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tem promovido momentos de apresentação, debate e auscultação de intervenientes no processo educativo. Estes encontros incidiram sobre as grandes linhas e decisões a tomar centralmente, nos domínios do desenvolvimento e da implementação do currículo, bem como sobre o grau de decisão e autonomia que deve ser deixado aos docentes para adaptarem a implementação do currículo à sala de aula (DGE: aqui).Os alunos dos diversos níveis de escolaridade - educação de infância, ensino básico e ensino secundário - também foram ouvidos. Em Novembro passado, numa iniciativa intitulada A Voz dos Alunos, o Ministério da Educação quis saber a sua percepção acerca do currículo de que são destinatários sobre:
"os conteúdos que aprendem, as competências que desenvolvem, os ambientes educativos que frequentam, as metodologias que são utilizadas no processo ensino aprendizagem e quais os respetivos contributos para o futuro" (DGE: aqui).Perguntou-lhes:
“O que aprendemos? Como aprendemos melhor? O que distingue os professores que constituem referências para nós? O que retemos do que aprendemos? Como utilizamos o que aprendemos? O que (não) mudaríamos na escola?” (Público: aqui)Perguntas, na sua simplicidade, muito complicadas, cada uma delas mais complicada do que a outra, que, nessa conformidade, suscitam múltiplas respostas e ainda mais dúvidas. Isto diria, penso eu, qualquer pessoa que tivesse estudado os rudimentos da teoria curricular.
Não procurando, pois, neste texto, sequer entrar nelas, coloco duas questões que lhes são prévias: a possibilidade e a legitimidade da decisão curricular.
POSSIBILIDADE
Podem as crianças e jovens, escolher o conteúdo e os objectivos do currículo, bem como as metodologias e os recursos, passando pelo perfil do professor que o deve desenvolver, bem como, eventualmente, os tempos e os espaços mais adequados?
Possuem eles o conhecimento e a reflexão necessárias para fazer essas escolhas? Escolhas que, para cumprirem o "direito à educação" - consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos e noutros documentos que dela derivam, como a Constituição da República Portuguesa - passam, pelo menos, pelo domínio:
- das diversas áreas disciplinares, para delas seleccionaram e organizarem o que concorre para a sua formação;Claramente, não têm nem esse conhecimento nem essa reflexão. Nem seria de esperar que tivessem: afinal, nas palavras de Hannah Arendt, ainda há pouco tempo chegaram ao mundo e pouco conhecem dele. Enfim, as crianças pequenas conhecerão menos dele, os jovens um pouco mais, mas nem umas nem outros o conhecem de modo suficiente para tomarem decisões tão fundamentais e vinculativas como as que se prendem com a educação que lhes permite compreender alguma coisa do mundo e interrogá-lo.
- dos (ainda) insondáveis mistérios acerca de "como aprendemos", para daí apurarem o modo de ensino;
LEGITIMIDADE
Quem sabe, pode e deve tomar essas decisões, são os adultos. Os que, tendo sido educados, estão moralmente obrigados a assumir a tarefa de educar os que se preparam para ser adultos. Isto lembra, em diversos trabalhos, Carlos Fernandes Maia.
No caso da educação escolar nem serão todos os adultos que sabem, podem e devem tomar essas decisões, porquanto, nas sociedades contemporâneas que, de vários modos, dependem de saberes sofisticados, elas requerem um grau de mestria que não está, por exemplo, ao alcance das famílias, ou da sociedade em geral. Por isso, a construção do currículo solicita a participação de peritos e de práticos das mais diversas disciplinas que o compõem e que o estruturam.
Os adultos passam essa tarefa, ou parte dela, para as mãos dos neófitos que, pela sua condição precoce, não estão à altura de a poderem realizar. Negam, assim, a obrigação que é inerente à sua condição de adulto: tomar as decisões que lhe competem em benefício dos que ainda se encontram muito no plano do devir.
Na verdade, são os adultos, neste caso, os que representam o sistema de ensino, que têm de assumir a responsabilidade social de tomar essas decisões. Decisões difíceis, é certo; contestáveis, é ainda mais certo, mas inevitáveis.
Esta situação não é, de todo, distante da confusão, muito oportuna, de que se reveste a noção de "autonomia do aluno", entendida no sentido do exercício do "livre-arbítrio". Assume-se que ele "é" autónomo, quando deveria assumir-se que todo o trabalho pedagógico terá de concorrer para que ele se "torne" autónomo. Diz Reis Monteiro (2004, p.109).
A práxis educacional distingue-se de outras práxis humanas pela sua finalidade paradoxal: deve ter em vista o fim da sua necessidade, a transformação da dependência deve ter em vista o fim da sua necessidade, a transformação da dependência de hetero-educação em capacidade de auto-educação. Por isso, o sucesso de um educador está na sua auto-negação pela autonomia do educando, do seu poder de pensar e agir sozinho.EM SUMA
O que acima disse pode induzir a ideia de que as respostas dadas pelos alunos, neste momento já disponibilizadas (aqui), fará alguma diferença na determinação do currículo, dito do Século XXI (nomeadamente o Perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória e as Aprendizagens essenciais). Entendo que não fará qualquer diferença: o que quer que tal currículo seja está há muito determinado não pelos alunos, não pelos professores, não pelos directores das escolas, nem pelo próprio Ministério da Educação, mas sim pelas entidades internacionais com efectivo poder para decidir o que as novas gerações devem aprender e deixar de aprender, com que sentido devem aprender, como devem aprender, etc.
Falo, muito concretamente, de entidades económico-financeiras que, laborando à escala mundial, se têm infiltrado no quadro político dos diversos países e capturado a legitimidade que estes têm de tomar as decisões que lhe compete em matéria de educação. A maneira como isso acontece é imperceptível à maior parte das pessoas, pois as estratégias de infiltração são sofisticadas, apelando ao que de mais naif existe nelas.
Reconhecer isto "desculpa" os países de (com subterfúgios politicamente correctos, como sejam o de ouvir a opinião de todos os envolvidos, no caso, no sistema de ensino) estarem, um após outro, a legitimar decisões uniformes (comparem-se, por exemplo, as última reformas curriculares da Europa) que, de uma maneira mais sedutora ou mais musculada, lhes são impostas? Evidentemente que não "desculpa". Mas, até que as pessoas comuns percebam isto e os países voltem a reconhecer a sua soberania nessa matéria demorará bastante tempo.
Do que escrevi no último parágrafo não se deve entender que defendo um currículo primeiramente regional e nacional, e muito menos regionalista e nacionalista; de facto, defendo um currículo, antes de mais, universal e universalista, que contenha o que concorre para o bem, no sentido ético, das novas gerações, para que elas possam ser melhores do que a nossa é.
Referências bibliográficas:
- Arendt, H. (1957/2000). A crise na educação. O. Pombo (pp. 21-53). Quatro textos excêntricos. Lisboa: Relógio D'Água.
- Maia, C. F. (2006). Altruísmo e educação condição, consciência e dignidade. Revista Portuguesa de Educação, 19 (2), pp. 185-215.
- Reis Monteiro, A. (2004). Educação e deontologia. Lisboa: Escolar editora.
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