domingo, 28 de janeiro de 2024

EM BUSCA DAS PALAVRAS

Quem me dera encontrar palavras fortes,
recheadas de coisas e de sons,
tesouros ocultos em caixa-forte,
agrestes com suas cores e tons,
palavras sexuadas e gulosas,
capazes de fremir e de dar fruto,
palavras destemidas e afrontosas,
visando o relativo e o absoluto,
palavras cheias de escuro e de luz,
recheadas de amor e tempestade,
com passada que namora e seduz,
palavras que ocultam mais de metade,
mas dizem que baste para assustar,
palavras bem sedentas de tumulto,
feitas somente para magoar,
cheiinhas, para o caso, de insulto,
palavras que assassinam o canalha,
mas sabem abençoar S. Francisco,
palavras afiadas como navalha,
que, do pescoço infame, fazem petisco,
palavras que são fogo e que queimam,
palavras que ameaçam e cumprem,
palavras que desfloram e que teimam,
palavras que os lordes da guerra estuprem,
palavras fortíssimas, necessárias,
duras, fortes, doces, imprescindíveis,
palavras clássicas, bem centenárias,
que tornem os nossos sonhos possíveis!
                                                                                        Eugénio Lisboa

1 comentário:

Carlos Ricardo Soares disse...

O poema de Eugénio Lisboa é inspirador e não há poema que não seja inspirador. Quem quiser dissertar acerca da inspiração e da transpiração, esteja à vontade. A mim, fez-me pensar, outra vez e sempre, nas palavras e na vida das palavras, no seu poder.

As palavras, sempre as palavras. Depois dos gestos. Depois dos atos. O ato/facto da palavra. Pensada. Falada. Escrita. Subentendida. Induzida. Sugerida. Ouvida. Lida. Adivinhada. Encontrada. Arrebatada. A talho de foice. Desbocadas. Conspurcadas. Mal intencionadas. As palavras são o oceano pelo qual comunicamos sem deixarmos de estar isolados. As palavras bem intencionadas são as piores, porque são cavalos de tróia, bombas ao retardador.
Vivemos num mundo de palavras que tentam, mas não olvidam, os gestos, os atos, os factos. Contra factos, não há palavras? Ou, contra palavras não há factos?
Os argumentos não se deixam substituir por palavras, mas há palavras que valem mais do que mil argumentos.
Quanto aos factos, as palavras que o digam.

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