segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

FERNANDO ALVES NAS CONVERSAS ALMEDINA EM COIMBRA

 

SINAIS 
 
O jornalista Fernando Alves (ex TSF), António Baptista Lopes (editor da Âncora) à conversa com Carlos Fiolhais Conversas Almedina – Apresentação de 
 
«Sinais - As Últimas 50 Crónicas na TSF» 
 
30 Jan Terça-Feira | 18:00 
 
Coimbra 
 
Livraria Almedina Estádio Cidade de Coimbra

NA MORTE DE ARNO PENZIAS

Meu depoimento ao Público:

O físico Arno Penzias fez em 1965, acidentalmente, com Robert Wilson (ainda vivo) uma das maiores descobertas científicas do século XX: a radiação cósmica de fundo, que forneceu uma confirmação maior da teoria do Big Bang. O Universo tem, por todo o lado, um registo de quando era «bébé»: tinha 380 000 anos quando apareceram os primeiros átomos por todo o lado, com a junção dos electrões aos núcleos atómicos. Hoje já tem 13,8 mil milhões de anos.

Penzias e Wilson tiraram o que podemos chamar a "fotografia" mais antiga do Universo. Antes de haver átomos o mundo era escuro e não pode ser «fotografado». O brilho que hoje vemos com microondas, na Terra e no espaço, é um «fóssil» da formação dos primeiros átomos, hidrogénio e hélio. Eles estavam  a instalar antenas para comunicações de satélite, em New Jersey, por conta dos Bell Labs. Descobriram um ruído praticamente igual por todo o lado que apontassem. Não sabiam  o que era e queriam ver-se livres daquilo, que só perturbava as comunicações. Limparam as antenas pois podia ser excrementos de pássaros. Só num contacto com outro físico de Princeton, ali próximo, é que souberem o que devia ser, um «fóssil» da formação dos primeiros átomos, hidrogénio e hélio. Uma hipótese que haveria de ser amplamente confirmada.  Penzias comentou: "Há quem ganhe o Nobel por procurarem algo. Nós ganhámos nos querermos ver livres de uma coisa." Mas estavam, com atenção, no sítio certo e na hora certa...

Penzias é um autor de um só livro em português, "Ideias e Informação," um dos primeiros livros da colecção «Ciência Aberta», da Gradiva. Pegando no título do livro: as microondas eram a informação, a ideia é que elas vinham do início do mundo.

Judeu alemão (de origem polaca), Penzias fugiu de Munique aos 6 anos, em 1939. É mais um dos muitos judeus nobelizados: na Física são mais de 25% (na Economia são mais de 40%).

Morreu de Alzheimer, mas nós vamo-nos lembrar dele.

OS BÁRBAROS DO SUL

Meu artigo no último As Artes entre as Letras:

O recente livro. do historiador Luís Filipe Thomaz Nanban-Jin. Os Portugueses no Japão, publicado pela Gradiva, fornece um excelente pretexto para falar das relações entre Portugal e o Japão. Nanban-Jin significa “Bárbaros do Sul,” nome que os japoneses chamaram aos primeiros portugueses que demandaram por mar as suas ilhas. A obra tem duas partes. Na primeira, «De Sagres a Tanegaxima, texto que tinha servido de introdução à História dos Portugueses no Extremo Oriente (A. H. de Oliveira Marques, dir., Fundação Oriente, 1998), o autor expõe, num resumo magistral, a expansão marítima portuguesa nos séculos XV e XVI. Na segunda, «Os Portugueses no Japão,» que reproduz o conteúdo escrito de uma luxuosa obra anterior que não se encontra facilmente (CTT, 1993), o autor detém-se nos primeiros contactos luso-nipónicos. Se a primeira parte tinha figuras a preto e branco, a segunda tem, além delas, um extratexto a cores, que inclui os famosos biombos Nanban.

Um outro livro recente que também fala do Japão, embora com um olhar mais actual, Uma Varanda sobre Tóquio (Avenida da Liberdades Editores), foi escrito pelo gestor David Lopes, que trabalhou no Japão dirigindo uma empresa local durante os anos da COVID-19. O autor dá-nos, numa espécie de «dicionário fundamental» trilingue (português, inglês e japonês), as impressões dele sobre o «país do Sol nascente». Muito curioso, quer no conteúdo quer na forma, com vinhetas para cada entrada. Apenas um pouco menos recente é um outro livro sobre o Japão, Tóquio. Diário. 1946. Saído em 2019 (2.ª ed., 2022), é seu autor Alberto Franco Nogueira, embaixador português em Tóquio em 1946 (portanto, no imediato pós-guerra), que haveria de ser ministro dos Negócios Estrangeiros de Salazar. A obra foi publicada pelos herdeiros do diplomata. Tal como Lopes também Franco Nogueira se mostra fascinado pelo país que o acolheu. Tal como ele, primeiro estranhou e depois entranhou.

Mas volto à primeira obra. Luís Filipe Thomaz, autor de A Expansão Portuguesa. Prisma de muitas faces (Gradiva, 2021), é um dos nossos maiores historiadores. Organizou o Instituto de Estudos Orientais da Universidade Católica Portuguesa e, reformado, passou a monge da Igreja Ortodoxa. Fiquei um dia siderado a ouvi-lo recitar em sânscrito na Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra. Em Nanban-JIn começa com uma síntese dos Descobrimentos Portugueses, iniciados com a conquista de Ceuta em 1415 e  encerrados com a chegada dos primeiros portugueses ao Japão em 1542 ou 1543. Não há a certeza da data, mas o mais provável é ter sido em 1543, pelo que no ano passado se celebraram os 480 anos desse evento, ocorrido na ilha de Tanegaxima, no Sul do arquipélago nipónico, onde todos os anos se organiza a o Festival da Espingarda, uma vez que os portugueses foram os introdutores dessas armas no Japão. Os primeiros lusos podem ter sido três comerciantes que, partidos das costas da China, aportaram à ilha, apanhados por uma tempestade. Teria sido, nesse caso, uma chegada acidental e não motivada pelos negócios e muito menos pela conquista. Não se percebe muito bem porque demorou 30 anos  desde a chegada lusa à China, protagonizada por comerciantes vindos de Malaca em 1513, até à chegada ao Japão, quando este já era conhecido há muito (Marco Polo chamou-lhes Cipango). Uma hipótese pode ser a dificuldade na utilização de portos chineses. Outra a falta de interesse comercial por ilhas, que se haveriam de revelar ricas em prata.

Depois de ter integrado a «descoberta» do Japão na saga dos Descobrimentos, Thomaz apresenta o quase um século em que floresceram as relações entre portugueses e japoneses. O contributo dos missionários, em especial os jesuítas, foi essencial: conseguiram o baptismo de grande número de japoneses, mais do que haviam conseguido na China. Mas, em 1639, após a unificação política do Japão, os triunfantes expulsaram os cristãos portugueses, pondo fim à convivência entre os dois povos. Os portugueses eram chamados «bárbaros» porque não partilhavam os costumes locais, como o de comer com pauzinhos (ainda comiam à mão, numa época em que, no Ocidente, o garfo começava a ser utilizado.) Vinham de Macau em naus grandes, pintadas com preto de pez, o que originou o nome de «barcos negros» (aparecem nos  biombos Nanban). Dois personagens famosos chegaram ao Japão no século XVI: o missionário jesuíta São Francisco Xavier e o andarilho e escritor Fernão Mendes Pinto (os dois cruzaram-se em Malaca e, talvez devido a esse encontro, Mendes Pinto foi noviço dos jesuítas). Thomaz relata o encontro dos ocidentais e orientais numa perspectiva de história global, bem longe de um olhar colonizador. Mostra que, nessa época, não era Lisboa que comandava o que os portugueses faziam no Extremo Oriente, já que os negócios e a religião mandavam mais do que a política. Era, como já alguém disse, a «cauda que fazia abanar a cabeça do cão».

A cidade de Nagasáqui, que sofreu os horrores da bomba em 1945, foi criação ocidental, pois antes de os portugueses chegarem não passava de uma aldeia piscatória. As vítimas da bomba não foram tantas como em Hiroxima pois o urbanismo se fez em bairros nas colinas sobre a baía portuária e não numa rede quadriculada plana como era usual no Japão. Mas Nagasáqui já tinha vivido outra tragédia, embora menor. Em 1639 foi  aí perpetrado um massacre contra uma embaixada portuguesa: 48 pessoas foram executadas, por não terem renunciado à sua fé, enquanto 13 foram mandadas de volta para Macau de modo a divulgarem a noticia. Escreve Thomaz no fim do seu livro: «Foi o episódio da Embaixada Mártir com que ao cabo de 96 anos de frutuoso contacto se encerraram, até à reabertura do Japão em pleno século XIX, as relações luso-nipónicas.»

A CIÊNCIA EM CAMÕES

Meu artigo no último JL:

Não se sabe ao certo quando nasceu Luís de Camões, embora o ano de 1524 seja convencionalmente aceite. Em 1924 celebraram-se os seus 400 anos e em 2024 deviam-se celebrar os 500 anos. De facto, o governo nomeou uma comissária das comemorações, a camonista Rita Marnoto, professora da Universidade de Coimbra, mas parece que se esqueceu de orçamentar a verba necessária.

A discussão sobre o nascimento do nosso maior poeta tem sido curiosa. Há, inclusivamente uma previsão astrológica feita pelo poeta Mário Saa, pseudónimo de Mário Cunha e Sá (1893-1971), que estudou Engenharia, Matemática e Medicina em Lisboa sem nunca ter acabado nenhum curso. No seu livro As Memórias Astrológicas de Camões (Empresa Nacional de Publicidade, 1940; e Edições do Templo, 1978), concluiu, com base nalguns poemas e numa carta astrológica (a capa original de Eduardo Malta representa Camões empunhando essa carta), que o poeta nasceu em 23 de Janeiro de 1524, às 20h40. Esta conclusão não tem obviamente grande valor, conforme reconheceu o filósofo Josué Pinharanda Gomes (1939-2019), na longa recensão que fez ao livro de Saa num seu artigo em Mario Saa. Poeta e Pensador da Razão Matemática (Manuel Cândido Pimentel e Teresa Dugos, eds., Universidade Católica, 2012). Em 2009, no blogue De Rerum Natura, a matemática Carlota Simões retomou a data de Saa, baseando-se nalguns versos de um soneto (“O dia em que eu nasci morra e pereça”) e na ocorrência de um eclipse solar precisamente um ano antes da alegada data de nascimento. As únicas coisas certas são que esse eclipse existiu e que o suposto dia de aniversário foi a um sábado (Saa escreveu ao Observatório Astronómico de Lisboa, que lhe confirmou que 23 de Janeiro de 1524 foi um sábado). Os estudiosos de Camões continuam divididos, mas praticamente ignoram a conjectura de Saa.

No tempo de Camões  a astrologia confundia-se com a astronomia, que só viria a emergir tal como é hoje com os trabalhos de Galileu e de Kepler no início do século XVII (Os Lusíadas saíram em 1572). Para reconhecer que o poeta tinha um vasto conjunto de conhecimentos astronómicos basta ler a sua epopeia. Luciano Pereira da Silva (1864-1926), professor de Matemática da Universidade de Coimbra, escreveu  uma série de artigos na revista daquela instituição entre 1913 e 1915, que saíram numa separata intitulada A Astronomia nos Lusíadas (Imprensa da Universidade de Coimbra, 1915), da qual foi feita uma reedição pela Junta de Investigações do Ultramar em 1972, com  introdução de Luís de Albuquerque, também ele professor de Matemática em Coimbra e especialista em história da náutica. Ainda hoje esse livro é indispensável para quem queira conhecer a ciência contida n’Os Lusíadas e as eventuais fontes do seu autor. Em 2014 o Museu da Ciência de Coimbra organizou um colóquio, do qual foram publicadas actas, para assinalar os 150 anos de Pereira da Silva.

Camões, que deve ter estudado em Coimbra, estava bem informado sobre o sistema do mundo ptolemaico, que então vigorava (e que era ensinado na Universidade por Pedro Nunes, o detentor da cátedra de Matemática, seu contemporâneo).  Pode perguntar-se por que razão não usou o sistema heliocêntrico, publicado no famoso livro de Copérnico de 1543. Nunes conhecia esse livro, mas nem ele nem os outros cientistas da época lhe deram grande atenção. Só mais tarde Galileu e Kepler fizeram vingar o heliocentrismo. Um livro bastante útil sobre a ciência n’Os Lusíadas é do astrónomo brasileiro Ronaldo Rogério Mourão (1935-2014), Astronomia em Camões (Lacerda, Rio de Janeiro, 1998). O mais moderno em Camões não é tanto a «máquina do mundo» que ele descreve em pormenor, mas o relevo da observação e experiência dos «rudos marinheiros» (escreveu no canto V: «Os casos vi, que os rudos marinheiros,/ Que têm por mestra a longa experiência,/ Contam por certos sempre e verdadeiros,/ Julgando as cousas só pola aparência,/ E que os que têm juízos mais inteiros,/ Que só por puro engenho e por ciência/ Vêm do mundo os segredos escondidos,/ Julgam por falsos ou mal entendidos.» Não podemos esquecer que o próprio Camões embarcou para a Índia. O poeta renascentista, ao descrever a viagem de Vasco da Gama, revelou-se pioneiro do espírito empírico que haveria de reger a ciência moderna.

Foi na Índia que Camões publicou os seus primeiros versos impressos. E aqui há uma curiosa associação à ciência: eles foram publicados como introito a uma obra científica, Colóquios dos Simples, do médico Garcia de Orta, impressos em Goa em 1563. Camões deve ter sido amigo de Orta, pois só assim se entende a aparição de numerosas e precisas referências a plantas n’Os Lusíadas. O botânico Jorge Paiva, da Universidade de Coimbra, num artigo sobre a flora na obra de Camões (em António Andrade et al., Humanismo e Ciência: Antiguidade e Renascimento, Universidades de Aveiro e Coimbra, 2015), identificou c. 50 espécies n’Os Lusíadas e c. 35 na lírica, sendo orientais a maior parte das que aparecem no poema épico (há, porém, plantas dos campos do Mondego na ilha dos Amores). Antes de Paiva, outros especialistas trataram a flora n’Os Lusíadas como o Conde de Ficalho (1837-1903), que fez uma edição dos Colóquios dos Simples (1891-92) e que escreveu a Flora nos Lusíadas (1880; ed. recente: Hiena, 1994). E outra é o livro do engenheiro agrónomo Joaquim Vieira da Natividade A Flora na Lírica de Camões (Academia das Ciências, 1970)

Outras ciências podem ser referidas a propósito de Camões. Jorge de Sena e Vasco Graça Moura trataram facetas matemáticas, designadamente a “divina proporção,” em obras bem conhecidas.  Orlando Ribeiro estudou a geografia camoniana num trabalho de 1980 na revista Finisterra. O brasileiro Pedro Nava publicou A Medicina de Os Lusíadas (Ateliê Editorial, São Paulo, 2004). Menos conhecida, por se tratar de uma edição do autor, é a obra do engenheiro químico, professor da Universidade de Coimbra, Armando Tavares da Silva, Camões e a Química. A Química em Camões (2010). O autor, que fazia investigação em história, faleceu há um ano, mas este belo e raro livro lembra-me, na minha biblioteca, a oferta que me fez.

domingo, 28 de janeiro de 2024

CONDIÇÃO FEMININA

(Em Évora, anos 30 e40 do século que passou)
Por A. Galopim de Carvalho

Depois do jantar, os homens saíam a caminho dos seus interesses. Fossem ricos, remediados ou pobres, a regra era essa. As mulheres ficavam em casa. De muitas delas, a única distração era ficarem à janela a ver quem passasse ou a falar com a vizinha da frente. Prisioneiras das responsabilidades que lhes eram atribuídas pela tradição e pelo regime, continuavam no exercício das tarefas domésticas, lavam a loiça, arrumavam a cozinha, costuravam e, ao mesmo tempo, cuidavam dos filhos mais pequenos. Estes, ou faziam os trabalhos da escola ou brincavam, muitas vezes na rua, à porta da casa, sempre aberta. As filhas com idade para ajudar, começavam aí a sua iniciação de mulher de família.

Eram as mães que, contra elas próprias, educavam as filhas e os filhos a perpetuarem os hábitos da sociedade machista em que cresci e me fiz homem, numa vivência estimulada pela Igreja e pelo poder político da época.

Jovem casadoira, qualquer que fosse a sua condição, já sabia que o seu lugar ia ser no lar ou no “ninho”, como algumas e alguns gostavam de dizer. Ao contrário das mulheres do campo, eram poucas as da cidade com trabalho fora de casa. No mundo rural não era assim. Pobres por condição e tradição, mães com ou sem filhos e raparigas adolescentes tinham mesmo de trabalhar sempre que as oportunidades surgissem e essas oportunidades eram, sobretudo, a monda, a ceifa e a apanha da azeitona.
«A mulher quer-se em casa, a cuidar dos filhos»,
«a rua é que é para os homens»,
«homens na cozinha só atrapalham»
eram frases feitas, submissa e pacificamente aceites pela generalidade das mulheres, industriadas que estavam em casa, pelas mães, e na escola, pelas professoras. Eram frases próprias de uma sociedade machista como era a nossa, numa tradição europeia vinda da antiguidade helénica, onde, na Pólys, a cidade-estado da Grécia antiga, cidadão era – nunca aquela – que gozava do direito de participar na vida política da cidade, um direito igualmente vedado a estrangeiros e a escravos.

Mais tarde, na Europa e até finais do século XVIII, foi condição de dignidade do homem – nunca da mulher – que recebia esse título honorífico. Mantida e aperfeiçoada na cultura judaico-cristã, esta diferença era, e ainda é naturalmente bem aceite por muitos homens, como parte interessada. Esta desigualdade tinha para nós, rapazes, as suas vantagens, habituando-nos a essa condição privilegiada dos elementos masculinos da família.
– Tisa, já fizeste as camas? – Ordenava a mãe.– Agora vai pôr a mesa! 
– Lurdes, vai passar (a ferro) a camisa do teu irmão. 
E aí, nós só não líamos o jornal, recostados num sofá, porque não tínhamos sofá. De qualquer maneira, lá se nos ia metendo na cabeça que isso dos trabalhos domésticos eram coisas de mulheres.

No meu tempo de escola, o ensino obrigatório, estabelecido pela reforma de 1936, de Carneiro Pacheco, ministro da Educação do governo de Salazar, era o primário, terminado com o exame da 3.ª classe (3.º ano, como agora se diz). Certificado pelo diploma do “Primeiro Grau”, era exigível para ingresso em algumas profissões e, nos homens, para ser eleitor. A escola primária separava rapazes de raparigas e o ensino destas estava confiado a professoras e, às raparigas, na sua predestinada condição de mulher, bastava aprender a ler e fazer contas, duas aquisições essenciais a quem tinha por dever a economia do lar.

Nascida em 1937, a Mocidade Portuguesa Feminina visava criar “a nova mulher portuguesa: boa esposa, boa mãe, boa doméstica, boa cristã, boa cidadã sempre pronta a contribuir para o bem comum, mas sempre longe da intervenção política deixada aos homens”, como na dita Pólys. A mulher viu-se, assim, relegada para um plano secundário na família e na sociedade em geral, até que, entre nós, o 25 de Abril, não o esqueçamos, pôs fim a esta indignidade.

Obrigatória para todas as jovens dos 7 aos 14 anos, a inscrição na Mocidade Portuguesa pretendia estimular nas nossas jovens a formação do carácter, o desenvolvimento da capacidade física, a “cultura do espírito e a devoção ao serviço social, ao amor de Deus, da Pátria e da Família”. Nos textos oficiais desta organização do Estado Novo figuravam conselhos sobre as atitudes (de acato e docilidade) a ter em casa para com o marido, lições de lavores femininos, com linhas, dedais, tesouras e agulhas, culinária e outros afazeres da vida doméstica e indicações sobre o fato de banho “com decote pouco generoso e saia não muito curta”.

Saídas à noite, só na companhia de alguém que a protegesse, não de qualquer agressão física, praticamente inexistentes nesse tempo, mas das “más línguas”. E essa protecção era a dos pais, a de um irmão ou outro familiar mais velho. As idas ao cinema, a um qualquer evento público ou a um Café tinham as mesmas restrições. Sempre que as minhas irmãs, adolescentes nesses anos, queriam ir ao cinema tinham de convencer o meu pai, nunca a minha mãe, a acompanhá-las. Do mesmo modo, a minha mãe só podia ir ao cinema, a um teatro, ou a qualquer outro espectáculo acompanhada do meu pai. Poder, podia, só que havia que enfrentar os “bons costumes”.

Nos bailes ou nas matinés dançantes, desiderato da juventude, sempre realizados nas sociedades recreativas, rapazes e raparigas podiam abraçar-se, com decência, dizia-se. As mães, numa “sova de cadeira” de várias horas, acompanhavam invariavelmente as filhas, não só para as vigiarem, não fossem os rapazes apertá-las demais ou fugirem dali com elas, como também para as defenderem das “bocas do mundo".
 
A. Galopim de Carvalho

EM BUSCA DAS PALAVRAS

Quem me dera encontrar palavras fortes,
recheadas de coisas e de sons,
tesouros ocultos em caixa-forte,
agrestes com suas cores e tons,
palavras sexuadas e gulosas,
capazes de fremir e de dar fruto,
palavras destemidas e afrontosas,
visando o relativo e o absoluto,
palavras cheias de escuro e de luz,
recheadas de amor e tempestade,
com passada que namora e seduz,
palavras que ocultam mais de metade,
mas dizem que baste para assustar,
palavras bem sedentas de tumulto,
feitas somente para magoar,
cheiinhas, para o caso, de insulto,
palavras que assassinam o canalha,
mas sabem abençoar S. Francisco,
palavras afiadas como navalha,
que, do pescoço infame, fazem petisco,
palavras que são fogo e que queimam,
palavras que ameaçam e cumprem,
palavras que desfloram e que teimam,
palavras que os lordes da guerra estuprem,
palavras fortíssimas, necessárias,
duras, fortes, doces, imprescindíveis,
palavras clássicas, bem centenárias,
que tornem os nossos sonhos possíveis!
                                                                                        Eugénio Lisboa

sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

MILIONÁRIO!

Por Eugénio Lisboa
 
Quando eu tinha os meus sete ou oito anos e vivia em Lourenço Marques, na fronteira entre a cidade do caniço e a cidade do cimento, numa casa pelintrosa, mas com garagem (sem carro) e quintal com árvores boas para se trepar, sem telefone, sem telefonia, sem luz eléctrica e com frigorífico de carregar pela boca, mas com uma liberdade do caraças e uma data de mato por detrás do muro das traseiras e uma suspeita de cobras agachadas no dito mato, dinheiro não havia, mas tristeza e amargura também não.

A malta divertia-se como podia, fazendo fisgas, espadas de pau e umas espingardas mal amanhadas. Brincávamos ao Errol Flynn, do GAVIÃO DOS MARES, ao Tarzan, da selva africana, ao Tom Mix do Farwest, e, pondo uns lenços atrás dos bonés, vivíamos o drama do BEAU GESTE, morrendo por cima dos muros da varanda, frente ao deserto que lá não estava. Era porreiríssimo. Mas digo mais: descobrimos depressa que se podia ser milionário, mesmo sem se possuir um tostão.

Vou dar um exemplo. Um dia, se calhar, para festejar bons resultados escolares, o meu pai conseguiu que um amigo com carro, do género calhambeque com patine, nos levasse, a mim e aos meus dois irmãos, ao Jardim Zoológico, que ficava fora da cidade. Íamos ao fim da manhã e iam-nos buscar ao fim da tarde. Mas não íamos com as mãos a abanar: levávamos uma feijoada para o almoço, um livro com boas histórias e água geladinha. Depois de uma visita gulosa aos bichos, comíamos a suculenta e bem recheada feijoada e, no fim do almoço, refastelávamo-nos no chão, como leões saciados e mergulhávamos, deslumbrados, na história do João Grande e do João Pequeno. E, depois dessa, em todas as outras, desses mundos que não conhecíamos mas que nos arrancavam, por momentos e com muita força, da Estrada do Zixaxa! Sair da Estrada do Zixaxa para os desertos africanos do BEAU GESTE ou para os mares do Errol Flynn ou para os paradeiros do João Grande, com poucos recursos mas com uma data de energia e imaginação – era a nossa grande proeza. Uma tarde no Jardim Zoológico, com bichos iguais aos que víamos no cinema, com uma feijoada do camando, água geladinha e histórias a dar com um pau, caramba, se isto não era ser milionário, então não sei o que seria! Era baril! Ninguém, mas ninguém, no resto do mundo, naquele momento, estava a ter um dia como aquele.

A inveja que aqueles ricaços deviam ter de nós! Bem feito! Não vive aquelas coisas quem quer, vive-as só quem sabe e pode. E nós éramos, de longe, nessa altura, os mais sábios e poderosos do mundo, naquela África quente e com espaço a nunca mais acabar. Sem cheta, mas ali, ao leme, como gente! Que se lixasse o dinheiro: a força e a alegria estavam noutro lado! Quem estava a ter um dia porreiríssimo éramos nós e não aqueles ricaços aloirados da Polana. Que, ainda por cima, usavam palavras difíceis que eu nunca ouvira!

Eugénio Lisboa

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

NOVA ATLANTIS

 A “Atlantís” disponibilizou o seu número mais recente (em acesso aberto). Convidamos a navegar pelo sumário da revista para aceder à informação.

Atlantís - review  (Imprensa da Universidade de Coimbra)
v. 55 (2024)
Sumário
https://impactum-journals.uc.pt/atlantis/index

-------------------------------

[Recensão a] SARRAZOLA, Alexandre, O Lugar de Sarrazola Arqueologia de Salvaguarda e Crónicas de Contracultura. Oeiras: Mazu Press, 2021 124 pp. ISBN 978-989-53351-1-4

José d'Encarnação

[Recensão a] LÓPEZ MOREDA, Santiago, Clásicos e humanistas ante los neologismos. Akal: Universidad de Extremadura, 2019. 320 pp. ISBN 978-84-460-4800-8

Adriano Milho Cordeiro

[Recensão a] ALVARADO TEODORIKA, Tatiana, GRIGORIADOU Theodora & GARCÍA ROMERO, Fernando (eds.), Ecos y resplandores helenos en la literatura hispana. Siglos XVI-XXI. La Paz/ Madrid: Sociedad Boliviana de Estudios Clásicos/ Sociedad Española de Estudios Clásicos, 2018. 627 pp . ISBN: 978-84697-9697-9

Claudio Castro Filho

[Recensão a] PFEFFERKORN, Julia & SPINELLI, Antonino (eds.), Platonic Mimesis Revisited (International Plato Studies 40). Baden-Baden: Academia Verlag, 2021. 385 pp. ISBN: 978-389-665-978-1

Lorenzo Giovannetti

[Recensão a] ANCONA, Ronnie; TSOUVALA, Georgia (eds.), New Directions in the Study of Women in the Greco-Roman World. Oxford: Oxford University Press, 2021. 300 pp. ISBN: 978-0190-937-638

Priscilla Gontijo Leite; Marina Pelluci Duarte Mortoza

________________________________________________________________________
Atlantís
http://impactum-journals.uc.pt/atlantis

MINHA ENTREVISTA À SÁBADO SOBRE CLONAGEM

Minha entrevista à jornalista Andreia Antunes, da Sábado (S.):

S. -  Acha que a clonagem pode trazer vantagens para o avanço científico, no sentido de haver melhores resultados na área da investigação?

CF- Sim, não só pode como tem trazido. A clonagem, o processo de fazer organismos com genomas iguais, existe naturalmente na Natureza (reprodução assexuada na Natureza de muitos seres vivos e o aparecimento ocasional de gémeos na reprodução sexual). Claro que os organismos não são iguais, porque os genes expressam-se de maneira diferente conforme a interacção com o ambiente. Na clonagem artificial, o homem consegue realizar esse tipo  de processos. 

A clonagen de plantas já se faz desde tempos bíblicos: muitas espécies agrícolas tiveram assim a sua origem. Experiências desse tipo já se fazem em animais  há mais de 130 anos, proporcionando um conhecimento científico cada vez maior e também  numerosas aplicações. Um marco foi  a primeira clonagem de mamíferos, a ovelha Dolly, feita em Edimburgo por Ian Wilmut e Keith Campbell em 1996. A ovelha já morreu e o próprio Wilmut morreu em Setembro passado, aos 79 anos, com Parkinson.

S- De que forma a clonagem pode ser utilizada na investigação médica para desenvolver terapias ou medicação?

CF- São inúmeros os avanços proporcionados pela clonagem. Basta pensar nos desenvolvimentos da agricultura e pecuárias, mas também na saúde humana. Não é apenas o progresso na compreensão da biologia do desenvolvimento, é também o melhor entendimento do funcionamento da genética (com implicações no estudo e tratamento do cancro), o fabrico de novos fármacos,  a compreensão do potencial das células estaminais, etc. Claro que, como qualquer ramo da ciência  e da tecnologia, coloca problemas éticos. Uma coisa é o que se pode fazer, que a ciência e tecnologia indicam com base na observação da Natureza. Outra é o que se deve fazer, que é uma questão  exclusivamente humana. Os cientistas devem ter comportamentos éticos, isto é, devem seguir as normais gerais da sociedade (que evoluem ao longo do tempo e que variam de cultura para cultura) e também as regras da sua profissão (que são mais universais: os  cientistas têm de aplicar com rigor o método científico). Embora os cientistas possam dar informação, as normas éticas são feitas pela sociedade. Como estamos a falar de vida, temos de considerar na clonagem questões de ambiente (incluindo o bem-estar animal) e de saúde humana.

S- Qual é a sua opinião sobre a ética envolvida na clonagem de macacos para testes em laboratório, considerando o equilíbrio entre avanços científicos e o bem-estar animal?

CF- Tem sido, desde a ovelha Dolly, feito inúmeras clonagens de outros mamíferos: ratos, coelhos, cabras, vacas, etc. A clonagem de primatas, que se fez pela primeira vez em 2018, levanta maiores problemas, dada a maior proximidade genética ao homem. Os chimpanzés têm cerca de 95% de identidade genética com os humanos. Os pequenos macacos que foram clonados - e em pequeno número - não são os mais próximos da espécie humana, o que significa que na evolução natural as espécies tiveram um antepassado comum há mais tempo.  Os macacos rhesus (o nome lembra-nos que o factor Rh do nosso sangue vem deles) foram já sequenciados neste século, depois do chimpanzé,

Têm cerca de 93% de sobreposição genética com o homo sapiens. Isso ajuda a explicar porq que razão têm sido usados em experiências biomédicas: foram dos primeiros seres vivos mandados para o espaço e têm sido usados para a compreensão de doenças , como alguns terríveis males biológicos que nos afectam (incluindo o Alzheimer). As experiências mais recentes referem-se à clonagem de um único indivíduo, sendo muito pequena a taxa de sucesso. São ensaios muito preliminares.

Os seus autores, que  dizem ter cumprido as normas éticas vigentes no seu país, defendem com a possibilidade de ajudar os humanos. Mas o assunto é  controverso: uma associação de defesa dos animais no Reino Unido diz que as experiências não deviam ter sido feitas, em nome do bem-estar animal. Este tipo de controvérsias é normal num tema deste tipo. Cada especialista ou grupos de especialistas, perante os mesmos dados, chega a conclusões diferentes, i.e., não há um único equilíbrio que possa ser feito. A ciência funciona assim, com discussões permanentes e em viva interacção com a sociedade. Lembro uma questão diferente, a fertilização in vitro, em que houve muitos adversários de início por ser antinatural e os bebes poderem nascer deficientes e hoje é um técnica segura a que recorrem por exemplo muitos casais inférteis.

S- Há limites éticos na clonagem de animais para investigações? Se sim, quais os limites que deveriam ser definidos e aplicados?

 CF- Claro que há. Não é fácil apontá-los em resumo pois são diferentes de país para país. O tipo de experiências que agora  se fizeram na China não poderia ter sido feito na União Europeia, pois as nossas normas o permitem. Mas não podemos querer impor as nossas normas de um modo universal, mas apenas tentar convencer os outros. Não há, de resto, um governo do mundo. Apesar de haver alguns casos de abusos éticos na ciência em vários sítios do globo - um caso notório foi a manipulação genética de embriões por CRISP (um assunto diferente da clonagem, porque neste caso há alteração genética) por um cientista chinês em 2018 que foi condenado e cumpriu pena - os cientistas têm um enorme cuidado com a ética, quer a geral quer a particular da ciência. Hoje há regulamentos e comités de ética onde quer que se faz ciência. Também na China, que se está a transformar numa potência da ciência e tecnologia - já publica mais artigos científicos que os EUA. O trabalho de clonagem recente foi publicado na "Nature Communications", revista de grande prestígio publicada no Reino Unido. Não o teria sido se tivesse havido qualquer indício de falta de respeito pelas normas éticas ou qualquer incorrecção científica. Um só trabalho em ciência diz alguma coisa, mas pouco: são precisos mais trabalhos para chegar a conclusões sólidas. Na clonagem do rhesus, seguiu-se uma técnica nova

S -     Em termos éticos, como a clonagem de macacos se compara com outras formas de testes em animais, e quais princípios devem guiar a tomada de decisões nesse cenário?

 CF- Há muitos testes em animais. Praticamente todos os avanços que hoje temos em biomedicina resultaram de testes em animais. As experiências de clonagem em primatas são muito poucas . Distinguem-se pelo seu grau de dificuldade técnica. E, claro, pelas maiores preocupações éticas que suscitam. A maioria dos testes de fármacos e de vacinas que se fazem cuidadosamente em humanos só acontecem depois de serem testados em aninais. Os ratinhos são os mais comuns, mas os primatas estão mais próximos geneticamente dos humanos. Há normas para o uso de animais em laboratório. Mas, ao contrário do que alguns grupos mais extremistas defendem, é impossível não fazer experiências em animais se queremos progredir na saúde humana: a nossa vida só tem tem sido, em média, maior e melhor por causa dos extraordinários avanços na biomedicina, baseados não apenas em teorias e simulações, mas principalmente em ensaios de laboratório com animais.

S-  Acredita que os benefícios científicos provenientes da clonagem de macacos justificam os potenciais dilemas éticos associados?

 CF- Não sei. É uma discussão em curso. Alguns cientistas dizem que sim. Alguns activistas dos direitos dos animais dizem que não. A E as normas éticas  normalmente evoluem em resultado dessa normal discussão.

S-.   Na clonagem de macacos, como podemos equilibrar os avanços científicos com a necessidade de respeitar a autonomia dos animais e evitar o sofrimento desnecessário?

 CF- Quer nessa quer noutras experiências de animais, esse balanço é sempre feito, embora de formas diferentes noutros países. Os cientistas têm de respeitar as normas éticas que resultam desse balanço. Se não respeitaram serão penalizados, podendo mesmos er banidos, quer pela comunidade científica quer pela própria sociedade.

S-   A clonagem de macacos pode levantar questões sobre o bem-estar desses animais. Como os princípios éticos podem orientar a maneira como abordamos essas preocupações?

CF- O bem-estar animal é, com certeza, uma questão em jogo e deve ser tanto quanto possível procurado. Mas há outras, como o bem-estar humano, que resulta do alargamento da ciência. A ética é precisamente a discussão dessas várias questões. Só se faz com essa discussão e nunca termina de ser feita. A seguir a umas questões virão outras. Teremos sempre problemas éticos. 

   S- Acha que a clonagem de macacos para testes em laboratório pode abrir precedentes para a clonagem de humanos?

CF- Espero bem que não.  Hoje é consensual em todo o mundo que a clonagem de humanos é uma má ideia, ainda que eventualmente seja possível, por prejudicar valores humanos. Sei que esse receio vem dos livros e romances de ficção científica (como "Admirável Mundo Novo» de Huxley), mas uma coisa é a imaginação artística e outra é a realidade. As histórias de ficção são úteis para nos alertar. A sociedade, informada pelos  cientistas, concorda com a proibição de quaisquer ensaios desse tipo. Os autores deste ensaio com os macacos rhesus concordam absolutamente e dizem que estamos muito longe dessa possibilidade, que poderá parecer próxima a um leigo. O que eles querem é fomentar a ciência e técnica, antevendo utilidades práticas. Mas, mesmo que estivesse próxima do ponto de vista científico-técnico, a sociedade - que somos nós todos - manda não tentar sequer nada em humanos. Esta é uma convicção universal.

S-.   Como é a comparação ética entre a clonagem de macacos para testes e a potencial clonagem de humanos para fins semelhantes?

CF- O caso da eventual clonagem humana - que não  podemos fazer nem devemos fazer -  levanta problemas muito mais graves do que a clonagem de macacos. Chamamo-nos homo sapiens, homem sábio, temos de mostrar sabedoria.

S- Considerando a clonagem de macacos para pesquisas neurológicas, qual é a sua perspetiva sobre os limites éticos relacionados à manipulação genética para estudar a cognição e comportamento?

CF- A proximidade genética entre primatas propicia o estudo neles de doenças neurológicas humanas. Por exemplo fármacos para doenças neurológicas fatais,  como o Alzheimer e o Parkinson, mentais - que são um mal que, sob diversas formas, está muito generalizado - são testados em primatas dentro de um quadro de normas éticas, que , como disse, varia com  a região e com o tempo.

S-   Como a clonagem de macacos para testes pode impactar a confiança da sociedade na pesquisa científica e quais medidas éticas poderiam ser implementadas para mitigar possíveis preocupações?

CF- O público tem confiança na ciência, embora haja aqui e ali alguma manifestação de desconfiança. Em Portugal assistimos  a um grande grau de confiança nas vacinação da COVID (em que se usaram vacinas revolucionárias de base genética), mais do que noutros países mais desenvolvidos. A confiança assenta na cultura científica, isto é, na percepção pela sociedade do que é a ciência. A escola deve proporcionar cultura científica, mas há outros meios como os de comunicação social. É preciso comunicar ciência com verdade, desmontando por exemplo as histórias de Frankenstein. E é preciso dizer que a ciência é uma dimensão humana, a que temos de acrescentar outras. A ciência funciona com ética: responde a problemas humanos e deve reflectir preocupações humanas.  os cientistas são seres humanos que respondem perante a humanidade. A ciência procura a verdade, e a ética - que está fora da ciência - procura a bondade. Não é apenas a ciência que nos salva, embora ajude muito: salvar-nos-á sobretudo a nossa consciência se a soubermos usar bem.


Destaque Manhã Antena 1 - MINHA ENTREVISTA SOBRE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Destaque Manhã Antena 1: As paixões e os medos suscitados pela Inteligência Artificial - A Inteligência Artificial desperta paixões e medos. Frederico Moreno conversa com

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

A "inteligência artificial" é uma poderosa força de transformação

Saiu já há algum tempo uma publicação da Comissão Europeia com o título AI in Science. No prefácio, a Comissária para a Inovação, Investigação, Cultura, Educação e Juventude, Iliana Ivanova disse (faço uma tradução livre):
 
A "inteligência artificial" (a letra minúscula e as aspas são minhas) é uma poderosa força de transformação. Também é um disruptor, com potencial para redefinir o vasto campo da ciência e transformar muitos aspectos da vida humana (...).
 
A política europeia reconhece a importância estratégica da IA, nomeadamente na ciência, onde se tem como instrumento fundamental. O seu uso  anuncia uma nova era de expansão das suas fronteiras. Essa aceleração pode ajudar-nos a enfrentar grandes e prementes desafios, como os que se prendem com a transição ecológica e digital e com a manutenção da Europa na vanguarda do progresso científico. 
 
Com financiamento da UE, há investigadores a usar a IA para aperfeiçoar tratamentos para o cancro, resolver problemas ambientais e melhorar a previsão de terremotos. 
 
O recurso à IA ​​na ciência também tem consequências geopolíticas: a liderança em termos de descoberta e inovação é vantajosa para a posição competitiva da Europa. É imperativo que a UE mantenha a sua autonomia estratégica, a sua segurança e os seus valores. De outro modo, corre o risco de marginalização na corrida científica e tecnológica. 
 
O desafio que se nos coloca é como preservar a integridade científica, prevenindo o uso indevido da tecnologia e capitalizando o poder que os dados facultam. Assim, o nosso objectivo é duplo: aproveitar o vasto potencial da IA ​​e, ao mesmo tempo, abordar as preocupações dos cidadãos. Concretizá-lo depende do compromisso colectivo, do envolvimento de todos os intervenientes europeus na ciência.
 
Espero que este documento político provoque um amplo debate no seio da comunidade científica da União Europeia, os seus  insights são inestimáveis ​​neste empreendimento.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

CLONAGEM: DOS MACACOS AO HOMEM?

Meu depoimento ao CM sobre a anunciada clonagem de um macaco rhesus na semana passada:

Em 1996 foi clonada a ovelha Dolly, isto é, fez-se uma cópia de outra, inserindo material genético de células adultas num ovócito, célula feminina primordial, a que se tirou o núcleo. Depois clonaram-se cabras, porcos e vacas. Em 2018 clonaram-se os primeiros macacos, ditos de cauda comprida, pequenos (em comparação com os chimpanzés, mais próximos de nós). E agora clamaram-se macacos, ditos «rhesus», que, apesar de ainda serem pequenos, têm sido usados em experiências úteis para humanos: do seu nome veio o factor Rh do nosso sangue.

A taxa de sucesso nestas experiências é bastante reduzida, cerca de 1%. Só foi clonado um indivíduo. Mas os autores do clone reclamam que a produção de cópias genéticas poderá ajudar ao desenvolvimento de fármacos. O trabalho, feito na China, não pode ser repetido na União Europeia, uma vez que as nossas normas éticas o impedem.

E clonar humanos? Este é um tema de ficção científica, mas hoje aceita-se universalmente que, mesmo que a ciência e a técnica o permitam, não deve ser feito. Entrar-se-ia num mundo nada admirável. A ciência tem de respeitar a ética. Como disse François Rabelais, médico do século XVI: «ciência sem consciência é ruína de alma.»

"O FIM DO MUNDO EM CUECAS:" OU UMA CONVERSA SOBRE O FIM DO MUNDO EM COIMBRA 25/JANEIRO ,18H

Leandro Lopes - Ilustração Científica

domingo, 21 de janeiro de 2024

(TRANS)FORMAÇÃO DOS RECURSOS PEDAGÓGICOS: CAMINHO PARA A APRENDIZAGEM?

O Centro de Formação de Professores Francisco de Holanda teve a amabilidade de me convidar, bem como a Cátia Delgado e Isaltina Martins para escrevermos um texto, a integrar na edição comemorativa da 30.ª edição da sua revista ELO subordinada ao título "Dinâmicas de (Trans)Formação".
 
Partimos do actual quadro normativo-legal da educação, no qual se vê reafirmada a necessidade de se procurarem “dinâmicas que transformem a escola”, com vista a “um maior sucesso” de aprendizagem, sendo a formação contínua dos professores uma condição para que tal se concretize. 

Notando que tal transformação revela múltiplas faces, restringimo-nos a uma delas, afirmada como inevitável e prioritária: a digitalização de recursos pedagógicos. Considerando os efeitos contraproducentes que lhe têm sido apontados  questionámos essa face da transformação, ponderando-a em contexto formativo.

Ver páginas 101 e seguintes aqui.

O NEGÓCIO GLOBAL DA PUBLICAÇÃO CIENTÍFICA

O jornal Público tem feito um bom e continuado trabalho de investigação do negócio das "publicações científicas", que cresce e floresce, ainda que com a reprovação e denúncia de muitos, mas com a condescendência e cedência de cada vez mais. 

Do que me é dado ver, são, na verdade, poucos (muito poucos) os investigadores que se mantêm inflexíveis quanto aos critérios (efectivamente) científicos e éticos (sim, éticos) de divulgação daquilo que (realmente) apuram com o seu estudo (aturado e honesto) e, por acréscimo, do destino a dar ao que (responsavelmente) escrevem. Isto significa que, mesmo havendo pessoas e grupos dissonantes, que publicam em acesso livre (de pagamento, tanto para os autores como para os leitores) a verdade é que são (ainda) uma minoria.

A pressão para publicar-não-importa-bem-o-quê é bem real, sendo que aquilo que tende a prevalecer para efeitos de contratação, de progressão na carreira, de reconhecimento académico, de visibilidade social é a "quantidade" das publicações. Dir-me-ão que a "qualidade" também conta, mas como é possível apurar a "qualidade" numa imensa (imensa) quantidade apresentada por cada candidato?

Acresce que a imposição de publicar é acompanhada de uma outra: publicar em certas revistas e editoras, as que triunfam (sobre outras) no mundo super-competitivo das publicações. E muitas destas fazem-se pagar bem e cada vez melhor. É o negócio global da publicação científica. Negócio em que se imiscuiu a publicação predadora.

Ilustração: José Alves (jornal Público)
Voltando ao mencionado jornal, na sua edição de hoje, José Alves "apanhou" primorosamente o "espírito" do negócio na ilustração ao lado e o jornalista Tiago Ramalho explica em dois artigos – "Pagar ciência em Portugal cada vez mais refém de revistas predadoras" e "Os cientistas são forçados a publicar cada vez mais" – a situação no nosso país:

"A ciência em Portugal está cada vez mais dependente de editoras científicas que cobram taxas de publicação dos artigos científicos – aumentando o custo de fazer e divulgar ciência. Só em 2022, um em cada quatro artigos científicos portugueses publicados em cinco das maiores editoras científicas pagou estas taxas. Além disso, o peso das revistas da editora MDPI na investigação portuguesa também preocupa – afinal, esta é uma editora considerada predadora (mas já lá vamos). Mais: estima-se que terão sido gastos entre 5,1 milhões e 8,5 milhões de euros nestas taxas só em 2022.

Nota: Sobre o assunto, escrevemos, nomeadamente, aqui e aqui

A DIFÍCIL ARTE DE ADMIRAR

Por Eugénio Lisboa

Aquele que deseja a rosa deve respeitar o seu espinho.
André Gide
 
A admiração é algo de nobre, mas esconde compartimentos sombrios. 
 
Num deles, habitam, encafuados, a inveja e o ciúme, que precedem a frustração e o rancor. 
 
A admiração pode ser ou parecer que é motor de arranque para uma emulação construtiva. É, por exemplo, o caso do grito dado muito cedo por Victor Hugo: “Quero ser Chateaubriand ou nada!” Isso levou-o aos píncaros de ser Victor Hugo, o maior poeta da língua francesa. 
 
Mas o querer ser alguém que se admira pode implicar uma alquimia produtora de vinagre ou mesmo de veneno. Admirar está cheio de armadilhas. A pior é a do amor supostamente não correspondido. O “Quero ser Chateaubriand ou nada” descamba, não raro, no ódio vesgo a Chateaubriand. Não foi o caso de Hugo, ou o de Barrès ou o de Montherlant, que terão tido esse sonho: porque, tinham eles próprios, génio de sobra.
 
Mas foi, no século passado, nos anos trinta, quarenta, cinquenta, o caso do “Eu quero ser Régio”, anseio de tantos jovens que, depois, não se cansaram de denegri-lo, de persegui-lo, de odiá-lo… de invejá-lo, tanto mais e tanto mais zangadamente, quanto mais ele se mostrava insubornável e admiravelmente independente. Que os novos acrescentadores de poesia ou de ficção se crispassem e o farpeassem – merece uma certa compreensão e atenuante: os que lavram o mesmo território, tendem a não se verem com particular carinho uns aos outros.
 
Wilde, com a finíssima perspicácia que o caracterizava, observou que os deuses, ao correrem nas suas carroças, fazem tanta poeira para os lados, que se não conseguem ver uns aos outros. Claudel não via Gide, Gide não via Proust, Tolstoi não via Shakespeare e o sereno, ponderado e objectivo Martin du Gard não via Balzac (este, felizmente, viu Stendhal). 
 
Mas isto diz respeito aos que metem a mão na massa, isto é, aos criadores de arte. Mas que, por essa mesma altura, críticos, ensaístas encartados, professores, gente a quem compete outra objectividade, outra capacidade de perspectiva, gente que devia ver-se como verdadeiros guardiães do património, que gente desta sacudisse para o caixote do lixo uma grande e invulgar figura como o autor de MAS DEUS É GRANDE, de O PRÍNCIPE COM ORELHAS DE BURRO, de A CHAGA DO LADO, de JACOB E O ANJO, de HISTÓRIAS DE MULHERES, de A VELHA CASA, de EM TORNO DA EXPRESSÃO ARTÍSTICA, de ENSAIOS DE INTERPRETAÇÃO CRÍTICA, que um autor de uma obra vasta e de invulgar quilate fosse assim levianamente descartado, como imprestável, pergunto: que país é este? Que clercs são estes? Somos assim tão ricos que possamos dar-nos ao luxo de desprezar pepitas destas? 
 
Dizia Malraux que “uma das mais altas qualidades de um homem que não é um animal é ser capaz de admirar”. 
 
Infelizmente, entre nós, a capacidade de admirar merece sério escrutínio: quem se admira, como se admira, por que se admira e por que se deixa de admirar, para passar a desprezar e atacar. Observava um não muito conhecido escritor francês que “há no homem, quase sempre, duas vozes que falam simultaneamente: a admiração e a inveja”. À mínima suspeita de amor mal correspondido, a primeira torna-se na segunda, com particular rancor incluído… 
 
Vi isso acontecer, em muitos casos, com o grande escritor de Vila do Conde e de Portalegre. Jovens escritores, ambiciosos e gulosos de glória, cedo concluíam que o sóbrio e muito ocupado escritor, professor, jornalista, colecionador de antiguidades e cuidadoso e muito requisitado epistológrafo, além de assíduo frequentador de salas de cinema, não tinha disponível, para eles e para a promoção deles, todo o tempo e energia a que se julgavam com direito: receita infalível para o amor se transformar em azedume de má catadura. 
 
Vi, quando, na casa do escritor, em Vila do Conde, passei a pente fino as cartas que religiosamente guardara, a adulação ali manuscrita pela mão de jovens e empertigados autores que, depois, se passaram, com armas e bagagens, para o outro lado: o da denegrição. A admiração que visa ser escada de acesso a uma promoção do admirador não traz felicidade. Os poetas, às vezes, dizem-no melhor e de maneira mais curta: “O segredo da felicidade reside em admirar sem desejar” (Carl Sandburg, poeta americano). 
 
Eugénio Lisboa

ESCOLA PÚBLICA

Por A. Galopim de Carvalho
 
Começo por reafirmar, o que já escrevi muitas vezes, que considero os professores, incluindo educadores, entre os mais importantes pilares da sociedade e, uma vez mais, que é necessário e urgente conferir-lhes o estatuto, a atenção e a dignidade compatível com essa importância.
 
A par das minhas obrigações profissionais, sempre mantive estreita ligação com a escola pública e os seus professores. É com estes que sempre alinhei e continuarei a alinhar enquanto tiver voz. A luta dos professores, numa determinação e intensidade nunca vista, tem trazido, ao de cima, a degradação a que chegou este grande sustentáculo de qualquer sociedade democrática que, entre nós, dá pelo nome de Escola Pública.
Antes de me pronunciar por esta luta que, a todas as horas (com mais evidência, no passado ano de 2023) nos entrou em casa, através de todos os canais de televisão nacionais, detenhamo-nos na referida degradação, afirmando, desde já, que não me move agradar ou desagradar a quem quer que seja. Estou apenas a revelar a análise que faço de um problema nacional que a todos deve preocupar, e muito.
Não é demais lembrar que, à semelhança do que se passou com a Primeira República, a classe política, no seu todo, a quem os Capitães de Abril, há quase 50 anos, generosa, honradamente e de “mão beijada” entregaram os nossos destinos, mais interessada nas lutas pelo poder, esqueceu-se completamente, entre outras realidades, de facultar conhecimento, civismo, cidadania, em suma, à sociedade que libertou. 
 
Entre os sectores da vida nacional que muito pouco beneficiaram com esta abertura à liberdade e à democracia está a educação. E, aqui, a escola falhou completamente. Se não mudarmos grande número dos paradigmas que têm sido os nossos, não merecemos os cravos que os militares de Abril nos ofereceram. 
 
A degradação do nosso ensino público é uma deplorável e angustiante realidade. Todos sabemos que se alargou a escolaridade obrigatória e gratuita até ao 12.º ano. E isso foi bom. Foi, mesmo, muito bom. No meu tempo, a escolaridade obrigatória e gratuita era a chamada 3.ª classe (actual 3.º ano). Todos sabemos que o parque escolar deu um grande pulo em frente, comparativamente ao de um passado que nos envergonhava. Mas a verdade é que não chega. Está “a léguas” de chegar.

A iliteracia cultural e científica, mesmo aos níveis mais básicos, de uma parte importante da nossa população, a todos os níveis socioprofissionais, a sucessiva e elevada abstenção em actos eleitorais, assim como a irracionalidade e violência associada ao futebol, são a prova provada desse falhanço. São muitos os portugueses a quem a escola deu e continua a dar diplomas, mas não deu e continua a não dar a educação, a formação e a preparação essenciais a uma cidadania plena. 
 
Educação, formação e preparação, três grandes défices que o Dr. António Costa, em começos do seu mandato, como Primeiro-Ministro, em 2015, disse serem sua grande preocupação. Preocupação que, infelizmente, pouco passou das palavras.
 
Verdadeiros défices na educação, na formação e na preparação para uma cidadania plena abriram as portas a um populismo, a que a democracia deu voz e que, usufruindo da liberdade dessa mesma democracia, nos procura arrastar para um modelo de sociedade que a História já mostrou que sempre nos amordaçou, com consequências funestas. No que respeita o nível e a exigência de ensino nas nossas escolas, não aprendemos nada com o ideal da Instrução Pública posto em prática na Primeira República. No preâmbulo do Decreto de 29 de Março de 1911, lê-se: “Portugal precisa de fazer cidadãos, essa matéria-prima de todas as pátrias”.
 
Pergunto muitas vezes que infelicidade caiu sobre uma significativa parcela do nosso povo, que rejeita, com o sorriso da ingenuidade ou da iliteracia, tudo o que convide a pensar, a reflectir sobre si mesmo e sobre o que o rodeia. 
 
Um mundo, tantas vezes, nas mãos de políticos incompetentes e oportunistas de que a nossa sociedade está cheia, onde, de há muito, impera a corrupção, o vírus do futebol profissional e a promiscuidade entre a política, o poder económico e a justiça. Uma parcela que bebe toda a alienação que lhe é servida de bandeja por uma comunicação social, em grande parte, prisioneira de interesses ligados ao grande capital.

Com base nas classificações (os “rankings”, como se tem dito) oficialmente divulgadas, é para mim claro que escolas públicas más e alunos maus, em quantidade preocupante, são, entre nós, uma vergonhosa realidade. Uma realidade que põe a nu a muito pouca atenção que tem sido dada a este sector, por parte dos sucessivos governos do Portugal de Abril. Para vergonha nossa, estas classificações são cada vez mais preocupantes, mesmo contando com a desnatação dos programas e as facilidades nos exames. Percebe-se, assim porque é que continuamos na cauda da Europa.
 
Todos sabemos que há boas e excelentes escolas públicas, que há bons e excelentes professores, mas o essencial do problema que temos de enfrentar reside na quantidade preocupante de escolas más, professores maus e de alunos maus.

Grande número de pais e encarregados de educação não estão à altura das suas responsabilidades. Pais e encarregados de educação, já instruídos e educados no pós-Revolução de Abril, a quem a escola deu, igualmente, muito pouco.
Estamos a assistir à destruição do futuro dos nossos filhos e netos e as causas não são difíceis de encontrar. Urge, pois, encontrar uma verdadeira e interessada política de Educação.
Na longa luta que vêm travando os professores denunciam estarem a viver asfixiados em ganga teorética sem fundamento científico, vazio de conteúdos; denunciam estarem a perder o estímulo e a assistiram à desvalorização do acto de ensinar, à inflação de notas e à criação de resultados fictícios para mostrar à OCDE.

A oitava ronda do PISA, mostrou que, em trinta países, Portugal ocupa o último lugar na literacia científica, o 29.º resultado em Matemática e o 24.º em leitura. Resultados que nos envergonham e que confirmam as minhas preocupações. Ando a dizê-lo, há décadas, e estes números vêm dar-me razão. Tal como está, a Escola pública, na sua imensa maioria não permite sair desta situação.

Os resultados do PISA trazem ao de cima uma geração de adolescentes sem interesse pelo saber, ignorantes de quase tudo, mergulhados a fundo nos seus smartphones, vítimas de reformas educativas que lhes diminuíram ou retiraram a capacidade crítica, em que o rigor foi substituído pela facilidade. 
 
A diluição de disciplinas como História, Filosofia e Literatura, são disso testemunho. Atrevo-me a dizer que já temos uma geração de futuros profissionais com responsabilidade nos mais variados sectores da vida nacional, que nada leram, mal sabem escrever e pergunto-me se exercitaram o acto de pensar.

Uma geração educada pelos tik-tokers (com milhões de seguidores) que não sabe escrever português, nem interpretar um qualquer texto que se lhe apresente, cujos pais apenas desejam que os filhos tenham aprovação e, se possível, com boas classificações.

As direcções das escolas são pressionadas no sentido de facilitar as aprovações e os professores são convidados a agirem em conformidade. Reprovar um aluno representa, para o professor, e para os professores do conselho de turma, ter de justificar essa decisão, depois de elaborar e aplicar planos e medidas burocráticas (de eficácia nula) que mais parecem um castigo aplicado aos docentes, a que eles fogem subindo as notas.

É por demais evidente que o ministro João Costa ia para a mesa das negociações com os representantes dos professores, bem ciente das “linhas vermelhas” que não podia ultrapassar ou, melhor dizendo, que o ministro das Finanças ou o primeiro-ministro lhe impunham. Mas o que me vem à ideia, é que ele as aceitou, porque, caso contrário, teria “batido com a porta” e não o fez. Entretanto, o governo caiu, Pedro Nuno Santos é novo Secretário Geral do Partido Socialista, candidato a primeiro-ministro da próxima Legislatura, com boas perspectivas de ganhar e o preocupante é que o ainda ministro João Costa, já está colado a ele.
 
O drama é que não vejo em qualquer das duas forças políticas que irão formar governo, ninguém com o perfil profissional e a força necessária para demolir o edifício obsoleto da Educação e, em seu lugar, fazer surgir um outro, concebido e levado a cabo, numa profícua colaboração entre governos e oposições, para durar três ou mais legislaturas e que envolva gente verdadeiramente capaz de o concretizar. Desta vez, será necessário ouvir os professores (os que não temem ser avaliados a sério, e são muitos) e dar início a uma campanha poderosa, com base na verdade e no dever patriótico, que entre na poderosa “máquina ministrial”, melhore o que tiver de ser melhorado e varra o que tiver de ser varrido.
 
Todos sabemos e os governos também sabem que a mola real de uma verdadeira e eficaz política de Educação reside na dotação orçamental que lhe é destinada e que tem de ser (ou devia ser) adequada à importância deste sector na sociedade. Da satisfação desta necessidade dependem a resolução e/ou a melhoria de todas as situações e problemas do sector, de há muito, identificados.

A preparação de professores devia ser pensadas de molde a oferecer níveis de excelência compatíveis com a sua importância na sociedade, oferecendo saídas profissionais adequadamente remunerados.
 
O actual sistema de avaliações, demasiado injusto, não ajuda a elevar o nível do ensino. Avança-se por quotas e não por mérito. Praticamente, nada avalia. Propostas de avaliações a sério têm sido rejeitadas por parte dos muitos que não querem ou receiam ser avaliados. Neste capítulo, os maus professores, que os há e não são assim tão poucos, os tais que recusam as avaliações a sério e veem na Escola um emprego assegurado até à aposentação, têm contado com o apoio dos sindicatos, que põem ao mesmo nível os bons e os maus profissionais.

É preciso pôr em prática uma rigorosa supervisão científica e pedagógica dos manuais escolares. São muitos os que se repetem acriticamente, com noções estereotipadas e, por vezes, com erros, tantas vezes denunciados. 
 
A escola progressivamente mais empobrecida, deixou de ser uma "comunidade educativa". Os agrupamentos de escolas dispõem de uma mecânica que obriga muitos professores a correrem de umas para outras, sem trabalho em equipa. Os professores consomem muitas horas em reuniões inúteis, mas poucas dedicadas ao trabalho lectivo que devia ser o seu múnus, para além das que se destinam às avaliações, em que não podem avaliar com o rigor que devia exigir-se, independentemente de os alunos transitarem de ano ou não, só se reúnem para dar as avaliações.
 
A carga burocrática que se abate sobre os docentes, em planos arrevesados descritivos de metodologias e estratégias, «adaptações» de critérios de avaliação e obrigatoriedade de justificações que se traduzem em inflação de classificações para obter sucesso estatístico. Os "bons" professores fazem maravilhas. mas tudo está montado para trabalharem como lhes mandam.
 
Impõe-se a necessária dignificação dos professores e os educadores, num conjunto de acções, envolvendo, salários compatíveis com a sua relevância na sociedade, colocações, libertação de todas as tarefas que não sejam as de ensinar e outras, postas em evidência nas suas reivindicações.
 
O pessoal não docente representa um conjunto de elementos fundamental no universo do ensino, pelo que é forçoso dar lhes um tratamento, em termos de dignidade e de salários, a condizer.
Reafirmo que considero os professores, incluindo educadores, entre os mais importantes pilares da sociedade e, uma vez mais, que é necessário e urgente conferir-lhes o estatuto, a atenção e a dignidade compatível com essa importância.

MEMENTO MORI

Este mar não vai desaparecer.
O que vai desaparecer sou eu.
Este mar vai continuar a ser.
Deixar de vê-lo é destino meu.

Continuará a espelhar o sol,
que, de mim, para isso, não precisa.
Estender-se-á como vasto lençol
o mar que tem grandeza por divisa.

O mundo existia antes de mim,
porque há ser que convive com não ser.
Haverá mundo, depois do meu fim

e ser que ignora o meu não ser.
Está bem assim porque é natural,
embora pareça demencial.

Eugénio Lisboa

sábado, 20 de janeiro de 2024

DAS MEZINHAS E REZAS AOS FÁRMACOS

Por A. Galopim de Carvalho

Um tema antigo, bem gravado na memória, é o das enfermidades e dos meios com que se procurava dar-lhes combate. Nos curtos anos da minha infância e adolescência pude assistir à substituição das mezinhas e dos remédios manipulados na farmácia pelos fármacos produzidos industrialmente. É claro que não conheço o suficiente de história da medicina e da instituição farmacêutica que me permitam abordar este tema em moldes minimamente fundamentados. Mas o que eu posso e sei fazer é relatar o que, neste domínio, se passava nesse tempo, no seio da minha família.

Constipações, amigdalites, otites, gripes, sarampo, varicela, papeira e disenteria, embora com nomes diferentes, tudo isso andou lá por casa, tocando todos os filhos. Falava-se, de anginas, de dores de ouvidos, de bexigas doidas, de dores de barriga, tudo situações que a mãe ultrapassou, por si só ou com a ajuda do médico, mas sempre com muita fé, velas e promessas de cera ao Senhor Jesus dos Passos e muitas rezas a Nossa Senhora e às duas santas da sua devoção: Santa Rita e Santa Teresinha.

Uma purga com óleo de rícino ou um clister eram coisa certa sempre que aparecíamos com febre. Dizia a mãe que serviam, antes do mais, para limpar os intestinos. Vinham, depois, consoante os casos, os papelinhos de criogenina, para baixar a febre, as fricções com vinagre aromático ou com álcool canforado, o algodão iodado ou os emplastros de papas de linhaça e mostarda, a escaldar, colocados sobre o peito. Se doíam as costas pincelavam-se com tintura de iodo ou aplicavam-se meia dúzia de ventosas.

Nas dores de ouvidos, e quão fortes eram, a minha mãe procurava dar-nos alívio vertendo, lá para dentro, leite levemente aquecido, o que, segundo me lembro, pouco ou nada resultava. As dores só passavam quando a infecção era debelada pelas defesas próprias do organismo. Com as anginas, nome que se dava às amigdalites era a mesma coisa. As correspondentes dores de garganta, a febre e a dificuldade de engolir passavam ao fim do tempo que durava a luta dos leucócitos sobre o agente patogénico. 

Mas era crença generalizada que as anginas se curavam com as mezinhas caseiras e, assim, besuntava-nos a parte anterior do pescoço, onde se localizavam as ínguas, com pomada de beladona, sobre a qual se passava um lenço de algodão. Em complemento, gargarejávamos com água e sal, chupávamos sumo de limão, engolíamos colherzinhas de mel e fazíamos zaragatoas com azul de metileno. Este último tratamento, feito ao deitar, era aceite como uma brincadeira, porque tingia de verde a urina da manhã seguinte.

Ir para a escola com um lenço atado ao pescoço, a cheirar a beladona não era agradável. Mas muito pior era quando o tratamento tinha sido feito com “enxúndia de galinha” que, com o mesmo propósito, era preferida pela minha avó. Esta gordura amarela da ave era guardada numa velha tigela de faiança de Sacavém, onde se oxidava, tornando-se rançosa e mudando a cor para castanho. Era nesta fase de apodrecimento, exalando um cheiro nauseabundo, que este unguento estava, dizia ela, em condições de produzir o efeito desejado. 

Na maior parte dos casos estas amigdalites eram passageiras e com ou sem mezinhas acabavam por passar. Havia, porém, situações graves como o garrotilho, designação que se dava à difteria. Esta exigia o recurso ao médico, mas havia uma norma nesse tempo, segundo a qual o doutor só era chamado se, ao fim de três dias, o doente não desse mostras de recuperação, em resposta aos tratamentos caseiros. 

Por vezes, este tipo de procedimento tinha consequências fatais. Isto aconteceu com um meu vizinho e colega de escola, vítima desta angina má. O estado da doença causada pelo Corynebacterium diphtheriae não cedeu ao soro que lhe foi ministrado tarde demais. Foi a consternação na minha rua. Morrera um menino. Passados dois ou três dias sobre este trágico desfecho, comecei com dores de garganta e muita febre. A minha sorte foi o estado de alerta em que a minha mãe ficara, o que a fez chamar, de imediato, o nosso médico. 

Foi já amodorrado na cama, cheio de febre, que vi surgir, na porta do quarto, o Dr. Fonseca, pai. De farta bigodeira branca, a chegada do velho clínico confirmou os meus receios, afinal, os mesmos da minha mãe. Experiente destas situações, ela já tinha ali, à mão, uma toalha de linho destinada à auscultação. Não havia ou, se havia, ainda não se usava estetoscópio. O paciente, de tronco despido, era coberto por este pano que a tradição e o brio da dona da casa mandavam que fosse branco e se apresentasse sempre muito bem passado a ferro. Com esta toalha de permeio, o médico encostou-me o ouvido às costas e ao peito, mandando-me respirar fundo, parar de respirar, tossir e dizer trinta e três, à medida que ia procurando, em audição directa, as respostas dos meus pulmões. Observou-me depois a garganta com o cabo de uma colher a servir de abaixa-línguas, e a sua conclusão, dita à minha mãe, numa voz descontraída que deu para eu ouvir perfeitamente, foi: 

- Temos aqui, dona Adília, um caso de angina diftérica.

Face a esta afirmação, recordo, afundei-me resignadamente nos lençóis, convicto que teria o mesmo fim do Cardoso, o meu colega acabado de enterrar. Pouco depois da saída do médico, entrou a menina Rita, a enfermeira que habitualmente nos assistia, para me injectar o soro e, assim, as imunoglobulinas do fármaco inactivaram as toxinas produzidas pela bactéria, mas encheram-me de urticária, situação que se resolveu depois com um antiestamínico (Anafilarzan).

Foi um tempo em que a única vacina era a que se dava contra a varíola, enfermidade grave, tantas vezes fatal, conhecida por toda a gente por bexigas, pois deixava os poucos que lhe sobreviviam marcados pelas inúmeras pequenas cicatrizes das vesículas pustulentas espalhadas por todo o corpo, particularmente visíveis no rosto.

Uma entorse, por exemplo, num artelho ou num pulso resolvia-se, via de regra, com escaldões num alguidar com água quase a ferver onde se dissolvia um punhado de sal. Aí se mergulhava o pé ou a mão e parte do antebraço, procurando resistir ao intenso calor, o tempo considerado necessário. Por último apertava-se a articulação com uma ligadura, no sentido de a imobilizar e reduzir o inchaço. Depois era esperar uns dias até o incómodo passar. Nos casos mais difíceis de resolver por esta via, a mãe recorria a uma vizinha tida por muito virtuosa, para que ela “cosesse o torcegão”. 

Conheci a virtude desta senhora uma vez em que, correndo no Largo dos Penedos, torci um pé no sítio do tornozelo. Chegado a casa dela, levado pela minha mãe, a senhora mandou-me sentar à sua frente, numa cadeirinha baixa, pegou-me no pé magoado e ajeitou-o sobre os seus joelhos. A seguir tirou-me a ligadura, encostou um novelo de lã cinzenta à zona mais inchada e começou a “cosê-lo” com uma agulha grossa onde enfiara um pedaço de lã do mesmo novelo, sem o habitual nó na ponta do fio. A agulha e o fio iam entrando e saindo ao ritmo de uma reza, dita em surdina, para mais ninguém ouvir. Recebida da mãe à hora da morte, guardá-la-ia consigo enquanto vivesse e só ao sentir-se morrer a transmitiria à mulher que ela entendesse merecer tal virtude. A intervalos de tempo, como se de um refrão se tratasse, perguntava em voz bem audível.

 - “O que é que eu coso?” – e a minha mãe respondia, por mim.
- “Carne quebrada, nervo torto”. – E a senhora confirmava – “Isso mesmo é que eu coso”.

Terminada a cosedura, repôs-me a ligadura e recomendou-me repouso e mais uns escaldões. O incómodo acabou por passar e tudo voltou ao normal alguns dias depois. 

Habituada que estava na assistência à doença, numa casa de família com seis filhos, a minha mãe passou a assumir, sempre que necessário, o papel da virtuosa senhora. Não conhecendo a tal reza, substituía-a por Padre Nossos e Avé Marias, com idêntico bom resultado. Em sua muito convicta opinião, o que contava era a fé com que se rezava.

A, Galopim de Carvalho

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

INVENTÁRIO E PERPLEXIDADES DO GATO

INVENTÁRIO DE RAZÕES PARA SE SER GATO
Os gatos nunca sonham com impérios,
não trocam nunca uma boa soneca
pela honra de dirigir ministérios
ou pelo direito a usar beca.

Os gatos não cambiam um petisco
por um Rolls-Royce ou por um Ferrari.
Se pretendem estender-lhes um isco,
mostrem-lhes um prato de calamari.

Os gatos têm ambições modestas:
cama, mesa e roupa bem lavada,
de vez em quando, umas lindas festas,

e, de preferência, não fazer nada!
Se o gato em qualquer nicho cabe,
o gato, acima de tudo, sabe!
                                                                          Eugénio Lisboa

PERPLEXIDADES DO GATO PERANTE O CONCEITO DE “ANO NOVO”
O que é esta coisa de novo ano?
Que diferença faz o hoje do ontem?
Questões que põe, perplexo, o bichano,
por mais historietas que lhe contem.

Diz: “o que ontem comi, hoje, como
e o que ontem dormi, hoje, durmo;
banho, hoje como ontem, tomo
e a cauda, hoje e ontem, a prumo!

Digam-me, então, onde está a diferença!”
Justas perplexidades do gato!
Cada vez mais a treva se adensa,

perante esse “novo ano” abstracto.
Tratar-se-á apenas de boato?
Disso, anda a desconfiar o gato!
                                                                            Eugénio Lisboa

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

QUANDO OS DISCURSOS SAEM DOS SEUS LUGARES. UM PROBLEMA DA DEMOCRACIA E DA EDUCAÇÃO

Qualquer entrevista a um jornal diário está condenada ao esquecimento imediato ou quase imediato, a menos que nela alguém encontre algo que faça sentido e, por isso, a guarde para o caso de ser precisa. Tenho várias entrevistas guardadas em papel e no computador, que já me deram muito jeito. 

Certo acontecimento fez-me hoje voltar a assentar os pés na terra e a olhar para o lamentável estado da democracia no mundo, Portugal incluído. E lembrei-me de uma entrevista com o título A Internet cria “um leitor mais burro e mais violento”, realizada em 2015 pela jornalista, do Público, Isabel Lucas a Bernardo Carvalho, onde se fazia referência a um livro que acabara de publicar com o título Reprodução.  

Dizia a jornalista que o livro era a reacção do escritor "a este mundo que privilegia o discurso único, a leitura de primeiro grau, sem ironia nem imaginação, a ideia de que existe uma verdade num meio que parece absolutamente democrático, quando a democracia tem pouco a ver com absolutos".

Explicava o próprio. "a grandeza da democracia é que se pode conviver com a contradição e essa contradição não precisa de ser eliminada, faz parte da estrutura social. Nas sociedades autoritárias não existe contradição, existe uma deliberação única de uma fonte única. Uma vez entrevistei o Lévi-Strauss e ele dizia que a grandeza e a fraqueza das sociedades ocidentais é que elas trazem dentro um gene suicida. A sua grandeza é mostrar a própria vulnerabilidade. Mas ao mesmo tempo possibilita muitos extremismos (...). Há muitas contradições internas que enfraquecem o próprio discurso da democracia. É aí que está a força desse mundo que se deixa contaminar, se expõe à contradição. Isso é incrível, mas muito difícil de manter."

Mais adiante, faz alusão a algo que me incomoda sobremaneira na Educação e precisamente do modo que refere: falo do uso de elementos discursivos que se afiguram certos e razoáveis (à luz do melhor conhecimento que temos disponível e da ponderação que o mesmo solicita) para se defender o contrário do que esses elementos fariam prever. Nas suas palavras: "vejo uma espécie de oportunismo generalizado de apropriação dos discursos, o que é muito assustador". Acrescenta que o livro "é o retrato dessa perplexidade e desse incómodo; dessa impotência perante a apropriação dos discursos que antes estavam bem definidos (...) vem do desconforto de não saber como me posicionar politicamente nesse mundo actual."

Termina o raciocínio com uma declaração que faço questão de citar sempre que surge a oportunidade pela possibilidade de reflexão que ela integra e, por isso mesmo, aqui deixo ao leitor: "acabei reconhecendo em pessoas que abomino, em discursos que odeio, coisas com as quais concordo. Acontece ouvir alguém, estar de acordo e acompanhar o discurso, acreditando que é bom, e de repente dar-me conta de que quem falava era um representante da extrema-direita, por exemplo. Essa mobilidade dos discursos, o terem saído do lugar (...) no qual eu podia reconhecê-los, inquieta-me."

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...