Os países que se querem
desenvolvidos precisam de ciência e da tecnologia que nela assenta. Em regra,
quanto mais desenvolvido é um país, maior e mais produtivo é o seu sistema de
ciência e tecnologia. Sem ciência e tecnologia actualizados ficamos
completamente desprevenidos. Basta olhar para um caso recente como o da
epidemia do Ébola, que só se resolve com ciência e tecnologia. Sem investigação
própria ou com investigação própria muito reduzida, Portugal em caso de
necessidade séria, ficaria na mesma situação que a Serra Leoa e a Libéria,
dependendo da ajuda internacional para saber como lidar com o vírus. Sem
ciência nem saberíamos sequer que a grave doença se deve a um vírus e talvez
sacrificássemos galinhas pretas na esperança que a epidemia passasse.
Um país não se torna mais
desenvolvido, antes pelo contrário, deitando fora metade do seu sistema de
ciência e tecnologia. Mas é isso mesmo o que está a acontecer, empobrecendo-nos
a todos, num processo cheio de fragilidades. Em finais de Junho foram
anunciados os resultados da “avaliação” (entre aspas pois de avaliação só tem o
nome) promovida pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), a agência
portuguesa que financia a investigação nacional, a todas as unidades de
investigação científica. Ergueu-se logo uma enorme vaga de protestos, uma vez
que os resultados eram maus demais para serem verdade: metade das unidades
nacionais onde se faz pesquisa tinham sido liquidadas ou quase, pois não lhes
seria atribuído qualquer financiamento ou ser-lhe-ia apenas atribuído um
financiamento tão ridículo que não chegaria para sequer assegurar a
sobrevivência.
Vistas bem as coisas, os
resultados eram maus porque o método de “avaliação” era mau. Descobriu-se que
havia uma quota escondida no contrato entre a FCT e a European Science
Foundation (ESF), a quem tinha sido encomendada a “avaliação”: 50 por cento dos
centros eram, à partida, para serem extintos na prática, de acordo com a teoria
de um investigador, António Coutinho, que falou da necessidade de uma “poda”,
pretendendo dizer que o sistema científico português tinha crescido demais,
sendo preciso cortar muitos ramos. Estava equivocado, pois ainda estávamos
aquém da média europeia apesar de um grande crescimento recente que bem nos
pode orgulhar. Mas a sua teoria resultou num erro enorme. A “poda” realizada
pela FCT/ESF não foi, de facto, uma “poda”, pois, aceitando a comparação dos
centros de pesquisa com árvores, limita-se a abater à machadada, cortando o
tronco, e um pouco ao acaso, metade das árvores do pomar, mesmo algumas que
estavam a dar muito bons frutos. Apurou-se ainda, uma vez conhecidos os
“avaliadores” da ESF e as classificações por eles atribuídas, que as regras do
processo tinham sido modificadas a meio do percurso, diminuindo o número de
avaliadores. Em resultado, em muitos casos as notas foram efectivamente dadas
por um grupo muito restrito de não especialistas, que emitiam meros palpites.
Chamada a atenção da FCT e do
ministro da Ciência e Tecnologia Nuno Crato – e todos chamaram a atenção,
investigadores, sociedades científicas, grandes laboratórios e instituições,
reitores de Universidades, directores de Politécnicos, dirigentes de
associações que reúnem os investigadores – a resposta foi praticamente nenhuma.
A FCT e o ministro permaneceram cegos, mudos e surdos perante a acumulação de
provas de que o processo tinha sido mal conduzido e que o país, no fim desse
processo, ia ficar mais pobre do que estava. Para eles tudo estava bem. Para
eles vivemos no melhor dos mundos. Mas os milhares de investigadores espalhados
pelo país e os milhões de cidadãos que pagam a ciência com os seus impostos,
esperando vir a viver melhor, não pensam o mesmo. Para o governo tudo pode
estar bem, mas para o país e para nós, infelizmente, tudo está pior.
Carlos Fiolhais
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