domingo, 2 de novembro de 2025
sexta-feira, 31 de outubro de 2025
O OITAVO PECADO CAPITAL. O QUE NOS VALE É A LITERACIA FINANCEIRA!
A "educação financeira" foi, na passada década, legitimada pela tutela como uma das componentes da Educação para a Cidadania; passou a integrar a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania e, com esta equipa ministerial, conseguiu um estatuto superior no currículo da escolaridade obrigatória e também no da educação de infância (aqui).
Nos últimos meses, temos visto governo, banca e organismos a ela ligados, num afã crescente para nos salvar da tentação de cometer esse pecado (equiparado em gravidade a qualquer um dos sete capitais) que é gastar dinheiro (leia-se, o nosso dinheiro) em "desejos" e não apenas e só em "necessidades" (leia-se, básicas). Juntam-se-lhe, nesse afã, instituições de ensino superior e escolas, significando isto que aqueles que, ocupando uma posição social que deveria ser crítica e estar ao serviço do bem-comum, participam na ingerência interessada de entidades privadas no ensino público.
Os bancos fazem o mesmo e, devo reconhecer, fazem-no de maneira muito convincente e eficaz. Disso falei aqui.
Sendo hoje o Dia Mundial da Poupança, a parceria entre todos os partícipes que referi foi reforçada. Li no jornal Público de ontem, numa notícia de Cristiana Faria Moreia, que
- vários ministros e secretários de Estado,
- responsáveis das autoridades de supervisão financeira,
- governador do Banco de Portugal,
- estudantes e docentes do ensino superior,
participaram na iniciativa “Educar para a Cidadania: Poupar, um Compromisso com o Futuro, dando aulas (isso, mesmo, DANDO AULAS) sobre poupança e gestão financeira a centenas de alunos do ensino básico e secundário de diversas escolas do país.
No Público de hoje saiu uma entrevista de Rosa Soares a um desses partícipes com um título muito curioso Os bancos beneficiam da falta de literacia financeira (aqui). Ora, veja-se: os bancos, como empresas, são tão amigos das pessoas comuns que lhes vão proporcionar literacia financeira, mesmo sabendo à partida que se prejudicam com isso. Ou, de outro modo, os bancos teriam maior proveito se não promovessem a literacia financeira. Foi pena a jornalista não ter procurado esclarecer este mistério. Ainda assim, vale a pena ler o que julgo ser o essencial da mesma no respeitante à educação escolar.
A mensagem não é nova, mas vale a pena relembrá-la quando nesta sexta-feira, 31 de Outubro, se assinala o Dia Mundial da Poupança: é necessário aumentar a poupança (…). [O] coordenador académico do programa “Finanças para Todos”, da Nova SBE (…) professor catedrático, (…) considera a introdução de conteúdos de literacia financeira em todos os ciclos do ensino oficial “um passo fundamental para a formação dos jovens” (…).
Os conteúdos introduzidos na componente da literacia financeira são adequados? O programa é ambicioso em termos da abrangência, porque inclui todos os anos de escolaridade, e (…) em termos dos tópicos ou temas que pretende abordar. Acho que o maior risco ao sucesso do programa está na sua implementação, nomeadamente na falta de capacitação ou insuficiente capacitação dos professores para estarem confortáveis com estes temas e para saberem adaptar a formação aos vários níveis de ensino. É um desafio grande, porque quem lecciona a disciplina de Cidadania são os professores das outras áreas.
A literacia financeira é fundamental para que as pessoas tenham a noção de que é preciso poupar? É importante introduzir na consciência das pessoas a ideia da poupança como um acto de rotina (…). Isto porque é importante poupar nem que seja um euro e é importante incutir essa ideia nos mais jovens. Há vários estudos que mostram que, quanto mais cedo se introduzirem esses conceitos, melhor será o bem-estar financeiro na idade adulta. E outra das coisas que costumamos ensinar no primeiro contacto das formações é a de que se deve poupar no início do mês e não no final. E ainda como se vão investir essas poupanças. Um problema grave decorrente dos baixos níveis de conhecimentos financeiros é que em Portugal as pessoas não investem bem as poupanças.
É errado afirmar que os bancos não têm tido interesse em promover esses instrumentos porque acabam por beneficiar da inércia dos depositantes? Os bancos beneficiam da falta de literacia financeira dos clientes. Mas acho que cada vez mais têm consciência de que se querem ter uma relação duradoura e de longo prazo com os clientes não deve ser essa a atitude. Deve ser a de criar valor para os clientes, porque é a forma mais provável de os reter. Agora, quando temos uma situação em que a falta de literacia financeira é muito generalizada, é difícil sair desta situação, porque nenhum banco quer dar o primeiro passo. No entanto, acho que as situações estão a mudar e alguns bancos já têm programas próprios de literacia financeira para os mais jovens. Penso que daqui a dez a 20 anos o panorama da literacia financeira vai ser bastante diferente do actual.
Não há grande dinamismo na remuneração de poupanças, mas há uma grande abertura na concessão de crédito? (…) A questão do sobreendividamento também é abordada nos programas de literacia financeira, ensinando-se técnicas para o evitar. E está demonstrado que a formação em finanças pessoais desde jovem tende a reduzir as situações de sobreendividamento na idade adulta.
A poupança para a reforma é uma questão que deve ser levada a sério por quem está a entrar no mercado de trabalho (…)? É importante que os jovens poupem para a reforma e apliquem bem essa poupança. Acho é que essa mensagem não tem passado: que o que devem esperar dentro de 20 a 30 anos é que a pensão que vão receber é apenas cerca de metade do último salário (…).
quarta-feira, 8 de outubro de 2025
CINEMA EM ÉVORA, NOS ANOS 30 E 40
Dizia o meu pai que “cinema é como se, numa fotografia, as pessoas se movimentassem”.
Na segunda metade dos anos 30, chegou a Évora uma furgoneta de cor vermelha mostrando, em grande tamanho e a branco aquele seu conhecido logotipo em que as palavras BAYER, uma escrita na horizontal e outra, na vertical, se cruzam a meio, na letra Y. Percorrendo as ruas, anunciava que, à noite, na então praça 28 de Maio, hoje Praça 1. º de Maio, frente ao portão do Jardim Público, haveria cinema, especialmente dedicado às crianças.
Um aspecto igualmente importante na história da evolução sociológica da cidade é recordar que, nesses anos, o cinema, à semelhança dos cafés, era um lugar de homens, onde as mulheres só podiam entrar ao lado dos maridos, ou as filhas, na companhia dos pais.
Nesse tempo, em que os rapazes (nunca as raparigas) pré-adolescentes podiam brincar na rua e andar livremente por toda a cidade, e uma vez que os lugares no cinema não eram marcados e não havia classificação dos filmes por idades dos espectadores, qualquer criança podia entrar desde que fosse pela mão de um adulto.
Que eu me lembre havia cinema aos Domingos e às Quintas-feiras. Lembro-me ainda que, nesses anos, em plena Guerra, a hora de Verão fora aumentada de mais uma hora do que o habitual, o que fazia com que as sessões ao ar livre tivessem de esperar pelo escurecer, o que só acontecia por volta das dez da noite.
No Inverno e no tempo frio ou chuvoso tínhamos cinema no Teatro Garcia de Resende e no Salão Central Eborense, com matinés aos Domingos. Aí já os lugares eram marcados, pelo que a minha frequência às sessões da 7.ª arte diminuíram consideravelmente.
domingo, 5 de outubro de 2025
NO DIA MUNDIAL DO PROFESSOR
Hoje, 5 de Outubro, é o Dia Mundial do Professor.
A data foi instituída pela UNESCO em 1994 para celebrar a Recomendação da UNESCO sobre o Estatuto dos Professores, em 5 de Outubro de 1966.
Num tempo em que assistimos a uma desvalorização da profissão docente, que conduziu a uma crise sem precedentes de falta de professores nas escolas, recordemos um texto do início do século XX, cuja capa aqui apresentamos.
Trata-se de um discurso proferido em Maio de 1912, por Boavida Portugal, e do qual transcrevemos algumas passagens (com actualização da grafia):
Eu não sei de classe social que tenha mais nobres pergaminhos. Os aristocratas buscavam os seus nas cinzas mortas do passado; vós conquistais a realeza do presente, preparando o futuro. E o futuro, como ave que vai correndo ao vosso encontro, cada manhã vos leva um novo e mais nobre pergaminho. O professor é como a raiz: tem o poder de organizar a matéria. É a força de coesão dentro das sociedades. É ele que faz do indivíduo um homem, porque o ensina a ler, e só quando se sabe ler se tem o pensamento em comum, se pertence à sociedade.
O fim da educação deve consistir, não em mobilar o espírito, mas em formá-lo; não em procurar conhecimentos, mas em desenvolver aptidões. Verdadeiramente homem não é o que sabe, é o que produz.
Se a nossa moral se baseia no interesse, criemos valores.
A escola do futuro deve ser o aprendizado da vida. A missão do professor será criar o amor pela ação.
A educação deve formar homens livres, de hábitos sãos, prontos para a vida.
Há missões nobres dentro da vida das civilizações. Mas, dentre todas as nobrezas, ressalta a do professor, como elemento social, guia de todos os elementos sociais, palmeira dominando o deserto, águia pairando nos ares, tentando a subir, convidando a voar.
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Nota: José Boavida Portugal (1885-1931) foi jornalista
e escritor. Foi também professor e, nessa qualidade, publicou, em 1917, um livro intitulado "Educação Cívica", que foi aprovado pelo Ministério para a instrução primária, para a formação de professores e para a educação de adultos.
sábado, 4 de outubro de 2025
O "STATU QUO" DA PRAXE ACADÉMICA
No caso da Universidade de Coimbra (UC), que está na origem destes rituais académicos, as débeis medidas de contenção adotadas por algumas faculdades revelam-se até agora impotentes, senão mesmo inócuas, para debelar um fenómeno que, nos seus atuais contornos, constitui, a diversos títulos, uma perigosa perversão da cultura estudantil e até das próprias tradições académicas. De resto, a atitude de anuência por parte da UC não é alheia a toda uma mentalidade juvenil onde predominam o consumismo e a alienação. Em Coimbra a força dos patrocinadores de cerveja, por exemplo, é mais importante do que a força das ideias para a eleição de uma dada candidatura para as estruturas dirigentes do associativismo.
(...) Triste espetáculo de grupos de jovens “caloiros”, de ambos os sexos, perfilados em modo de formatura paramilitar e a gritar as mais incríveis obscenidades sob o comando dos seus colegas mais “velhos” que (...) os/as obrigam a manter-se de olhos no chão ou a rastejar ou a andar de quatro ou a mergulhar no lago, etc. No Jardim da Sereia, no Jardim Botânico ou no Parque Verde da cidade, é vê-los, eles e elas, numa berraria descontrolada, a despejar baldes de água ou até mesmo cervejas pela cabeça abaixo dos caloiros, dando corpo ao que podemos considerar um autêntico viveiro de imbecilização dos e das imberbes estudantes, onde o que mais se glorifica é o culto do autoritarismo e consequentemente do servilismo perante o poder do mais velho (...).
sexta-feira, 26 de setembro de 2025
sexta-feira, 19 de setembro de 2025
A PLATAFORMIZAÇÃO DISTÓPICA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR PÚBLICA
Estimada colega de outra universidade acaba de me enviar uma excelente entrevista, publicada no podcast O tempo contra o tempo, na qual se disserta sobre preocupações que temos em comum. A entrevistadora é a professora portuguesa Raquel Varela, o entrevistado é Roberto Leher, professor brasileiro, doutorado em Educação (ver aqui).
Incide-se na apropriação da educação escolar pública por parte das grandes empresas de big data e na incapacidade de os estados, as escolas e universidades lhes fazerem frente. Pior do que isso, da incapacidade de os sectores mais progressistas das sociedades perceberem a essência dessa apropriação, ajudando a consolidá-la.
É a condição humana que se transforma e muito rapidamente, não segundo a utopia do seu aperfeiçoamento, mas segundo a distopia do seu alheamento.
terça-feira, 16 de setembro de 2025
O MINISTRO DA EDUCAÇÃO QUE ENSINA LITERACIA FINANCEIRA
Congresso Livre-Pensamento, em Coimbra
O Congresso Livre-Pensamento terá lugar na Casa Municipal da Cultura, em Coimbra, no sábado, dia 27 de setembro de 2025, às 14h.
- João Monteiro, biólogo e presidente da AAP, irá refletir sobre os últimos anos do ateísmo em Portugal;
- Anabela Pinto, investigadora e docente com carreira internacional na área das ciências da vida e psicologia, irá abordar a importância do pensamento crítico na avaliação das crenças religiosas;
- J. Xavier de Basto, informático e dirigente da Associação República e Laicidade irá responder à questão se Portugal será mesmo um país laico;
- Joel Santos, João Sequeira e Tânia Casimiro são três arqueólogos que irão falar do seu trabalho em torno da arqueologia do lixo religioso;
- Eva Monteiro, licenciada em filosofia e dirigente da AAP, irá falar de religião, seitas e mentalidade de culto.
segunda-feira, 15 de setembro de 2025
AO CUIDADO DO SENHOR MINISTRO DA EDUCAÇÃO
Carta que se recebe deve, por princípio, ter resposta. Por isso está certo que professores respondem às cartas do Ministro da Educação, Ciência e Inovação. Abaixo reproduzo, com a devida autorização da autora, uma dessas cartas que lhe foi enviada há um ano, mas que não perdeu actualidade.
Exmo. Senhor Ministro,
Há 38 anos que sou professora de Filosofia, profissão que abracei com paixão e que, apesar de todos os reveses, me tem realizado pelo contacto humano que encetei com as várias gerações de jovens que ensinei e às quais transmiti a importância do esclarecimento e do conhecimento.
Andei com a "casa às costas", estive na Madeira, no continente fui colocada a 400 Km de casa, e a frequentar o segundo ano da profissionalização em serviço e, tristemente, até nesse ano ignorei a minha situação pessoal e familiar, tendo cumprido com devoção as tarefas que me foram atribuídas.
Hoje estou exausta, exaurida, mas como os meus alunos não têm culpa do desaire em que se tornou a escola pública e a vida dos docentes, não desisto da minha missão: lutar contra a ignorância e inércia e alertar para os problemas que assolam a humanidade e que não podemos obliterar.
Há quinze anos voltei a estudar, ingressei num mestrado e há dez anos num doutoramento, ambos na Universidade de Coimbra. Ainda que congelada e sem a perspetiva de obter qualquer bonificação quando o terminasse, encontrei aí a possibilidade de me enriquecer e melhorar o meu desempenho enquanto professora.
Como a carreira descongelou em 2018, ano em que defendi a tese, tive os dois anos de bonificação. Quanto ao mestrado a bonificação foi de um mês e uma semana!
Senhor Ministro, serve este preâmbulo para o situar naquela que foi a minha luta pessoal e profissional, para que compreenda que me sinto profundamente discriminada por não me ter contemplado na recuperação do tempo de serviço, para a qual tanto lutei.
Vossa excelência refere que temos de dar aos professores a importância que eles merecem. Pelos vistos o Ministério de vossa excelência não tratou os professores de forma equivalente. Uns são mais importantes do que outros!
Estou no 10.º escalão muito fruto do meu esforço durante vários anos em que passava as férias a estudar e a escrever, tendo abdicado de tempo junto da minha família.
Também estive congelada, subi tardiamente aos escalões de topo, fiz malabarismos económicos para que as minhas duas filhas pudessem estudar e tivessem a possibilidade de aprender/ aprofundar conhecimentos de inglês e francês, e hoje sinto-me profundamente injustiçada.
Se, como docentes, não devemos deixar ninguém para trás, o Senhor Ministro também não devia deixar nenhum professor para trás.
Sinto que fiquei para trás. Eu e muitos!
Senhor Ministro, se nada for feito, se não enquadrar todos nas medidas a que têm direito, não terá nenhum professor a prolongar a sua vida profissional para colmatar a falta de professores! Não me sinto em dívida para tal sacrifício.
Atenciosamente
Maria Dulce Marques da Silva
quinta-feira, 11 de setembro de 2025
EM QUE ACREDITA O SENHOR MINISTRO DA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E INOVAÇÃO E A SUA EQUIPA?
No passado Ano Darwin, numa conferência que fez no Museu da Ciência, em Coimbra, o Professor Alexandre Quintanilha, começou por declarar o seguinte: “os biólogos não acreditam na teoria da evolução”.
É, como se percebe, uma declaração desafiante cujo objectivo foi o de distinguir "crença" de "ciência", para, de seguida, explicar que a teoria da evolução não decorre de "acreditarmos" nela, porque ela está assente em factos validados pela comunidade científica. Não é uma questão de crença, mas de ciência.
Talvez, à altura, ele já tivesse percebido (eu ainda não tinha) que as palavras "acreditar, "acredito", "acreditamos", "acredita-se", haviam saído da linguagem religiosa (onde têm todo o sentido) para entrarem em força na linguagem comum e, pior, na linguagem política, jornalística e, também na linguagem académica.
Estas palavras são tão frequentemente usadas pelos meus estudantes que rara é a aula em que não tenho de retomar a explicação do Professor Alexandre Quintanilha, acrescentando que o pensamento e a acção educativa dependem do conhecimento filosófico e do conhecimento científico. Por esta ordem. E que o conhecimento filosófico também não depende de "crenças".
Se pensarmos a partir de crenças, não poderá haver escrutínio de ideias, não poderá haver crítica com vista a um entendimento comum, nem sequer ligação à realidade: cada um acredita no que acredita, segue o caminho que a sua crença lhe dita e ninguém tem nada a ver com isso.
Presumo que o Senhor Ministro da Educação, Ciência e Inovação, nunca terá ponderado este aspecto (que é, afinal, de ordem epistemológica, e manifesto na linguagem). Será por isso que usa tantas vezes as ditas palavras nas cartas que escreve aos directores e aos professores.
Nas duas cartas que agora lhe dirige, com data de ontem, explica no que ele e a sua equipa acreditam. A saber:
- "Acredito que durante este ano daremos mais um passo para que o País tenha uma Escola Pública mais forte, mais inclusiva e mais inovadora."
- [Ser professor] "é acreditar no potencial de cada aluno, mesmo perante desafios."
- "É na sala de aula que (...) todos os alunos podem acreditar na igualdade de oportunidades".
- "Acreditamos, também, que receber bem os novos professores (...) é essencial para que se sintam parte da comunidade escolar desde o primeiro dia."
- "Porque acreditamos no poder transformador da Educação (...)"
Sendo crenças, não sou capaz de as discutir e, portanto, fico-me pela sua reprodução.
domingo, 7 de setembro de 2025
SOBRE O GRANITO E A SUA ORIGEM, NUMA CONVERSA TERRA-A-TERRA.
| Paisagem granítica na Serra da Gardunha. |
Deixando este tema para outras conversas, comecemos agora por dizer que o termo granito,Na imagem: paisagem granítica na Serra da Gardunha. em sentido restrito, designa uma rocha plutónica (gerada em profundidade, na crosta), granular, rica em sílica (mais de 70%), com quartzo essencial, expresso e abundante (20 a 40%), e feldspato alcalino (ortoclase, microclina, albite). Como mineral ferromagnesiano contém, geralmente, biotite, sendo raros os granitos com anfíbolas ou piroxenas. Entre os seus minerais acessórios, destacam-se moscovite, apatite, zircão e magnetite. Esta rocha corresponde ao que, numa linguagem mais rigorosa, se designa por “granito alcalino”. O termo granito, atribuído ao italiano Andrea Caesalpino, surgiu em 1596, e radica no latim granum, que significa grão.
- E quais são os materiais desta capa de alteração e do respectivo solo? – Pergunta-se.
Restringindo a resposta ao local em questão, aos principais minerais destas rochas, e à situação climática que aqui exerce a sua influência, diremos que, no granito, o feldspato altera-se, transformando-se parcial e, de início, superficialmente, em argila. Alterando-se o feldspato, os restantes grãos minerais descolam-se uns dos outros e a rocha perde coesão (esboroa-se entre os dedos). Os grãos de biotite (uma mica contendo ferro) também se alteram e dessa alteração resulta o seu aspecto “enferrujado”, o que confere à rocha exposta as cores de castanho-amarelado, que contrasta com a cor da rocha sã, acabada de cortar. O quartzo não sofre qualquer alteração, o mesmo sucedendo à mica branca (moscovite) que apenas se divide em palhetas cada vez mais pequenas e delgadas. No xisto argiloso, que além de argila tem quartzo em grãos finíssimos, microscópicos (ao nível de poeiras), tem lugar a perda de coesão destes materiais. No grauvaque acontece outro tanto, com a libertação dos seus componentes arenosos (os mesmos do granito, mas muito mais finos).
Podemos agora dizer que os rególitos e os solos desta região de Portugal têm uma fracção arenosa com quartzo abundante, algum feldspato, micas e um fracção argilosa ou barrenta que faz o pó dos caminhos, em tempo seco, e a lama, em tempo de chuva. Podemos igualmente dizer que, quando chove com certa intensidade, as águas de escorrência arrastam estes materiais, com suficiente visibilidade na componente argilosa em suspensão. Isso vê-se frequentemente nas enxurradas, nas águas barrentas dos rios e, até, no mar, frente às fozes desses rios.
As pedras (cascalho) vão ficando, em parte, pelo caminho, outras atingem o litoral e não passam daí. As areias enchem as praias, as dunas e o fundo rochoso da plataforma continental. As areias mais finas e as argilas, incapazes de se depositarem em mar de pequena profundidade, constantemente agitado pela ondulação, progridem no sentido do largo, indo depositar-se na vertente continental (onde ficam em situação instável). As muitíssimo mais finas, essencialmente argilosas, vão imobilizar-se mais longe, no fundo oceânico. Sempre que, por exemplo, um sismo abala a região, os sedimentos em situação de depósito instável na vertente desprendem-se, indo decantar sobre os já acamados no dito fundo.
Imaginemos que este processo (alteração das rochas, erosão, transporte e acumulação no mar) se repete ao longo de milhões de anos e que dele resultam alguns milhares de metros de espessura deste tipo de sedimentos. Imaginemos, ainda, que o mesmo se passa do lado de lá do Atlântico.
A tectónica global ensina-nos que este oceano, como todos os outros, ao longo da história da Terra, irá fechar-se. Isso terá como resultado o encurtamento do espaço coberto pelos ditos sedimentos que, à semelhança de um papel que amarrotamos entre as mãos, sofrerão enrugamentos, com “dobras” que vêm para cima, formado novas montanhas, e outras que vão para baixo, formando as “raízes” dessas montanhas.
É sabido que a Terra conserva grandes quantidades de calor no seu interior e que a temperatura aumenta com a profundidade, o mesmo sucedendo com pressão (dita litostática). Assim, dos sedimentos envolvidos nas citadas “raízes”, os mais superficiais ficarão sujeitos a pressões e temperaturas relativamente baixas, sofrendo ligeiríssima transformação (anquimetamorfismo), dando origem a rochas na fronteira entre as sedimentares e as metamórficas, como são o xisto argiloso, o grauvaque e, um pouco mais abaixo, a ardósia. Continuando em profundidade, com o aumento da pressão e da temperatura, mas sempre com transformações no estado sólido, formar-se-ão outras rochas francamente metamórficas, de graus progressivamente mais elevados, expressas na sequência: filádios ou xistos luzentes (uma vez que a componente argilosa se transformou em minerais que têm brilhos característicos, ”luzentes”, como a sericite, a clorite ou o talco), xistos porfiroblásticos, micaxistos e, ainda mais abaixo, gnaisses (estes representando o grau mais elevado).
A profundidades na ordem dos 30 quilómetros, a temperatura pode atingir os 800oC, e a pressão ultrapassar as 4000 atmosferas. Neste ambiente e na presença de água (toda a contida na composição das argilas) terá lugar a fusão dos minerais menos refractários (quartzo e feldspatos). Entra-se aqui no domínio do chamado ultrametamorfismo e o processo toma o nome de anatexia (do grego aná, novo, e teptikós, fundido), ou palingénese (do grego pálin, de novo, e génesis, geração), dando origem a migmatitos.
Logo que a fusão seja total, entra-se no domínio do magmatismo, com a formação de um magma que, dados os materiais envolvidos, só pode ser de composição granítica, magma que, uma vez arrefecido e solidificado, gerará um novo granito.
A história acabada de descrever nesta espécie de antevisão é a que julgamos saber contar relativamente à que, há pouco mais de 300 milhões de anos, deu origem à orogenia hercínica ou varisca e ao granito, ao xisto e ao grauvaque que nela se geraram e que marcam a paisagem do norte de Portugal. Do mesmo modo, esta história conta a de todas as paisagens afins do planeta, desde as mais antigas, com mais de 4000 milhões de anos, às mais recentes com escassos milhões.
Relativamente ao granito, a mais importante rocha magmática que forma a “ossatura” dos continentes, sabemos que o primeiro resultou de um processo de diferenciação, lenta e complexa, de uma crosta primitiva, de natureza próxima da do basalto. Sabemos também que qualquer geração de granito tem, atrás de si, outro granito e que, muitos milhões e anos depois (400 a 500, em média), renascerá numa nova geração de granito.
Esta história é, afinal, a expressão (reconhecível ao nível das paisagens da Terra) do conhecido Ciclo de Wilson (do geólogo canadiano John Tuzo Wilson (1909-1993), relativo às sucessivas aberturas e fechos dos oceanos da Terra.
Notas:
- Grauvaque – rocha sedimentar arenítica e coesa, gerada nos grandes fundos marinhos, a par dos xistos argilosos. Contém, sobretudo, quartzo (20 a 50%), feldspatos e micas. O termo foi Introduzido na nomenclatura litológica, em 1789, por Lasius, e radica no alemão grauwacke, que significa pedra cinzenta.
- Migmatito – rocha ultrametamórfica, gerada por anatexia, de que resulta uma composição granitóide, na qual uma parte foi fundida e outra, mais refractária, permaneceu no estado sólido. Situa-se na passagem das rochas metamórficas da catazona (como é o gnaisse) ao granito franco.
quinta-feira, 4 de setembro de 2025
CENSURA E EDUCAÇÃO NA LITERATURA INFANTO-JUVENIL DURANTE AS DITADURAS DE FRANCO E DE SALAZAR
A censura de livros para a infância e juventude tem um historial antiquíssimo e não há fronteiras físicas políticas, morais ou sociais que a detenham. O seu estudo é fundamental não apenas para a compreender, mas também para lhe fazer frente. Se considerarmos que uma das funções da educação escolar é abrir (não fechar) janelas para o mundo, isso é nada menos do que fundamental.
quarta-feira, 3 de setembro de 2025
NO INÍCIO DO ANO ESCOLAR MAIS UM APELO PARA SE VOLTAR AO PAPEL E AO LÁPIS
No jornal Público de hoje foi publicada uma entrevista realizada por Andreia Sanches a um ex-ministro da educação da Suécia, país que cedo adoptou políticas de autarquização da educação escolar e de participação directa das famílias na mesma, bem como de digitalização da aprendizagem (ver, por exemplo, aqui). Mas foi também um dos países que cedo percebeu que, para manter a democracia, tinha de arrepiar caminho. Dado o grande interesse do que foi perguntado e respondido — ainda que não seja novo —, tomamos a liberdade de transcrever alguns passos do texto:
"Nos anos 1990, a Suécia era considerada um modelo em termos de Educação. Os seus alunos conseguiam lugares de destaque nas avaliações internacionais feitas regularmente pela OCDE. E várias das políticas que tornavam aquele país especial — transferência de poder para as comunidades locais, grande investimento no ensino independente, garantia da "liberdade de escolha" total às famílias — serviram de inspiração a outros. O país foi também pioneiro na digitalização da educação. As escolas foram equipadas com computadores e tablets. Livros de papel foram substituídos por manuais digitais. Mas, desde o início dos anos 2000, os resultados dos alunos começaram a piorar. Johan Pehrson, que foi ministro da Educação até Junho, sublinha que não foi só na Suécia. "Coincide com a entrada dos smartphones no mundo ocidental", e em especial na vida das gerações mais novas. E também na vida das escolas (...).
Lembrou que, por detrás de cada aplicação nas redes sociais, há milhares de engenheiros a pensar como é que a vão tornar mais atraente para as crianças. E viciante. É por isso que a escola deve ser "uma zona livre" de smartphones e redes sociais. Mas é preciso mais.
É preciso assumir que se foi demasiado longe no uso de ecrãs nas escolas, e que, afirma, é mesmo preciso ter livros, físicos, para aprender. "Pensámos que quanto mais ecrãs, quanto mais plataformas digitais utilizássemos, melhor sistema educativo teríamos." Foi um erro, reconhece. Foi por isso que o Governo anunciou uma reforma que passa por "regressar ao essencial": ler, escrever, saber matemática, garantir calma e disciplina nas aulas... (...)
A Suécia tem muito medo de uma coisa: de não ser um país moderno. Pensámos que quanto mais ecrãs, quanto mais plataformas digitais utilizássemos, melhor sistema educativo teríamos (...). Estava errado. Estamos a voltar ao que é essencial, ao papel e à caneta, e aos livros em papel para os mais novos... Queremos ter engenheiros, os melhores e mais qualificados do mundo, queremos inteligência artificial (IA) e digitalização, mas isso é para a universidade e para depois da universidade (...).
Depois, as redes sociais estão a envenenar a geração mais jovem.
A escola é financiada pelo Estado, é o local onde as crianças de famílias desfavorecidas devem ter a oportunidade de se equipararem às outras crianças, porque a educação é a verdadeira ferramenta para tornar as pessoas independentes e prepará-las para o futuro (...). Também temos de trabalhar no sentido de os pais serem responsáveis para que as crianças tenham uma infância mais livre de smartphones. Esta era a minha visão enquanto ministro da Educação. Mas o Governo sueco continua nesta via, o que me deixa muito satisfeito (...).
Tudo foi muito subsidiado pelas empresas tecnológicas (...) e havia uma enorme concorrência entre as duas maiores (...). Ofereceram muitas plataformas digitais, muitos computadores e ecrãs inteligentes, iPads ou similares. No início, argumentou-se que esta era uma forma de tornar o acesso a este tipo de tecnologias mais justo, porque também as crianças de famílias desfavorecidas podiam obter os seus equipamentos... Mas hoje em dia vê-se que é ao contrário, que os miúdos privilegiados têm pais que lhes tiram os smartphones e lhes põem um livro à frente e dizem: "Leiam!" (...).
É claro que se pode ter o equipamento e utilizá-lo na educação, mas tem de ter um valor acrescentado (...) no computador da escola, onde não há redes sociais e outras coisas a perturbar, e tem de haver os livros físicos, em cada disciplina (...).
Além disso, a criança deve poder ir para o pátio da escola no intervalo entre as aulas, deve encontrar-se com os seus colegas, deve discutir com eles, deve brincar, deve mexer-se para não ficar sentado, obeso e doente. É preciso conhecer pessoas, é uma forma de combater o bullying, de acabar com a solidão. Eu quero ter um dos países mais digitalizados do mundo, mas isso é para os adultos e as crianças aprenderam a usar a digitalização de forma sensata. Na Suécia, hoje, aos 15 anos, as crianças usam [ecrãs] seis horas por dia, não dormem. E não estão concentradas na sala de aula.
Depois, há 30 anos, começámos a ter um problema com aquilo a que chamamos as friskolor. Que são escolas independentes, que podem ser geridas por empresas privadas [ou fundações, ou cooperativas de pais] financiadas pelo Estado, para que os pais tenham liberdade total de escolha da escola para os seus filhos, seja pública ou privada.
O meu partido era muito favorável a isto (...) mas depois ficou demasiado desregulado e acabámos por ter um sistema escolar em que as grandes empresas ganham dinheiro com a educação, o que não é aceitável. A tendência é para reduzirem as bibliotecas, para reduzirem o equipamento necessário para fazer experiências (...). E há grandes diferenças [no investimento na educação] entre regiões (...) houve [com as escolas independentes] uma inflação das notas. Passou a ser um argumento para “vender” a escola: “Venham, porque aqui temos boas notas! Damos notas altas!"
(...) Houve aqui um cocktail negativo: o Estado entregou a educação a pequenos municípios sem capacidade (enquanto grandes municípios tiveram capacidade); houve demasiada liberdade dada a grandes empresas para gerir escolas como negócios (mas existem diferentes tipos de ONG, diferentes tipos de outros actores que não trabalham para ter lucro e têm uma boa reputação (...).
O Estado tem de assumir mais controlo. E temos de voltar ao que é essencial. Não se aprende com um iPhone. E todas as pessoas que trabalham com crianças e estudam a forma como elas aprendem sabem que elas são muito vulneráveis, e é muito fácil ficarem muito viciadas.
A única forma de Portugal, a Suécia e todos os países semelhantes protegerem os seus valores (...) e manterem a democracia é concentrarmo-nos na educação".
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