quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

NA ENCRUZILHADA DA TRANSIÇÃO DIGITAL

Um dos elementos mais centrais dos discursos curriculares vigentes – de origem política, económico-empresarial, social e, mesmo, académica – é a necessidade e urgência de transformar a educação escolar através da inovação que a tecnologia digital possibilita. Tais discursos colhem efetivamente, de modo que os sistemas de ensino se têm mobilizado para legitimar e realizar mudanças mais ou menos assinaláveis.

Neste cenário – que, na verdade, nada tem de novo –, a análise e a crítica tendem a ser afastadas, mesmo se ancoradas em trabalho filosófico e científico relevante. Acontece que a responsabilidade inerente à ação dos educadores obriga-os a manter a dita atitude, o que implica questionar, estudar e discernir, nunca perdendo de vista o ideal educativo e o que, em função dele, beneficia os alunos, entendidos como seres humanos em formação.

Considerando esta realidade, realizou-se recentemente um ciclo de conferências com o título Na encruzilhada da transição digital, integrado no projeto “O currículo escolar na contemporaneidade”, em curso no Centro de Estudos Interdisciplinares da Universidade de Coimbra (CEIS20). O ciclo que decorreu de uma colaboração entre esse Centro, a Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da mesma universidade e a Associação de Professores de Latim e Grego, teve lugar na Escola Secundária Infanta Dona Maria, em Coimbra (ver aqui e aqui).

Em concreto, o ciclo incidiu na dita “transição digital” em contexto escolar, com especial incidência no uso massivo de ecrãs e teclados, explorada a partir de quatro áreas disciplinares: da Educação e da Pedagogia, da Psicologia e da Medicina, bem como da Filosofia e da Ética. 

Trata-se de uma transição, à qual se apontam virtudes inauditas e perigos sérios; onde se veem avanços consecutivos e revisões previdentes; onde se reúnem entusiasmos e ceticismos em diversas tonalidades. 

Por isso mesmo, deveriam ter sido procurados olhares de outras disciplinas como, por exemplo, das Neurociências, da Sociologia, da Economia, da Ciência Política, do Direito, da Antropologia, sem esquecer o da Tecnologia, mas entendeu-se que os escolhidos seriam prioritários no campo curricular. 

De um modo geral, os conferencistas insistiram na ideia de que as tecnologias digitais devem estar ao serviço da educação, e não o contrário, como aparenta acontecer. Há, portanto, que reajustar o modo como elas são integradas na escola, que deve ser pautado pela ponderação e não pela pressão e sedução exercidas por entidades não, diretamente, educativas. Notaram que o sentido a imputar à educação é de formação humana, a qual, na tradição humanista, aspira ao desenvolvimento de capacidades superiores, não se restringindo ao nível funcional. Embora tenham reconhecido o potencial educativo de algumas destas tecnologias, alertaram para os riscos de uma implementação apressada, desajustada ou descontextualizada. Ficou clara a necessidade de respeitar o papel do professor e de outros educadores bem como de manter as interações significativas na aprendizagem.

Os conferencistas basearam-se em relatórios supranacionais e documentos oficiais nacionais, em estudos científicos e reflexões filosóficas, bem como em dados empíricos que recolheram. Todavia, nem sempre expressaram as mesmas posições, reforçando a ideia de que há questões em educação que não têm uma resposta linear, sendo importante a sua exploração.

Este é o momento para tal, para refletirmos sobre os caminhos que estamos a trilhar um pouco por todo o mundo, ponderando as consequências das nossas escolhas, uma vez que nos situamos no domínio particularmente sensível que é a educação. Sobretudo, devemos ir mais além do que os discursos simplistas e superficiais nos indicam e, mesmo, daquilo que os documentos normativo-legais e curriculares preveem. Estes documentos, guias estruturantes, que não podemos ignorar, são muitas vezes influenciados por agendas económico-tecnológicas com fins diferentes dos educativos e pouco ajustados às realidades escolares e à finalidade última da educação.

Por isso, é essencial que não nos deixemos conduzir cegamente pela promessa da inovação tecnológica (que, atente-se, não constitui um valor em si mesma, toda a inovação pode ser positiva ou negativa em função, nomeadamente, de critérios teleológicos e axiológicos) sem perguntarmos quais as reais vantagens do uso de certa tecnologia na formação humana. Precisamos, sobretudo, de evitar aderir cega e acriticamente a soluções simplistas ou reducionistas que nos são oferecidas a todo o momento, à distância de um clique, de uma hiperligação, de uma “bengala” tecnológica.

A ponderação ajuda-nos a resistir à imposição das tendências mais imediatistas, permitindo traçar caminhos que respeitem a complexidade e heterogeneidade do processo educativo, no pressuposto de que as decisões que tomarmos hoje se refletirão no futuro. É que, ao contrário de outras áreas onde os erros podem ser corrigidos e os sistemas podem ser ajustados, mesmo que com custos económicos, as decisões tomadas para a educação são frequentemente irreversíveis, comprometendo a formação de crianças e jovens. Essa irreversibilidade torna qualquer implementação de “modas” pedagógico-didáticas, que muitas vezes se reduzem a imposições do mercado e conjunturas político-económicas, questionáveis, se não tiverem um respaldo ético e científico consolidado.

Na verdade, a educação escolar é um campo onde a prudência deve prevalecer, pois cada escolha toca diretamente o direito fundamental, que todos têm, de chegar aos mais elevados patamares de desenvolvimento humano. Como educadores e futuros educadores, precisamos de preservar a essência da educação como um contexto de interação significativa onde esse desenvolvimento acontece. O digital pode ser um aliado poderoso, mas nunca substituto da relação pedagógica, onde o “milagre” do ensino e da aprendizagem acontecem.

Enfim, e voltando ao título – Na encruzilhada da transição digital –, encruzilhada quer dizer cruzamento, entroncamento, lugar onde diversos caminhos se intersetam, mas que exige decisão quanto ao percurso a seguir. Por onde devemos ir? Cabe-nos, de facto, escolher os caminhos que se afiguram mais seguros e sustentáveis, que valorizem os alunos e os professores e a escola como instituição educativa, que reconheçam a educação como uma tarefa humana. 

Isto implica um diálogo contínuo e desinteressado tão difícil de conseguir, mas absolutamente indispensável.

Maria Helena Damião, Célia Mafalda Oliveira, Cátia Delgado e Isaltina Martins

O GRANITO PARA LÁ DE GEOLOGIA

Por A. Galopim de Carvalho

Anta Grande do Zambujeiro

Entre os muitos monumentos megalíticos, de tipo dolmen, existentes em Portugal, a Anta grande do Zambujeiro, junto à Herdade da Mitra, próximo de Valverde (concelho de Évora), é uma das maiores existentes na Península Ibérica. Declarada Património de Interesse Nacional, em 1971, encontra-se actualmente em sério risco de colapso e num lamentável estado de degradação. 

Datada de há 6000 a 5500 anos, é formada por uma câmara poligonal, limitada por sete grandes esteios, na ordem dos 8 metros de altura bem cravados no chão, O chapéu com cerca de 7 metros de diâmetro, está partido e jaz a poucos metros da câmara. Entra-se aqui por um corredor com 12 metros de comprimento, 1,5 metros de largura e cerca de 2 de altura. À entrada um enorme esteio tombado, que não chegou a ser utilizado.

Todo o espólio reunido na escavação (por Henrique Leonor Pina) está guardado, mas não estudado, no Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo, em Évora.

Oportunamente, propus à autarquia que incluísse no programa de Évora capital europeia da Cultura, em 2027, a conclusão do projecto concebido para a sua conveniente utilização como monumento visitável.

Cromeleque dos Almendres

Exemplo maior do megalítico europeu, o cromeleque dos Almendres orientado segundo a direcção poente-nascente, desce do chamado Alto das Pedras Talhas (413 m de altitude) por uma encosta suave bem alentejana voltada a leste na Herdade dos Almendres, localizada na freguesia de Nossa Senhora de Guadalupe, a cerca de 12 km a oeste da cidade de Évora, com fácil acesso a partir da estrada nacional de Évora para Lisboa, ao km 10.

Diga-se, antes de mais, que a palavra cromlech, do galês antigo, que quer dizer pedra grande arredondada, já era usada no século XVII para designar este tipo de monumento megalítico. Nela, o elemento lech significa pedra.

Muitos dos megálitos (nome de cada uma destas pedras grandes, do grego mega, grande, e lithos, pedra) ali reunidos têm a forma ovóide dos grandes recipientes de barro, as ditas talhas, em que, no Alentejo, se fermentava o mosto e guardava o vinho e, daí, o nome do sítio. São todos de granito (lato sensum), entre granodioritos e quartzodioritos, de vários afloramentos da região, alguns transportados de distâncias superiores a 2 km.

Guindado à condição de maior conjunto de menires da Península Ibérica, o Cromeleque dos Almendres é considerado um dos maiores e mais importantes monumentos deste tipo no mundo, bem mais antigo do que o conhecidíssimo Stonehenge, e pôs o Alentejo e Portugal na rota de especialistas neste domínio do saber.

Datado de há cerca de 7000 anos, no Neolítico, segundo alguns autores, este cromeleque, que é constituído por dois recintos geminados, um maior de forma elíptica, a poente, e um menor e circular, a nascente, edificados em épocas distintas, aponta no sentido da sedentarização do povo que aqui viveu. Estudos arqueológicos realizados no local por especialistas fazem supor que o conjunto foi edificado em diferentes etapas, durante o Neolítico, Uma no final do Neolítico antigo (fim do sexto milénio a.C.), com a reunião de um conjunto de menhires de pequeno tamanho, agrupados em três círculos concêntricos (o maior com cerca de 20 m de diâmetro). Outra com a formação de duas elipses concêntricas (a maior com cerca de 44 m por 36 m) coladas a oeste dos citados círculos de recinto mais antigo. Uma última, no Neolítico final (terceiro milénio a.C.) com modificações dos dois recintos, em particular do menor, transformado num átrio do recinto maior.

Quando completo, o conjunto dos menhires teria ultrapassado a centena, de tamanhos diversos. Destes, ainda restam noventa e dois, desde os mais pequenos, pouco ou quase nada afeiçoados, aos maiores (com 2,5 a 3 metros de altura), lembrando as ditas talhas, em muito bom estado de conservação, uns com pequenas covas centimétricas (covinhas) e outros decorados, exibindo relevos ou gravuras.

Classificado como Imóvel de Interesse Público desde 1974, e como Monumento Nacional, em 2015, o Cromeleque dos Almendres, descoberto em 1964 por Henrique Leonor Pina foi, desde então, objecto de várias acções de escavação e restauro. Faz parte do universo megalítico eborense e está relacionado com diversas antas, com destaque para a do Zambujeiro, bem perto dali, e dois outros monumentos próximos, os Cromeleques da Portela de Mogos, e Vale Maria do Meio.  

Menhir dos Almendres

Importante megálito de granito porfiróide, menhir é o que o vulgo chamava pedra alçada ou “pera fita” de forma fálica, com cerca de 3,5 metros de altura a partir da superfície do terreno e secção, grosso modo, elíptica com 1,20 x 0,80 metros. 

Está localizado na freguesia de Nossa Senhora de Guadalupe, no concelho de Évora, no topo de uma encosta, 1,3 km a nordeste do Cromeleque dos Almendres, supondo-se haver íntima relação, entre ambos, dado que o seu alinhamento coincide com o nascer do Sol no Solstício de Verão.

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

BANCOS DÃO AULAS, PROFESSORES OPERAM EM BANCOS. NÃO SOA BEM, POIS NÃO?

MAS O QUE É QUE NÃO SOA BEM?
POR CERTO, OS PROFESSORES A OPERAREM EM BANCOS. 
POIS A EXPRESSÃO "BANCOS A DAR AULAS" TEM COLHIDO. 
E TEM COLHIDO JUNTO DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, DE ESCOLAS E DE PROFESSORES.

Como presumo que seja do conhecimento muito geral, no ensino obrigatório, a Educação para a Cidadania, agora designada por Cidadania e Desenvolvimento, inclui a Educação Financeira

Desde o seu surgimento que, tal como em quase todas as outras áreas de educação para a cidadania (que são pelo menos dezassete), nela participam empresas, sobretudo bancos e seguradoras.

No passado ano lectivo essa participação foi reformulada dando origem à iniciativa "Banco da Minha Escola", promovida pela Associação Portuguesa de Bancos (APB). Atente-se no slogan e nas palavras da responsável pelo projeto de Educação Financeira dessa Associação (ver aqui, os destaques são meus.

Imagem recortada daqui

"Numa iniciativa inédita a nível nacional, a Associação Portuguesa de Bancos (APB) e os principais bancos a operar em Portugal vão andar nas escolas de Norte a Sul do país a promover a literacia financeira. Ao longo do ano letivo, mais de 50 colaboradores dos bancos associados da APB, vão trocar o banco pela escola e ajudar 3 800 alunos do 3º ciclo e ensino secundário, a conhecer e compreender alguns conceitos fundamentais para o planeamento e gestão financeira do seu dia-a-dia (....

O projeto [Banco da Minha Escola] só é possível graças ao apoio dos bancos que integram o Grupo de Trabalho de Educação Financeira da APB e dos respetivos voluntários (...)

O empenho e envolvimento das escolas e dos professores, que já trabalham com a APB nestas iniciativas, tem sido também fundamental (...)

Tal como tem sido referido pelo presidente da APB (...), dispor dos conhecimentos práticos necessários para lidar com o dinheiro no dia a dia, é hoje um saber básico tão importante para a vida social como o ler, escrever e contar (...)

Sentimos que, quer as Escolas, quer os Professores, necessitam de apoio para este tipo de conteúdos mais específicos e estamos certos de que, enquanto setor, podemos e devemos ter um valor acrescentado nesta matéria. Por isso, decidimos avançar com este projeto de forma mais estruturada e contínua ao longo do ano letivo.

Um Projeto com mais de uma década Desde que foi criado, em 2011, e com a ajuda de 14 bancos associados, o projeto de Educação Financeira da APB tem procurado fomentar os níveis de literacia financeira da população em geral, com particular foco nos segmentos considerados mais vulneráveis, como os jovens e os seniores."

Sendo considerado um projecto de sucesso (não duvido que o tivesse sido para os bancos), neste ano pôr-se em marcha a segunda edição, abrangendo mais escolas e, obviamente, mais professores e mais alunos.

Imagem recortada daqui
 
Quem sem interessar pelos desígnios da escola pública, para os quais todos contribuímos, deve consultar o projecto de Educação Financeira no site da Associação Portuguesa de Bancos (aqui). Presumo que fique devidamente esclarecido.
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Nota
: Não, não sou contra educar para a cidadania na escola pública; de resto penso que educar implica necessariamente formar para uma existência cidadã. Porém, o que se abriga debaixo do cada vez maior guarda-chuva que se teima em designar por educação para a cidadania é... o que o leitor percebeu.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

MANIFESTO PARA O ENSINO E APRENDIZAGEM EM TEMPO DE GenAI

 Por Maria Helena Damião e Cátia Delgado

Assinado por académicos de diversos países do mundo, foi publicado no passado dia 29 de Novembro, na revista Open Praxis, o seguinte Manifesto com foco no ensino superior (aqui):

No RESUMO, os seus muitos autores explicam o espírito que os moveu: 

No manifesto examina-se criticamente o desenvolvimento da integração da IA Generativa (GenAI), chatbots e algoritmos no ensino superior (...). A GenAI, apesar de lhe serem imputadas vantagens na personalização da aprendizagem e na eficiência das acessibilidades, está longe de ser uma ferramenta neutra. Os algoritmos moldam a interacção humana, a comunicação e a criação de conteúdos, levantando questões profundas sobre o que é o ser humano, sobre a sua acção e sobre os preconceitos que veicula. A evolução da GenAI coloca-nos desafios na manutenção da ideia do humano, no que respeita à salvaguarda da equidade e de experiências de aprendizagem significativas. Neste manifesto destaca-se que a GenAI não é ideológica e culturalmente neutra. Em vez disso, reflecte visões de mundo que podem reforçar os preconceitos existentes e marginalizar diversas vozes. Como o uso da GenAI remodela a educação, faz correr o risco de desgastar elementos humanos essenciais - criatividade, pensamento crítico e empatia - e pode substituir interações com soluções algorítmicas. Este manifesto apela a medidas robustas e baseadas em evidências para uma tomada de decisão consciente no sentido de garantir que o GenAI melhore, em vez de diminuir, a capacidade humana de agir, bem como relembrar a responsabilidade ética na educação.

Em concreto, explicam PORQUÊ UM MANIFESTO? 

(...) o aparecimento público [da GenAI] no final de 2022 gerou, sem dúvida, especulações substanciais, exagero e até esperança. Em tempos tão incertos e especulativos, é crucial adoptar uma abordagem colectiva para navegar efectivamente no futuro, objectivo que os autores procuram alcançar com este trabalho colectivo. Com este manifesto, resistimos à aceitação acrítica da GenAI; em vez disso, procuramos uma perspectiva equilibrada analisando criticamente tanto os seus desafios como as suas possibilidades. Um manifesto, por definição, serve tanto como aviso como chamada de atenção, instando-nos a reconsiderar abordagens anteriores, à medida que avançamos (Latour, 2010) (...). Em vez de se repetirem slogans que compõem a narrativa educacional, aprofunda-se a compreensão da GenAI, procurando-se aumentar uma consciencialização que nos ajude a navegar na formação do futuro. [ver no manifesto dois quadros que sistematizam os aspectos considerados mais negativos e mais positivos da da GenAI, bem como a sua explicação]

E fazem, "humildemente", um AGRADECIMENTO "aos pioneiros que sonharam a inteligência além do pensamento humano". Dizem:

"O seu brilho iluminou o nosso caminho e seus legados permanecem em cada linha de pensamento e cada pergunta ainda sem resposta. Por isso, somos-lhes eternamente gratos"

Destacamos dois deles:

• Para Isaac Asimov, cujas Três Leis da Robótica sussurraram possibilidades através da ficção, despertando a imaginação e inspirando os dilemas éticos de um futuro que ainda está por vir.
• E Alan Turing, cuja pergunta atemporal (As máquinas podem pensar?) ainda ecoa, permitindo-nos explorar as profundezas da cognição e da criatividade. O (...) Teste de Turing, continua a ser um farol que nos guia através do labirinto do que significa conhecer, sentir, ser.

Vale muito a pena pelo menos passar os olhos por este Manifesto.

APRENDER A GOSTAR DE SABER

É com o maior gosto que o De Rerum Natura deixa aqui nota da apresentação do mais recente livro do Professor António Galopim de Carvalho. Agradecemos ao autor ter-nos facultado o índice e o texto do Prefácio.

ÍNDICE

ARTE
Modernismo ao alcance de todos
Arte Nova de Art Déco
O Surrealismo e a barrística de Rosa Ramalho
FICÇÃO
As férias da Inês
O fim do trabalho “de sol a sol”
Presbiopia na Feira de São João
Os “filhos da curta”
Apocalipse
FILOSOFIA
Pensar sobre o pensamento
Espreitar para dentro da filosofia
O berço da civilização ocidental
2200 anos antes da Tabela Periódica
GEOGRAFIA
Um saber nascido na Grécia antiga
Grande mestre e grande humanista
A “Planície” alentejana
A nova “Tetralogia mediterrânea”
Desertos e desertificação
Montes Hermínios
O Würm em Portugal
Arquivos da Natureza
Tagus, amnis hiberus maximus
O pré-Tejo e a sua foz
GEOLOGIA
O renascer da geologia clássica em Portugal
O pai da Tectónica de Placas em Portugal
Um grande professor e um cidadão de excelência
Primórdios da Geologia
Rochas, um conhecimento ao alcance de todos
Galopimito
Lapis philosophorum
As Pedras as palavras
Solo, a fronteira entre a roca e a vida
Geologia do vinho
Petrificados
Catastrofismo, Criacionismo e Uniformitarismo
A subalternização da Geologia no nosso país
É preciso elevar a cultura geológica dos portugueses
Reflexão sobre o ensino da Geologia
Açores, um laboratório de Geologia vulcanológica desperdiçado
HISTÓRIA
Transmutação, uma metáfora da purificação espiritual
Feudalismo para gente com pressa
Nos primórdios da grande epopeia
LITERATURA
O soneto em José Caniné
Decameron, obra-prima pioneira da literatura realista mundial
François Rabelais, o mais notável fundador da moderna literatura francesa
MEMÓRIAS
À margem das regras
Alfredo Cadeireiro, pintor de mobília alentejana
Literatura à mesa, depois do jantar
Os magalas
À luz do acetileno
A minha primeira crónica
A vénia pela matemática
O repentista
REFLEXÕES
Sobre o ensino da Geologia em Portugal
Os profissionais da comunicação social e nós
Uma vida em 366 palavras
Um esclarecimento
As mochilas escolares

PREFÁCIO

"O livro de alguém que continuará a existir depois de todos partirmos. Este prefácio arrisca-se, e logo ao primeiro parágrafo, a ser profundamente redundante, mas ainda assim arrisco: António Galopim de Carvalho é um farol, um dos poucos que nos consegue iluminar com uma sabedoria feita de procura da simplicidade, de encontro diário com um mundo que continua a valer a pena nos seus olhos ávidos e inquietos, esperançosos e otimistas – mesmo quando escreve palavras tristes ou cansadas é sempre a esperança que nos ocorre.
“Aprender a Gostar de Saber” é um livro obrigatório. Pode ser lido hoje ou amanhã, mas pode também ser lido numa qualquer eternidade pelos netos dos nossos netos. Há memória, mas o passado em tudo o que faz é sempre futuro. Quando nos escreve sobre o que lhe sabia a comida na infância, conseguimos sentir o cheiro do que nos faz falta; quando nos conta de episódios que só a ele importariam, são os nossos episódios que vamos buscar; quando nos fala de ser professor, ambicionamos uma escola que não existe; quando nos exalta com a geologia, navegamos num sonho mais largo; quando nos confessa detalhes familiares da sua relação com Isabel, ou dos seus dois filhos, é ternura e compromisso e amor; quando nos diz do Alentejo, e dos seus cismas, percebemos tudo o que é aquele lugar e as suas sombras.

António Galopim de Carvalho deixa-nos estes textos quando acaba de completar 93 anos. Nasceu em 1931, antes de Hitler se apresentar a mundo, antes até da Guerra Civil Espanhola. Os seus olhos viram muito sobre a história e a condição humana. Nasceu num lugar agreste e isolado e nunca foi bom aluno até ser um grande aluno na universidade. Quem seria capaz de dizer em Évora que aquele menino, irmão de Francisco José, estrela da música portuguesa, um dia viria a tornar-se um dos melhores portugueses, um dos cientistas mais reconhecidos, um dos professores mais aplaudidos, um dos defensores da nossa identidade histórica mais apaixonados e o diretor do Museu de História Natural mais emblemático e popular? Quem adivinharia? Bastaria estar atento às suas fotografias de criança e adolescente. Aqueles olhos cheios de curiosidade e espanto, aquela vontade de saber, de se encontrar, de partir à conquista de um mundo maior, mais largo, menos aprisionado a um destino que nos obriga a desistir de sonhar. Bastaria isso para termos percebido que o pequeno António um dia poderia ser o que quisesse ser. E ele foi o que quis ser. Com Isabel, sua companheira de sempre, navegou para fora de pé sem ter garantias de nada, apenas a sua curiosidade o poderia ajudar na tentação do acomodamento.

“Aprender a Gostar de Saber” é um livro para pais com crianças na escola. Um livro para os mais velhos e mais novos. Uns encontrarão o que são ou poderiam ter sido. Outros, ensinamentos que são puro ouro para quem caminha sem bússolas visíveis. Um livro também para os que gostam de viver e para os que têm dúvidas. Uns por perceberem o quanto a sua intuição estava certa, os outros pela constatação de que perderam um tempo que agora podem recuperar.

António Galopim de Carvalho é um dinossáurio. Não é o avô ou o pai dos dinossáurios, ele é um deles. Há 65 milhões de anos resistiu à extinção quando não se esperava que o fizesse. E hoje, tantas dezenas de milhões de anos depois, há quem não acredite que conseguiremos resistir à turbulência que causámos ao planeta. Oiçamo-lo então. Passemos pelos seus textos sem pressa, aprendamos com quem sabe do que está a falar. Afinal, ele é eterno e veio para nos contar estórias que fiquem antes do sono. Estórias que nos impeçam de adormecermos para a necessidade de não desistirmos, de continuarmos a combater por uma ideia de bem. Eis é um livro obrigatório de um homem que continuará a existir depois de todos partirmos. Um farol que ilumina quem o lê com a luz dos sábios."

Outubro 2024
Luís Osório

NA ENCRUZILHADA DA TRANSIÇÃO DIGITAL

Um dos elementos mais centrais dos discursos curriculares vigentes – de origem política, económico-empresarial, social e, mesmo, académica ...