Aliam este argumento a outro igualmente falacioso: que as crianças e os jovens não são os mesmos dos século XX, são diferentes e, portanto, o ensino tem de mudar, a aprendizagem tem de mudar.
Essas mudanças são invariavelmente apresentadas como um dado adquirido, uma evidência, uma certeza suprema, uma inevitabilidade. Há, pois, que aceitá-las e sem questionar o que, de facto, se passa - se é que se passa alguma coisa - rumando num sentido - o problema é perceber exactamente qual é o sentido.
Mais: é preciso cumprir essas mudanças já; com toda a urgência. Não depois, mas agora, neste momento, na medida em que o seu ritmo é acelerado, é progressivamente mais acelerado, é alucinante.
Não exagerei um milímetro nesta descrição, usei (algumas das) palavras que, por dever de ofício, todos os dias tenho de ler, sou obrigada a ler, palavras que me deixam muito cansada; sendo mais sincera, direi que me deixam estafada!
Até porque são palavras que se associam a outras, que, pelo modo como são (mal) empregadas, se tornaram igualmente esgotantes: aprendizagem significativa, ensino activo, sociedade da informação, competências sociais, mercado de trabalho, emoções, afectos, literacia, criatividade, crítica, valores, cidadania, projecto, colaboração, capacidades, aptidões, educação integral, globalização, etc, etc. etc...
Combinam-se estas palavras de múltiplas maneiras, até à exaustão, não importando a ordem pela qual isso acontece.
Isto porque não interessa a sua origem e o seu sentido concreto, estão na rua e cada um usa-as como bem entende. Além disso, ninguém está empenhado em testar a (falta) de compreensão que o seu alinhamento possa revelar.
São palavras que soam bem a muitos ouvidos e isso basta para que muitas mãos componham algo que se pareça com frases, parágrafos, textos...
É uma espécie de "parnasianismo pedagógico", sem desmérito nem para o "parnasianismo", nem para a "pedagogia", que nada têm a ver com o fenómeno.
O que resulta é um discurso falacioso, que, pelos equívocos em que faz incorrer, impede qualquer entendimento entre as pessoas que se deveriam entender sobre o que é absolutamente crucial: a educação dos mais jovens, aqueles que estão na escola e que a escola tem o dever de ensinar.
Ainda que tal entendimento não seja conseguido, nas entrelinhas do discurso, quase de modo subliminar, passam ideias em tudo contrárias ao cumprimento desse dever.
Trata-se de um fenómeno antigo e sem fronteiras, reconheço, mas que tem ganho nos últimos meses, em Portugal, uma expressão revigorada, impondo-se despudoradamente e resistindo a qualquer tentativa de racionalidade.
Este texto tem continuação
3 comentários:
Concordo com tudo o que diz exceptuando a frase "São palavras que soam bem...". É que não soam bem, eu já nem as posso ouvir.
José L.
tal e qual :) os links que deixou no outro post , do Oliveira Martins e mais outro ( a) , são exactamente combinações dessas palavras , ilustram na perfeição o que diz.
Caro Leitor
Não o querendo contrariar, mas contrariando, garanto-lhe que palavras/expressões como as que referi e do modo que referi serem usadas, parecem ter o dom de enfeitiçar. Muito pouca gente lhe escapa. São dogmas que afastam qualquer crítica.
MHD
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