Confiei, de início, no novo ministro de Educação. Era novo, era um cientista, vinha de fora. Critiquei-o quando ele, sem qualquer justificação razoável, resolveu substituir as provas de avaliação dos 4.º e 6.º anos por "provas intermédias" de utilidade muito duvidosa pois impedem a comparabilidade com o "histórico" acumulado. Sem comparações, é óbvio que não pode ser medida qualquer melhoria. Como outros ministros antes dele, Tiago Rodrigues introduziu entropia no sistema. Procurou logo de início deixar uma "marca própria" num sistema que precisa de estabilidade. As suas palavras na altura foram lamentáveis: desvalorizou a avaliação, como se ela não fosse fundamental no ensino ou em qualquer outra actividade. O investigador Tiago Rodrigues, que eu muito estimo, sabe isso, mas há aqui uma mudança de identidade. O ministro foi capturado pelo ministério e tem agora uma outra identidade que não se lhe conhecia.
Não sei se foi ele que escolheu a sua equipa. Mas parece que não tem qualquer poder sobre ela. Vejam-se as confusões sucessivas, incluindo um membro de gabinete sem habilitações académicas. O ministério tem gente sem formação e outra que, tendo alguma formação, não tem ideias certas e claras. Chegou-me ao conhecimento uma carta de quatro páginas, extremamente hostil, que foi endereçado pelo chefe de gabinete do Secretário de Estado da Educação, no Ministério actualmente ocupado por Tiago Rodrigues, à Sociedade Portuguesa de Matemática. Não sei se o ministro conhece o seu conteúdo, mas a sua imagem não sai nada bem daquela epístola. Ao fim e ao cabo é ele o responsável último por tudo aquilo que sai daquele ministério. O palavreado é confuso, o que não estranhamos pois já sabemos há muito que nem sempre no Ministério da Educação se sabe escrever (por que não fazem exames a chefes de gabinete?), mas a certa altura diz-se a propósito do "emagrecimento curricular" que se encontra em curso:
"O
trabalho em curso é um trabalho integrado, relacionando todas as
disciplinas. Exactamente por ser um trabalho centrado na gestão
curricular, foi minha opção convocar as associações profissionais e não
as sociedades científicas. As associações serão instadas a fazer as
parcerias e auscultações que forem consideradas relevantes no decorrer
deste trabalho".
Daqui se conclui que as sociedades científicas portuguesas, entre as quais uma das mais activas e mais antigas, a Sociedade Portuguesa de Matemática- SPM (de que me orgulho de fazer parte há muitos anos), foram deliberadamente
excluídas da tarefa de "gestão curricular" (seja lá o que isso for, o ministério gosta de inventar palavras, mas quem deve fazer a gestão dos currículos são os professores), e que só serão ouvidas se
forem convidadas para tal pelas... associações de professores. Daqui se conclui também que a Sociedade Portuguesa de Física - SPF (da qual também me orgulho de fazer parte há muitos anos) é também ignorada pela equipa de Tiago Rodrigues. Ora, se muitos professores de Matemática estão representados pela SPM (há uma Associação de Professores de Matemática, que parece alinhar com o "eduquês" do Ministério), a SPF representa-os a todos. O mesmo se aplica à Sociedade Portuguesa de Química - SPQ. E a sociedades de outras áreas. Como é que um bioquímico pode pensar que os professores e os investigadores das ciências básicas, de Matemática, de Física e de Química, e também os das Ciências Naturais, não se podem pronunciar sobre os conteúdos das disciplinas que ensinam e estudam?
O Ministério da Educação já era incompetente no tempo de Nuno Crato. Uma funcionária chegou-me a dizer uma vez que não entregava uma carta ao ministro, suspeito que por não concordar com o seu conteúdo. Mas esse Ministério continua incompetente. A situação perfeitamente surreal que a carta do Ministério configura traduz uma total marginalização e a uma tentativa de silenciamento das sociedades científicas portuguesas. Só para se ter uma noção clara
da irrelevância a que Tiago Rodrigues está a votar as sociedades neste processo, faço notar que até alunos do Básico e Secundário estão a ser ouvidos:
Excertos elucidativos (bolds meus, tão espantosos que me espantam a mim que já vi muita coisa):
"Numa corrida contra o tempo, estiveram toda a manhã reunidos, cada nível de ensino na sua sala, para chegarem a diagnósticos e propostas comuns, que tanto o ministro, como o secretário de Estado da Educação, João Costa, garantiram que serão tidas em conta na revisão dos currículos que o ministério está a preparar. (...)
“Precisamos de saber que há mais vida para além da escola e não estar ali só para ir passando de ano”, comenta Manuel, aluno do 9.º ano de escolaridade. " (...)
"João Costa, que assistiu à apresentação das conclusões, gaba a “qualidade da reflexão” que foi feita pelos alunos. Diz que tem 32 páginas de apontamentos com o que foi sendo dito por estes e que resume em três grandes áreas: articulação entre aprendizagem e cidadania; metodologias mais activas em sala de aula; alargamento do leque de opções no ensino secundário. Tiago Brandão Rodrigues destaca a novidade da iniciativa: “Nada disto tinha acontecido antes. Quando chegarem à altura de ter filhos vão saber que contribuíram para o que estão a aprender, para o que será o ensino no futuro”."
Muito lindo! Os alunos do básico e secundário podem pronunciar-se sobre os currículos que devem aprender, com a audição prestimosa do ministro e de um seu secretário de Estado. Mas os professores e cientistas já não! Tiago Rodrigues, manietado por um ministério viciado numa ideologia errada e perniciosa, ainda está a tempo de arrepiar caminho. Se não o fizer, será nominalmente ele - e não a sua equipa - o responsável pela regressão na educação portuguesa.
5 comentários:
Os alunos do ensino básico e secundário, sem a mínima noção do significado das matérias leccionadas (lecionadas) nas diferentes disciplinas curriculares, podem opinar sobre as mesmas, assim como as associações profissionais. Os verdadeiros entendidos, as sociedades científicas portuguesas, são marginalizadas e silenciadas?...Fica a impressão de que se começa a construir o edifício pelo telhado...
À metodologia de consultar os alunos, ao contrário do Senhor Ministro, não lhe encontro novidade alguma. O facto do Senhor Secretário de Estado da Educação ser escuteiro revela-se nestes detalhes do "ask the boy" que tão bem o fundador do escutismo, Baden-Powell, preconizou.
A metodologia de não consultar as sociedades científicas e os educadores (professores) é que temos que lamentar profundamente. Mas isto o Senhor Secretário de Estado garantidamente não o aprendeu nos escuteiros!
Comentário recebido de Maria do Carmo Vieira:
Parabéns pelo excelente texto! Estamos no caminho que já conhecíamos: respeitar os interesses dos alunos, em lugar de despertá-los para outros interesses. Na verdade, este Ministro não é certamente investigador ou então é duas pessoas completamente diferentes: uma rigorosa e séria, outra tipo «Maria vai com as outras». Escandaloso o que se passou com as Sociedades! Sem dúvida a apologia da ignorância e da estupidez. Os alunos são ouvidos e as Sociedades esperam que alguém tenha a bondade de as ouvir. Sem dúvida, extraordinário! Eis em flagrante «a nova escola».
Maria do Carmo Vieira
Caro Colega,
gostei do seu comentário. O maior problema na Educação é a máquina do Ministério. O Nuno Crato dizia antes de ser Ministro que o Ministério devia ser implodido. Infelizmente não o fez, tal como não fez nada do que defendia antes de ser Ministro.
O mais triste é que os Ministros, qualquer Ministro, quando percebem que não conseguem fazer nada com as primas donas que lá têm, não se demitem, nem denunciam o poder efectivo do pessoal que pulula por lá.
Sem uma remodelação de alto a baixo do Ministério, qualquer ministro é feito pau mandado. E isto acontece há décadas!
...o caminho da "coitadinhização" dos alunos e do próprio sistema de ensino em Portugal, só poderá trazer péssimos resultados para as gerações vítimas desta bagunça! Em vez de se abrir o debate à sociedade sobre o que pretendemos para Portugal, para os seus alunos, num projecto de 12 anos que tentasse responder às características do nosso país, da nossa realidade, a preocupação principal é desresponsabilizar alunos e encarregados de educação, para agradar aos mesmos - os mesmos que elegem a classe política, por coincidência -, e importar modelos completamente desligados da nossa realidade! Falem-me da Finlândia quando cá existirem famílias que valorizam o ensino e a escola da mesma forma que lá, por exemplo! Nunca, desde que sou gente, vi um Ministro da Educação a querer construir, pela base, um projecto de ensino que nos leve a algum lado!E no final desse tempo, fazer a sua avaliação para se poder alterar o que for necessário! Entretanto, vamos entretendo os meninos, como se a escola não implicasse trabalho...esforço...tendo que oferecer apenas actividades lúdicas! Andamos a enganar os nossos alunos, porque a vida não lhes dará essa realidade!
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