Por Eugénio Lisboa
A principal virtude que a linguagem pode ter é a clareza
e nada
nos afasta tanto dela como o uso de palavras pouco familiares.
Hipócrates
A leitura de muitas páginas dos nossos melhores jornais, bem como a visita de certos centros comerciais, é, para mim, o mesmo que visitar o lado obscuro da lua. A começar pelos títulos, nos jornais, não percebo rigorosamente nada: eles revelam, em condensado, toda a minha ignorância.
Por exemplo, na página de CULTURA, do PÚBLICO, do dia 29 do corrente mês, deparo com este charabiá:
A PARTIR DE SÁBADO, a bienal BoCA CONVIDA AO PAUSE EM TEMPOS DE SWIPE E DE SCROLL.
Olho para isto e fico, como qualquer leitor medianamente informado: perplexo e quase em estado de choque. Será esta a minha língua? Estarei em Portugal? Terei morrido e entrado em qualquer departamento bizantino do Além?
Hoje em dia, quem não polvilhe os seus textos com uns pozinhos de inglês, não é gente que preste. E quanto mais obscuro o calão usado, melhor. É o CEO, é o SPREADING, é o BUSINESS SCHOOL, é o TOP10, a RENTRÉE (desta vez recorre-se a uma palavra francesa que os ingleses também usam, o que lhe dá um sabor novo), são os cantores portugueses que adoptam nomes ingleses, é o CHAIRMAN, o BOARD, o PORTUGAL CAFÉ, em vez de CAFÉ PORTUGAL, tal como em português, e por aí fora.
É como se tivéssemos vergonha da nossa própria língua e precisássemos de a “enfeitar” com um cheirinho anglo-saxónico, usando palavras que têm o seu perfeito equivalente em português. É a piroseira, enfeitando-se de snobeira, no seu máximo esplendor.
Aqui mesmo ao pé de casa, existe um sítio em que se servem bebidas, com este título prodigioso: LIQUID HALL. Não é mesmo chic? As lojas, nos grandes centros, são uma contínua homenagem à nossa língua-mãe: Zara Home, Stone by Stone, Silver Field, Body Cosmetics, Best Travel... Tão distinguished! Tão internacional!
Nesta Babel grotesca e provinciana, sinto-me como se deve ter sentido o falecido Príncipe Phillip, Duque de Edimburgo, ao ver-se assim tratado, num país africano: “Fella belonging Mrs. Queen”. Estes utentes lusíadas da língua de Shakespeare fazem-me atrozmente lembrar aqueles utentes da língua urdu a definirem, em inglês, o marido da falecida rainha do Reino Unido.
O grande Stuart Mill dizia, em pecado de flagrante optimismo, que a linguagem é a luz do espírito. Mas esta espécie de urdu anglo-saxónico, que por aí se espaneja, não ilumina, antes obscurece o espírito, fazendo da língua uma amostra de areia mijada.
Eugénio Lisboa
Sem comentários:
Enviar um comentário