sexta-feira, 31 de outubro de 2025

O OITAVO PECADO CAPITAL. O QUE NOS VALE É A LITERACIA FINANCEIRA!

A "educação financeira" foi, na passada década, legitimada pela tutela como uma das componentes da Educação para a Cidadania; passou a integrar a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania e, com esta equipa ministerial, conseguiu um estatuto superior no currículo da escolaridade obrigatória e também no da educação de infância (aqui).

Nos últimos meses, temos visto governo, banca e organismos a ela ligados, num afã crescente para nos salvar da tentação de cometer esse pecado (equiparado em gravidade a qualquer um dos sete capitais) que é gastar dinheiro (leia-se, o nosso dinheiro) em "desejos" e não apenas e só em "necessidades" (leia-se, básicas). Juntam-se-lhe, nesse afã, instituições de ensino superior e escolas, significando isto que aqueles que, ocupando uma posição social que deveria ser crítica e estar ao serviço do bem-comum, participam na ingerência interessada de entidades privadas no ensino público. 

Confesso que me custa saber de escolas e de directores e professores, a quem está confiado o cuidado de educar, de formar crianças e jovens, abrirem as portas aos mais altos (e mais baixos que fossem) representantes do governo (seja ele qual for) e a entidades privadas (sejam elas quais forem) com o fim explícito (só não vê quem não quer) de doutrinar, para daí colherem benefícios para si mesmos e/ou para as instituições a que se encontram vinculados. E dando sempre a entender que estão a ajudar os mais ignorantes, precisados, vulneráveis; que estão a ajudar a sociedade a construir um futuro sustentável, melhor. 
 
 O ministro da educação vai a escolas para dar aulas (aqui), quando se esperaria que estivesse ocupado em funções ministeriais, a tratar de assuntos da maior urgência, como, por exemplo, criar condições de formação dos professores capazes de favorecer uma consciência crítica da sua acção docente, por sua vez, capaz de favorecer uma consciência crítica dos alunos, que lhes permitisse, quando adultos, decidir, de modo responsável a sua vida privada, incluindo o modo de gastar o seu próprio dinheiro.

Os bancos fazem o mesmo e, devo reconhecer, fazem-no de maneira muito convincente e eficaz. Disso falei aqui

Sendo hoje o Dia Mundial da Poupança, a parceria entre todos os partícipes que referi foi reforçada. Li no jornal Público de ontem, numa notícia de Cristiana Faria Moreia, que
- vários ministros e secretários de Estado,
- responsáveis das autoridades de supervisão financeira,
- governador do Banco de Portugal,
- estudantes e docentes do ensino superior,
participaram na iniciativa “Educar para a Cidadania: Poupar, um Compromisso com o Futuro, dando aulas (isso, mesmo, DANDO AULAS) sobre poupança e gestão financeira a centenas de alunos do ensino básico e secundário de diversas escolas do país.

No Público de hoje saiu uma entrevista de Rosa Soares a um desses partícipes com um título muito curioso Os bancos beneficiam da falta de literacia financeira (aqui). Ora, veja-se: os bancos, como empresas, são tão amigos das pessoas comuns que lhes vão proporcionar literacia financeira, mesmo sabendo à partida que se prejudicam com isso. Ou, de outro modo, os bancos teriam maior proveito se não promovessem a literacia financeira. Foi pena a jornalista não ter procurado esclarecer este mistério. Ainda assim, vale a pena ler o que julgo ser o essencial da mesma no respeitante à educação escolar.

A mensagem não é nova, mas vale a pena relembrá-la quando nesta sexta-feira, 31 de Outubro, se assinala o Dia Mundial da Poupança: é necessário aumentar a poupança (…). [O] coordenador académico do programa “Finanças para Todos”, da Nova SBE (…) professor catedrático, (…) considera a introdução de conteúdos de literacia financeira em todos os ciclos do ensino oficial “um passo fundamental para a formação dos jovens” (…).

Há várias iniciativas nacionais (…), para melhorar a literacia financeira de jovens e adultos, mas só agora este tema chega ao ensino obrigatório. É um passo fundamental? Tornar a literacia financeira num conteúdo obrigatório da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento em todos os ciclos do ensino oficial é uma decisão feliz. É realmente um passo fundamental garantir que os jovens, a partir de agora, têm exposição a este tipo de conhecimentos. Em paralelo, há várias entidades que têm projectos para melhorar a literacia financeira, penso que isso é de alguma forma salutar, desde que haja um fio condutor. Mas, e de acordo com o Plano Nacional de Formação Financeira, é importante que estes programas para jovens sejam complementados com formação para adultos, porque há um grande grupo da população em que os níveis de literacia financeira são baixos. E trabalhando só com os jovens vai demorar muitos anos a que as pessoas que realmente tomam as decisões financeiras, que são os adultos, tenham os conhecimentos necessários (…).

Os conteúdos introduzidos na componente da literacia financeira são adequados? O programa é ambicioso em termos da abrangência, porque inclui todos os anos de escolaridade, e (…) em termos dos tópicos ou temas que pretende abordar. Acho que o maior risco ao sucesso do programa está na sua implementação, nomeadamente na falta de capacitação ou insuficiente capacitação dos professores para estarem confortáveis com estes temas e para saberem adaptar a formação aos vários níveis de ensino. É um desafio grande, porque quem lecciona a disciplina de Cidadania são os professores das outras áreas.

A literacia financeira é fundamental para que as pessoas tenham a noção de que é preciso poupar? É importante introduzir na consciência das pessoas a ideia da poupança como um acto de rotina (…). Isto porque é importante poupar nem que seja um euro e é importante incutir essa ideia nos mais jovens. Há vários estudos que mostram que, quanto mais cedo se introduzirem esses conceitos, melhor será o bem-estar financeiro na idade adulta. E outra das coisas que costumamos ensinar no primeiro contacto das formações é a de que se deve poupar no início do mês e não no final. E ainda como se vão investir essas poupanças. Um problema grave decorrente dos baixos níveis de conhecimentos financeiros é que em Portugal as pessoas não investem bem as poupanças.

É errado afirmar que os bancos não têm tido interesse em promover esses instrumentos porque acabam por beneficiar da inércia dos depositantes? Os bancos beneficiam da falta de literacia financeira dos clientes. Mas acho que cada vez mais têm consciência de que se querem ter uma relação duradoura e de longo prazo com os clientes não deve ser essa a atitude. Deve ser a de criar valor para os clientes, porque é a forma mais provável de os reter. Agora, quando temos uma situação em que a falta de literacia financeira é muito generalizada, é difícil sair desta situação, porque nenhum banco quer dar o primeiro passo. No entanto, acho que as situações estão a mudar e alguns bancos já têm programas próprios de literacia financeira para os mais jovens. Penso que daqui a dez a 20 anos o panorama da literacia financeira vai ser bastante diferente do actual.

Não há grande dinamismo na remuneração de poupanças, mas há uma grande abertura na concessão de crédito? (…) A questão do sobreendividamento também é abordada nos programas de literacia financeira, ensinando-se técnicas para o evitar. E está demonstrado que a formação em finanças pessoais desde jovem tende a reduzir as situações de sobreendividamento na idade adulta.

A poupança para a reforma é uma questão que deve ser levada a sério por quem está a entrar no mercado de trabalho (…)? É importante que os jovens poupem para a reforma e apliquem bem essa poupança. Acho é que essa mensagem não tem passado: que o que devem esperar dentro de 20 a 30 anos é que a pensão que vão receber é apenas cerca de metade do último salário (…).

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