Há escassos dias, o actual Ministro da Educação Ciência e Inovação dirigiu uma carta (ver aqui) aos Professores e Diretores para lhes agradecer o "empenho e mobilização" nas provas finais do 9.º ano em formato digital, agradecendo também ao pessoal não docente e da tutela que trabalharam nas ditas provas. Iniciada a carta por um singelo "Caro/a sr./a Professor/a", presume-se que tenha querido dar destaque aos Professores.
O texto não é longo, mas toca aspectos essenciais do sistema de ensino. De entre eles, destaco três.
1. Começo pela frase abaixo reproduzida que revela um dos sentidos que se tem visto atribuído à escola pública:
"desenvolver competências que serão cada vez mais relevantes para a empregabilidade."
Tornar os alunos potenciais empregados (de alguém) será, segundo o Ministro, e muitos concordarão, o fim último da escolaridade, o qual, com alguma facilidade, se traduz em competências avaliáveis por via digital. Permite obter "evidências" que constarão em relatórios e estudos vários, a que a comunicação
social dará destaque.
Porém, aqui surge uma dúvida: que lugar é reservado ao empreendedorismo, que já teve (ou ainda tem) igual estatuto? Um fim substitui o outro? É que este leva cada sujeito a desenvolver competências para ser empresário de si próprio, não é um emprego que há-de procurar, mas um negócio.
2. O que se destaca na carta é a "transição digital", designada no Programa de Governo por "Estratégia para o Digital na Educação":
"apoiar e preparar alunos e
famílias para lidar com um mundo cada vez mais digital"
"preparação dos nossos alunos para um mundo cada vez mais digital"
"preparação dos nossos alunos para um mundo cada vez mais digital"
Uma consideração a fazer é que o Estado pode determinar que a escola apoie e prepare alunos para um mundo cada vez mais digital (ainda que isso seja contestável), mas não o pode fazer em relação às famílias. Esta opção, além de fantasiosa, é ilegítima: as famílias já não estão ao obrigo da escolaridade obrigatória e o Estado não tem mandato para as "educar" seja para o que for.
Outra consideração a fazer é que a escola continua a seguir as "exigências" que certos sectores da sociedade impõem. Ainda que não se perceba bem o alcance da "preparação... para um mundo cada vez mais digital", presume-se que ela não consista numa reflexão profunda sobre esse mundo, mas sim no uso de ferramentas digitais, mesmo que em nada beneficiem a aprendizagem.
Outra consideração a fazer é que a escola continua a seguir as "exigências" que certos sectores da sociedade impõem. Ainda que não se perceba bem o alcance da "preparação... para um mundo cada vez mais digital", presume-se que ela não consista numa reflexão profunda sobre esse mundo, mas sim no uso de ferramentas digitais, mesmo que em nada beneficiem a aprendizagem.
3. Não entro na discrepância entre os vários problemas que os jornais relataram sobre a aplicação da mencionada prova, alguns deles reconhecidos pelo Ministério (ver aqui) e o tom optimista, ainda que moderado, do Ministro, reafirmando que:
"a avaliação externa da aprendizagem em contexto digital é parte fundamental do sistema educativo, sendo este um dos compromissos assumidos pelo MECI".
É, portanto inabalável "neste caminho do digital" e, para o trilhar, conta com todos nós, directores, professores, formadores...
Uma nota final: na assinatura da carta consta o nome do Ministro, sendo dispensada a menção ao cargo. Presumo que se trate de uma estratégia de igualização àqueles a quem se dirige. Acontece que, no sistema, a diferentes tarefas e responsabilidades correspondem diferentes cargos, logo espera-se que um Ministro se assine como tal, sem subterfúgios.
1 comentário:
poupa no entanto vários milhões de folhas de papel
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