segunda-feira, 30 de junho de 2025

"NESTE CAMINHO DO DIGITAL"

Há escassos dias, o actual Ministro da Educação Ciência e Inovação dirigiu uma carta (ver aqui) aos Professores e Diretores para lhes agradecer o "empenho e mobilização" nas provas finais do 9.º ano em formato digital, agradecendo também ao pessoal não docente e da tutela que trabalharam nas ditas provas. Iniciada a carta por um singelo "Caro/a sr./a Professor/a", presume-se que tenha querido dar destaque aos Professores. 
 
O texto não é longo, mas toca aspectos essenciais do sistema de ensino. De entre eles, destaco três.

1. Começo pela frase abaixo reproduzida que revela um dos sentidos que se tem visto atribuído à escola pública: 
 
"desenvolver competências que serão cada vez mais relevantes para a empregabilidade."
 
Tornar os alunos potenciais empregados (de alguém) será, segundo o Ministro, e muitos concordarão, o fim último da escolaridade, o qual, com alguma facilidade, se traduz em competências avaliáveis por via digital. Permite obter "evidências" que constarão em relatórios e estudos vários, a que a comunicação social dará destaque.
 
Porém, aqui surge uma dúvida: que lugar é reservado ao empreendedorismo, que já teve (ou ainda tem) igual estatuto? Um fim substitui o outro? É que este leva cada sujeito a desenvolver competências para ser empresário de si próprio, não é um emprego que há-de procurar, mas um negócio.
 
2. O que se destaca na carta é a "transição digital", designada no Programa de Governo por "Estratégia para o Digital na Educação":
 
"apoiar e preparar alunos e famílias para lidar com um mundo cada vez mais digital"
"
preparação dos nossos alunos para um mundo cada vez mais digital"
 
Uma consideração a fazer é que o Estado pode determinar que a escola apoie e prepare alunos para um mundo cada vez mais digital (ainda que isso seja contestável), mas não o pode fazer em relação às famílias. Esta opção, além de fantasiosa, é ilegítima: as famílias já não estão ao obrigo da escolaridade obrigatória e o Estado não tem mandato para as "educar" seja para o que for.

Outra consideração a fazer é que a escola continua a seguir as "exigências" que certos sectores da sociedade impõem. Ainda que não se perceba bem o alcance da "
preparação... para um mundo cada vez mais digital", presume-se que ela não consista numa reflexão profunda sobre esse mundo, mas sim no uso de ferramentas digitais, mesmo que em nada beneficiem a aprendizagem.

3. Não entro na discrepância entre os vários problemas que os jornais relataram sobre a aplicação da mencionada prova, alguns deles reconhecidos pelo Ministério (ver aqui) e o tom optimista, ainda que moderado, do Ministro, reafirmando que:
 
"a avaliação externa da aprendizagem em contexto digital é parte fundamental do sistema educativo, sendo este um dos compromissos assumidos pelo MECI".
 
É, portanto inabalável "neste caminho do digital" e, para o trilhar, conta com todos nós, directores, professores, formadores...
 
Uma nota final: na assinatura da carta consta o nome do Ministro, sendo dispensada a menção ao cargo. Presumo que se trate de uma estratégia de igualização àqueles a quem se dirige. Acontece que, no sistema, a diferentes tarefas e responsabilidades correspondem diferentes cargos, logo espera-se que um Ministro se assine como tal, sem subterfúgios.

1 comentário:

good churrasco ó auto de café.... disse...

poupa no entanto vários milhões de folhas de papel

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