quarta-feira, 30 de agosto de 2023
A LÍNGUA PORTUGUESA QUE APRENDI NÃO É A LÍNGUA EM QUE AGORA SE ESCREVE
O "POLITICAMENTE CORRECTO" NA MÚSICA
terça-feira, 29 de agosto de 2023
DE GATOS FALEMOS! DE QUE MAIS HAVÍAMOS DE FALAR?
O gato sabe o que é bome conhece os certos nichos.Sabe não ser de bom tomoporem-se aos seus caprichos.O sítio que lhe convémé aquele, as mais das vezes,o que eu quero, também.Se eu quero peixe à Menezes,é isso o que o gato quer.Se eu quiser escrever,se para aí me der,logo o gato vai escolherdormir no computador!Não faz isso por malícia,nem por ser usurpador,nem por mera estultícia.Se o gato quer o que eu quero,tenham Vocês paciência– e falo sem exagero –é por pura coincidência!Eugénio Lisboa
domingo, 27 de agosto de 2023
AVISO POR CAUSA DA MORAL, DO BOM SENSO E DA LEGALIDADE
Por Eugénio Lisboa
quinta-feira, 24 de agosto de 2023
HOLOCAUSTO A HAVER
dizermos: “Tem cuidado, fecha os olhos!”,
Andámos construindo o Holocausto,
seguindo o percurso do outro Fausto.
Confiar, mas nem tanto
Por estes dias li, de Hernán Diáz, Confiança (Livro do Brasil, 2022). Não estava à espera de encontrar muita química, mas por acaso encontrei mais do que estava à espera.
Em geral não ligo a spoilers, mas neste caso acho que podem ser importantes e por isso não vou fazer um resumo da história. Eu, pela minha parte, como leio muitas vezes por amostragem, perdi uma parte do sentido do livro, inicialmente. Mas depois de voltar atrás, de ler as críticas e resumos, tudo de repente fez sentido. E foi bastante interessante.
Sobre a química. Um dos personagens era o acionista maioritário da Haber pharmaceuticals, uma empresa fictícia que toma emprestado o nome de Fritz Haber e que tem, com ele, como prioridade "o desenvolvimento de fármacos eficazes para o largo espetro de doenças psiquiátricas que até aqui eram tratadas com pouco mais do que morfina, hidrato de cloral, brometo de potássio e barbital." Ora isto passa-se nos anos 1920, e embora fosse verdade que só havia aquilo, as empresas farmacêuticas não tinham estas prioridades. Não se pensava num fármaco "mágico" para as doenças psiquiátricas. O primeiro tratamento razoável para doenças mentais vai aparecer nos anos 1950 com a clorpromazina. Curiosamente, isto passa-se na primeira parte do livro e de alguma forma forma pode atribuir-se aos pequenos erros que os livros vão acumulando, tanto mais que se essa parte do livro é atribuido a outro autor.
Tanto a principal personagem, como a sua mulher, trabalham com "médicos e químicos farmacêuticos tendo em vista a descoberta de tratamentos mais eficazes contra os distúrbios psiquiátricos", volta a repetir-se. Pouco depois, sabe-se que è mulher cuja saúde mental se deteriora. Vai para a Suíça onde "um estudo pioneiro de sais de lítio, que a Haber Pharmaceutical seguia com interesse" é de alguma forma parado.
É aqui que a química do livro se torna mais interessante, na minha opinião. O tratamento revolucionário proposto para a mulher do magnata e que estava a ser desenvolvido pela farmacêutica era convulsivo, usando injeções de pentilenotetrazol. É pouco conhecido. mas a ideia das terapias convulsivas surgiu nesta altura com compostos que provocavam convulsões. Só depois evoluiu para a terapia eletroconvulsiva (primeiro foi química com fármacos e depois física, com eletricidade). Tudo isto era bastante bárbaro, embora em nome da ciência, e a mulher acabou por morrer numa dessas sessões convulsivas. Deve notar-se que hoje em dia tem havido um recrudescimento das terapias eletroconvulsivas, mas não só as correntes são muito mais baixas como é feito com o paciente inconsciente. De qualquer forma continua a haver ceticismo em relação a essas terapias. E embora de forma dramática, o livro acaba por referir os vários aspetos do início da terapia.
Afinal dá-se conta de que a mulher não morreu do tratamento psiquiátrico (isto não é um spoiler, mas um teaser!) mas de cancro. Não se diz qual era o cancro, mas há várias referências à morfina e a Paracelso. O livro mostra uma trama muito mais complexa que é um retrato diferente de uma época que, através da visão de diferentes personagens, nos faz pensar na vida e na literatura.
quarta-feira, 23 de agosto de 2023
SEGREDOS PARA USAR
MILLÔR FERNANDES: PEQUENAS DEFINIÇÕES (À FALTA DE MAIORES) E PERGUNTAS PERTINENTES PARA OS TEMPOS QUE CORREM
“O que as pessoas não aceitam são pequenas coisas, o facto de eu nunca ter querido poder, de não ter aparecido na TV Globo, afinal alguém tem de ter recato neste país.”
DEZ PÉROLAS DE OSCAR WILDE PARA LER ANTES DE DORMIR
Por Eugénio Lisboa
Não quero ir para o céu. Nenhum dos meus amigos está lá.Um verdadeiro amigo apunhalar-te-á sempre pela frente.Tu gostarás sempre de mim. Eu represento, para ti, todos os pecados que nunca terás a coragem de cometer.
Eu não sou suficientemente novo, para já saber tudo.
Uma coisa não é necessariamente verdadeira, só porque um homem morre por ela.
A verdadeira essência do romance é a incerteza.
O homem é o menos possível ele mesmo, quando fala de si. Dá-lhe uma máscara e dir-te-á a verdade.
Deus, ao criar o homem, de certo modo exagerou a Sua própria capacidade.
Perdoa sempre aos teus inimigos. Nada os irrita tanto.
Viver é a coisa mais rara no mundo. A maior parte das pessoas limita-se a existir.
Boa e suave dormida!
Eugénio Lisboa
UMA HERMENÊUTICA INCONTINENTE
"Eu ainda quero ter essa esperança"
"Se as estradas do futuro estão semeadas de armadilhas, o pior seria avançar de olhos fechados, murmurando que tudo iria correr bem.
Temos, pois, de ser realistas e, sem desespero mas com determinação, procurar evitar o "pesadelo" em que o mundo, entendido em sentido global, se tornou:
Estou convencido, aliás, de que continua a ser possível um rebate. Tenho dificuldade em acreditar que a humanidade se resignará docilmente à aniquilação de tudo o que construiu. Todas as sociedades humanas e todas as civilizações ficam a perder, se se desorientarem dessa maneira, e todas ganhariam, caso se endireitasse o rumo (...). Portanto, é necessário, e mesmo imperativo, alertar, explicar, exortar e prevenir. Sem cansaço, complacência ou desencorajamento. E, acima de tudo, sem agressividade (...)
"Como convencer os nossos contemporâneos de que permanecendo prisioneiros das conceções tribais da identidade, de nação ou de religião, e continuando a exaltar o egoísmo sagrado, estão a preparar para os seus filhos um futuro apocalíptico?"
Será que vamos aprender alguma coisa antes que estas calamidades nos atinjam? Teremos a força de alma necessária para nos recompormos e corrigirmos a situação antes que seja demasiado tarde?
Eu ainda quero ter essa esperança.
terça-feira, 15 de agosto de 2023
AS DORES DO MUNDO
segunda-feira, 14 de agosto de 2023
UMA INTERPRETAÇÃO IDEOLÓGICA DE UM SONETO DE CAMÕES
Imagem recolhida aqui. |
domingo, 13 de agosto de 2023
LUA AZUL
Minha coluna no último JL:
A 31 de Agosto vai haver uma «Lua Azul». Não significa isto que a Lua mostre quaisquer tons de azul (embora haja relatos de visões de uma lua azulada, em casos de grandes erupções vulcânicas), mas trata-se da designação dada, pelo menos desde que a revista Sky & Telescope a popularizou em 1946 num artigo intitulado “Once in a Blue Moon”, à segunda lua cheia no mesmo mês. Portanto, uma lua azul é sempre uma lua cheia, a fase que ocorre quando a Terra está entre o Sol e a Lua e que proporciona o maior luar. No dia 1 de Agosto passado houve uma lua cheia e, passados 30 dias, haverá outra.
A ocorrência de duas cheias no mesmo mês é relativamente rara. Nunca pode ocorrer em Fevereiro, por não haver dias suficientes (por vezes não há sequer uma lua cheia em Fevereiro) e, para que ocorra num certo mês, é necessário que haja lua cheia logo no início. A última Lua Azul foi a 31 de Outubro de 2020 e a próxima será só em 31 de Maio de 2026.
Como o ciclo lunar (tempo entre duas luas cheias) tem 29,53 dias, em cada ano, que dura 365,24 dias, cabem 12,37 ciclos lunares. O resultado não é um número redondo porque os tempos das revoluções da Terra em volta do Sol e da Lua em volta da Terra não são exactamente divisíveis. A situação normal é haver 12 ciclos num ano (as fases da Lua estão na base do estabelecimento do mês como unidade do calendário), e, portanto, 12 luas cheias por ano, mas, devido ao excesso de 0,37, em cada 2,8 anos, em média, ocorrem 13 luas cheias no ano. É o caso do ano de 2023 e será também o caso de 2026, A Lua Azul seguinte ocorrerá numa data curiosa: 31 de Dezembro de 2028. Teremos de esperar mais de cinco anos.
As duas luas cheias deste Agosto foram luas cheias especiais, chamadas «superluas», o nome que se dá à lua quando ela está mais próxima da Terra no seu movimento elíptico em volta da Terra e a lua nos aparece ligeiramente maior (cerca de 14% maior). A órbita da lua é praticamente circular, com um raio de cerca de 384,472 mil quilómetros, o que significa que a luz do luar (que é a luz do Sol reflectida pela Lua) demora pouco mais de um segundo a chegar à Terra. A distância de 384 000 quilómetros é aproximadamente a distância percorrida por um automóvel ao longo do seu tempo de vida. Se uma viatura automóvel viajasse à média de 100 quilómetros por hora pelo espaço, demoraria, portanto, 3840 horas, isto é, 160 dias, pouco mais de cinco meses na viagem da Terra à Lua. As naves espaciais demoram, contudo, apenas alguns dias, bastante menos, pela simples razão de serem movidas por foguetes. O facto de a órbita lunar ser elíptica em vez de circular faz com que o nosso satélite natural tenha uma posição mais próxima da Terra (perigeu) e outra mais longe (apogeu), a primeira a pouco menos do que 384 000 quilómetros e a segunda a pouco mais. A maior proximidade da Terra causa uma maré mais alta. Pululam superstições sobre a sua ligação a outros fenómenos, como terramotos e erupções vulcânicas, mas não passam de mitos.
O nome «superlua» só surgiu nos anos de 1970, dado por um
astrólogo. Em contraste com as Luas Azuis, as superluas são relativamente
frequentes: antes da do dia 1 de Agosto tinha havido outra em 3 de Julho e,
depois da de 30 de Agosto, haverá uma outra em 29 de Setembro. De facto, chama-se
«superlua» mesmo quando a Lua não está exactamente no perigeu, mas apenas nas
proximidades dele. Das 12 ou 13 luas cheias em cada ano, três ou quatro podem
ser classificadas como superluas. A sobreposição Lua Azul-superlua que vai ocorrer
em 30 de Agosto próximo não é frequente: só voltará a acontecer em Agosto de
2032. Quem não vir agora, terá de
esperar quase uma década.
Em inglês Lua Azul diz-se «Blue Moon». A expressão «once in a Blue Moon» significa “raramente”. Para falar com inteira propriedade devia ser de três em três anos… Mas a dita expressão significa “quase nunca”. «Blue Moon» remete-nos imediatamente para o mundo da música. Com efeito, esse é o título de uma canção dos compositores norte-americanos Richard Rodgers (1902-1979), autor da música, e Lorenz Hart (1895-1943), autor da letra. Toda a gente se lembrará da melodia e do poema, que começa por falar da solidão (“Blue moon/ You saw me standing alone / Without a dream in my heart/ Without a love of my own”) para acabar no encontro amoroso (“Blue moon/ Now. I’m no longer alone / Without a dream in my heart / Without a love of my own.”).
Escrita
em 1933 inicialmente para o filme Hollywood Party, mas depois retirada, “Blue
Moon” tornou-se, com a versão de 1934, uma canção clássica, uma das mais
conhecidas do século XX. Foi cantada por grandes artistas como Billie Holiday,
Elvis Presley, Frank Sinatra, Bob Dylan e Cliff Richard. Amália Rodrigues
também a cantou, tendo sido incluída no seu álbum “Amália na Broadway” (1984). Na
cultura popular, essa canção já apareceu em filmes musicais como Grease (1978),
com John Travolta e Olivia Newton-Jones. E também apareceu nos filmes At
the Circus (1939), dos irmãos Marx, e Apollo 13 (1995), com Tom
Hanks, que conta a história na nave enviada à Lua pela NASA que teve de voltar
sem cumprir sem alunar. “Blue Moon” é ainda o hino do Manchester City, campeão
inglês e europeu, equipa que costuma jogar com equipamento azul.
Em breve haverá o regresso do homem à Lua. O programa Artemis da NASA, sucessor do programa Apollo (Artemis é irmã de Apolo na mitologia grega), está em curso, após ter sido lançada com êxito no ano passado a Artemis 1. A Artemis 2, levando astronautas para uma órbita lunar, será lançada em Novembro de 2024, estando a tripulação já escolhida: inclui uma mulher.
A próxima alunagem está prevista
para 2025 e é possível que também tenha participação feminina. Curiosamente, o
nome «Blue Moon» foi dado a um dos aterrissadores que irá descer na Lua. Foi
recentemente celebrado um contrato da NASA com a empresa Blue Origin, de Jeff
Bezos (o fundador da Amazon), para a construção de um módulo lunar com
capacidade para quatro astronautas que deverá começar a funcionar com a Artemis
5, planeada para 2029. Na próxima sobreposição de Lua Azul com uma superlua
pode bem ser que haja uma «Blue Moon» pousada na Lua…
sexta-feira, 11 de agosto de 2023
DIZ-ME O QUE LÊS, DIR-TE-EI QUEM ÉS
quarta-feira, 9 de agosto de 2023
UM TRISTÍSSIMO ARGUMENTO
Imagem colhida aqui. |
"câmaras vão comparar as imagens gravadas com as bases de dados de pessoas procuradas pelas forças de segurança e enviar um alerta quando houver uma correspondência de 90% nos traços faciais. As imagens serão primeiro analisadas por um comité operacional do programa de vigilância e depois enviadas, se necessário, para a polícia."
A LINGUAGEM CRÍTICA E A LINGUAGEM ORACULAR
é largamente feito de profecias.
H. L. Mencken
“Quando olhamos as suas pinturas, sabemos que há nelas um segredo sagrado e uma potência electromagnética que as torna ímanes do Deus desmedido que apenas se aproxima de nós – e existe – naquelas cores que o fazem nosso ou naquelas formas que o fazem dele.”
segunda-feira, 7 de agosto de 2023
Ainda o projeto MAIA ou os novos Pavlovs de uma escola funcionalista
SOBRE A MINHA POUCA IMPORTÂNCIA
Haverá, então, alguma diferença?
Meu ser fez a galáxia estremecer?
Pra luzir, ela pede-me licença?
Que peso tem, na galáxia, meu ser?
Que peso tem minha insignificância?
Fez alguma diferença o meu nascer?
Trouxe significado e importância
O mundo, sem mim, seria pior?
Trouxe comigo alguma concordância?
Ou tornou-se o mundo melhor?
Eu, quanto mais penso, menos existo
sexta-feira, 4 de agosto de 2023
MODOS DE MORRER ou NEM TODAS AS MORTES SÃO SUAVES OU GLORIOSAS
O poeta grego Anacreonte morreu, engasgando-se numa semente de uva.
O poeta grego Terpander encontrava-se a cantar uma das suas canções, quando alguém lhe atirou um figo, que lhe foi entupir a traqueia. Morreu engasgado, o que é totalmente desajustado a quem sempre viveu da palavra e para a palavra.
Luciano “O Blasfemo” morreu à boca raivosa de uma matilha de cães, diz-se que devido à sua irreverência religiosa.
O grande dramaturgo grego Eurípedes também morreu retalhado por cães raivosos, embora haja quem opte por outra versão: teria morrido às mãos de um colectivo de mulheres furiosas, devido a uma das suas peças de teatro.
Heráclito teve uma morte mal cheirosa, quando se cobriu com excremento de vaca, para se aquecer e secar.
O conhecido historiador grego Políbio morreu aos 82 anos, por ter caído desastradamente de um cavalo.
O dramaturgo Menandro, nadando no Pireu, teve um ataque de caimbras e morreu afogado.
O escritor romano Lucrécio endoideceu por ter tomado um afrodisíaco e suicidou-se.
Depois de ter escrito um tratado sobre os prazeres do palato, o poeta romano Quintus Ennius morreu de gota.
O poeta chinês Li Po (c. 700-762) caiu de um barco e afogou-se, quando tentava beijar o reflexo da lua na água.
O dramaturgo e poeta Ben Jonson (1572-1637) disse que queria ser enterrado “de pé”. O rei James I tomou-o à letra e Jonson encontra-se enterrado de pé, na Abadia de Westminster.
Molière morreu poucas horas depois de ter representado o papel de um hipocondríaco. Durante a peça, cuspiu sangue, mas continuou galhardamente a representar. A peça era sua e intitulava-se LE MALADE IMAGINAIRE.
O grande poeta russo Alexandre Pushkine morreu, como se sabe, em duelo.
Também morreu em duelo outro poeta russo, Lermontov, que, inspirado por Pushkine, escrevera o poema SOBRE A MORTE DE UM POETA.
O grande romancista inglês, William Thackeray, autor, entre outros romances, de A FEIRA DAS VAIDADES, morreu por ser glutão.
O grande ficcionista e humorista americano Mark Twain nasceu em 1835, ano em que apareceu o cometa Halley e morreu, tal como previra e desejara, quando o cometa reapareceu em 1910. Entretanto, escrevera: “Será o maior desapontamento da minha vida, se eu não me for embora com o cometa Halley. Tenho a certeza de que o Altíssimo disse: ‘Ora aqui estão dois irresponsáveis malucos: apareceram juntos, devem desaparecer juntos’.”
O poeta revolucionário russo Sergei Esenin (1895-1925) cortou os pulsos, escreveu um poema com o seu próprio sangue e, depois, enforcou-se.
Eugénio Lisboa
quarta-feira, 2 de agosto de 2023
EÇA NO PANTEÃO NÃO TEM ADESÃO
Por Eugénio Lisboa
Somos um país de modas mais ou menos efémeras. De vez em quando, descobrimos uma moda nova e pomo-la de serviço, sem rei nem roque.
Durante décadas e décadas, ninguém se preocupou com o Panteão, nem sequer se lembrou de que ele existia. Mas quando alguém se lembrou dele, já nem sei a propósito de quê ou de quem, o Panteão passou a ser o prato de arroz doce de todos os banquetes culturais. Estar ou não estar no Panteão, eis a questão. Quando uma personalidade de algum destaque cultural, científico, desportivo, militar ou político morria, aqui d’El-Rei que deve ir para o Panteão. À falta de melhor manjar, a comunicação social pegava neste e os opinantes ganhavam o dia. Tema qualquer serve, como diria a grande Irene Lisboa.
Propunha-se levianamente despachar para aquele sítio feioso e pouco acolhedor os restos mortais de alguém, sem realmente se ter em conta se esse teria de facto sido um desejo do falecido ou dos seus próximos, em representação dele. Ora não é difícil supor que um Pascoais preferiria, de longe, ficar no Marão, um Régio, em Vila do Conde, um Ferreira de Castro, em Ossela ou Sintra, um Camilo, em S. Miguel de Seide ou Porto, um Torga, em S. Martinho de Anta e um Eça, em Tormes. Isto, para dar só alguns exemplos.
Se a autorização final deve caber ao Parlamento, a iniciativa da trasladação deve competir aos familiares, em consulta com os conhecedores profundos da obra e das idiossincrasias do falecido.
Pensar que o Panteão é o desejo ardente dos notáveis é ignorar o enorme poder de atracção que outros locais, carregados de magnetismo emocional, possam ter tido para o ilustre falecido. Por exemplo, ser enterrado na terra natal, ou na terra em que se foi feliz ou junto do companheiro ou companheira de toda uma vida. Tais sítios são pólos de atracção muito mais poderosos do que um Panteão álgido, hostil e escassamente visitado.
Um Panteão, perdoem-me a franqueza rude, é mais um depósito pouco atraente do que um lugar aprazível, para final de percurso. A grande maioria dos grandes de França não se encontram sepultados no Panteão, estão no Père Lachaise ou noutros cemitérios onde preferiram ficar sepultados.
Esta gritaria recente, para se enviar Eusébio, Amália, Sophia, para o Panteão, faz parte do nosso irredimível provincianismo, que não é capaz de ver para além de falsos cenários. Em Portugal, quando verificamos TODAS as personalidades de alto relevo, que nunca tiveram lugar no Panteão Nacional, apetece mesmo lá não estar.
A anunciada e próxima futura trasladação dos restos mortais de Eça de Queirós para o Panteão Nacional é uma perfeita aberração e, ao que sei, não obteve a devida aprovação de quem de direito. Foi uma ideia oportunista e provinciana de alguém que é hoje ministro e que provavelmente conhece mal a obra e a personalidade do autor de O CRIME DO PADRE AMARO, mas conhece bem a arte de se tornar visível, à boleia de uma péssima ideia.
No Panteão de Paris, estão apenas os restos mortais de 75 personalidades, e a esmagadora maioria dos grandes escritores franceses não está lá. Dos escritores do século XX está lá só UM, André Malraux, e não estão lá Anatole France, André Gide, Marcel Proust, Henry de Montherlant, Romain Rolland, Paul Valéry, Paul Claudel, Colette, Georges Duhamel, Roger Martin du Gard, François Mauriac, Julien Green, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus, Aragon, Jean Giraudoux, Marcel Aymé, Maurice Barrès, Antoine de Saint-Exupéry, Jean Anouilh, Raymond Queneau, Jacques Prévert, Jules Supervielle, Saint-John Perse, Jean Giono, Georges Simenon, etc.
NÃO ESTAR no Panteão está portanto longe de ser uma humilhação ou apenas razão de melancolia. Digamos que a melhor companhia até está cá fora e é cá fora, em Tormes, que Eça deve ficar. E ficará muito bem: estou certo de que assim o diria, se pudesse falar.
Eugénio Lisboa
O corpo e a mente
Por A. Galopim de Carvalho Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...
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Cap. 43 do livro "Bibliotecas. Uma maratona de pessoas e livros", de Abílio Guimarães, publicado pela Entrefolhos , que vou apr...