OGE. Mas também é verdade que, ao aceitarem exercer esse mister, ficam coniventes com as opções dos respectivos governos.

Temos agora um novo governo e um novo Ministro da tutela e o meu mais sincero desejo é que ele, ao contrário dos seus antecessores, tenha a força necessárias para demolir o mais que obsoleto edifício da Educação que temos tido e, em seu lugar, fazer surgir um outro, concebido e levado a cabo, numa profícua colaboração entre governo e oposições, para durar três ou mais legislaturas e que envolva gente verdadeiramente capaz de o concretizar, gente que entre na poderosa “máquina ministerial”, melhore o que tiver de ser melhorado e varra o que tiver de ser varrido.

A preparação de professores deveria ser pensada de molde a oferecer níveis de excelência compatíveis com a sua importância na sociedade, oferecendo saídas profissionais adequadamente remuneradas.

É preciso pôr em prática uma rigorosa supervisão científica e pedagógica dos manuais escolares. São muitos os que se repetem acriticamente, com noções estereotipadas e, por vezes, com erros, tantas vezes denunciados.

Os professores consomem muitas horas em reuniões inúteis, mas poucas dedicadas ao trabalho lectivo que devia ser o seu principal objectivo.

A carga burocrática que se abate sobre os docentes, em planos arrevesados descritivos de metodologias e estratégias, «adaptações» de critérios de avaliação e obrigatoriedade de justificações que se traduzem em inflação de classificações para obter sucesso estatístico.

Impõe-se a necessária dignificação dos professores e educadores, num conjunto de acções, envolvendo, salários compatíveis com a sua relevância na sociedade, colocações, libertação de todas as tarefas que não sejam as de ensinar e outras postas em evidência nas suas reivindicações.

O pessoal não docente representa um conjunto de elementos fundamental no universo do ensino, pelo que é forçoso dar lhes um tratamento, em termos de dignidade e de salários, a condizer.

Repetindo o que sempre disse: considero os professores, incluindo educadores, entre os mais importantes pilares da sociedade e, uma vez mais, afirmo que é necessário e urgente conferir-lhes o estatuto, a atenção e a dignidade compatível com essa importância.

Nos dias que correm, receio de que, uma vez alcançado o acordo com o ministério da tutela, sobre a recuperação do tempo de serviço, volto a dizer, receio, que, por um lado, uma parte muito considerável da enorme massa humana, que se manifestou nas ruas do Portugal inteiro, se sinta confortavelmente satisfeita e desinteressada da parte mais importante do problema e deixe, para a outra parte, a continuação da luta por uma Escola Pública a sério.

Receio, ainda, que o ministério se sinta desobrigado de atender às restantes reivindicações, as mais sérias e profundas, as que visam uma completa remodelação deste importante pilar da sociedade que se deseja melhorar.

A. Galopim de Carvalho

sexta-feira, 28 de junho de 2024

PINTURA MEDIEVAL, FRESCOS E ILUMINURAS

Por A. Galopim de Carvalho
 
É do conhecimento comum que a evolução histórica da Idade Média decorreu sob a poderosa e, tantas vezes, severa tutela da Igreja Católica. Nesse tempo e numa sociedade em que o povo era analfabeto, a pintura foi uma das vias usadas no Cristianismo, para ministrar o ensino da religião cristã, dos seus dogmas e do código moral. 
 
Relativamente à pintura tida por românica, é consensual que esta expressão demonstra o poder da Igreja Católica, na Idade Média. Poder que continuou a estar patente nos estilos, que lhe sucederam. O estilo românico na pintura vigorou na maior parte da Europa medieval, e resume-se, essencialmente, aos frescos pintados nas paredes interiores de igrejas, mosteiros e conventos e às iluminuras. 

Total ou parcialmente apagados pelo tempo, por vandalizações ou outras causas, a imensa maioria dos frescos românicos, perderam-se para sempre e o mesmo aconteceu a muitos frescos góticos. Os poucos que sobrevivem são, por isso, preciosos testemunhos, não só da arte de então, mas também e sobretudo, das mensagens que transmitiam. Na imensa maioria, religiosas, os seus autores não ficaram registados. 
 
Nesse tempo, a totalidade do povo não sabia ler nem escrever. Fazer fiéis devotos e doutriná-los nos preceitos da Santa Madre Igreja era, não só do interesse do clero, como do da nobreza, que os explorava. Concebidas para analfabetos e feitas por encomenda dos dignitários do clero, estas pinturas representam, sobretudo, passagens da Bíblia, da vida de Cristo e dos Santos e outros ensinamentos do foro teológico. O analfabetismo e a servidão sempre se complementaram.

A pintura românica é descritiva e mais simbólica do que realista, revela uma interpretação mística da realidade, não usa perspectiva nem profundidade, deforma as figuras representadas, e dá, a todas, as mesmas feições convencionais, aumentando o tamanho das que há interesse em salientar. Cristo, por exemplo, é representado maior do que as outras figuras, a fim de realçar a sua importância e divindade. Como uma das características principais desta pintura, destaca-se o uso de cores puras e fortes, sem meios-tons nem recurso a luz e sombras. Embora relativamente raras, há as chamadas pinturas de cavalete, sobre tábuas de madeira, quase sempre destinadas à ornamentação de altares.

Com nomes a registar na pintura medieval destacam-se dois florentinos que fizeram história. Um foi Giotto de Bondone (1267-1337), natural de uma aldeia a norte de Florença, o outro foi Cenni di Pepo (1240-1302), de seu nome, mais conhecido pelo apelido artístico de Cimabué.
 
Do primeiro, a Adoração dos Reis Magos, é obra muito divulgada em postais de Boas Festas natalícias. Trata-se de um dos ainda bem conservados frescos na Capela Arena, em Pádua, na Itália, cuja decoração, com abundantes cenas de educação religiosa cristã, é considerada o maior trabalho de Giotto. A Estrela de Belém pintada no topo do fresco da Adoração dos Reis Magos, pode ser a imagem do Cometa Halley, que ele teve oportunidade de ver, aquando da sua passagem, em 1301.

Atribui-se a ele, embora sob reserva, a autoria da série de frescos que descrevem a vida de São Francisco de Assis, no tecto da Basílica que tem o seu nome. Dizem os historiadores que, embora influenciado pela arte que se praticou em Bizâncio e pelos frescos góticos franceses, Giotto foi precursor da pintura renascentista. Ele foi, por assim dizer, o elo entre as pinturas medieval bizantina e a que carateriza o Renascimento. A sua obra é marcada pela humanização da figura dos santos, numa notável antecipação humanista que, em termos de importância, coloca o Homem no centro do mundo, uma corrente filosófica, o Antropocentrismo, que só se afirmou no Renascimento, com inúmeros pensadores. Diz a história que Giotto começou a desenhar ainda em criança, quando era um pastor de ovelhas e que, como arquitecto, chefiou a construção da Catedral de Florença.

Com nome grande na arte do mosaico, Cimabué foi pintor de frescos e em telas, na transição do Bizantino para o realismo das figuras humanas, mas ainda não conseguiu dar a ilusão da profundidade do espaço. Na continuação da via para educar um povo, maioritariamente analfabeto, nos preceitos da Fé, os temas principais das suas pinturas são cenas e personagens do Cristianismo. Cimabué teve o mérito histórico de ser o descobridor e o mestre do jovem pastor Giotto, em Florença.

Saiba-se que o adjectivo bizantino alude à antiga cidade de Bizâncio e que Bizâncio evoca Bizas, rei na época dos argonautas, na mitologia grega. O mesmo adjectivo qualifica as manifestações artísticas próprias do Império Bizantino, entre os séculos V e XV. A cidade de Bizâncio, depois Constantinopla (Istambul, desde 1930) foi a capital do Império Romano do Oriente e o mais importante centro artístico deste período. 
 
Autêntica preciosidade, a iluminura é uma outra expressão da pintura românica, arte que se prolongou no estilo gótico, se lhe seguiu. Manifesta-se sob a forma de ilustração sobre pergaminhos soltos ou sobre as páginas de livros manuscritos. Era executada, sobretudo, nos mosteiros, por monges iluministas. Estes verdadeiros artistas anónimos deixaram-nos testemunhos da sua virtuosidade, quer em grandes livros litúrgicos, quer em outros encomendados por clientes da nobreza e da burguesia rica. Na transcrição de livros, os copistas deixavam espaços para que os iluministas fizessem as ilustrações, os cabeçalhos, os títulos ou as letras capitais, ou seja, as maiúsculas com que se iniciava um texto. Mais tarde, a iluminura gótica atingiu um grau de pormenor, perfeição e beleza que influenciou muitos pintores.
 
A temática é quase exclusivamente cristã. Nos raros casos em que se trata de temas profanos, revela propósitos moralizadores. Nestas iluminuras transparecem, por vezes, traços da chamada “arte insular,” produzida nas ilhas Britânicas após a queda do Império Romano, visíveis nos entrelaçamentos de estilizações fantasiadas de animais e plantas, influências do estilo moçárabe, onde o desenho do arco mourisco é frequente, e, ainda, a tradição cristã com a herança figurativa pagã patente nos bestiários, entendidos como uma espécie de catálogos manuscritos, realizados por monges católicos, durante a Baixa Idade Média, geralmente usados com propósitos moralizadores, contendo informação sobre animais reais e fantásticos. 
 
Os mosteiros de Santa Cruz de Coimbra, de São Mamede do Lorvão e de Santa Maria de Alcobaça guardam preciosos manuscritos Românicos. De entre eles ficaram na História da pintura portuguesa do século XII, o “Livro das Aves”, a “Bíblia de Santa Cruz de Coimbra” e o “Apocalipse do Lorvão”.

A. Galopim de Carvalho

domingo, 23 de junho de 2024

A ESTUPIDEZ REVISITADA

A estupidez é a mercadoria
mais bem distribuída deste mundo:
ela veste-se de demagogia
ou do que quer que seja de imundo.

A estupidez é um grande muro,
que oferece ao inteligente
a resistência do escuro duro,
que se ergue forte e prepotente.

Ela exibe estrelas de general
e ri-se à grande dos que são sábios:
permite-se, à vontade, ser boçal,

saindo barbaridades dos seus lábios.
A estupidez sabe prevalecer
e sabe, sobretudo, não temer.
                                                                Eugénio Lisboa

Ponham-nos a ler!

Por Cátia Delgado
 
 
Foi apresentado, na passada quarta-feira, o novo livro, de título sugestivo - Ponham-nos a ler! - do reconhecido Michel Desmurget. O neurocientista francês, vem, com o resultado de novos estudos, asseverar que o melhor “antídoto”, a melhor forma de resistência para a escalada desmedida do digital é a leitura
 
Numa escrita que prima pela clareza, suportada por inúmeros estudos dignos de crédito, como já nos habituou, o autor não deixa dúvidas: o melhor caminho para a aprendizagem de qualquer área académica e, por inerência, para o desenvolvimento de aptidões intelectuais, é a leitura. De facto, pelo desenvolvimento de competências linguísticas podemos dotar as crianças e jovens das tão ambicionadas competências de espírito crítico e de pensamento complexo.  
 
Questionado, após o lançamento do primeiro livro, que alerta para os perigos que a exposição excessiva aos ecrãs representa para as crianças, o autor revela, agora, a melhor estratégia, de entre outras estudadas – como a arte, a música ou o desporto – para inverter os efeitos nefastos que esta tendência amplamente vulgarizada tem na cognição, em particular, mas também no desenvolvimento físico e emocional das crianças e jovens. Na apresentação do livro, Desmurget lembra que os jovens leem cada vez menos e pior, embora circulem informações contraditórias, e que, apesar dos esforços dos media para nos convencer do contrário, o uso indiscriminado de telemóveis nas escolas em nada ajuda. Embora se diga que ler no telemóvel também é ler, sobretudo o que é publicado nas redes sociais, o neurocientista afirma que ler o que está na internet não é muito nutritivo para a linguagem, sendo o tempo passado nos ecrãs inversamente proporcional ao tempo de leitura, além de que rouba tempo precioso às interações familiares e ao sono.

Partindo do pressuposto que ler é compreender, o grande problema da (não) leitura é a (não) compreensão do que se “lê”. Assim, a leitura (em papel) tem um valor acrescentado, não apenas para a aprendizagem de disciplinas como as línguas ou as humanidades, mas para se conseguir:
- alcançar aspetos cognitivos e emocionais;
- níveis mais elevados de inteligência.;
- desenvolvimento da linguagem;
- cultura geral;
- maior concentração, ao contrário dos ecrãs;
- desenvolvimento da expressão escrita;
- capacidade de pensar;
- melhor expressão oral;
- criatividade ...
Em entrevista recente, e focando-se no papel da escola e dos professores nesta batalha, o autor esclarece o que está a ser negado às crianças com a perda da leitura:
"Nos livros há mais palavras, mais gramática e mais complexidade [do que na língua falada] e esta complexidade e esta linguagem são a linguagem do pensamento. Quando a linguagem se deteriora nas crianças, o mesmo acontece com os conhecimentos gerais. Se compararmos as crianças que veem muita televisão com as que leem muito, as que leem têm mais conhecimentos gerais, mas não apenas sobre coisas que poderíamos pensar que são elitistas. A leitura dá-nos conhecimentos muito específicos sobre a vida e o nosso ambiente. Se o perdermos, perdemos a nossa capacidade de pensar de forma crítica. Um estudo da Universidade de Stanford perguntou se as crianças compreendiam o que era dito na Internet e a resposta é que tinham dificuldades. Tinham as palavras, mas faltava-lhes o conhecimento do mundo.
(...)
Antes, pensávamos numa educação humanista que não era para criar canalizadores, padeiros e médicos, mas para criar cidadãos. Isso é importante. E sim, estamos a perder isso. Agora falamos de saber-fazer. Penso que foi o Núncio Ordine que, numa das suas obras, falou da utilidade inútil da literatura, e é uma expressão magnífica. Não tem um efeito concreto, mas torna-nos mais inteligentes e mais capazes de pensar sobre tudo o que nos rodeia.
(...)
ninguém está a dizer que todos os ecrãs têm de ser retirados. Se os utilizarmos para computação, para procurar informação, ninguém nos dirá que não são corretos. A questão é saber a partir de que idade. Ensinar a utilizar os ecrãs não é o mesmo que utilizar os ecrãs para ensinar. Na verdade, o problema não é ensinar informática às crianças, mas sim o facto de não se poder contratar professores e ter de se pôr algo à frente dos alunos. Como não há professores, os ecrãs são melhores do que nada. Todos os estudos mostram que um professor competente é sempre melhor do que todos os ecrãs que podemos dar às crianças.
(...)
[Quanto à leitura] Não conheço nenhuma outra atividade que tenha um impacto tão profundo e universal na vida de uma criança como a leitura. Se queremos mudar as suas vidas em todos os aspetos, não há nada melhor. É a única coisa que traz o máximo pelo mínimo de investimento.
(...)
Quando pegamos num livro, ele tem uma espessura. O cérebro lida com a informação espacial do livro e é mais fácil lembrar-se e mover-se [através dele]. Num e-reader é o caos. Não há unidade e não se sabe onde se está. O tempo, graças à forma do livro, torna-se concreto. Há uma marca temporal, que é o número de páginas ou a relação entre as personagens. Vai-se compreender melhor um livro de papel do que um livro eletrónico.
(...)
temos de voltar a colocar a leitura no centro do sistema e limitar o tempo de ecrã. O que é reconfortante é o facto de haver uma sensibilização crescente para esta questão. Os meios de comunicação social, as pessoas, começam a interessar-se pelo assunto, porque se apercebem que existe um problema. O que é preocupante é que os estudos mostram que os professores já não leem e têm défices de linguagem.
(...)
É preciso que as pessoas compreendam que a leitura, quando se diz que é importante, é porque nos torna mais inteligentes e tem um efeito sobre o conhecimento, a criatividade, a imaginação e a nossa capacidade de escrever."

sexta-feira, 21 de junho de 2024

NOVIDADES EDITORIAIS - Classica Digitalia

Os Classica Digitalia têm o gosto de anunciar 2 novas publicações com chancela editorial da Imprensa da Universidade de Coimbra. Os volumes dos Classica Digitalia são editados em formato tradicional de papel e também na biblioteca digital, em Acesso Aberto.

Série “Autores Gregos e Latinos” [textos]

- Maria de Fátima Silva, Pausânias. Descrição da Grécia. Livro VI. Introdução, tradução do grego e notas (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2024). 147 p. DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-2590-4
[Pausânias é o nosso único testemunho de literatura periegética e o autor de um relato precioso sobre a Grécia da época de ocupação romana (séc. II d.C.). A sua descrição é a de alguém que viajou e sintetiza o que ‘viu’, com um olhar que não é só o de um turista curioso, mas de um intelectual que dispõe de uma sólida formação cultural e de uma informação ampla, em resultado de uma recolha criteriosa de todo o tipo de fontes, orais e escritas. Para com Pausânias mantemos em aberto uma enorme dívida: a de ter salvado um lastro de monumentos, de acontecimentos históricos, de figuras e de tradições que, sem ele, se teriam em definitivo apagado da memória dos homens.]

Série “Humanitas - Supplementum” [estudos]

- Claudia Beltrão & Violaine Sebillotte Cuchet, De caso a caso: a regra e a exceção: História cruzada – França/Brasil – de mulheres na antiguidade // Au cas par cas : la règle et l’exception : Histoire croisèe – France/Brésil – de femmes de l’antiquité (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2024). 242 p. DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-2563-8
[Este volume reúne onze estudos de caso sobre a atuação social de mulheres nomeadas na antiguidade greco-romana. Trata-se de estudos de caso baseados nos objetivos e na metodologia do Projeto Eurykleia – celles que avaient un nom. A hipótese a investigar é que as mulheres ativas que conhecemos através da documentação não são menos excecionais do que os homens ativos. Não mais se trata de escrever uma história da categoria de sexo isto é “as mulheres”. A história das mulheres e do género que hoje queremos escrever considera as mulheres como se considera os homens ou seja sem pressupor antigas interpretações a respeito delas. Trata-se de considerá-las em sua ação inseridas em suas sociedades. Em outras palavras, a nossa hipótese de trabalho consiste em considerar que as mulheres das sociedades antigas nem sempre ou sistematicamente foram sexualizadas.]

Classicadigitalia_pt mailing list
Classicadigitalia_pt@uc.pt
http://ml.ci.uc.pt/mailman/listinfo/classicadigitalia_pt

ESCULTURA MEDIEVAL, A ARTE E AS PEDRAS.

Por A. Galopim de Carvalho
 
À semelhança da pintura, a escultura medieval aparece associada à construção religiosa românica, visando, não só a decoração das igrejas, mas, sobretudo, educar religiosamente os fiéis marcados pelo analfabetismo próprio desse tempo. Foi, em especial, nas igrejas construídas em locais de passagem, ao longo do caminho de peregrinação em direcção a Santiago de Compostela, que surgiram as primeiras esculturas deste estilo. É o que se pode ver em França, em Espanha e no norte de Portugal.

Há as esculturas incorporadas na parte exterior, sobretudo, no tímpano do portal, mostrando, logo à entrada da igreja, cenas da Bíblia e outras evocativas do inferno, onde prevalece a ideia do eterno castigo dos pecadores e de que, mais importante do que a vida terrena, é a salvação da alma. Como na pintura, as dimensões das figuras dependem da sua importância hierárquica. No interior da igreja, é, sobretudo nos capitéis das colunas que encontra lugar a escultura como forma de decoração, numa profusão de figuras, muitas vezes, fantásticas.

Na segunda metade do século XIII e primeira metade do XIV, distinguiram-se, como centros produtores ou escolas de escultura, Coimbra. Lisboa, Évora e Batalha. Houve mais algumas, mas menos importantes, como a de Santarém. Entre os principais materiais utilizados, ganharam estatuto de qualidade pedra de Ançã, o lioz e o mármore, embora, por vezes, também fosse utilizada a madeira. A pedra de Ançã é um calcário do Jurássico médio, com cerca de 75 milhões de anos, de textura muito fina, compacta e homogénea, sem veios. Particularmente macio, tem características óptimas para o trabalho de escultura. Deixa-se cortar facilmente e permite a execução de rendilhados ornamentais de grande pormenor e finura. No que se refere à cor, varia entre esbranquiçada e branco-amarelada, raramente branco-azulada. Tendo sido explorada e usada desde o tempo da ocupação romana, a utilização da pedra de Ançã na arte escultórica ganhou relevo a partir do século XIV, sendo de destacar o portal e o púlpito da igreja de Santa Cruz, em Coimbra, e o túmulo da Rainha Santa Isabel, no Convento de Santa Clara, a Nova, na mesma cidade. A sua grande qualidade como pedra trabalhável a ponteiro e a cinzel espalhou-a por Espanha e por vários países da Europa. 

Túmulo de Pedro Afonso, conde de Barcelos, esculpido em granito.
Uma curiosidade relacionada com esta pedra, tem a ver com o nome da cidade de Cantanhede, na vizinhança do local da sua exploração. Cantanhede radica no baixo-latim cantonieti, o lugar onde se explorava pedra de cantaria. Por sua vez, cantaria deriva de canto, do latim canthus, com o significado de pedra Lioz é o nome que, na nossa gíria do sector industrial e comercial, é dado aos calcários do Cretácico superior, com cerca de 95 milhões de anos, da região de Lisboa-Pero Pinheiro. O termo tem origem no francês antigo liois (hoje liais), que quer dizer pedra rija. Este calcário, próprio de um mar pouco profundo, de águas límpidas e mais quentes do que as que hoje banham as nossas praias no pino do Verão, foram essencialmente edificados por um tipo de bivalves, de conchas mais espessas do que as das ostras, conhecidos por rudistas. 
 
Estes organismos recifais, característicos desse período, cobriram os fundos litorais e, proliferando uns sobre os outros, construíram, camada após camada, os estratos de calcário que ainda podemos ver em Lisboa, por exemplo, sob o aqueduto das Águas Livres, na Avenida Calouste Gulbenkian, ou na base do bairro dos Sete Moinhos, à entrada de Lisboa pela ponte Duarte Pacheco. O lioz ocorre em cores variadas, entre esbranquiçados, beijes, amarelados, rosados e avermelhados. O mais branco foi a pedra usada em termos de cantaria ao serviço da arquitectura urbana, vulgar e monumental, de todas as épocas, a partir da Idade Média, em especial na cidade de Lisboa, em palácios, igrejas, fontes e chafarizes. Na primeira metade do século XIX, o lioz, nas suas diversas, cores, foi a pedra escolhida na reconstrução e enriquecimento de altares-mores de igrejas e de outros espaços interiores, em pavimentos e revestimento de paredes, como os das Bibliotecas do Convento de Mafra e joanina de Coimbra. Muita desta pedra trabalhada, nomeadamente padieiras e ombreiras, arcos e pelourinhos, foram transportados para diversas regiões do antigo Império Português.
 
O mármore, no dizer dos geólogos. Foi um calcário d o final do Ordovícico, com cerca de 450 milhões de anos, transformado por metamorfismo. É, pois, uma rocha metamórfica de grão fino a grosseiro, essencialmente constituída por calcite, por vezes com bandeado de óxidos de ferro, amplamente usada em construção civil e em estatuária. Acrescente-se que a calcite é um mineral constituído por carbonato de cálcio, a mesma substância química das conchas e outros restos esqueléticos. Nos domínios industrial e comercial, mármore é toda rocha susceptível de serração e polimento. Na Antiguidade, era toda a pedra usada em cantaria. Foram muitos os oficiais, alguns deles verdadeiros artistas, que trabalharam nestas escolas. Um ou outro “assinou” as suas obras, mas a maioria não inscreveu na pedra algo que os permita icentificar.
 
Um dos que temos registo, foi Mestre Pero, aragonês, no século XIV. Ao certo, só sabemos que nos chegou do lado de lá da fronteira, talvez de Aragão, mas havia quem dissesse que fosse originário de Castela. Sabemos que que viveu grande parte do seu tempo entre nós, que a sua actividade começou em Coimbra. nos anos de 1330, e que teve um papel de grande relevo na renovação da escultura gótica em Portugal. Fez desaparecer a rigidez tão característica da escultura românica, tornando as estátuas mais naturais, esguias e com mais movimento. Relativamente às arcas tumulares, introduziu um novo tipo, em forma de paralelepípedo assente sobre leões. Grande parte da sua obra foi realizada na sua oficina em Coimbra, não se sabendo, ao certo, o que foi o seu trabalho pessoal e o dos oficiais seus colaboradores. Foi possível atribuir-lhe várias obras em diversos locais do território nacional. Foram muitas e de entre elas, estou a recordar-me do túmulo de D. Isabel de Aragão, a Rainha Santa, como é mais conhecida entre nós., considerada a sua obra-prima, Os túmulos de Dona Inês de Castro e do rei D. Pedro I são duas magníficas peças esculpidas num calcário muito homogéneo e macio da região de Coimbra, muito provavelmente, a chamada pedra de Ançã. São a demostração perfeita da escultura gótica, cuja autoria continua desconhecida. 
 
Túmulo de Inês de Castro, esculpido e calcário de Ançã.
 Há quem os atribua a artistas franceses. Mas também há quem defenda serem expressão da escultura tumular portuguesa da segunda metade do século XIV. Foram mandadas executar por d. Pedro I, já ele estava na posse do trono de Portugal. Terminado o túmulo de Dona Inês, em 1360, ordenou que o colocassem no braço sul do transepto e que trasladassem para ele os restos mortais da sua rainha, até então sepultados em Coimbra. De seguida, ordenou que se fizesse um túmulo semelhante para ele e determinou este fosse colocado frente ao de sua amada esposa, para aí repousar e a poder olhar, de frente, no dia da ressurreição dos mortos. A rara qualidade da pedra usada permitiu que as faces dos túmulos fossem minuciosamente decoradas com os brasões das respectivas famílias, cenas bíblicas e motivo vegetalistas e geométricos.

Num contraste imenso com a escultura em granito, como a que se praticou, na mesma época, no Norte de Portugal que, por mais que os artistas quisessem, a dureza e a granularidade desta pedra não lho consentia. Por exemplo, em Lamego podemos observar excelentes túmulos em granito, como é o de D. Pedro, Conde de Barcelos, filho natural de D. Dinis, no mosteiro de S. João de Tarouca, esculpido no século XIV.
 
A. Galopim de Carvalho

quarta-feira, 19 de junho de 2024

O LUGAR RESIDUAL DA ESCRITA EM EXAMES NACIONAIS DE PORTUGUÊS

 "Sem escrever uma linha, um aluno pode ter positiva."

Isto foi o que me disse uma professora que está a corrigir exames nacionais de Português do 9.º ano de escolaridade, com quem falei depois de ter lido este artigo de opinião, assinado por uma professora da disciplina e saído ontem no jornal Público.

 
Verifiquei e... sim, é possível acontecer pois 17 perguntas, das 21 que constituem o exame, são de escolha múltipla! Atendendo à cotação, se os alunos acertarem um número elevado deste tipo de perguntas podem ter mais de dez valores sem nada redigir ou redigindo mal, cometendo os mais diversos tipos de erros.
 
Isso está certo? 
 
Em termos técnicos, não me posso pronunciar, pois não conheço o referencial de avaliação, no caso, as Aprendizagens Essenciais. Em termos de princípios educativos, a decisão do IAVE não pode deixar de ser questionável porquanto a redacção (correcta em função dos diversos aspectos previstos) é uma das competências fundamentais implicada na aprendizagem da língua materna.

MAIS NOVIDADES DA GRADIVA

 Novidades Gradiva Junho de 2024 | Já disponível: "Luís de Camões", de António José Saraiva. De €14,50 por €13,05.

Por ocasião da celebração dos 500 anos do nascimento de Luís Vaz de Camões, a Gradiva reedita os estudos de referência que o ensaísta, investigador, professor e crítico literário António José Saraiva dedicou a um dos poetas maiores da história da literatura portuguesa.

Autor de um trabalho ímpar no âmbito do ensaísmo e da historiografia cultural do século XX português, António José Saraiva reúne neste seu livro as principais teses camonianas que marcaram o seu pensamento. Atravessado pelo espírito crítico, livre e interrogativo que sempre o acompanhou, este retrato da vida e obra do Poeta inclui um primeiro capítulo dedicado à sua biografia, assim como, a análise dos diversos estilos camonianos, da poesia lírica e dos principais aspectos da epopeia Os Lusíadas, o que faz dele uma introdução inestimável para os leitores que pretendam iniciar-se na compreensão das dimensões literária, histórica e humana do legado de Luís Vaz de Camões.

Já disponível: "Novas Janelas para a Filosofia", de Aires Almeida, Desidério Murcho. De €16,50 por €14,85.

Seja porque temos convicções sobre o que é correcto ou incorrecto fazer, seja porque temos convicções sobre o que é ou não justo na nossa sociedade, todos temos vários pressupostos filosóficos, quer nos apercebamos disso, quer não. Este livro abre novas janelas para o mundo da filosofia, ajudando-nos a explorar os seus horizontes e a reflectir com autonomia sobre os nossos pressupostos filosóficos.

Trata-se, pois, de uma obra do máximo interesse para qualquer pessoa com gosto pela reflexão, curiosa acerca dos pressupostos filosóficos que inevitavelmente temos e desenvoltura intelectual para pôr em questão as suas próprias posições. Pelo rigor no tratamento dos temas, mas também pela simplicidade e clareza, é uma leitura indispensável para professores e alunos em universidades e escolas.

Já disponível: Reedição "Contacto", de Carl Sagan. De €22,00 por €19,80.

Um livro extraordinário em que o célebre astrofísico americano Carl Sagan usa brilhantemente a liberdade da ficção para imaginar a maior de todas as aventuras: o primeiro encontro da espécie humana com outros seres inteligentes.

Quando é descoberto um sinal que parece vir de fora do nosso sistema solar, uma equipa multinacional de cientistas decide identificar a sua origem. O que se segue é uma viagem reveladora até às estrelas para o encontro mais fascinante da história da humanidade. Que seres existirão para lá do nosso Universo? Por que razão decidem observar-nos? E o que pretendem de nós? Pleno de suspense, transbordante de conhecimento, drama humano e surpresa, Contacto está escrito com aquele misto de paixão científica e sólida inteligência que distingue o autor. Um romance simultaneamente profundo e absorvente que transporta o leitor, assim como os seus protagonistas, às estrelas, sem o fazer duvidar de que poderá vir a ser assim mesmo.

Já disponível: "A Sabedoria dos Mitos: Ilíada, volume 3", de Luc Ferry, Didier Poli, Clotilde Bruneau e Pierre Taranzano. De €20,99 por €18,89.

Aquiles decide-se por fim a entrar na peleja para defrontar Heitor, o príncipe troiano que tirou a vida ao seu primo Pátroclo. A sede de vingança do filho de Tétis é insaciável e o rasto de sangue que deixa no seu encalço nas linhas troianas, terrível. Mas uma vez massacrado e humilhado o inimigo, Aquiles é por sua vez abatido por uma flecha de Páris, irmão de Heitor, guiada por Apolo. Desmoralizados com a morte do seu herói, os Gregos veem o moral afundar-se face a uma cidade que agora consideram inexpugnável. Mas isto só dura até ao dia em que Ulisses, o dos mil ardis, congemina um estratagema…

Já disponível: "Capitão Cuecas, volume 5: A Fúria da Maquiavélica Mulher-Elástica", de Dav Pilkey. De €15,00 por €13,50.

AGORA FINALMENTE A CORES.

Desta vez o George e o Harold meteram-se num molho de brócolos! Hum, talvez esta seja uma imagem demasiado apetitosa para o que realmente aconteceu. A verdade é que criaram um verdadeiro MONSTRO: a Mulher-Elástica! Estão a ver um daqueles seres que conseguem desmontar equipamentos banais e criar robôs obedientes com peças usadas? E que chega ao cúmulo fazer com que o Capitão Cuecas, sim, o próprio, se sinta completamente derrotado? Ainda por cima quer dominar o mundo. Contado até custa a acreditar, não é? Terão de ler o livro para saber tudo. Vale mesmo a pena!

Será que as maldades da Mulher-Elástica vão significar o fim dos nossos heróis? As coisas estavam a ficar realmente complicadas. Ora lê, para descobrires como tudo aconteceu. E já agora… tem cuidado!

"A Arte de Argumentar", de Anthony Weston.

A Arte de Argumentar
Anthony Weston

 

€15,00 12,00

 
A necessidade de bons argumentos talvez seja hoje maior do que nunca. Mas não bastam bons argumentos para se argumentar bem. Por isso, com o sentido de oportunidade que caracteriza as suas escolhas, na quinta edição de A Arte de Argumentar de Anthony Weston não podia ser mais certeiro: apresenta um novo capítulo sobre o debate público e torna límpido que argumentar bem requer igualmente uma ética.

Os Dragões do Éden
Carl Sagan

 

€19,70 11,82

 
Com Os Dragões do Éden, Prémio Pulitzer, para muitos a mais bela obra do autor, os leitores de "Ciência Aberta" irão participar numa grande aventura... Num Éden perdido onde os dragões reinavam encontram-se as fundações da nossa inteligência e das nossas paixões... Sagan conduz-nos, numa visita guiada, até esse mundo perdido...
"Os Engenheiros do Caos", de Giuliano da Empoli.

Os Engenheiros do Caos
Giuliano da Empoli

 

€14,50 11,60
 

No mundo de Donald Trump, de Boris Johnson, de Jair Bolsonaro ou de Matteo Salvini cada dia tem a sua gafe, a sua polémica, o seu brilharete. Ao contrário do que se possa pensar, por detrás das aparências de carnaval populista está o trabalho árduo de ideólogos, cientistas e especialistas em big data, sem os quais os líderes populistas dificilmente teriam chegado ao poder. Estes são os engenheiros do caos, cujo retrato Giuliano da Empoli pinta. Uma investigação que mostra uma galeria de personagens, muitas delas desconhecidas do público em geral, que estão a mudar as regras do jogo político.
"A Crise do Capitalismo Democrático", de Martin Wolf.

A Crise do Capitalismo Democrático

Martin Wolf

 

€31,50 25,20

 
A democracia liberal está em crise e o autoritarismo está a crescer. Além disso, os laços que deveriam ligar os mercados abertos a eleições livres e justas estão ameaçados. As vozes dividem-se: de um lado, as que defendem que o capitalismo é melhor sem democracia; do outro, as que defendem que a democracia é melhor sem capitalismo.

Este livro é uma réplica vigorosa a ambos os pontos de vista, clarificando as razões pelas quais o divórcio entre o capitalismo e a democracia seria um grande mal. Pelo meio, a ideia de que a cidadania é muito mais do que um slogan ou uma intenção romântica: é a ideia que nos pode salvar.

NOVIDADES DA GRADIVA

 

Novidades Junho 2024. Já disponível "Mussolini", de Catherine Brice, Luca Blengino, David Goy e Andrea Meloni. De 20,99€ por 18,99€.

 

Eles fizeram história...

Napoleão, Catarina de Médicis, Gengis Khan, Charles de Gaulle... A vida dos grandes personagens fascina tanto como permite entender uma época. Quem eram verdadeiramente, como e porquê marcaram a História? Autores de banda desenhada e historiadores unem aqui os seus talentos para apresentar retratos biográficos apaixonantes, narrando estes destinos brilhantes que moldaram o nosso.

 

No final da Primeira Guerra Mundial, Benito Mussolini encabeça um movimento revolucionário e violento, o fascismo, que congrega os desiludidos com a vitória mutilada de Itália. Em 1922, Mussolini dirige o movimento e impõe uma revolução fascista que dura até à Segunda Guerra Mundial, refundando inteiramente o sistema político e económico. O seu grande desígnio é criar uma nova Itália, organizada e poderosa, que tem à cabeça um chefe infalível, o Duce (o Guia). Empenha-se desde muito cedo em fazer de Roma o centro do poder e a nova cidade ideal, conforme aos ideais do fascismo. Literalmente reconstruída por um Mussolini que transforma o aspecto da cidade eterna à luz de um fascismo conquistador, Roma é como que testemunha privilegiada desse período.

EGAS MONIZ - Uma biografia

EGAS MONIZ - Uma biografia
João Lobo Antunes

 

€17,00 15,30

 
Esta é a primeira biografia de uma das mais fascinantes personalidades médicas do século XX, a quem se devem duas contribuições científicas fundamentais: a angiografia e a psicocirurgia. Uma narrativa que o autor pretendeu que fosse objectiva e crítica, e para a qual dispôs de numerosos documentos e cartas inéditos.
Um Neurocirurgião em Construção

Um Neurocirurgião em Construção
João Lobo Antunes

 

€17,00 15,30

 
«A aprendizagem do ofício, o cumprimento durante toda a vida dos hábitos de um bom aluno, terão contribuído para fazer de mim um razoável professor ou, melhor dito, um professor feliz.»

Neurocirurgião em Construção reúne as últimas memórias de um dos grandes nomes da Medicina e da cultura portuguesas e de um dos mais brilhantes ensaístas da sua geração. 31 capítulos que sintetizam o percurso, marcado pela ética e a auto-exigência, que levou João Lobo Antunes a tornar-se cirurgião do cérebro começando pela sua infância em Benfica até ao meu regresso a Portugal, em 1984. 
Um Modo de Ser

Um Modo de Ser
João Lobo Antunes

 

€16,00 14,40

 
Prémio Pessoa 1996 
 
Neste volume de extremo interesse para os especialistas, mas igualmente acessível a leigos, o autor reflecte o modo pessoal de viver a Medicina, inspirado numa filosofia humanista que pretende preservar valores essenciais da profissão.
Lições

Lições
Ian McEwan

 

€25,00 22,50

 
Lições é a história íntima épica da vida de um homem através de gerações e convulsões históricas: da Crise de Suez à Crise dos Mísseis de Cuba, da queda do Muro de Berlim à actual pandemia, Roland Baines cavalga a maré da história, mas mais frequentemente luta contra ela.
Expiação

Expiação
Ian McEwan

 

€16,67 15,90


Expiação é, porventura, o melhor romance de Ian McEwan.
Descrevendo de forma brilhante e cativante a infância, o amor e a guerra, a Inglaterra e a situação de classes, contém no seu âmago uma exploração profunda - e muito comovente - da vergonha, do perdão, da expiação e da dificuldade da absolvição.

Prémio para o Melhor Livro de Ficção de 2002 atribuído pelo The National Book Critics Circle.
A Ciência e os Seus Inimigos

A Ciência e os Seus Inimigos
Carlos Fiolhais, David Marçal

 

€13,00 11,70

 
Um livro com histórias de ciência, de dois autores e divulgadores bem conhecidos do público português: Carlos Fiolhais e David Marçal. Aqui se analisam temas muito actuais à luz da ciência, com um misto de informação, interesse e humor, tornando o livro apelativo para múltiplos leitores.
E aproveite as nossas promoções: clique aqui!

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...