Mesmo depois de jubilado, por hábito ou, talvez, por vício, mantive e continuo a manter frequente contacto, alargado de há uns anos para cá, ao ensino pré primário e aos respectivos educadores (na realidade, quase só educadoras), uma classe profissional da maior importância, sobre a qual, assim como dos muitos jardins-escola que conheço, tenho a melhor das impressões.
Devo começar por dizer que as considerações que, com toda a humildade, objectividade e vontade de servir, penso ser meu dever fazer, se reportam ao ensino das ciências naturais, no básico, e da geologia, no secundário, um panorama que me dizem abranger o ensino de outras disciplinas.
A vivência a que me refiro no início do texto permitiu-me constatar realidades que insisto em destacar, reflexões que me parece dever partilhar e propostas que tomo a liberdade de apresentar.
Há professores, eles e elas, excelentes, quer em termos de competência científica e pedagógica, quer na dedicação ao ensino que encaram como uma missão, a par de uma mediania que cumpre razoavelmente a sua obrigação e de um conjunto cuja extensão desconheço de homens e mulheres, sem preparação suficiente, que fazem do ensino um emprego, não uma profissão e, muito menos, uma missão.
Os vergonhosos resultados escolares, em Portugal, dão que pensar.
Percebe-se, aqui, a sistemática recusa de muitos professores (os jornais têm falado em milhares) face às diversas propostas de avaliação feitas pelos governos, ao longo de mais de uma dezena de anos.
Nesta luta dos professores contra o ministério da tutela, os sindicatos, porque estão mais interessados nos problemas laborais, importantes, sem dúvida, e como correias de transmissão que são dos partidos, têm descurado o problema da qualificação científica e pedagógica da classe, nivelando, por igual, os bons, os menos bons e os maus.
Sempre disse e insisto em afirmar que o professor deve saber muito, mas "muito mais" do que o estipulado no programa da disciplina que deve ter por missão ensinar. Não pode, de maneira nenhuma, ser um mero transmissor das noções, tantas vezes, insisto em dizer, estereotipadas e acríticas dos manuais de ensino.
Esse "muito mais" está na abrangência dos seus conhecimentos, não necessariamente especializados ou de ponta (indispensáveis no ensino superior), mas ao nível de uma sólida cultura científica e humanística. E isso vem de trás, da formação cívica que adquiriu em família e na escola, do modo como passou pela universidade e do proveito que tirou desse privilégio, numa sociedade plena de desigualdades como tem sido a nossa. Mas esses conhecimentos, todos sabemos, estão ao seu alcance em muito boas bibliotecas, nalguns casos das próprias escolas e, agora mais do que nunca, na inesgotável, imediata e acessível via “on line”.
Para tal, os professores necessitam de tempo, e tempo é coisa que os professores não têm. Há, pois, que libertá-los de, praticamente, todas as tarefas que não sejam as de ensinar. Necessitam de uma conveniente dignificação e de respeito, duas condições que lhes foram retiradas com o advento da liberdade e da democracia. Necessitam de uma remuneração compatível com a importância que têm na sociedade. Um professor universitário (que é avaliado, pelo menos três vezes ao longo da carreira) não é nem mais nem menos importante do que um do ensino secundário ou do ensino básico. Necessitam de ver resolvido o problema das suas colocações, com vidas insuportáveis material e emocionalmente, a dezenas de quilómetros de casa, separados das famílias.
É urgente olhar para a realidade do nosso ensino e é preciso vontade política para promover uma profunda avaliação e consequente reformulação (despida de constrangimentos partidários) desta máquina ministerial.
É preciso e urgente que o Ministério da Educação se torne numa das principais preocupações dos governos, não só na escolha dos respectivos titulares, como nas dotações orçamentais que permitam dar às escolas as necessárias condições de trabalho e de relativa autonomia e, aos professores, a dignidade compatível com o importantíssimo papel que representam na sociedade, a começar pelos respectivos vencimentos, colocações e estabilidade.
É preciso e urgente que o Ministério da Educação chame a si um conjunto de reconhecidamente bons professores e outros profissionais capazes de proceder à necessária e profunda revisão de tudo o que se relacione com o ensino básico e secundário, a começar na conveniente e eficaz formação e avaliação de professores, reformulação de programas, passando pelos livros e outros manuais adoptados (que envolvem interesses instalados) com discursos estereotipados que se repetem acriticamente em obediência a esses programas, levando ou, melhor, obrigando os professores, não a ensinar e formar cidadãos, mas a “amestrar” alunos a acertar nos questionários de exames, por vezes, autênticas charadas.
A. Galopim de Carvalho
6 comentários:
Subscrevo inteiramente o seu texto. Obrigada Professor Galopim de Carvalho.
“Nesta luta dos professores contra o ministério da tutela, os sindicatos, porque estão mais interessados nos problemas laborais, importantes, sem dúvida, e como correias de transmissão que são dos partidos, têm descurado o problema da qualificação científica e pedagógica da classe, nivelando, por igual, os bons, os menos bons e os maus.” (Professor Galopim)
Os professores têm problemas de qualificação científica e pedagógica? Todos os que conheço são licenciados, muitos com pós-graduações e mestrados e alguns com doutoramentos, também no 1º CEB.
A formação inicial dos docentes de 1º CEB é completamente focalizada nas disciplinas do elenco curricular deste ciclo e em disciplinas de pedagogia e metodologia. Paradoxalmente, apesar de caráter generalista, é capaz de ser dos cursos mais especializados relativamente ao que se exige nas escolas, comparativamente a outras licenciaturas para a docência, as quais se focalizam mais nos conteúdos disciplinares do que propriamente em aspetos pedagógicos e metodológicos. Pode saber-se muito de História e não se saber ensiná-la.
Por outro lado, a formação contínua é obrigatória, existindo um leque imenso de opções, podendo ser efetuada onde melhor aprouver aos professores (para além dos centros de formação e associações de professores, inúmeras faculdades já providenciam ações de formação acreditadas para docentes).
O problema não é a falta de qualificações. O problema, provavelmente, reside na qualidade da formação inicial ou contínua, mas esse problema estende-se a todos os docentes, devendo as faculdades e politécnicos, bem como os formadores de formação contínua serem seriamente avaliados.
Os cursos superiores de formação de docentes, sejam quais forem, deveriam encontrar-se em perfeita sintonia com as exigências científicas das disciplinas a lecionar, bem como com outras exigências formais da Escola, onde os docentes poderão ser chamados a exercer funções de gestão intermédia ou superior que invoquem áreas de saber específico. Assim, no elenco curricular deste tipo de cursos, para além das disciplinas de conteúdo, deveriam constar disciplinas de supervisão, metodologia, pedagogia, administração escolar, legislação, estatística, TIC...
A avaliação atual de desempenho de docentes não nivela indiferenciadamente. A avaliação compreende menções qualitativas de Excelente, Muito Bom, Bom, Regular e Insuficiente. O máximo que um professor poderá ter é Bom, se não solicitar aulas assistidas, mas na sua folha de avaliação, subliminarmente, as notas, por parâmetro científico e pedagógico, são devidamente atribuídas com a média final, que poderá exceder ou não o Bom, servindo essa nota “oculta” para desempate na mudança de escalão.
No ano terminal do 4º e 6º escalões, na passagem para o 5º e 7º, os professores terão obrigatoriamente de solicitar aulas assistidas, cuja avaliação (externa) fará média com o relatório de autoavaliação (interna), este último expressando o percurso anual dos professores, o qual será avaliado pelo respetivo coordenador de departamento ou Direção, dependendo da situação do docente. Depois, há as cotas nos portais de passagem de escalão que obrigam muitos a ficar pelo caminho. Não é um processo propriamente mecânico ou automático. Se concordo com este tipo de avaliação? Não. Sou avaliadora externa e, portanto, tenho uma opinião fundamentada sobre esta forma de avaliar.
“Para ensinar há uma formalidade a cumprir – saber.”
Eça de Queirós
A senhora cheia de ética não terá dificuldades em concordar comigo se eu lhe disser que a carreira profissional de enfermagem deve ser diferente da carreira médica, posto que um enfermeiro é um enfermeiro e um médico é um médico!
Então, por que carga de água os professores primários e os educadores de infância são equivalentes a professores do liceu?
Quanto aos “cursos especializados” dos professores primários, só lhe digo que eu, para estar apto a dar aulas no liceu, estudei para saber, na Faculdade de Ciências, Física Quântica, entre muitas outras pérolas científicas que juntas davam para fazer um colar com duas voltas!
A candura suave e doce dos sábios conselhos do professor Galopim- sem os pressupostos essenciais da existência de disciplina na escola, com a possibilidade legal de expulsão de eventuais arruaceiros, regresso de exames autênticos, com um peso de 100 % na classificação do aluno, e permissão ministerial de que os professores voltem a ensinar - cairão, mais uma vez, em saco roto!
Ao fim de mais de quarenta anos, é tempo de o paradigma da Quantidade Amorfa, que a esquerda introduziu no ensino liceal, ser complementado pela promoção da Qualidade Cristalina, que também já houve noutros tempos, quando os pobrezinhos não tinham telemóveis e estavam proibidos de entrar nos liceus, eu sei!
É inacreditável a sua arrogância! Ainda bem que tudo o que diz cai em saco roto porque quem não respeita os outros não merece ser respeitado. Merecia não ter enfermeiros...
A minha profissão é tão válida quanto a sua! Não está em Moçambique a mandar nos caracóis, ok?
Porém, somos diferentes!
Para trabalho diferente, salário diferente!
Sim, somos diferentes. Pela sua foto, graças a Deus!
Uma médica pediatra deve ganhar o mesmo que um médico geriatra.
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