segunda-feira, 20 de março de 2017

"Parnasianismo pedagógico", que não é uma coisa nem outra

Com o argumento de que, com a entrada no século XXI, o mundo mudou radicalmente, muitos políticos, empresários, académicos, educadores/professores, parceiros educativos (não sei se por esta ordem) insistem na ideia de que os sistemas educativos têm de mudar, a escola tem de mudar, a sala de aula tem de mudar, os currículos têm de mudar, os recursos têm de mudar...

Aliam este argumento a outro igualmente falacioso: que as crianças e os jovens não são os mesmos dos século XX, são diferentes e, portanto, o ensino tem de mudar, a aprendizagem tem de mudar.

Essas mudanças são invariavelmente apresentadas como um dado adquirido, uma evidência, uma certeza suprema, uma inevitabilidade. Há, pois, que aceitá-las e sem questionar o que, de facto, se passa - se é que se passa alguma coisa - rumando num sentido - o problema é perceber exactamente qual é o sentido.

Mais: é preciso cumprir essas mudanças já; com toda a urgência. Não depois, mas agora, neste momento, na medida em que o seu ritmo é acelerado, é progressivamente mais acelerado, é alucinante.

Não exagerei um milímetro nesta descrição, usei (algumas das) palavras que, por dever de ofício, todos os dias tenho de ler, sou obrigada a ler, palavras que me deixam muito cansada; sendo mais sincera, direi que me deixam estafada!

Até porque são palavras que se associam a outras, que, pelo modo como são (mal) empregadas, se tornaram igualmente esgotantes: aprendizagem significativa, ensino activo, sociedade da informação, competências sociais, mercado de trabalho, emoções, afectos, literacia, criatividade, crítica, valores, cidadania, projecto, colaboração, capacidades, aptidões, educação integral, globalização, etc, etc. etc...

Combinam-se estas palavras de múltiplas maneiras, até à exaustão, não importando a ordem pela qual isso acontece.

Isto porque não interessa a sua origem e o seu sentido concreto, estão na rua e cada um usa-as como bem entende. Além disso, ninguém está empenhado em testar a (falta) de compreensão que o seu alinhamento possa revelar.

São palavras que soam bem a muitos ouvidos e isso basta para que muitas mãos componham algo que se pareça com frases, parágrafos, textos... 

É uma espécie de "parnasianismo pedagógico", sem desmérito nem para o "parnasianismo", nem para a "pedagogia", que nada têm a ver com o fenómeno.

O que resulta é um discurso falacioso, que, pelos equívocos em que faz incorrer, impede qualquer entendimento entre as pessoas que se deveriam entender sobre o que é absolutamente crucial: a educação dos mais jovens, aqueles que estão na escola e que a escola tem o dever de ensinar.

Ainda que tal entendimento não seja conseguido, nas entrelinhas do discurso, quase de modo subliminar, passam ideias em tudo contrárias ao cumprimento desse dever.

Trata-se de um fenómeno antigo e sem fronteiras, reconheço, mas que tem ganho nos últimos meses, em Portugal, uma expressão revigorada, impondo-se despudoradamente e resistindo a qualquer tentativa de racionalidade.

Este texto tem continuação

3 comentários:

Anónimo disse...

Concordo com tudo o que diz exceptuando a frase "São palavras que soam bem...". É que não soam bem, eu já nem as posso ouvir.
José L.

marina disse...

tal e qual :) os links que deixou no outro post , do Oliveira Martins e mais outro ( a) , são exactamente combinações dessas palavras , ilustram na perfeição o que diz.

Helena Damião disse...

Caro Leitor
Não o querendo contrariar, mas contrariando, garanto-lhe que palavras/expressões como as que referi e do modo que referi serem usadas, parecem ter o dom de enfeitiçar. Muito pouca gente lhe escapa. São dogmas que afastam qualquer crítica.
MHD

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...