domingo, 16 de junho de 2024

O CALAMITOSO ESTADO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR PÚBLICA...

O estado de muitos sistemas educativos públicos europeus - fico-me pela Europa - é nada menos do que calamitoso:
  • currículos mais pobres a cada reforma, capturados pela suprema ideologia neoliberal a que se agregam variadíssimas outras; 
  • avaliação descentrada da sua essência e tornada mecanismo privilegiado de controlo de tudo e de todos;
  • desintelectualização dos professores, que se veem - e muitos nem isso - executores de orientações, recomendações, sugestões, vontades... alheias aos desígnios do ensino; 
  • escolas geridas a partir de modelos que negligenciam o dever de educar e que, além disso ou por isso, se veem alinhadas pela política partidária do momento;
  • formação de professores - inicial e contínua - inconsistente, dispersa, desinvestida que nada garante em termos de competência científica, pedagógica, ética ou outra que se impute à profissão;
  • políticos que há muito abdicaram de tomar as decisões que lhes cabem, em prol do bem-comum, cumprindo agendas de grandes organizações, corporações, fundações, empresas...;
  • linguagem pseudo-educativa mas que, elaborada a partir de finos princípios de marketing, confunde e convence.
  • e poderia continuar...

Assim sendo, mesmo que políticos, directores escolares, formadores de professores, professores e outros educadores de um determinado país recuperassem as legítimas finalidades da educação escolar, estivessem de acordo em relação a elas e se articulassem para as alcançar teriam de colocar uma questão prévia: por onde começar? Pelo currículo? Pela formação de professores? Pelo chamamento dos professores à profissão? Pela gestão das escolas? Por onde?
 
Não sei e penso que ninguém saberá responder, tal é o (mau) estado da educação escolar pública. Logo, justifica-se um tom de modéstia em qualquer proposta que seja feita, sobretudo se ela derivar da tutela, por estar - espera-se - consciente do todo.
 
Infelizmente, não é isto que acontece, cada equipa ministerial trata de, à partida, prometer o que já antes foi prometido e voltado a prometer: educação de qualidade e sucesso no percurso académico. E, claro, pensando sobretudo nos mais desfavorecidos sob o ponto de vista socioeconómico,
 
A actual equipa não é excepção: o Ministro da Educação apresentou há poucos dias um conjunto de medidas, centradas na superação da falta de professores, que não vai além dessas promessas; o mesmo acontecendo por parte dos parceiros que têm vindo a público pronunciarem-se.
 
Nenhuma dúvida substancial sobre a competência profissional de quem, pelas vias previstas nessas medidas, entra numa sala de aula. Longe está a ideia de que só deveria entrar nesse contexto quem, com saber efectivo - inscrito em diversos domínios - e apurado sentido de autonomia, pudesse assumir a responsabilidade pela instrução e formação de crianças e jovens, ou seja, pela sua educação escolar.
 
Como se percebe, em termos políticos e sociais convém deixar a ideia longe do nosso horizonte. É que, caso fosse acolhida, revelaria o estado inequivocamente calamitoso do sistema de ensino público. O sistemas para todos, "favorecidos" e "desfavorecidos".

sábado, 15 de junho de 2024

À LA RECHERCHE DU TEMPS PAS PERDU (IL ÉTAIT UNE FOIS EN AFRIQUE…)

Nas partes escondidas dos quintais,
nas caves tenebrosas, com lagartos,
nossas brincadeiras transcendentais
descobriam mundos fora dos quartos:

no saboroso dos sítios ocultos,
a tímidos toques, se desvelava
o fulgor incrível e os tumultos
que o outro sexo nos provocava!

Era uma aprendizagem selvagem
e navegávamos sem astrolábio:
cada descoberta era uma viagem

que tornava nosso corpo mais sábio!
Meninas que queriam conhecer,
como nós, a invenção do prazer.
                                                                    Eugénio Lisboa

FRANÇOISE HARDY (1944-2024)

 Por Galopim de Carvalho
 
Nunca pensei que a morte de Françoise Hardy me tocasse tão fundo como me tocou. Sessenta anos volvidos sobre a minha estadia em Paris, nos anos em que ela foi a grande revelação na música francesa, igualando em audiência como os maiores desse tempo, esta sempre jovem como eu a guardei num recanto da memória, desaparecera completamente do meu mundo, ao contrário do que aconteceu com Gilbert Bécaud, Yves Montand, Jacques Brel, Juliette Gréco, Charles Aznavour, Nana Mouskouri, George Moustaki (nunca apreciei Édith Piaf) e mais um ou dois que nunca deixei de ouvir. 
 
Dizia eu que esta então embaixadora da canção francesa voltou subitamente ao meu mundo de hoje, não a jovem intérprete de Tous les garçons et les filles de mon âge, que tantas vezes ouvi no nosso apartamento no saudoso Hotel Blanadet, no 51 Rue Monge, mas a octogenária, que disse adeus ao mundo, após doloroso sofrimento. Esta notícia do falecimento da compositora e cantora pop deu-me a consciência de como o tempo devorou 60 anos das nossas vidas, o que, convenhamos, não pode deixar de nos tocar.

terça-feira, 11 de junho de 2024

A UNIVERSIDADE COMO ESPAÇO PARA PENSAR DEVAGAR

Vale a pena ver e, sobretudo, escutar a reflexão abaixo reproduzir da Luís António Umbelino, professor de Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

domingo, 9 de junho de 2024

TEMOS DE DEIXAR DE ENGANAR OS ALUNOS

Apontamento na sequência de outros (aqui, aqui e aqui e também aqui).
 
No final de 2022, Daniel Arias Aranda, professor de Organização de Empresas da Universidade de Granada, publicou, numa rede social, o artigo Querido alumno universitario de grado: te estamos engañando, que originou uma apreciável polémica. O título, coerente com o conteúdo, é surpreendente: será de esperar que um professor reconheça que o trabalho docente, é enganoso? Que diga que se enganam aqueles que se devem educar? Mais: que coloque o problema na primeira pessoa, assumindo que participa no engano? Que escreva, para leitura pública, aquilo que é frequente ouvir no resguardo do privado e a meia voz?

É que na lógica de marketing, que se tem entranhado nas mais diversas instituições, não sendo a universidade excepção, tal como as outras escolas sejam ou não de ensino superior :
é preciso arranjar clientes (sejam ou não os mais certos),
e vender-lhes produtos (no caso, cursos, que se adaptam continuamente aos seus interesses e necessidades e, de modo velado, também às suas capacidades, conhecimentos anteriores, disposição de aprender...),
não dificultando a transação (através de uma avaliação, digamos, criativamente soft),
para que a atribuição de diplomas flua (sem grandes sobressaltos e, acima de tudo, sem queixas e reclamações, que "mancham" a reputação da instituição, podendo traduzir-se em perda de clientes).

O produto das universidades é mostrado, com "base evidências", como de qualidade e ao gosto dos destinatários, correspondendo aos seus desejos, de modo que enquanto houver clientes e eles se sentirem "satisfeitos", "confortáveis", vamos andando: "gestores", "ensinantes" e "aprendentes"...  Não sabemos bem porque vamos andando, nem qual a nossa direcção... mas, ainda assim, vamos andando...

É certo que a sociedade começa a perceber a falácia, questionando a substância do produto e, também, do processo a que ele conduz. Mas a sociedade é o que é, e não está imune à tal lógica, que, de resto, promove. Além disso, esse questionamento aberto ou, melhor, descarado, vem frequentemente de sectores oportunistas da mesma, mais interessados em destruir os sistemas educativos públicos do que em contribuir para a sua edificação.

Por isso, é importante que perguntas como as de Arias Aranda além de assinaladas sejam desenvolvidas. Foi o que ele fez num livro, saído em 2023 (editora Temas de Hoy) com título aproximado ao do artigo.

Partindo da sua perspectiva de professor, especialista em organização de empresas é, sobretudo, na universidade e na sua área de estudo que situa a discussão, mas toca aspectos que são transversais ao ensino e, que, no momento, o subvertem: burocratização do trabalho docente, que o desvia do caminho que seria de esperar; falta de conhecimentos prévios dos alunos e a sua dificuldade em investir em tarefas de aprendizagem; abaixamento do nível de exigência académica nas diversas instâncias do sistema; legitimação, em letra de lei, de opções alheias aos propósitos da educação escolar; acomodação, não raras vezes por necessidade de sobrevivência, de instituições e profissionais ao estabelecido, fruto de interesses económicos e não só. Mas as mudanças sociais também contam, e contam muito: o pensamento superficial, líquido que nos prende a todo o momento, a destruição do sentido do colectivo e de aspectos que ele solicita, como o esforço; o uso inapropiado e contínuo das tecnologias...
 
Estou com Arias Aranda no respeitante a estes aspectos: tudo isto, e mais do que isto, tem promovido a degradação de instituições que, eticamente, temos a obrigação de preservar, até como forma de elevar a sociedade.

sexta-feira, 7 de junho de 2024

MOLDAR O BARRO, DA PRÉ-HISTÓRIA AOS DIAS DE HOJE (1): CERÂMICA, TECNOLOGIA E ARTE

Por A. Galopim de Carvalho

Desde muito cedo, no Paleolítico superior, o Homem conheceu a moldabilidade do barro molhado, teve a percepção de que, uma vez seco, este se comportava como um sólido pouco rígido e macio, que se deixava riscar facilmente pelas unhas. Verificou que, humedecido de novo, voltava a ser moldável. Verificou, ainda, talvez por acaso, que, por aquecimento ao fogo, o barro endurecido pela secagem consolidava de vez, tornando-se coeso e rígido e. Nasceram assim, entre outros objectos achados, as conhecidas Vénus paleolíticas.

Tais características físicas do barro determinaram, desde então, o seu uso numa tecnologia/arte, a que foi dado o nome de cerâmica, a partir do termo grego, Kerameikos, nome de uma área de Atenas, localizada a noroeste da Acrópole, conhecida como o bairro dos kerameis, os artesãos que trabalhavam o barro (kéramos), ou seja, os oleiros, nas suas olarias, palavra que radica em ola, o nome antigo da panela de barro.

Uma realidade em todos os tempos e em todas as latitudes, a cerâmica acumula hoje uma indústria e um artesanato com assinalável importância económica, criando e desenvolvendo uma ampla diversidade de produtos de características muito diferentes, tendo a argila, na sua diversidade, por única ou principal matéria-prima. Entre os produtos mais conhecidos figuram o barro vermelho, a porcelana, a faiança e o grés.

Vista como uma tecnologia e, em muitos casos, uma arte, a cerâmica evoluiu e afirmou-se a partir do Neolítico, em especial, sob a forma de vasos, certamente para cozinhar e conservar alimentos. Uma importante expressão desta arte (no sentido de técnica ou habilidade) está na base da chamada Cultura do Vaso Campaniforme. 


Datada (pelo carbono 14) de há cerca e 3000 anos a.C., a cerâmica dita do vaso campaniforme, concebida e executada com fins utilitários, admite-se para cozinhar e guardar alimentos, terá tido origem no Castro calcolítico (Idade do Cobre) do Zambujal, nas proximidades de Torres Vedras. Trata-se essencialmente de vasos de barro cozidos ao fogo, decorados, com a forma de um sino (daí o qualificativo campaniforme) invertido, encontrados em associação com sítios funerários.

Este tipo de cerâmica alastrou da Estremadura portuguesa para a Península Ibérica e daqui para toda a Europa, exportação que, segundo se crê, não foi acompanhada por grandes migrações de populações, pois, segundo estudo de DNA realizados, não há indícios de exportação genética da Península Ibérica para o resto da Europa.

Num outro domínio da criatividade humana, lembremos as “tabuinhas” de argila gravadas pelos sumérios, a partir de cerca de 3200 a.C., com auxílio de objetos em formato de cunha são, a par dos hieroglifos egípcios, o mais antigo tipo conhecido de escrita. Acrescente-se que o adjectivo cuneiforme decorre do nome dos referidos objectos.

Muito mais tarde, já no período histórico, descobriu-se que, em excesso de água e um tratamento adequado, a argila se desagrega, formando barbotinas (do francês barboter, verbo que refere o agitar de um líquido), termo técnico da indústria cerâmica, dado às suspensões algo viscosas (do tipo de uma lama muito fluida), mantidas por tempo suficiente para fazer moldes por vazamento, cuja estabilidade depende das dimensões das partículas e das suas características físico-químicas, bem como das do meio líquido, a água, à qual foi adicionado um desfloculante necessário para manter as referidas suspensões.

Desde os vasos mais frustes dos nossos ancestrais, à mais fina porcelana, passando pela indústria de barro vermelho, pela faiança e pelo grés, a cerâmica dos dias de hoje assenta nas caraterísticas físicas e químicas dos argilominerais (minerais próprios das argilas, com destaque para caulinite, ilite e esmectite) presentes, hoje bem conhecidas em grande pormenor, mas que extravasam os propósitos generalistas deste texto. Na imagem: vaso campaniforme encontrado na Quinta do Anjo, Palmela. O vaso contém uma vértebra humana e um fémur. A datação de radiocarbono do fémur deu o seguinte resultado: GrN -10744, 4040+/-70 anos BP (Cardoso & Soares, 1990-1992). Museu do LNEG. Arquivo João Luís Cardoso/O. da Veiga Ferreira.

quinta-feira, 6 de junho de 2024

"LEMBRO-ME"... SOBRE A CORAGEM OU O QUE SE LHE QUEIRA CHAMAR

Fez hoje oitenta anos que as designadas "tropas aliadas", de diversos países ocidentais, desembarcaram, logo ao nascer do sol, em cinco praias da Normandia. Foi, como se sabe, o Dia D da Segunda Guerra Mundial, um dia crucial para a reconquista da liberdade, da democracia e de outros valores estimáveis.

Perto de cento e sessenta mil militares, a esmagadora maioria jovens, conseguiram abrir, por mar mas também por ar e terra, uma brecha em direcção à paz, que seria conseguida um longo ano depois. Muitos, muitíssimos, morrem ou ficaram feridos. Ainda assim, avançaram, conseguiram! Foi a coragem que os moveu? Foi o entregar a vida à sorte? Ambas as coisas? Quem sabe?

Nas comemorações que têm acontecido em França, ouviram-se algumas das suas vozes... "Lembro-me", é o mote da gravação que aqui disponibilizo e na qual não entramos resposta. Poderíamos encontrá-la?

A guerra é a guerra. Procurar percebê-la é entrar no mais obscuro do ser humano, sem que daí resulte qualquer compreensão.

A ARTE DE DEMONSTRAR E PREVER

Se a História serve pra provar
que tudo se pode provar com ela,
a Economia serve para explicar
o que já aconteceu, mas ela

não previne o que vai acontecer.
Seja como for, tem utilidade
demonstrar o que se quer vender
ou prever, com extrema habilidade,

o que há muito tempo aconteceu!
A História e a Economia
são, assim, ciências muito seguras:

uma demonstra que o teu é meu,
a outra seguramente alivia,
prevendo o que não tem muita frescura!
                                                                                Eugénio Lisboa
_______________________
Nota
: O aforismo “A História serve para provar que tudo se pode provar com ela” é da autoria de Voltaire. O autor de CANDIDE sabia bem do que falava, porque ele próprio, entre muitas coisas que, brilhantemente, foi, foi também historiador.

Um tempo de Teocentrismo

 Por A. Galopim de Carvalho
 

Comecemos por lembrar que a Idade Média decorreu entre o final do Império Romano, em 476 d.C., quando o Imperador Rómulo Augusto abdicou a favor do chefe militar, de origem germânica, Flávio Odoacro, e a conquista de Constantinopla pelos otomanos, em 1453. E recordar também que há consenso em dividir este período, de cerca de dez séculos, em dois: o designado por Alta Idade Média, que decorreu entre o século V e o X, e o conhecido por Baixa Idade Média, que se estendeu do século XI ao XV.

O uso da expressão Idade das Trevas, como sinónima de Idade Média, é uma forma demasiado injusta. Adoptada pelos humanistas do século XVII, que, abusivamente, generalizaram toda a civilização da Europa, do século V ao século XV, como um tempo de escuridão e de ignorância. Com esta expressão, proposta pelo cardeal e historiador, Caesar Baronius, em 1602, pretendeu-se realçar a "escuridão" deste período relativamente ao que o antecedeu e ao que se lhe seguiu. Expressões como Idade das Trevas, para uns, ou “Noite de dez Séculos”, para outros, evoca o contraste visual entre a luz e a ausência dela, ou entre o dia e a noite. Para eles, este período da História situava-se entre a “luz” da Antiguidade Clássica e a do Renascimento. Mas se, relativamente a este período, tivermos em atenção o papel das Universidades no avanço do conhecimento, a sofisticada e apuradíssima tecnologia dos relógios mecânicos, a avançadíssima arquitectura das catedrais góticas, a tradução dos textos clássicos pelos árabes e o papel dos monges copistas, esta expressão é demasiado injusta.

A Idade Média foi um tempo de Teocentrismo (de Theós, palavra grega para dizer “Deus”), em que Deus estava no centro do mundo, em que a veneração a Ele e o temor do Seu castigo eram uma constante na sociedade. A importância da Igreja Católica era imensa e a Fé inspirava e determinava os mínimos atos da vida cotidiana. Amestrados na ideia de que a Igreja era a intermediária entre Deus e os homens, os fiéis aceitavam que a graça divina só seria alcançada através dos sacramentos e das normas morais ensinadas nas Santas Escrituras. Neste quadro, o clero foi a classe social atuante na formação do saber e da mentalidade medievais onde, acima de tudo, imperava a crença num Deus todo poderoso e justiceiro e o temor pelo Inferno, impelindo os fiéis a renunciarem aos prazeres mundanos, em busca da salvação das suas almas.

A palavra inferno chegou-nos do latim Infernus que, por sua vez, deriva de inferus, com o significado de “o que está abaixo”. Inferno era. então, algo situado nas profundezas da Terra, onde filósofos gregos, como Eratóstenes de Cirene (285.194 a.C.) e outros tinham defendido a existência do que se chamava, “fogo central”, ideia já generalizada nesses tempos e que a ciência acabou por confirmar.

Durante os dez séculos o clero esteve sempre no topo da hierarquia social. Os gregos tinham a palavra klerós para designar o conjunto de sacerdotes, palavra que o latim converteu para cleru, onde a fomos buscar, com o significado do conjunto dos membros da Igreja. Logo abaixo do clero, situava-se a nobreza e, na base desta pirâmide, estavam os servos, os únicos que trabalhavam e sustentavam as duas classes superiores. Desta sociedade faziam também parte os vilões, entendidos como indivíduos livres que, temporariamente, ofereciam a sua força de trabalho a um senhor feudal. Estavam livres dos vínculos servis tradicionais e, assim, podiam transitar por onde lhes aprouvesse. Embora escassos, sem grande, havia ainda os escravos, geralmente homens e mulheres cativos, na sequência de actos e guerra, que ficavam reféns de múltiplos trabalhos domésticos.

Dominando sobre tudo e todos Papa, na qualidade de Sumo Pontífice, ocupava a Cathedra Petri (Cadeira de São Pedro). Na expressão Sumo Pontífice, o elemento sumo vem do latim summus, refere “o topo”, “o mais importante”, e pontífice radica na palavra latina, pontifex que, na origem, significava “construtor de pontes”. Na Antiguidade romana, pontífice era um membro do principal colégio de sacerdotes, (Collegium Pontificum), cujo líder era o Pontifex maximus, inicialmente um posto religioso (pagão), usado depois pelo imperador romano.

No âmbito da Igreja, pontífices, eram aqueles a quem se reconhecia o papel de construírem uma ponte entre o efémero e o eterno. Sumo Pontífice evoca sua singular condição de chefe do colégio daqueles a quem Jesus Cristo chamou para serem os seus apóstolos (do grego, apóstolos, que quer dizer “enviado”, “mensageiro”), detentor das “chaves do Reino dos Céus”. No concílio de Florença, realizado em 1439, estabeleceu-se que o Sumo Pontífice “possui o primado sobre todo o Universo e que ele é o sucessor do bem-aventurado Pedro, príncipe dos apóstolos”. Assentou-se, ainda que “ele é o Vigário (do latim vicarius, como o significado de representante) de Cristo e cabeça de toda a Igreja, pai e mestre de todos os cristãos, tendo recebido de nosso Senhor Jesus Cristo, na pessoa do bem-aventurado Pedro, o pleno poder de apascentar, reger e governar a Igreja universal, como se encontra nas actas dos concílios ecuménicos e nos sagrados cânones”. Nesses anos, o Papa, na inquestionável qualidade de Deus na terra, dominava, não só na religião, como na sociedade e na política, com poderes para excomungar qualquer um que se afastasse das leis de Deus e investir, coroar e destituir reis. Isso aconteceu, por exemplo, com D. Afonso Henriques, confirmado rei de Portugal, pelo Papa Alexandre III, através da bula Manifestis probatum, em 1179, e com D. Sancho II, excomungado e destituído, como rex inutilis, pelo Papa Inocêncio IV, através da bula Grandi non immerito, de 1245.

Para um bom entendimento do discurso é importante saber que igreja vem do grego ekklesia, através do latim ecclesia, que significa reunião, assembleia. Designa um edifício destinado a reunir pessoas, mas o seu âmbito alargou-se ao de uma instituição. Católico chegou-nos do grego katholikós, através do latim catholicus, que quer dizer universal, e Papa, do latim, papa, termo carinhoso alusivo a pai.

Não obstante o espartilho do Teocentrismo, o Cristianismo foi o motor da vida cultural na Europa ocidental. Este motor teve início com o surgimento de mosteiros como o da Ordem de São Bento, uma das mais importantes ordens monásticas do mundo, fundada em 528, por Bento de Núrsia (480-547), sendo que Núrcia é uma comuna italiana da região da Úmbria. Lembrado, entre as mais importantes figuras do Cristianismo, este religioso concebeu e pôs em prática a Regula Monasteriorum (Regra dos Mosteiros), que escreveu na abadia de Monte Cassino, em Itália. Esta regra, que tem o seu nome, é um dos mais valiosos e utilizados regulamentos da vida monástica e que serviu de inspiração de muitas outras comunidades religiosas. Influenciou marcadamente o modo de vida da Europa ocidental, exercendo uma influência pautada por um estilo rígido, mas sem as mortificações vindas de trás, que entendeu serem incompatíveis com a Fé.

Mosteiro é a forma mais corrente de dizer monastério, palavras que fomos buscar ao grego, monasterion. Por seu turno, monasterion é uma palavra composta pelos termos monos, que quer dizer “sozinho” (originalmente todos os monges cristãos viviam em solidão), e pelo sufixo -terion, que alude a “lugar para fazer algo”. Mosteiro é, pois, um edifício, geralmente construído fora das cidades, habitado por uma comunidade de monges ou monjas, votados à oração e ao trabalho que assegure a sua subsistência. Por outras palavras, é uma instituição edificada que alberga uma comunidade de monges ou de monjas, levando uma vida de oração e trabalho, em completo afastamento da sociedade. Por vezes, de grandes dimensões, os mosteiros espalharam-se por toda a Europa medieval.

Quando tutelados por um abade, os mosteiros designavam-se abadias. Abadia era, pois, uma comunidade conventual ou monástica da Igreja Católica, sob a tutela de um abade que, em princípio, a dirigia com a dignidade espiritual de pai ou de mãe (madre) dessa comunidade.

Se a abadia for de monjas, não falamos de abades, mas sim de abadessas. Diga-se que a palavra abade radica no latim abbas, abbatis que, por sua vez, deriva do aramaico, abba, que significa pai. Diga-se, ainda, que aramaico é uma língua semítica, falada pelos arameus, um povo da antiga região de Aram, no centro da Síria.

O título de abade teve a sua origem nos mosteiros da Síria, no século IV, tendo-se espalhado pelo Mediterrâneo oriental e adoptado na generalidade da Europa para referir o governante de um dado mosteiro. No início, por influência de determinadas passagens da tradução latina da Bíblia, a palavra abade era usada como título de respeito para qualquer monge, mas rapidamente começou a ser utilizado exclusivamente para alguns superiores monásticos. Em Portugal sempre foi um título considerado de respeito para qualquer monge.

No contexto religioso, convento (do latim conventum, com o significado de assembleia) refere, habitualmente, um edifício com os mesmos fins dos mosteiros, mas edificados no interior das cidades. Os romanos tinham a expressão Conventum juridicum, para designar a assembleia onde os cidadãos se reuniam para fins relacionados com a justiça.

Durante o crescimento das cidades, a Igreja sentiu necessidade de criar um novo tipo de comunidade religiosa, não enclausurada como era a dos mosteiros, mas sim, procurando estar mais inserido junto aos novos centros urbanos. Excepção feita à explicação etimológica, não há, praticamente, distinção ente convento e mosteiro. Por exemplo, o convento de Cristo, que fica fora da cidade de Tomar, devia dizer-se Mosteiro de Cristo, o Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, devia chamar-se Convento de Santa Cruz.

Um outro membro da comunidade cristã é o frade, definido como um membro de uma ordem religiosa mendicante, que vive normalmente num convento. Há os que são elementos da Igreja, que dizemos clérigos, e os que o não são, a que chamamos leigos. A palavra frade radica no latim frater, que significa “irmão”. Todos têm o título de frei, termo apenas usado como anteposto ao nome do frade. Por exemplo, dizemos frei Brás para referir o frade Brás. O feminino de frade é freira, já o masculino freire, geralmente só se emprega se o frade pertencer a uma ordem militar.

Bento de Núrcia, canonizado em 1220, pelo Papa Honório III. desenvolveu um espírito de equilíbrio e de discrição que atraiu um grande número de fiéis para a vida monástica. Participou na fundação de vários mosteiros que adotaram a denominação original, posteriormente à sua morte. No século XII, já era grande o número de Mosteiros Beneditinos neste lado da Europa. Foi São Bento é venerado não apenas por católicos, mas também por ortodoxos e anglicanos, que é lembrado como patrono da Alemanha e que o Papa Paulo VI o designou “Patrono da Europa”.

Na sua Regula, entre outros aspectos, São Bento determinava, com especial chamada de atenção, que os monges se dedicassem ao estudo e ao ensino, se fixassem num dado local e prestassem obediência ao abade fizessem votos de pobreza e de castidade, praticassem a hospitalidade e a caridade, trabalhassem, a fim de garantirem a sua subsistência, e rezassem. Todos os monges cristãos começaram por ser eremitas que se reuniam, semanalmente, numa igreja para assistir à Santa Missa, onde ouviam a palavra de Jesus e recebiam a Comunhão, cuja palavra radica no latim, communio, que ignifica “comunidade”, “associação”, “participação mútua”.

Eremita era o religioso que se isolava no deserto para orar e meditar em solidão. A palavra radica no grego erémos, que significa “deserto” “desabitado”, étimo que serviu de raiz ao termo latino eremita, com o significado de "morador do deserto", e à nossa palavra ermo, que quer dizer, deserto, no sentido de desabitado. Com o mesmo significado de eremita, anacoreta é a tradução para português da palavra grega anachoretés, nome dado a todo aquele que abdicou do mundo, que, por motivos religiosos, escolheu viver de forma solitária, entregando-se à penitência e à contemplação, “que se retirou”, “que abdicou do mundo". Os anacoretas eram monges dos primeiros tempos do cristianismo que, tendo por opção de vida, alcançar um estado de graça e pureza, viviam em retiro e solidão, dedicando-se à oração e à meditação. Um anacoreta de entre os mais conhecidos, foi Santo Antão do Egipto (261-356), o Eremita. Natural do Egipto, com grande destaque entre os chamados Pais do Deserto, de que foi fundador, sendo lembrado pelo seu papel no desenvolvimento da vida monástica. . Tendo passado grande parte da sua vida em solidão no deserto, terá sofrido, aí, toda a espécie de tentações diabólicas, às quais sempre resistiu, tornando-se um poderoso símbolo de renúncia à vida mundana e ao pecado. Pai de Todos os Monges, Santo Antão, também, conhecido por Santo Antão, o Grande, e, ainda, por Santo Antão, o Eremita, viveu mais de cem anos, 105, ao certo. Muito jovem, abraçou o Evangelho como único caminho para a salvação, desfez-se de todos os seus bens, que distribuiu pelos pobres, partindo, depois, para o deserto, onde iniciou uma inspiradora vida monacal. Importa saber que monacal é o qualificativo relativo a monge e que ambas as palavras têm origem no grego, monakhós, que quer dizer “solitário”, “o que vive só”.

Mais tarde, os eremitas começaram a agrupar-se em pequenos recintos, chamados celas (do latim cella, com o significado de “pequeno compartimento”) e foi assim que em vários locais dos desertos do Egipto e de Judá, em Israel, surgiram as primeiras comunidades monásticas, sob a orientação de um Pai espiritual. E, daí, os nomes Pais do Deserto.

Originalmente, todos os monges cristãos eram eremitas, ou seja, volto a dizer, homens que, usualmente, por penitência, religiosidade, misantropia ou simples amor à natureza, viviam sozinhos, em um lugar isolado, longe do mundo, designado eremitério.

Os Pais do Deserto tiveram uma enorme influência nos primeiros tempos do Cristianismo, que podemos dizer primitivo. Quer o monaquismo oriental, representado no Monte Athos, na Grécia, quer o ocidental, definido na Regra de São Bento de Núrsia, quer, em geral, todo o monaquismo medieval, revelam acentuada inspiração nas práticas iniciadas no deserto. Crenças religiosas recentes como o Metodismo, saído da Igreja Anglicana inglesa, o Evangelismo alemão e o Pietismo, do estado norte-americano da Pensilvânia, nascido na Igreja Luterana alemã, têm algumas das suas raízes nos Padres do Deserto. Também a Igreja Ortodoxa tem, nestes padres, as suas raízes. O Monte Atos, conhecido por "Montanha Sagrada", classificado como património mundial, pela UNESCO, deu espaço a uma vintena de mosteiros ortodoxos gregos, sob direta jurisdição do patriarca de Constantinopla.

Surgida por volta do século IV, na transição da Antiguidade para a Idade Média, a Patrística foi uma corrente filosófica cristã que consistia na defesa intransigente da fé no Cristianismo, na luta contra as ideias dos pagãos e dos hereges e na expansão do Cristianismo na Europa, numa atitude que vigorou até ao século VIII. Recebeu esse nome, dado que foi desenvolvida pelos primeiros Pais ou Padres Apostólicos da Igreja, também ditos Santos Padres porque todos foram canonizados, entre os quais, Santo Agostinho se destaca como o mais importante.

Pagãos eram os seguidores das tradições e cultos politeístas, como eram os antigos romanos e gregos e, ainda, os povos do centro e do norte da Europa e os do Norte de África, antes da cristianização. A palavra radica no latim paganus, que significa “rústico” e “camponês”, por derivação de pagus, a “aldeia”.

Hereges ou heréticos são os seguidores da Heresia, entendida como uma doutrina que se opõe aos dogmas da Igreja. A palavra radica no grego, hairetikós, através do latim haereticus, que alude ao “verbo escolher”. Isto porque escolher foi o que os fariseus fizeram escolhendo caminhos religiosos diferentes. Diga-se, a propósito, que fariseus eram os judeus que se afastaram do catolicismo e enveredaram por outros caminhos. Foram, por exemplo, os criadores da instituição sinagoga, o lugar de ensino da religião judaica. E que sinagoga radica no grego synagogué, que significa “reunião”, “assembleia”.

Aurelius Augustinus, de seu nome, é mais conhecido entre nós por Agostinho de Hipona. Tasceu em Tagaste, em 354, e morreu em Hipona, em 430, onde foi bispo, duas velhas cidades da Argélia, então uma província romana. Homem apreciador dos prazeres mundanos, escreveu na sua autobiografia, "Senhor, concedei-me castidade e continência, mas não ainda”. Aos 32 anos, conforme seu próprio relato, aderiu à vida monástica, quando tomou contato com a história da vida de Santo Antão. Reflectindo e escrevendo, Agostinho de Hipona desenvolveu uma abordagem original à filosofia e à teologia, afirmando que a única verdade era a dos Santos Evangelhos e que a fé em Cristo era indispensável à liberdade do Homem. Desenvolveu o conceito de Igreja Católica como uma Cidade de Deus, espiritual, distinta da cidade terrena e material. São dele a doutrina do pecado original, e, deveras importante, a que estabelece em que condições morais se pode considerar a guerra como justa. Na Igreja Anglicana, ele é igualmente venerado como um Santo. Muitos protestantes, especialmente os calvinistas, consideram Agostinho como um dos pais teológicos da Reforma Protestante.

“A Cidade de Deus” e “Confissões”, são duas das suas obras fundamentais sobre o Cristianismo, ainda muito estudadas no presente. Nesse período, em que a palavra de Cristo alastrava pela Europa, era fundamental encontrar um discurso racional que a apoiasse, que explicasse a natureza do divino e a relação entre a fé e a razão. A par destas preocupações, havia que realçar a importância da moral na vida das populações, visando sempre a salvação da alma. Vivia-se, como disse, um tempo de transição entre a Antiguidade e a Idade Média em que o Cristianismo ainda não estava consolidado e em que os cristãos ainda eram vítimas de perseguições.

A obra deste religioso foi fundamental à consolidação da Igreja Católica, inspirada, sobretudo, na filosofia de Platão, afirmando ser a expressão da verdade que os filósofos gregos não conseguiram encontrar, pura e simplesmente, porque Deus não se lhes tinha revelado. Agostinho foi canonizado por aclamação popular e foi depois reconhecido como Doutor da Igreja, em 1298, pelo papa Bonifácio VIII. Nesse período de expansão do Cristianismo, a Igreja necessitava de argumentos filosóficos que apoiassem a sua doutrina e as suas verdades.

Os Pais da Igreja eram figuras influentes e eruditas, que debateram e procuraram clarificar problemas teológicos, como a natureza de Deus, a relação entre a divindade e a humanidade de Jesus Cristo, o significado dos sacramentos e a natureza da salvação. Concentraram-se em interpretar e explicar as escrituras sagradas e desempenharam um papel fundamental no desenvolvimento e na defesa da doutrina cristã. Escreveram tratados, cartas, sermões e outros textos teológicos que ainda hoje são estudados e valorizados por teólogos. Em síntese, pode dizer-se que a Patrística, além de uma filosofia, foi um período de reflexão teológica, debate intelectual e produção literária que teve um impacto duradouro no desenvolvimento e na disseminação da Fé cristã.

Nota: o sobrenome Hipona é, como em muitos santos, o nome da localidade onde se despediram da vida terrena. É, por exemplo, o caso do segundo nome do nosso Santo António, que nós apelidamos de Lisboa, mas que a Igreja, respeitando esta regra, apelida de Pádua, a cidade italiana onde ele faleceu.
 
A. Galopim de Carvalho

segunda-feira, 3 de junho de 2024

ELOGIO DO DISPARATE PROFUNDO

Se o sol se movesse e a terra não,
as leis do universo iam ao chão,
mas a um místico doido e sabichão,
só o contrassenso lhe dá tesão.

Há quem ache profundo o disparate,
melhor até com molho de tomate!
Feito à medida, por alfaiate,
o disparate sabe a chocolate.

Um bom disparate tem grande venda,
porque, bem servido, ele desvenda
profundidades que nem de encomenda!

Embrulhe-se, muito bem embrulhado,
um disparate bem condimentado
e sirva-se em dia bem aprazado!
                                                                        Eugénio Lisboa

sábado, 1 de junho de 2024

LITERACIA FINANCEIRA: SOMOS BONS, MAUS OU NEM POR ISSO?

 
Tive há pouco tempo conhecimento de um relatório do Conselho Europeu no qual, com base nos resultados do Eurobarómetro - 2023, se afirma que os europeus têm, em geral, um baixo nível de literacia financeira. Declarando-se esta dado muitíssimo preocupante, solicita-se aos Estados que introduzam a educação financeira, como disciplina obrigatória, no currículo da escolaridade obrigatória em todos os anos, no nosso caso, desde o 1.º ao 12.º. O ensino superior não está excluído.
 
Reconhecendo esse Conselho, como não poderia deixar de ser, "disposições constitucionais e competências pelo conteúdo do ensino e pela organização dos seus sistemas educativos" não se coíbe, como é apanágio de entidades supranacionais congéneres, de "sugerir" que os sistemas educativos/ escolas:
1) colaborem com agentes, parceiros, stakehoders, partes interessadas... na matéria em causa como, claro está, as instituições financeiras;
2) usem determinados programas, materiais e metodologias.
Isto é:
“... desenvolvam ou facilitem o desenvolvimento pelas partes interessadas de programas de literacia financeira tradicionais e digitais e de materiais didáticos para atividades escolares e extra-escolares, incluindo jogos de educação financeira.” (ver aqui).
Os adultos também devem ser abrangidos. Não todos, apenas os "mais vulneráveis" à "exclusão financeira e fraudes": "pessoas de baixos rendimentos, migrantes, com deficiências e idosos". Estando fora da escola serão incluídos em seminários, workshops e campanhas de sensibilização". A abordagem é a mesma que acima reproduzi.

Portugal, acusa o dito barómetro, está numa péssima posição: a nossa literacia financeira é a segunda pior da União Europeia, só a mítica Roménia tem pior desempenho. E eu, que, por dever de ofício, estou por dentro do assunto, digo que há nesta avaliação vários equívocos. Eis três deles:
1.º A literacia financeira está integrada no currículo da escolaridade obrigatória e na educação de adultos – antes na Educação para a Cidadania, agora na Cidadania e Desenvolvimento – haverá duas décadas. O seu Referencial é de 2013, mas a área é anterior. No momento é obrigatória no ensino básico, podendo ser objecto de projectos, disciplinas e outras iniciativas eleitas pela escola em todos os anos. E também está no ensino superior, conforme mostra o exemplo, entre muitos que poderia ir buscar: Universitários, há um novo concurso de literacia financeira (para todos) (2024)

2.º Os nossos alunos têm andado num rodopio, de concurso em concurso de literacia financeira, que não faltam, e têm ficado muito bem classificados, nos europeus. A passada década foi gloriosa e esta não vai mal. Por exemplo, no passado 2023, que os dados do Eurobarómetro davam como negro, tivémos a seguinte notícia: "Portugal conquista o 3.º lugar no maior concurso europeu de literacia financeira.
 
3.º O último Inquérito à Literacia Financeira, da responsabilidade do Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (parte interessada, e coautor do mencionado Referencial), publicado em 2023, mostra que o nosso índice de literacia financeira subiu em 2023, em virtude, por certo, da excelente aprendizagem que a escola tem proporcionado nesta matéria.
Nota: Escrevi este texto por vontade própria, mas preferia não o ter feito, sinal de que me passava despercebida a intromissão, na educação pública, de uma multiplicidade de "partes interessadas" e de entidades supranacionais com mandato político, financeiro ou outro. 
 
Custa-me pensar que enquanto a História de cá e de outras partes do mundo, a Literatura nacional e universal, todas as Artes, as Línguas e as Culturas Clássicas... desaparecem do currículo escolar, estas áreas ditas de Cidadania – que não o são – replicam-se e prosperam. É óbvia a pressão nesse sentido por parte de quem não tem, nem nunca deverá ter, legitimidade para se pronunciar sobre a educação escolar pública. Acontece que quem tem essa legitimidade vai deixando passar... muitas vezes alegremente.
 

O CALAMITOSO ESTADO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR PÚBLICA...

O estado de muitos sistemas educativos públicos europeus - fico-me pela Europa - é nada menos do que calamitoso: currículos mais pobres a c...