domingo, 9 de março de 2025

EDUCAR EM PROL DO BEM-COMUM

Julgo que nunca, até ao presente em que estamos, se havia mostrado ao mundo, em directo e sem rodeios, triunfos tão declarados, ostensivos e arrogantes de interesses privados de matriz económico-financeira sobre o bem-comum (e sobre os valores éticos que o constituem), que os Estados de Direito, democráticos, têm obrigação de preservar
 
"Menos Estado, melhor Estado", o slogan neo-liberal, que nos anos oitenta do século passado um presidente norte-americano integrou no seu discurso de tomada de posse, teve resultados efectivos, que não podiam ser mais explícitos do que aqueles que nos é dado conhecer através do trabalho dos jornalistas. O modo "natural" como indivíduos e corporações (externas ao Estado e que não têm mandato para o representar) impõem a sua presença no espaço público, afirmando a sua vontade inequívoca e o seu poder absoluto, indica um desrespeito por aquilo que é bom e justo para todos.
 
Este fenómeno tem sido reiterado em várias obras recentes que, além de o explicarem, de modo muito convergente, afirmam a especial responsabilidade que a educação escolar tem na inversão que se impõe. Uma obra que se me afigura de grande interesse é assinada pelo inglês Michael Sandel, outra pelo holandês Butger Bregman, uma terceira pelo português José Ferro Rodrigues. A última que nenhum educador deve ignorar foi elaborada pela Unesco.
 
Ainda que não possamos deixar de reconhecer os limites da educação (sobretudo quando as promessas encantatórias de "fama e dinheiro", independentemente dos fins perseguidos, chegam de todos os lados aos mais jovens), como directores e professores, na escola pública, não podemos descartar o nosso especial dever de educar para o bem-comum como salvaguarda da democracia. Eventualmente, como último reduto em que isso pode acontecer.

VAMOS CONTINUAR A FALAR DE TERRAS-RARAS: MONAZITE

Por A. Galopim de Carvalho

No passado dia 1, citei os minerais monazite, loparite, xenótima (xenothyme) e bastnasite, como sendo os que designamos por “minerais das terras-raras”. e mostrei um belo cristal de monazite, isolado, euédrico, isto é, que tem todas as faces desenvolvidas (do grego “eu”, que alude a perfeição e “edro” que significa plano, face), de todos o mais importante e conhecido. Dos restantes apenas direi que:
- loparite é um fosfato complexo, com cério, lantânio, cálcio, titânio e níquel;
- xenótima é um fosfato de ítrio;
- bastnasite é um fosfato complexo, com flúor, lantânio, cério, ítrio, admitindo trocas com outros elementos do mesmo grupo.
O nome monazite, com origem no grego “mona zein”, que, não só alude ao facto de ocorrer em cristais isolados, como ao, então, ser visto como único, no sentido de ser raro. A monazita é um fosfato (-PO4) de vários metais, entre os quais figuram alguns do grupo das terras-raras, como lantânio (La), neodímio (Nd), ítrio , samário (Sm), gadolínio (Gd) e outros que o não são, como o tório (Th, radioactivo) e o cério (Ce).
São conhecidos quatro tipos diferentes de monazita, assim separados, tendo em conta a composição relativa dos elementos químicos presentes:
- monazite-cério (Ce, La, Nd, Th, Y)PO4, em que o cério é o metal mais abundante;
- monazite-lantânio (La, Ce, Nd)PO4, em que o lantânio é o metal mais abundante;
- monazite -neodímio (Nd, La, Ce)PO4, em que o neodímio é o metal mais abundante;
- monazite-samário (Sm, Gd, Ce, Th)PO4, em que o samário é o metal mais abundante.
 
Os elementos dentro dos parênteses estão ordenados, segundo as proporções relativas.
 
A monazita é um mineral ligeiramente magnético, de cor geralmente castanho-avermelhada. Os dois tipos com tório são altamente radioactivos, podem ser utilizados em datações de minerais e rochas (geocronologia isotópica).

A monazite é bastante resistente, química e fisicamente, sendo muito pouco ou nada afectada pelos agentes atmosféricos responsáveis pela alteração química (“apodrecimento”) das rochas. Assim sendo, ao apodrecer, a rocha que contenha este mineral na sua composição, liberta-os, praticamente intactos e é, então, que os agentes de erosão, sobretudo, a água, os arranca e os transporta. Por outro lado, a sua dureza (5 a 5,5 na escala de Mohs) confere-lhes relativa resistência ao desgaste (abrasão) provocado pelo atrito com outros grãos minerais, no seio do material essencialmente arenoso, durante o transporte.

A sua densidade (4,6 a 5,7), relativamente elevada face às do abundantíssimo quartzo (2,7) e dos feldspatos (2,5 a 2,8), permite que, em termos de gravidade, os seus grãos se concentrem, separando-os dos grãos desses dois minerais menos densos (“minerais leves”). Eles são, portanto, removidos das rochas hospedeiras e transportados pelas águas dos rios, ao longo de grandes distâncias, indo depositar-se e acumular-se em aluviões fluviais e até, mesmo, em areias de praias marinhas. Ao realizar uma selecção química, mineralógica e gravítica, a Natureza dá origem a depósitos de elevado interesse económico, referidos na gíria profissional por “placers”, do castelhano, banco de areia ou de seixos rolados.

Um parêntese para dizer, por outras, que os “placers” são depósitos onde grãos ou fragmentos de minerais mais “pesados” se depositam, enquanto outros, mais “leves”, são constantemente removidos pela força das águas. Este processo concentra, naturalmente, minerais ditos “pesados” muito valiosos, como, por exemplo, ouro, platina, rútilo, monazite, cassiterite, e pedras preciosas como diamantes, rubis, safiras e espinelas, entre outros.

Em “placers”, são importantes as ocorrências de monazite na Índia, Austrália, Brasil, Sri Lanka, Malásia, Nigéria, Flórida e Carolina do Norte, nos EUA. . Também é conhecida em pegmatitos nos estados norte-americanos de Wyoming, Novo México, Virgínia, Colorado, Maine, Carolina do Norte, bem como na Bolívia, brasil (Minas Gerais), Madagáscar, Noruega, Finlândia, Áustria e Suíça.

Em Portugal, ocorre em aluviões, em Monfortinho (Idanha-a-Nova) e em Vale de Coelha (Almeida).

sábado, 8 de março de 2025

A IMPROBABILIDADE E A PERENIDADE DA DEMOCRACIA

Em Agosto de 2024, com os regimes democráticos a dissolverem-se, Fronteiras do pensamento publicou um vídeo de Edgar Morin sobre "a improvável jornada da democracia". Morin explica, em poucos minutos, como este modo de organização política surgiu, nota interrupções que teve e formas que adoptou. Mas, sobretudo, destaca a força que lhe permite renascer neste e naquele momento, neste e naquele lugar. 
 
Por muito ameaçada que esteja - e está! -, a democracia não pode ser extinta porque é uma conquista da humanidade que a edifica. E essas conquistas, podendo ser espezinhadas e negadas, hão-de sempre ressurgir. Ver-se-á esta declaração mais baseada na esperança do que na certeza, pelo que, caso preservemos este valor, precisamos de o manter vivo. Não terá sido por acaso que o vídeo foi alocado no dito site na rubrica "Educação".

quinta-feira, 6 de março de 2025

FAJÃ, UM ACIDENTE GEOMORFOLÓGICO COMUM EM TODA A MACARONÉSIA

Por A. Galopim de Carvalho

Termo de origem obscura, fajã designa uma porção de terra plana, em geral cultivável, de pequena extensão, avançada sobre o mar, constituída, nuns casos, por materiais desprendidos das arribas e, noutros ou por penetração no mar de escoadas de lava descidas da vertente. Estas últimas, designadas por “fajãs de deltas lávicos”, são particularmente resistentes à erosão do mar devido a sua natureza rochosa, basáltica, nas que conheço.

O mais recente delta lávico conhecido, encontra-se nas Canárias, na ilha de La Palma, no município de Tazacorte. Nasceu de um derrame de lava basáltica, descido da arriba, com a duração de três, início 28 de setembro de 2021, durante a grande erupção de Cumbre Vieja, permitindo mostrar com se forma uma fajã de delta lávico.

O conceito de fajã foi objecto de consagração legal, tendo o parlamento açoriano, através do Decreto Legislativo Regional n.º 32/2000/A, de 24 de Outubro, definido que se entende por fajã toda a área de terreno relativamente plana, susceptível de albergar construções ou culturas, anichada na falésia costeira entre a linha da preia-mar e a cota dos 250 metros de altitude. Este pequenos acidentes geomorfológicos são conhecidos em toda a Macaronésia, sendo muito comum nos Açores, em quase todas as ilhas, na Madeira e em Porto Santo, em muitas ilhas de Cabo Verde e nas Canárias.

Nas imagens:
o delta lávico em formação, na Ilha de La Palma, e Fajã Grande, na Ilha Graciosa, Açores.

segunda-feira, 3 de março de 2025

CLIMAS E PAISAGENS (1)

 Por A. Galopim de Carvalho

As diferentes paisagens da Terra, em qualquer momento da sua história, foram e são, em grande parte, reflexo das características meteorológicas aí prevalecentes. Esta afirmação é evidente para a generalidade dos cidadãos que, embora nunca tenham formulado esta conjectura, têm-na por adquirida. Sem saírem deste nosso rectângulo, no ocidente da Europa, todos relacionam os campos verdejantes do Minho com a maior pluviosidade anual ali verificada (2000 a 2400 mm) e as terras de sequeiro do sudeste alentejano com os menores valores dessa mesma precipitação atmosférica.

À escala mundial, a televisão mostra-nos constantemente imagens dos múltiplos visuais do nosso planeta marcadas pelo clima, sejam, por exemplo, a floresta equatorial da Amazónia, os glaciares do sul da Argentina, a pradaria norte-americana ou a estepe siberiana, a tundra boreal ou as areias escaldantes do Saara. Embora na explicação da paisagem, haja que ter em conta o enquadramento geológico regional, com destaque para a natureza das rochas (granito, xisto, calcário, etc.) que lhes servem de substrato e da respectiva estrutura (modo de ocorrência dos corpos rochosos: homogéneos, estratificados, dobrados falhados, etc.), a influência do clima é muito superior. 

Face a esta realidade desenvolveu-se um capítulo, comum à geologia e à geografia, conhecido por “geomorfologia climática”, com o estabelecimento de domínios ou regiões morfoclimáticas. “Faça sol ou faça chuva” é uma expressão vulgar de alusão ao estado do tempo, informação que diariamente nos chega através dos boletins meteorológicos, transmitidos pela televisão, pela rádio e pelos jornais. O estado do tempo, num dado lugar, é uma manifestação de uma realidade mais vasta, própria e à escala do nosso planeta, a que chamamos clima. 

Em termos muito simples, entende-se por clima um conjunto de fenómenos próprios da atmosfera, na interactividade que estabelece com os oceanos (e os lagos de maiores extensões) e com as terras emersas, nas quais a latitude, a altitude, a interioridade e a cobertura vegetal têm papel mais visível. Temperatura, humidade do ar e pressão atmosférica são factores de clima assegurados pela energia radiante do Sol. Relacionados entre si, são os responsáveis pelas situações de tempo quente ou frio, de tempo chuvoso ou de neve ou, pelo contrário, de tempo seco. São ainda responsáveis pela existência de vento, não raras vezes catastrófico, tal a intensidade que chega a atingir. O clima condiciona a alteração superficial (meteorização) das rochas, a génese e evolução dos solos, a erosão e transporte (evacuação) dos materiais erodidos (os sedimentos que estão na génese de muitas rochas sedimentares), bem como a ocupação vegetal e animal, incluindo a humana.  

São as manifestações de clima que, conjugadas com a natureza geológica dos terrenos, determinam o tipo da paisagem que nos rodeia e todas as outras de todos os lugares da Terra. Ao longo da sua história de milhares de milhões de anos, a mudança das paisagens foi uma constante. Praticamente imperceptível à dimensão temporal de uma vida humana, esta mudança tem pouca expressão no tempo histórico, sendo notável e bem testemunhada à escala do tempo geológico. 

A paisagem é um sistema dinâmico, só aparentemente estático. É como um simples fotograma de um filme, escreveu Don L. Eicher, em 1970. Processos geodinâmicos internos à escala global, com destaque para as translacções continentais e os enrugamentos orogénicos, ocasionaram mudanças de latitude e de altitude e subsequentes modificações climáticas que, por sua vez, determinaram mudanças na paisagem. " Na Terra só há alteração das rochas, formação de solos e erosão, (três aspectos modificadores do relevo e, portanto, da paisagem), porque há energia solar e porque temos uma atmosfera e uma hidrosfera, duas entidades susceptíveis de captar essa energia e de a transformar no dinamismo necessário aos processos geológicos ocorrentes à superfície e, também, aos biológicos. As massas de ar diferentemente aquecidas pelo calor solar dão origem à circulação atmosférica, processo que se traduz na existência do vento. 

Nas baixas latitudes, nomeadamente nas regiões intertropicais, a incidência dos raios solares aproxima-se e atinge a perpendicular (o Sol está a pique, como vulgarmente se diz), aquecendo o ar mais do que nas latitudes das regiões polares. Nestas, a incidência desses raios é muito oblíqua e, até, rasante, pelo que a temperatura do ar é aí muito mais baixa. Esta diferença de aquecimento faz com que o ar quente suba e o ar frio desça, sendo essa uma das causas da circulação atmosférica (outra causa é da própria rotação do planeta).  Por outro lado, a evaporação da água à superfície dos mares, rios e lagos e a resultante da transpiração da cobertura vegetal (uma realidade bem visível nas grandes florestas equatoriais, quentes e húmidas) fornece humidade suficiente para formar nuvens que o vento transporta e descarrega como chuva ou neve, consoante as temperaturas locais. É, sobretudo, a esfericidade do globo terrestre e a consequente variação da latitude que determinam a zonalidade climática de que toda a gente tem noção, ainda que sumária e empírica. 

Foram areias deste tipo e vasas finas da mesma natureza que, uma vez litificadas, deram origem a muitos calcários, entre eles os do Jurássico das nossas Serras do Sicó, d’Aire e Candeeiros, bem como do barrocal algarvio, e testemunham o posicionamento tropical destas regiões nesses recuados tempos.

O nosso satélite, embora receba o mesmo tipo de energia, não dispõe destas duas entidades, pelo que não exibe qualquer actividade erosiva para além da resultante dos antiquíssimos impactes meteoríticos. Cessado o vulcanismo que aí existiu e diminuída a intensidade de quedas meteoríticas, as suas paisagens são praticamente as mesmas desde há mais de 3000 milhões de anos. Nas imagens, o Minho verdejante e o Alentejo a caminho da desertificação.

A PARTIDARIZAÇÃO POLÍTICA DO CURRÍCULO ESCOLAR

"O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas". Constituição da República Portuguesa (Artigo 43.º - Liberdade de aprender e ensinar)

"O Estado não pode atribuir-se o direito de programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas" Lei de Bases do Sistema Educativo (Artigo 2.º - Princípios gerais).

Nas leis fundamentais acima citadas, determina-se que o Estado não pode ir além das suas atribuições, as quais são de ordem pública, não de ordem privada e, muito menos, íntima. Em matéria educativa, o Estado não pode dirigir escolhas ou comportamentos nesta dupla ordem - privada e íntima -, que cabem - ou caberão um dia - aos que, no momento, são crianças e jovens. E também não as pode sugerir seja de que maneira for.

Isto é assim, mesmo que o faça em nome de (aparentes) bons princípios.

No respeitante a opções religiosas, político-partidárias, financeiras, sexuais... que se encontram legitimadas sob o ponto de vista jurídico e axiológico, o Estado democrático, de direito, deve manter-se escrupulosamente neutro. É sobre este Estado que me pronuncio, deixo de fora os que não são democráticos nem de direito. 

Não pode, esse Estado, em que nos situamos, de modo expresso ou oculto, passar, na Escola, a ideia de que uma opção religiosa, político-partidária, financeira, sexual... é preferível a outra.

Deve, evidentemente, procurar que, ao longo da escolaridade, seja robustecida, em cada um, a capacidade para discernir, por si mesmo, o que está bem, o que está certo, à luz dos valores éticos, que são universais, e de valores morais, mais localizados (desde que estes não contrariem os éticos). 

No robustecimento desta capacidade, que a todos diz respeito, que estrutura a vida pública, que consubstancia o bem-comum, o Estado não pode ser neutro. Nas palavras do filósofo Fernando Savater:

"Não pode nem deve haver neutralidade, por exemplo, no que corresponde à recusa da tortura, do racismo, do terrorismo, da pena de morte, da prevaricação dos juízes ou da impunidade da corrupção em cargos públicos, nem tão-pouco na defesa das protecções sociais da saúde ou da educação, da velhice ou da infância, nem no ideal de uma sociedade que corrija o mais possível o abismo entre opulência e miséria. Porquê? Porque não se trata de simples opções partidárias mas sim de benefícios da civilização humanizadora." (in O valor de educar)

Vem isto a propósito do recente retorno político (mais um!) à inclusão do tema "identidade de género dos alunos" na componente curricular de Cidadania e Desenvolvimento: como costume, os partidos à direita insistem em que seja retirada, enquanto os partidos à esquerda insistem em que seja mantida (ver, por exemplo, aqui, aqui e aqui). 
 
A polémica foi ampliada por causa de um certo guia - O Direito a Ser nas Escolas (ver aqui) - disponibilizado na página da Direcção-Geral da Educação, que chegou ao Parlamento e aí foi objecto de discussão e de votação! 
 
Isso seria escusado por várias razões, uma delas é que essa Direcção-Geral já o havia "despublicado".

A partidarização da inclusão do tema no currículo leva-o imediatamente para o campo da ideologia, que não pode entrar nas escolas.

É a liberdade, o direito inalienável à liberdade no respeito por princípios legais e éticos que a escola tem de ensinar e, evidentemente, de assegurar nos seus espaços, na esperança de que o aprendido seja transposto para a sociedade.

Termino com palavras retiradas de um artigo assinado por Valentim Alferes, investigador da Universidade de Coimbra (ver aqui).

"...desliza-se “suavemente” dos objectivos pedagógicos (...) para a inculcação de modelos ideológicos (...). Não importa que tais modelos possam ser ditos conservadores, reformistas ou progressistas, mas simplesmente registar que a pretensa neutralidade axiológica, frequentemente afirmada em nome de objectivos educativos generosos, constitui um elemento central no dispositivo de controlo (...) dos jovens pelos grupos e actores sociais que estão em condições de definir e concretizar as finalidades da acção educativa."

domingo, 2 de março de 2025

Leitores e escritores jovens, ciência, salvação do mundo e mais além

[Escrevi o texto abaixo há vários meses e, por várias razões, ficou inédito. Lembrei-me hoje dele por ter visto jovens a ler. Talvez que num mundo que parece bastante louco ainda haja lugar para a esperança. E essa esperança são os jovens. Estamos fartos de quem critica tudo e não contribui com nada; precisamos também de (re)ler Júlio Dinis com olhos de adultos.] 

O que é que Colleen Hoover e Richard Powers têm em comum? São escritores que não pertencem à mesma divisão, claro, mas que não estão fora da realidade. Assim, as suas narrativas cruzam-se com a realidade e esta com a Ciência e a Técnica que envolvem e moldam o nosso mundo. 

Os autores de ficção atuais em que tenho notado maior visibilidade da Ciência e da Técnica são Michel Houellebecq e Richard Powers. Do primeiro, em Partículas Elementares (Alfaguara, 2022), um cientista da área da Biologia Molecular é uma das personagens centrais, e, em Serotonina (Alfaguara, 2019), a personagem principal, graduada em Agronomia, discute vários assuntos científicos. De Richard Powers, parecem-me especialmente interessantes Eco da Memória (Casa das Letras, 2008) e Assombro (Presença, 2022), sendo que, neste último, a personagem principal é um cientista. Ambos os autores têm sido traduzidos para português, mas de Powers não foi ainda, que eu saiba, traduzido Gain, no qual uma personagem refere que a Química lhe deu muitas coisas e não assina uma petição contra um produto químico. Bernadette Bensaude-Vincent e Jonathan Simon, em Chemistry: The Impure Science, referem que esta atitude é demasiado racional para ser plausível. Não é, no entanto, necessário que a ficção seja fiel à realidade, como é óbvio. Isso é até, segundo a formulação elegante de Azar Nafisi, em Ler Lolita em Teerão (Gótica, 2004), diminui-la, pois o que procuramos na literatura não é tanto a realidade mas a epifânia da verdade. 

Vem isto a propósito da Ciência, e em particular a Química, que está presente na literatura. Se aparecesse como um catálogo não seria provavelmente boa literatura (ou até poderia ser - olhe-se Júlio Dinis com olhos adultos), e nem tem de ser real ou plausível - o medicamento que a personagem principal de Serotonina toma não existe, por exemplo. É um espelho ou um ambiente envolvente que nos interroga e nos permite refletir sobre a realidade. 

Como defendi em Jardins de Cristais (Gradiva, 2014), a Ciência, e a Química em particular, está presente, direta ou indiretamente, em todas as obras literárias. E foi à conta da procura de novos exemplos que comecei a notar que os jovens “afinal liam”. A afirmação de os jovens não lerem é comum, e eu também acreditava nela. Bastava perguntar num grupo de jovens e o silêncio das respostas confirmava o meu preconceito. Mas com um estudo experimental acabei por mudar de ideias (pode ler-se aqui). Entretanto, têm aparecido notícias sobre a vendas de livros em Portugal que confirmam essa realidade. 

Mas, antes de mais, é preciso perceber o que se entende com a ideia de que os jovens “não leem”. Não leem o que achamos que poderá ser “boa literatura”, mas leem outras coisas. Com cerca de quatrocentos estudantes, de cinco escolas de todo o país, do Ensino Básico e Secundário, verifiquei isso na prática. Não porque os questionei de viva voz, mas porque lhes dei papéis para escreverem de forma anónima o que estavam a ler. E fiquei surpreso. Muitos dos livros que estes liam eu nem sequer conhecia. Muito do que liam era influenciado pelos colegas e pelo mercado; eram livros para jovens e com jovens personagens, mas também era influenciado pelos professores. Numa escola que visitei, por exemplo, vários alunos referiam o Diário de Anne Frank (Livros do Brasil, 2022). 

Ao contrário de Michel Houellebecq e Richard Powers, Colleen Hoover é uma autora muito lida pelos jovens. Que as narrativas desta autora sejam limitadas parece-me normal, pois esta tem pouca experiência de vida e objetivos curtos. Em, por exemplo, Isto acaba aqui (Topseller, 2017, de que foi feito um filme recentemente), ou Confesso (Topseller 2016), embora possa existir alguma complexidade nas narrativas, estas andam quase só à volta de amores românticos bastante vulgares, não envolvendo visões do mundo abrangentes nem desafiantes. São livros que não parecem interrogar-nos. Mas é aqui que encontro o paradoxo. Estes livros podem ser mais abrangentes ou podem interrogar-nos, não pelos seus conteúdos, mas pelas ramificações inesperadas que podem originar. Nomeadamente as referências a objetos que se relacionam com a Ciência e a Técnica.

Dou outros exemplos: A culpa é das estrelas (Asa, 2012) de John Green ou A distância entre nós (Presença, 2019) de Rachel Lippincott, Mikki Daughtry e Tobias Iaconis são também livros (de que foram feitos filmes) que nos levam a aspetos inesperados da contribuição da Ciência e da Técnica para o nosso mundo. São também “dramas” românticos como os livros de Colleen Hoover, mas podem ser mais do que isso. No primeiro livro, temos dois jovens apaixonados com cancro em que um acaba por morrer e, no outro, temos, de novo, dois jovens apaixonados, mas é ainda mais dramático. Têm ambos fibrose cística e não se podem aproximar. Mas, ao analisar a linha temporal destas doenças, verificamos que o final feliz não está na relação amorosa, mas nas possibilidades que oferece a narrativa. O cancro de que morreu a personagem do primeiro livro tem uma esperança de cura de quase 100%. E na doença do segundo livro, até aos anos 1940, a esperança de vida era mínima, mas atualmente os doentes têm esperanças de vida da ordem dos sessenta anos, devido à recente descoberta de medicamentos modeladores das proteínas e outros avanços. (Pode encontra-se aqui uma versão mais completa, relativa ao primeiro livro). A tragédia continua a existir, mas pode não ser tão dramática.

Além dos temas, gostaria também chamar a atenção para as experiências de vida dos autores e leitores. Em Lições de Química (Asa, 2022), de Bonnie Rosmus, sobre o qual escrevi também, acompanhamos as desventuras de uma jovem química que procura fazer doutoramento no mundo machista dos anos 1950. Por outro lado, A Hipótese do Amor (Desrotina, 2022) de Ali Hazelwood é uma história romântica muito menos complexa, mas que se passa nos dias de hoje, em que uma jovem a fazer doutoramento é normal. A autora, ela própria a fazer investigação, refere que este livro se baseia no seu mundo. Enquanto Rosmus, mais experiente, estudou o assunto e pediu a colaboração de cientistas, Hazelwood usa a sua biografia para compor a história. Em A Química do Amor (Quinta Essência, 2017, título original, How not to Fall) de Emily Foster, pseudónimo de uma investigadora que não é identificada, mas é doutorada e autora de um ensaio sobre sexo (diz a sinopse) parece ser também a experiência da vida que se conhece que condiciona a narrativa.   

Há jovens autores com uma profundidade inesperada como Lolita Pille, em Hell (não detetei que fosse lido pelos estudantes portugueses, nem foi editado em Portugal) que foi publicado quando esta tinha vinte anos. Mas, como é bem conhecido, toda a literatura é de certa forma autobiográfica e esta escreveu sobre as vidas de jovens parisienses, as quais conhecia bem. Podemos também lembrar Françoise Sagan que, com dezanove anos, publicou, em 1954, um livro de uma profundidade também inesperada: Bom dia, Tristeza (A Casa dos Ceifeiros, 2017). Mas, vejamos as entrevistas desta última: escreveu sobre o mundo que conhecia, melhorado pelas leituras de Proust, Dostoiévski e Wilde, entre outros. Um mundo, ainda traumatizado pela segunda guerra mundial, que acabou quando Sagan tinha cerca de dez anos, em que começava a haver liberdade sexual, mas não havia pílula anticoncepcional e o fantasma do aborto assombrava as mulheres.

E, finalmente, podemos relembrar Fernando Namora que, em 1938, com cerca de vinte anos, publicou As sete partidas do mundo (Europa-América, 1990), livro que mais tarde, em 1958, sentiu necessidade de alterar. Quando Namora escreveu a primeira versão do livro não havia antibióticos, mas, em 1958, já havia, e isso reflete-se na reescrita da obra. 

Na minha opinião, os contextos e os pormenores dão interesse acrescido às obras literárias, mesmo as consideradas menos interessantes. E, se estou agora mais convencido de que os jovens afinal leem, continuo com a convicção de que todos os livros se relacionam com a Ciência e a Técnica, as quais direta ou indiretamente envolvem e moldam o nosso mundo e nos fazem humanos.

VAMOS CONTINUAR A FALAR DE TERRAS-RARAS

Por A. Galopim de Carvalho.

E vamos fazê-lo porque as propriedades ópticas, magnéticas e químicas dos 17 elementos químicos incluídos nestas “terras”, ou seja, nestes óxidos, são fundamentais para, como já está a acontecer, darmos este salto tecnológico que nos maravilha e, ao mesmo tempo, nos assusta.

Um parêntese para lembrar que a descoberta do oxigénio, nos primeiros anos da década de 70 do século XVIII, pelo inglês Joseph Priestley (1733-1804), em 1772 e, separadamente, pelo sueco Carl Wilhelm Scheele (1741-1786), em 1774, levou a que a composição química das rochas passasse a ser expressa em óxidos e que estes pioneiros da Química davam o nome de “terras” a esses óxidos de metais.

Estes 17 elementos têm aplicações nas chamadas tecnologias verdes, nas bio e nanotecnologias, na agora tão falada inteligência artificial, na medicina, na robótica, na indústria aeroespacial, nas telecomunicações, equipamentos militares, entre outras. Vistos sob um outro ângulo, eles são essenciais para assegurar a sustentabilidade, entendida como o equilíbrio entre a disponibilidade dos recursos naturais e o seu uso pela sociedade, tentando aliar o uso dos recursos naturais e a conservação da natureza. Aliança difícil senão, mesmo, impossível numa sociedade desenvolvimentista como é a que estamos a viver.

As novas tecnologias, muitas e sempre a surgirem, podem libertar-nos da queima de combustíveis fósseis, sendo, portanto, essenciais à transição energética e à chamada revolução digital. Sendo vitais para o desenvolvimento económico da sociedade, a procura dos minerais que contêm estes 17 elementos químicos tornou-se uma prioridade e o seu abastecimento está longe de ser assegurado, dada a dificuldade da sua extracção e, ainda, por motivos geopolíticos, como os que já estão, de forma bem visível, nos últimos anos, a “virar do avesso”, de forma inexorável, a cena mundial liderada, sobretudo, pela China.

Com efeito, dados tornados públicos pelos Serviços Geológicos dos EUA, a China detinha, já em 2019, mais de 60% da produção mundial de terras-raras. Segundo outras fontes, este gigante asiático alcançava cerca de 95% da sua refinação, razões pelas quais está na vanguarda deste sector decisivo da sociedade e explica a competição a que se assiste entre a chamadas grandes potências mundiais.

Na imagem: cristal de monazite um dos minerais (o mais conhecido) das terrras-raras, de que falarei num próximo post.

TERRAS-RARAS

Terras-raras é hoje um tema actualíssimo no discurso a circular nos media, sem que muitos dos que falam e escrevem e muitos mais dos que ouvem e leem, tenham conhecimento do que são. Podia não ser assim, mas lamentável e tristemente é esta a nossa realidade. Há décadas que a nossa escola tem vindo a dar diplomas, nas não deu e continua a não dar cultura, seja humanística, seja a científica. É claro que há exceções, mas é da generalidade que estou a falar.

Acontece que, em finais do século XVIII, quer para os químicos como para os mineralogistas, os óxidos da maioria dos metais constituíam um grupo então designado por “terras”, “jorden”, para os suecos, “Erde”, para os alemães, “earth”, para os ingleses, e “terre”, para os franceses. Nós, os portugueses, continuávamos distraídos e já, nessa altura, éramos um povo atrasado, na cauda da Europa. 

Face ao qualificativo “raras”, toda a gente será levada a pensar que se trata de substâncias que ocorrem em quantidades ínfimas, mas não é o caso. Por serem de difícil separação e por serem apenas conhecidos em minerais oriundos da Escandinávia, foram então (estamos a falar de finais do século XVIII, nos alvores da Química e da Mineralogia) considerados "raros", qualificação ainda hoje utilizada, apesar de alguns deles serem relativamente abundantes na crosta terreste. Todos eles são mais abundantes do que metais como a prata e o mercúrio, por exemplo.

Os metais destas “terras”, ou seja, destes óxidos, são, de acordo com o que a Química nos ensina, um grupo de 17 elementos da Tabela Periódica dos Elementos Químicos, dos quais, 15 pertencem ao grupo dos chamados lantanídeos, isto é, os que ali vão do lantânio ao lutécio, aos quais se juntam o escândio e o ítrio, todos eles elementos que ocorrem nos mesmos minérios e apresentam propriedades físico-químicas semelhantes. 

As principais fontes com interesse económico para serem exploradas são alguns minerais relativamente raros (cujos nomes, para quem quiser saber, se indicam no final do texto) e certas argilas ricas em óxido de ferro, qualificadas de lateríticas.

Apesar da sua abundância relativamente elevada, como se disse atrás, os minerais das terras-raras são mais difíceis de explorar do que os minerais de metais como o cobre, o chumbo, o zinco e muitos outros. Esta dificuldade torna os metais das terras-raras relativamente caros, pelo que o seu uso industrial foi limitado até serem desenvolvidas técnicas de separação de alto rendimento, tais como, cristalização fraccionada, troca iónica, em meados do século XX.

As terras-raras têm aplicação em grande variedade de modernas tecnologias de ponta, mais que evidente interesse económico, justificativo duma procura que ressalta nos noticiários de todos os dias.

Para os geólogos, as terras-raras ajudam a conhecer as fontes magmáticas de certas rochas, permitem datar alguns minerais, entre os quais, certas granadas, através da abundância relativa do par neodímio/samário. Mas o seu interesse científico não fica por aqui. Alarga-se a determinados campos da Biologia, da Medicina e outros.

Estima-se que grande parte das terras-raras esteja localizada na Ásia, com especial destaque para a China.

Cientistas de finais do século XVIII, a que se refere o texto acima:

Karl Wilhelm Scheele, (1724-1786), químico sueco;
Torbern Olof Bergman (1749-1817), químico e mineralogista sueco;
John Lukas Woltersdorf (1721-1772), mineralogista alemão;
Joseph Priestley (1733- 1804), químico inglês);
Antoine Lavoisier (1743-1794), químico francês.

Principais minerais com elementos da terras-raras: 

monazite, bastnasite, xenothyme e loparite. Se quiser saber o que são, procure facilmente na net, 

O grupo das terras-raras inclui os seguintes elementos químicos:

Lantânio, Cério, Praseodímio, Neodímio, Promécio, Samário, Európio, Gadolínio, Térbio, Disprósio, Hólmio, Érbio, Túlio, Itérbio, Lutécio, Escândio e Ítrio.
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Nota
: A Tabela Periódica é uma disposição sistemática de pouco mais de uma centena de elementos químicos, iniciada pelo químico russo Dmitri Mendeleev, em 1869.

EDUCAR EM PROL DO BEM-COMUM

Julgo que nunca, até ao presente em que estamos, se havia mostrado ao mundo, em directo e sem rodeios, triunfos tão declarados, ostensivos e...