Sou sócio da Sociedade Portuguesa de Matemática e recebi dela esta posição sobre o "Perfil do Aluno" que o Ministério da Educação pôs à discussão (ver o link para um parecer técnico no fim). Lembro que o Ministério afastou deliberadamente a SPM do "Processo em Curso de Reforma Educativa", desconsiderando os sócios que são muitos professores de Matemática e disciplinas afins:
A SPM considera que a proposta designada por “Perfil do aluno à saída da escolaridade
obrigatória” apresentada pela Ministério da Educação e em consulta pública:
1. É um documento pouco claro e, em grande parte, enunciando princípios vagos
suscetíveis de ter implicações práticas mutuamente contraditórias. Nessa medida,
dificilmente poderá orientar as escolas no que respeita à elaboração de planos de trabalho
e de projetos educativos;
2. A redundância e a opacidade de que se reveste são fortes obstáculos a uma discussão
objetiva suscetível de culminar na elaboração de propostas concretas de melhoria do
texto, conducentes a um documento que se possa efetivamente constituir orientador do
ensino;
3. Nos pontos dos quais se pode extrair alguma ideia mais objetiva, o documento não
traduz a evolução moderna do conhecimento sobre a aprendizagem e o ensino. Pelo
contrário, assenta em princípios e conceções que nada têm de recente e que a prática tem
desacreditado. Em particular, alguns desses princípios e conceções estavam em voga num
tempo em que os desempenhos dos nossos alunos eram bem mais fracos do que aqueles
que hoje demonstram;
4. Nem tão pouco introduz ideias claras e capazes de contribuir para prosseguirmos em
direção a uma escola melhor. Por um lado, contradiz a psicologia cognitiva moderna, que
conclui que a aprendizagem é muito mais rápida e consistente quando é orientada por
metas claras e avaliáveis, e não por projetos gerais de natureza indefinida. Por outro, ao
privilegiarem-se abordagens partindo da diversificada experiência quotidiana dos alunos,
dificilmente se pode deixar de sacrificar a aquisição adequadamente progressiva e
estruturada do corpo de conhecimentos de cada disciplina, o que é um obstáculo a que se
possa vir a ter uma escola socialmente mais justa;~
5. O documento condiciona explicitamente as práticas pedagógicas dos professores, o que,
por um lado, contraria a liberdade consagrada nos atuais programas que permite tirar
partido do confronto saudável da experiência acumulada de gerações de docentes, e por
outro, ultrapassa os limites do que é razoável ao Ministério da Educação estabelecer;
6. Esta proposta enfraquece de modo vincado o carácter estruturado e objetivo dos
curricula organizados por metas avaliáveis e retorna ao dirigismo pedagógico que
caracterizou durante décadas os documentos curriculares, pelo que é limitativa de um
progresso sólido do sistema de ensino e da efetiva valorização do conhecimento.
Assim, a SPM deixa os seguintes alertas:
1. Um referencial desta natureza deve estabelecer orientações fundamentadas,
estruturadas e verificáveis, objetivo que este documento está longe de alcançar, pela sua
redundância e opacidade.
2. Esta proposta, bem como as alterações curriculares que dela podem vir a decorrer,
encerram o perigo de conduzir as escolas a atividades pedagógicas desorganizadas e sem
conteúdos claros, fruto de uma imposta doutrinação metodológica. Estes elementos são
fortemente suscetíveis de reverter alguns dos bons desempenhos recentemente obtidos -
nomeadamente em Matemática – pelos alunos portugueses.
3. Foi com liberdade metodológica, aliada a incentivos, recursos e metas claras, que os
professores portugueses conseguiram conduzir os nossos alunos e o sistema educativo em
geral a registar melhorias progressivas, medidas objectivamente pela progressão
consistente nos resultados das avaliações internacionais TIMSS e PISA desde 2000,
culminando nos melhores resultados de sempre em 2015.
4. A contextualização da aprendizagem, recorrentemente defendida no documento, tende
a acentuar a influência das origens económico-sociais nos desempenhos dos alunos,
estando, por isso, em total desacordo com o direito à educação e à igualdade de
oportunidades, consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na
Constituição da República Portuguesa e na Lei de Bases do Sistema Educativo.
5. As propostas formuladas ao longo do texto – enquadramento, competências-chave,
abordagem pedagógica, práticas pedagógicas – são adversas ao ensino estruturado,
requerido por disciplinas como a Matemática, umas das componentes imprescindíveis na
formação humanística dos alunos.
6. O documento contém pressupostos desajustados às necessidades de um sistema
educativo em que persistem fatores de insucesso que devem continuar a ser contrariados.
Em suma,
É preciso proporcionar aos alunos reais possibilidades de aprendizagem ao longo de todo o
percurso escolar o que requer uma valorização do conhecimento, aliado a exigência e
rigor, bem como objetivos claros para o ensino e processos robustos de acompanhamento
das escolas, dos professores e dos alunos. Pelos motivos acima referidos, o documento em
apreço não serve estes propósitos.
Direcção da SPM
Para mais informações consulte: http://www.spm.pt/files/Parecer_aluno_spm.pdf
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
O corpo e a mente
Por A. Galopim de Carvalho Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...
-
Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
-
Usa-se muitas vezes a expressão «argumento de autoridade» como sinónimo de «mau argumento de autoridade». Todavia, nem todos os argumentos d...
-
Cap. 43 do livro "Bibliotecas. Uma maratona de pessoas e livros", de Abílio Guimarães, publicado pela Entrefolhos , que vou apr...
Sem comentários:
Enviar um comentário