Novo post de Galopim de Carvalho:
Num
país, como Portugal, onde a investigação científica e o ensino superior da
Geologia estão ao nível dos que caracterizam os países mais avançados, é
confrangedor assistir:
-
à total iliteracia neste domínio do conhecimento da quase totalidade dos
portugueses, incluindo os das classes sociais ditas cultas;
-
à mesma iliteracia na generalidade dos governantes e demais decisores
políticos;
- à pouquíssima importância, nos
ensinos básico e secundário, deste mesmo domínio científico, essencial como
motor de desenvolvimento, mas também como componente da formação cultural do
cidadão.
De
há muito que venho alertando, em textos escritos e em conversas públicas, para
a pouca importância dada ao ensino da Geologia nas nossas escolas dos ensinos
básico e secundário. Isto porque, em minha opinião, quem decide sobre o maior ou menor interesse das matérias curriculares,
parece desconhecer que a geologia e as tecnologias com ela relacionadas estão
entre os principais pilares sobre os quais assentam a sociedade moderna, o
progresso social e o bem-estar da humanidade.
As
minhas repetidas e insistentes diligências junto dos sucessivos governantes, no
sentido de inverter esta deplorável situação, a última das quais dirigida ao
actual Sectário de Estado da Educação, Prof. João
Marques da Costa (Doutorado em Linguística), continuam sem resposta. O que é
desesperante e lamentável.
Exceptuando
aqueles que, por formação académica e profissional, possuem os indispensáveis
conhecimentos deste interessante e útil ramo da ciência, a generalidade dos nossos ministros, secretários de estado, deputados e
presidentes de autarquias não conhecem nem a natureza, nem a história do chão
que pisam e no qual assentam as fundações dos edifícios onde vivem e trabalham.
Uns mais, outros menos, sabem o que neste território se passou desde o tempo em
que o primeiro humano o pisou, milhares de anos atrás, mas muitíssimo pouco ou
nada sabem sobre os milhões de anos de história deste torrão que é o nosso.
Não
sabem que o lioz, ou seja, a pedra calcária usada na cantaria e na estatuária
de Lisboa e arredores, nasceu num mar de há cerca de 95 milhões de anos (Ma),
muito pouco profundo e de águas mais quentes do que as que hoje banham as
nossas praias no pino do verão. Não sabem que o basalto das velhas calçadas da
capital brotou, como lava incandescente, de vulcões que aqui existiram há uns
70 Ma, nem que o granito, a pedra que integra o belo barroco da cidade invicta,
tem mais de 300 Ma. Não imaginam que o Tejo já desaguou mais a Sul, por uma
série de canais entrançados, numa larga planura entre a Caparica e a Aldeia do
Meco. Não sabem que a serra de Sintra é o que resta de uma montanha bem mais
imponente e ignoram que, por pouco, não rebentou ali, há uns 85 Ma, um grande
vulcão.
Marcados
por um ensino livresco, tantas vezes desinteressante e fastidioso, são muitos
os que, enquanto estudantes, frequentaram Geologia e que, terminada esta fase
das suas vidas, atiraram para o caixote do esquecimento o pouco que lhes foi
ministrado sem entusiasmo nem beleza.
É
o que se passou com a generalidade dos nossos adultos, sejam eles juristas,
economistas, militares ou marinheiros, poetas, romancistas ou jornalistas,
vendedores de automóveis ou jogadores de futebol. Não sabem que grande parte do
Ribatejo e do Alto Alentejo foi uma área lacustre e pantanosa há poucas dezenas
de milhões de anos, que tivemos aqui períodos de frio glacial, como, por
exemplo, o da Islândia, e de calor
húmido tropical, como o das Caraíbas. Ninguém lhes explicou o que
significam, quando e como surgiram e evoluíram as serras de Portugal. Ignoram
porque é que há mármores em Estremoz, sienitos nefelínicos em Monchique, areias
brancas em Coina e em Rio
Maior , pirites em Aljustrel, volfrâmio na Panasqueira, urânio
na Urgeiriça, lítio em Montalegre e caulino na Senhora da Hora. Desconhecem
porque é que se fala do Barrocal algarvio, das Rias Formosa e de Aveiro, das Portas
de Ródão, do estuário e do gargalo do Tejo, dos barros de Beja, da livraria do
Mondego, da Arriba Fóssil da Caparica, da “planície alentejana” ou do “Norte
montanhoso”.
Sabem
dizer granito, basalto, mármore, calcário, xisto, barro, quartzo, mica,
feldspato, petróleo, gás natural e carvão-de-pedra, mas ignoram a origem, a
natureza e o significado destes materiais como “palavras” do “livro” que conta a longa história da
Terra.
Para
além do seu interesse utilitário na procura, exploração e gestão racional de matérias-primas
minerais metálicas e não metálicas indispensáveis no mundo actual, a Geologia
ensina-nos, ainda, a encontrar águas subterrâneas e recursos energéticos, como
são o carvão, o petróleo, o gás natural e o calor geotérmico.
Essencial
no estudo da natureza dos terrenos sobre os quais temos de implantar grandes
obras de engenharia (pontes, barragens, aeroportos), ou desenvolvemos a
agricultura, a Geologia dispõe ainda dos conhecimentos necessários à prevenção
face aos riscos vulcânico e sísmico, à defesa do ambiente natural numa política
de desenvolvimento sustentado, à preservação do nosso património mais antigo,
além de nos dar resposta a muitas preocupações de carácter filosófico.
É, pois, preciso e urgente olhar
para esta realidade do nosso ensino. É
preciso e urgente que o Ministério da Educação chame a si meia dúzia de
professores desta disciplina capazes de proceder à necessária e profunda revisão de tudo o que se relacione com
o ensino desta área curricular, a começar nos programas, passando pelos livros
e outros manuais adoptados, pela formulação dos questionários nos chamados
pontos de exame e, a terminar, na conveniente formação dos respectivos
professores.
Importantes páginas da longuíssima
e complexa história da Terra, conservadas nas rochas, estão à disposição dos
professores e dos alunos nos terrenos que rodeiam as suas escolas. Conhecer
esses terrenos e os processos geológicos aí envolvidos, desperta a curiosidade
dos alunos, abrindo-lhes as portas não só ao conhecimento da sua região, como
aos da geologia em geral. Tais conhecimentos, mais sentidos e interiorizados do
que, simplesmente, decorados para debitar em provas de avaliação, conferem
dimensão cultural a esta disciplina, formam cidadãos mais conscientes da sua
posição na sociedade e defensores activos do nosso património natural.
À semelhança de um velho
pergaminho, de um achado arqueológico, ou de uma ruína, as rochas, com os seus
minerais e os seus fósseis, são documentos que a geologia ensina a ler e a
interpretar.
Se há matérias que têm características
passíveis de serem ministradas numa política de regionalização do ensino e que
muito conviria considerar, a Geologia satisfaz esta condição.
Portugal, de Norte a Sul e nas Ilhas,
dispõe de uma variedade de terrenos que cobrem uma grande parte do tempo
geológico, desde o Pré-câmbrico, com mil milhões de anos, aos tempos recentes.
No que se refere à diversidade litológica, o território nacional exibe uma
variedade imensa de tipos de rochas, entre ígneas, metamórficas e sedimentares
e, no que diz respeito aos minerais, o número de espécies aqui representadas é,
igualmente, muito grande, e o número de minas espalhadas pelo território e hoje
abandonadas ultrapassa a centena.
Temos, muito bem documentadas, as
duas últimas grandes convulsões orogénicas. A Orogenia Hercínica ou Varisca,
que aqui edificou parte da vasta e imponente cadeia de montanhas de há mais de
300 Ma e hoje quase completamente arrasada pela erosão, e a Orogenia Alpina
que, nas últimas dezenas de milhões de anos, entre outras manifestações, elevou
o maciço da Serra da Estrela, à semelhança de uma tecla de piano que se levanta
acima das outras, e dobrou o espectacular anticlinal tombado para Sul,
representado pela serra da Arrábida.
Podemos mostrar aos nossos alunos
muitas e variadas estruturas tectónicas, como dobras, falhas, cavalgamentos e
carreamentos. Temos à nossa disposição múltiplos aspectos de vulcanismo activo
e adormecido (nos Açores) e extinto, de um passado recente (na Madeira, há 7
Ma, e Porto Santo, há 14 Ma) e antigo de cerca de 70 Ma, entre Lisboa e Mafra.
Temos fósseis de todos os grandes grupos sistemáticos e de todas épocas. Temos
dinossáurios em quantidade e algumas das pistas com pegadas destes animais
entre as mais importantes da Europa e do mundo.
Tudo isto para dizer que, no
ensino da Geologia, para além de um conjunto de bases gerais consideradas
essenciais e comuns a todas as escolas do país, as do ensino secundário,
deveriam ministrar um complemento criteriosamente escolhido sobre a geologia da
região onde se inserem.
Assim e a título de exemplo, as
escolas das regiões autónomas, aproveitando as condições especiais que a
natureza lhes oferece, deveriam privilegiar o ensino da geologia própria das
regiões vulcânicas, incluindo a geomorfologia, a petrografia, a mineralogia, a
geotermia e a sismicidade (estas duas,
nos Açores). Do mesmo modo, o citado vulcanismo extinto, entre Lisboa e Mafra,
o maciço subvulcânico de Sintra (possivelmente um lacólito), o mar tropical
pouco profundo que aqui existiu, durante uma parte do período Cretácico,
deveriam ser objecto de estudo dos alunos da “Grande Lisboa”.
Os exemplos são muitos e cobrem
todo o território. O termalismo em Chaves, São Pedro do Sul e em muitas outras
localidades, os vestígios de glaciações deixados nas serras da Estrela e do
Gerês, o complexo metamórfico e os granitos da foz do Douro, os “grés” de Silves,
os quartzitos da Livraria do Mondego e a discordância angular da Praia do
Telheiro (Vila do Bispo) deveriam constar dos programas das escolas das redondezas.
Estes e muitos outros exemplos reforçam
a ideia da possibilidade de uma adequada informação sobre a geologia regional a
complementar um bem pensado programa de base comum a todas as escolas.
Imenso e tido
por inabarcável, ao tempo dos descobrimentos marítimos, o nosso Planeta começa
a dar preocupantes sinais de agressão já evidentes na poluição do ar que
respiramos, da água dos mares e da que bebemos e, ainda, dos solos onde, é bom
não esquecer, radica toda a cadeia alimentar que nos sustenta.
Apesar de
ínfima no contexto da biodiversidade, esta criatura, a última de uma linhagem
evolutiva de milhares de milhões de anos, a que foi dado o nome de Homo sapiens, só por si e desde o
advento da Revolução Industrial (finais do século XVIII, começos do XIX), tem
vindo a atentar, a ritmo exponencial, contra o meio físico que a todos rodeia,
atingindo, no presente, níveis alarmantes que justificam, entre outras reuniões
internacionais, a COP 21 que, em 2015, teve lugar em Paris.
Na sociedade
de desenvolvimento, tantas vezes descurando os bem conhecidos preceitos de
sustentabilidade, privatizam-se os benefícios da produção e distribui-se pelos
cidadãos a subsequente poluição. À desenfreada procura de lucro de uns poucos,
tem de opor-se a necessária cultura científica por parte dos restantes
cidadãos. E a Escola tem, forçosamente,
que fornecer essa cultura em articulação harmoniosa e inteligente com os
saberes de outras disciplinas. Não o molho de definições que (salvo
honrosas excepções) tem sido a sua praxis.
Sendo certo
que a capacidade de intervenção de cada indivíduo, como elemento consciente da
Sociedade, está na razão directa das suas convenientes informação e formação
científicas, importa, pois, incrementá-las. E incrementá-las é facultar-lhe
correctamente o acesso aos conhecimentos que, constantemente, a ciência nos
revela. Sendo a geologia a disciplina científica que nos fornece
todos conhecimentos atrás apontados, é fulcral atribuir-lhe, ao nível da
Escola, a importância que, realmente, tem.
Galopim de Carvalho
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