domingo, 24 de novembro de 2013

Para saber!

Destaco parte de um comentário do leitor Fernando Caldeira pelo facto de ele recordar o "valor intrínseco" do conhecimento, o "valor em si" que o "conhecimento com valor" tem, o valor que não depende de nada mais por ser da ordem do absoluto. Esse valor que (quase) desapareceu do horizonte da investigação e da escola, tão preocupados estamos com o valor instrumental - com carácter social e, agora, sobretudo económico - do que se investiga e do que se ensina. O valor instrumental é fundamental, sim, mas não podemos, com a sua invocação justificável, negar, negligenciar ou, sequer, obscurecer o primeiro.

– Porque é que eu tenho de saber isso? – Foi uma pergunta que, como professor, ouvi centenas ou milhares de vezes. Sempre que isso acontecia lembrava-me desta passagem, que conhecia desde os meus 18 ou 19 anos, e apetecia invariavelmente responder:
– Para saber!..
"Triste por ver que não lhe ligavam nenhuma, o alcatraz soltou um doloroso gemido. Olívia lembrou-se de repente porque é que tinha subido ao passadiço e virou-se para o pobre ferido.
– Posso apanhá-lo capitão? – perguntou ela.
– Com certeza, se não tens medo que ele te morda! - disse o capitão.
– Mas os pássaros não mordem – disse Olívia.
– Ah! Ah! Ah! é que esse pássaro não é um pássaro vulgar.
– Então o que é? – perguntou Didi.
– Não sei – disse o capitão – o que prova claramente que não é um pássaro vulgar, porque esses conheço-os eu: temos a pega, a bugigansa, o escorvém, o paneiro de xadrêz, a moedura, o gaviãozito, o cardume, a abetarda e o cantropo, o verdete das praias, o marcha-a-olho e o sempre-em-concha; além destes, podemos citar a gaivota e a galinha vulgar, que eles chamam em latim cocota deconans.
– Bolas!... o capitão sabe imenso! – murmurou Didi.
– Foi para isso que aprendi – disse o capitão. (...)" 
Boris Vian, O Outono em Pequim. Tradução de Luísa Neto Jorge. Publicações D. Quixote (1989). 
Fernando Caldeira

sábado, 23 de novembro de 2013

Espelho meu, espelho meu… 2

Dizia eu em texto anterior que a mentalidade vigente é de avaliar tudo e todos, classificando pessoas, instituições, programas, iniciativas, sistemas, seja o que for. E isto para decretar o quê ou quem é superior e inferior, o quê ou quem é mais-qualquer-coisa ou menos-qualquer-coisa, o quê ou quem vale tudo ou nada vale, o quê ou quem é superior e inferior… Em suma, para decretar o quê ou quem deve ser glorificado e abatido.

O cenário em que essa mentalidade se instalou é um misto de positivismo exacerbado e de pós-modernismo laxista, o cenário perfeito para a emergência das mais diversas falácias. Explico.

1. A falácia do “para se saber”. Todos e tudo têm de estar, a todo o momento, e relativamente a todos os aspectos, sob escrutínio. Digamos que têm de estar sob um “olhar supra”, capaz de provar a sua localização inequívoca numa qualquer escala. Obtêm-se distribuições muito bem arrumadinhas em gráficos ou tabelas e… descansa-se: está tudo ali!
- “Mas, desculpe… porquê?” – pergunta um sujeito ligeiramente céptico.
- “Para se saber…” – O sujeito insiste: - “Mas, para se saber o quê? E para quê?”.
O ping-pong continua e, a páginas tantas, só pode ser arrumado com um “porque sim”.

2. A falácia da igualdade e, já agora, da justiça. A igualdade é um argumento que o sujeito ligeiramente céptico pode ter ouvido nesse ping-pong de perguntas e respostas, e volta a ele, mas o que ouve é:
- “Nada nem ninguém é mais ou superior e, nessa medida, tem de se subordinar às mesmas regras”.
E ouve mais: - “É uma questão de justiça!”
O sujeito adivinha o argumento que sustenta as duas afirmações: “porque sim”, naturalmente…

3. A falácia da confiança. As declarações acima não impedem que o sujeito ligeiramente céptico fique com a desagradável impressão de ter detectado uma “admissível e permanente” suspeita que recai sobre tudo e todos. Mas, suspeita por parte de quem? E porque é que alguém suspeita de tal maneira? E, porque é que a suspeição desencadeia algo que se aproxima, muito perigosamente, do vigiar?
Bom… passa à frente… porque o seu interlocutor disserta agora sobre a perfeição.

4. A falácia da perfeição. “A avaliação permite chegar à perfeição”, é outra afirmação que o sujeito ligeiramente céptico ouve. Argumenta:
- “A perfeição é algo que, na verdade, nunca se pode conhecer, é um fim que se deve querer alcançar, sim; porém, bem vistas as coisas, a sua natureza dita que não se possa alcançar, é um problema em aberto, é aquilo que faz correr, mas que se situa sempre a uma distância…”

5. A falácia da infalibilidade de critérios. O sujeito é interrompido:
- “Por isso há critérios de avaliação que garantem que o processo seja imparcial e se obtenham resultados confiáveis”.
- “Sim, mas a fundamentação dos critérios, a sua origem, alguns parecem decorrer da aleatoriedade…”
O interlocutor continua: - “Tem de haver indicadores. Sabe o que são indicadores? Os indicadores indicam. Indicam objectivamente…"

O sujeito percebe no diálogo aquela  perigosa atitude que se designa por “triunfo da vontade”: "Quer-se, faz-se! O querer é tudo”. Quem não quer, tem algo a temer ou a esconder, ou as ambas as coisas. Há-de haver alguma razão para se recusar a fazer... E disso teve a certeza quando ouviu a pergunta inevitável:

- “Não me diga que é daqueles que não quer se avaliado, nem quer avaliar!?”

Apanhado na sua própria teia, o sujeito ligeiramente céptico, retira-se apreensivo.

(Continua)

Bendito sejas

Os poetas, mesmo os mais esquecidos, voltam à vida quando são lidos e apreciados. Botto, António Botto, entra numa sala de aula do ensino secundário à margem de programa e de manuais, à margem do politicamente correcto...

Bendito sejas,
Meu verdadeiro conforto
E meu verdadeiro amigo!

Quando a sombra, quando a noite
Dos altos céus vem descendo,
A minha dor,
Estremecendo, acorda...

A minha dor é um leão
Que lentamente mordendo
Me devora o coração.

Canto e choro amargamente;
Mas a dor, indiferente,

Continua…
Então,
Febril, quase louco,
Corro a ti, vinho louvado!
- E a minha dor adormece,E o leão é sossegado.

Quanto mais bebo mais dorme:
Vinho adorado,
O teu poder é enorme!

E eu vos digo, almas em chaga,
Ó almas tristes sangrando:
Andarei sempre
Em constante bebedeira!
Grande vida!

- Ter o vinho por amante
E a morte por companheira!

António Botto in Canções

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Sim, só faltava ver esta(s)...

Deste post da Helena e da entrevista a que faz referência, veio-me à memória uma discussão tida aqui sobre a FCT e a questão da divulgação da ciência que, lá pelo meio, derivou  para os inúmeros preconceitos que os portugueses têm com o dinheiro e o trabalho. Mas vou começar por aquilo que a Helena destaca.

Há coisas para as quais vamos estando preparados mas, ainda assim, vamos tendo aquelas surpresas que nos tornam a vida divertida. E aquela que não esperava era ter uma agência de funcionários públicos a determinar o que é empreendedorismo. Para além de me parecer óbvio que ninguém na FCT imagina o que sejam os custos e os esforços associados a patentes, é mais surpreendente que a agência não seja capaz de entender o que é valor económico e, mais simples ainda, entender o que é empreendorismo.

A mim, que ando nesta vida há uns valentes anos, não me passaria pela cabeça ir dizer a uma pessoa que está a construir um instituto com 600 investigadores, e que gere hoje 130, o que é empreendorismo.  Não iria ensinar futebol ao Cristiano Ronaldo, não iria ensinar empreendorismo ao Sobrinho Simões. Não está a criar uma corporação de quadros especialistas em fazer "power-points" dinâmicos sobre as mais-valias do financiamento no mercado de capitais, nos "empowerments" e "cutting edges" estratégicos? Irrelevante. Construiu uma estrutura a partir do seu querer, desenvolveu-a e está a entregar valor na sociedade. Quando um homem destes se dispuser a ensinar-me empreendorismo, eu estou lá no dia seguinte! 

Quanto ao financiamento,  infelizmente os nossos concidadãos entenderam que era mais importante gastar em autoestradas e salários excessivos que em ciência. Contra isso, batatas. E como todos os empreendedores, Sobrinho tem que gerir os impactos que isso tem na procura que os seus activos passam a ter a procurar novas formas de entregar valor mais imediatas. Se for o empreendedor que revela, fará isso com o mesmo equilíbrio que os seus receios revelam.

O que também me parece relativamente óbvio é que não preciso de nenhuma patente para aferir o valor económico deste empreendimento. Ainda que me possa faltar uma métrica mais imediata, como teria numa empresa, e me possa enganar durante 3 ou 4 anos, não é particularmente complicado sob "expert decision" aferir se a investigação feita aqui tem ou não valor económico. Ao 5 ano já percebi se me enganei ou não. 

Portanto, parece-me que as pessoas da FCT sofrem da mais grave das ignorâncias, a activa. Não só não sabem, como ainda por cima, fazem que sabem. Ainda que possa, em abstracto, admitir que se possa exigir o mesmo equilíbrio que o Sobrinho Simões deixa transparecer relativamente às formas de financiamento, não consigo imaginar maior imbecilidade que a questão das patentes. 

O que nos traz, outra vez, à questão da divulgação. Quando disse aqui que a divulgação do tipo Ciência Viva não deveria ser a preocupação da FCT mas sim a divulgação da investigação de facto, recebi quase o dobro dos insultos que costumo receber. Mas a questão volta a estar aqui. Primeiro nenhum funcionário público ou político trabalha em favor do bem público mas sim em função daquilo que o público acha ser um bem público. Se o público não acha que algo é um bem público, deixa de o ser. Segundo, nenhum empresário fora do ambiente científico vai contratar um doutorado por uma razão imbatível: ele nem imagina para que é que essa coisa serve. Terceiro, empresário nenhum vai olhar para aquilo a que se chama de produção científica (salvo raras excepções dos dois lados) e vai ver valor. Portanto, ou os centros de investigação passam a ser empresas de facto e contratarem gente para vender a sua investigação de forma que os empresários percebam, ou  os funcionários públicos que acham que patentes é uma coisa importante, passam a achar que vender investigação é muito mais importante que pagar advogados. E, consequentemente, repõem o financiamento a essa complicadíssima tarefa que é vender o resultado do conhecimento científico. 

Dizer que Portugal não tem uma estrutura empresarial que absorva os doutorados é uma desculpa para quem não quer vender. Ou para funcionários públicos que já definem empreendorismo...
    
PS: Não conheço, nem nunca falei (infelizmente) com o Prof. Sobrinho Simões, pelo que os elogios o são de facto.

O empreendedorismo aplicada à ciência

Em entrevista recente, realizada por Samuel Silva, o Professor Sobrinho Simões, uma referência da ciência, diz o que se segue sobre a ideia peregrina da corrida empreendedora que se quer que pessoas e instituições com responsabilidades científicas adoptem (a entrevista do Público online pode ser lida aqui).

Imagem de Fernando Veludo/NFACTOS
É a cartilha do empreendedorismo aplicada à ciência? 
A ciência, antes de mais nada, precisa de um tecido de suporte. O empreendedorismo é criminoso, porque tem estimulado perversões. O cientista que é muito empreendedor deve ser um empresário. Os estímulos deste tipo podem acabar por ser um convite ao chico-espertismo.

E concorda com os critérios de avaliação, baseados na produtividade científica e na obtenção de patentes, por exemplo?
São terríveis. Primeiro, porque coloca os investigadores das ciências sociais e humanas numa situação de dificuldade. E a sociedade portuguesa precisa, como de pão para a boca, de ciências sociais. Depois, parece-me que é mais importante a repercussão da nossa actividade no mundo científico e na sociedade do que o facto de se publicar numa revista com muito impacto.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Liberdade e autoridade

Hoje, no dia mundial da Filosofia, volto a Bertrand Russell para repensar um eterno problema educativo: a liberdade que se deve permitir às crianças e aos jovens e a autoridade que se deve exercer sobre eles.

Lembrei-me de Russell por causa da leitura de um artigo que ontem me foi enviado e cujo título é La educación nórdica es la mejor del mundo o se trata más bien de un gran error? Sobre o assunto escreveu o matemático e filósofo, divulgador do conhecimento, Prémio Nobel da Literatura:
"No ensino, como em outras coisas, a liberdade deve ser questão de grau. Há liberdades que não podem ser toleradas. Uma vez conheci uma senhora que afirmava não se dever proibir coisa alguma a uma criança, pois esta deve desenvolver sua natureza de dentro para fora. «E se a sua natureza a levar a engolir alfinetes?», indaguei; lamento dizer que a resposta foi puro vitupério. No entanto, toda criança, abandonada a si mesma, mais cedo ou mais tarde engolirá alfinetes, tomará veneno, cairá duma janela alta ou doutra forma chegará a mau fim. Um pouquinho mais velhos, os meninos, podendo, não se lavam, comem demais, fumam até enjoar, apanham resfriados por molhar os pés, e assim por diante — além do fato de se divertirem importunando anciãos, que nem sempre possuem a capacidade de resposta de Eliseu. Quem advoga a liberdade da educação não quer dizer que as crianças devam fazer, o dia todo, o que lhes der na veneta. Tem de existir um elemento de disciplina e autoridade; a questão é até que ponto, e como deve ser exercido".
Bertrand Russell (1957). Ensaios Céticos. Companhia Editora Nacional, Tradução de Wilson Velloso

LIVROS DE NOVEMBRO DA GRADIVA


NOVOS LIVROS DA GRADIVA (informação recebida da editora)


UM GRANDE LIVRO DE CIÊNCIA. UM TÍTULO MARCANTE NA COLECÇÃO «CIÊNCIA ABERTA». A crítica foi unânime. O livro é imperdível. «O Início do Infinito é uma obra-prima.» Elliott Temple, filósofo norte-americano. «Um dos livros de não-ficção mais ambiciosos que já li.» Nathaniel Stein, The New Yorker. «Um livro brilhante, estimulante e profundamente excêntrico. Trata de tudo: arte, ciência, filosofia, história, política, mal, morte, futuro, infinito, escaravelhos, polegares, o que se queira pensar.» David Albert, The New York Times - Sunday Book Review.

«Ciência Aberta », n.º 203, 672 pp., € 33,00



. «Sem pressupor qualquer conhecimento prévio quer de filosofia quer de ciência, [...] este livro é a primeira abordagem ideal para quem quer compreender a relação entre a teorização científica e a realidade.» David Papineau, King's College, Londres.

«Filosofia Aberta», n.º 25, 340 pp., € 19,00


GÖDEL, ESCHER, BACH - LAÇOS ETERNOS

A NOVA EDIÇÃO REVISTA HÁ MUITO ESPERADA  de «Gödel, Escher e Bach- Laços Eternos» de  Douglas R. Hofstadter. O clássico mais aguardado está de novo disponível nas livrarias, integralmente revisto. «De tempos a tempos, um autor produz um livro com tal profundidade, clareza, âmbito, inteligência e originalidade que é reconhecido imediatamente como acontecimento literário de primeira grandeza. É o caso deste livro.» - Martin Gardner, Scientific American.

«Ciência Aberta», n.º 109, 876 pp., € 35,33


A reedição revista  e aumentada de Como Respiram os Astronautas. Como Respiram os Astronautas é um convite para passear nos bastidores da aventura que é a investigação cientifica, na companhia do autor e dos exploradores dos tempos modernos que são os astronautas. A aventura passa-se no meio interdisciplinar da Física Biomédica que está hoje a revolucionar a Medicina. O autor tenta demonstrar que a riqueza de um país está na matéria cinzenta da nova geração, que só pode ser valorizada pela dedicação e competência dos professores que a instruem, apoiada por uma população cientificamente culta.

«Ciência Aberta», n.º 109, 116 pp., € 14,50

Dia Internacional da Memória

Nota prévia: Os meus cumprimentos a todos os leitores. Para primeira publicação no blogue, achei pertinente apresentar-me. Faço-o de corpo inteiro, com um video. 

Declaro o dia de hoje, unilateralmente, Dia Internacional da Memória.

Há precisamente um ano atrás, nesse dia, estreou em Coimbra, no Centro de Neurociências e Biologia Celular, a peça da marionet 'MIM - My Inner Mind', tendo por temas centrais o cérebro, a memória e o esquecimento.

O público deambulava pelos corredores e salas daquele centro de investigação, participava num conjunto de cenas que por aí iam sucedendo, e era convidado a usar o telemóvel ou outros dispositivos de gravação para captar imagens dessa experiência.

Este video é uma montagem, incluindo algumas dessas gravações, de uma das cenas da peça intitulada "Um dia fez-se luz na minha cabeça."

Um bom Dia Internacional da Memória para todos, com boas recordações!


Ano Propedêutico (1977-1981)

Modesto embrião da Universidade Aberta, o Ano Propedêutico constituiu uma importante e frutuosa experiência pedagógica na qual tive o privilégio de colaborar.

Completam-se, no próximo dia 23, trinta e seis anos sobre a criação do que foi designado Ano Propedêutico. Viviam-se anos felizes de renovação de um país, em liberdade, depois de quatro décadas de mordaça política e religiosa. Era ministro da Educação e Investigação Científica o jovem Dr. Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia (1941-2006), no Governo do Dr. Mário Soares, sendo presidente da República o General António Ramalho Eanes. Foi um tempo em que a cultura, a integridade e a política andaram de mãos dadas. Foi um tempo de esperança que, depois, uma certa classe de políticos impreparados, bem intencionados uns, arranjistas outros, a coberto dos respectivos aparelhos aparelhos partidários, se encarregou de destruir.

O Decreto-Lei n.º 491/77, de 23 de Novembro reconhecia, no respectivo preâmbulo, ser Portugal um dos poucos países da Europa ainda com escolaridade pré-universitária de apenas onze anos. Este documento considerava a necessidade de facultar aos nossos técnicos uma preparação de nível cada vez mais desenvolvido, capaz de acompanhar a evolução crescente da ciência e da técnica. Por último, afirmava ser imprescindível alargar a formação dos nossos alunos em matérias que suportassem novos conhecimentos, cada vez mais complexos e para os quais se tornava necessária uma sólida preparação básica. 

Reconhecendo como difícil a criação imediata de um 12.º ano de escolaridade, inserido no então sistema de ensino português, o governo considerou a urgência de avançar com a institucionalização de cursos propedêuticos do ensino superior. Na óptica do legislador, tal permitiria não só uma reciclagem da preparação adquirida no ensino secundário, como, sobretudo, a leccionação de matérias básicas comuns a várias áreas do saber, correspondentes aos diversos cursos superiores.

Foi assim instituído, a nível nacional e em substituição do Serviço Cívico Estudantil, o Ano Propedêutico, a funcionar na dependência da Direcção-Geral do Ensino Superior, tendo como Presidente da Comissão Científico-Pedagógica o Prof. Armando da Rocha Trindade (1937-2009), cargo que exerceu até 1980, ano da institucionalização do 12.º ano de escolaridade, pelo Decreto-Lei n.º 240/80, de 19 de Julho.

Outros méritos não tivesse, o Ano Propedêutico deu lugar, de um fôlego, à maior produção de textos de apoio, em língua portuguesa, até então produzida em praticamente todas as áreas do pré-universitário, ao serviço de gerações de professores do ensino básico e secundário e de estudantes universitários (e não só). Uma praxis que fez história, que deu frutos e que está patente na vultuosa e diversificada produção editorial da Universidade Aberta que lhe sucedeu.

Prof. Armando da Rocha Trindade
O Ano Propedêutico foi a primeira iniciativa de ensino superior à distância, dirigido a uma grande audiência, dispersa por todo o território nacional, com lições ministradas a partir de emissões televisivas. Sem salas de aula nem turmas, os alunos, em suas casas, complementavam os respectivos estudos com base em textos produzidos especialmente para o efeito. Esta experiência pedagógica levou à criação do Instituto Português de Ensino à Distância (1980-1988), a que se seguiu, em 1988, a Universidade Aberta, tendo como fundador e primeiro reitor o citado Prof. Rocha Trindade, Catedrático de Física do Instituto Superior Técnico.

A convite deste colega, participei na Comissão Científico-Pedagógica, como responsável do programa de Geologia, cabendo-me a elaboração dos respectivos textos de apoio, tendo escolhido para elaborar e ministrar as lições televisionadas o meu ex-aluno José Manuel Vale Brandão.

A Nota Introdutória do 1.º dos três volumes do divulgadíssimo “ap – Geologia” (1977-78) acentuava a minha esperança de que esta experiência, em si mesma, ou como alternativa resultante de dificuldades estruturais do ensino, em geral, e do pós-vestibular, em particular, pudesse ser de grande utilidade. Foi esta esperança que ditou a anuência que, reticente, dei a um convite daqueles que deixam pouca margem a outra resposta que não seja a afirmativa.

A convicção de que algo teria de ser feito e a garantia dada de que os textos solicitados teriam carácter experimental e, como tal, seriam necessariamente revistos e melhorados, a partir dos ensinamentos obtidos no decurso da sua utilização. Necessários por não haver outros e imediatos por serem urgentes, estes textos justificaram o entusiasmo que me mereceram.

Mas o entusiasmo e o empenhamento não suplantam todas as carências. As minhas e as que me eram estranhas. Nestas, não eram menores a falta de tempo para elaboração de um plano global e a urgência de conceber, lição após lição, um rosário de textos, com sacrifício da unidade e coerência globais, a impossibilidade de recolha e organização de documentação gráfica adequada e, ainda, a inexistência daquela revisão morosa e reflexiva, sem a qual a obra pedagógica e científica desmerece.

Mas as circunstâncias foram estas e não outras. O entusiasmo frutificou e a satisfação do êxito constituiu a recompensa.

A. M. Galopim de Carvalho

MANUEL PAIVA FALA SOBRE A VIAGEM A MARTE

Veja aqui a entrevista do físico Manuel Paiva ao "Falar Global": aqui.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

“O Atlas do Corpo e da Imaginação”, de Gonçalo M. Tavares

A propósito do livro “O Atlas do Corpo e da Imaginação” (Caminho), uma obra de Gonçalo M. Tavares, o autor deu uma  entrevista ao último Jornal de Letras. Li e deixo aqui excertos:

"Há coisas que só são produzidas quando se pensa passo-a-passo, como a Ciência."

“Ninguém imagina Miguel Ângelo a fazer uma pincelada, depois a responder a um email e voltar outra vez à pintura. Os artistas passavam semanas fechados num compartimento, sem falar com ninguém, só saíam para comprar comida, sem largar o seu objecto. Há obras de arte que só podem aparecer se uma pessoa estiver uma, duas, três, quatro, cinco horas em frente delas, sem mudar a sua atenção para outro lado. E este tempo prolongado com o mesmo objecto, concentrado, é qualquer coisa que as tecnologias e o mundo contemporâneo estão a perturbar.” … “se um artesão está a fazer um objecto e de dois em dois minutos levanta a cabeça há uma dispersão.”

"Definir um método é definir uma conclusão. A escolha da forma é já dizer aonde se quer chegar. (…) A escolha da metodologia é a escolha de tudo, sobra pouco. Gosto mais da ideia de para o mesmo problema podermos escolher diferentes metodologias e caminhar até ao fim ou até quando for possível, porque chega-se a diferentes focos sobre o mesmo problema."

CONFERÊNCIA “CIÊNCIA, ECONOMIA E CRISE”

Informação recebida da Fundação Francisco Manuel dos Santos (a entrada é livre):

CONFERÊNCIA “CIÊNCIA, ECONOMIA E CRISE”
Reitoria da Universidade do Porto / Salão Nobre
22 de Novembro, Programa:

14h15 - Boas-vindas e Introdução,
José Carlos Marques dos Santos, Reitor da Universidade do Porto,
Nuno Garoupa,  Presidente designado da Fundação Francisco Manuel dos Santos
Carlos Fiolhais, Universidade de Coimbra e Fundação Francisco Manuel dos Santos.

14h 30 -“Ciência, Crise e Futuro”,
Pedro Echenique, Universidade do País Basco, San Sebastian.

15h30 - “Investigação Científica, Desenvolvimento Tecnológico e Actividade Empresarial”,
Daniel Bessa, Universidade do Porto e COTEC.

16h00 - “A avaliação em Ciências Sociais: Estados Unidos e Portugal”,
Onésimo Teotónio Almeida, Universidade Brown, EUA.

16h30 - Coffee Break

17h00 - Apresentação do livro “A Inovação em Portugal”, Luís Portela, Bial,
Manuel Mira Godinho, ISEG, Lisboa, e autor da publicação.

18h00 - “Ciência em tempo de crise”,
Manuel Sobrinho Simões, IPATIMUP.e Universidade do Porto

Debate

19h00 - Encerramento,
António Barreto, Presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos

UMA NOVA DISCIPLINA?

Não é o nosso ensino que precisa de uma nova disciplina, como preconizou o ministro da Economia, Pires de Lima, que quer que se passe a ensinar empreendedorismo. É antes o governo que precisa de se disciplinar, passando o seu chefe a impedir que os ministros mandem bitaites avulsos. Manchete quis fazer de ministro das Finanças e foi o que se viu., um disparate pegado Agora, Pires de Lima quer fazer de ministro da Educação, e é o que se vê. Um outro disparate. Que professores quer ele contratar e por quanto para ensinar a dita cuja disciplina? E, tirando vacuidades tão próprias do "eduquês", que matérias é que ele quer ensinar? Que matérias vai ele tirar ao Português, à Matemática ou às Ciências Experimentais para introduzir as novas matérias? Vai ser uma disciplina para alunos de que idades? Vai ser uma disciplina obrigatória ou facultativa? Vai haver exames de empreendedorismo? Vai ser obrigatório passar nesse exame para se tornar empresário?

CONVITE PARA A APRESENTAÇÃO EM COIMBRA DO LIVRO DO PROF. GALOPIM


EINSTEIN, A CIÊNCIA E ARTE


Minha contribuição para uma conferência na Universidade do Algarve sobre as relações entre ciência e arte. Esta e muitas outras (interessantes!) contribuições encontram-se no livro electrónico Arte e Ciências em Diálogo publicado pela Grácio (que se pode adquirir aqui, lá encontra-se o meu texto sobre Einstein devidamente paginado com todas as figuras a cores que aqui se omitem) 

 Albert Einstein (1879-1955), físico suíço e norte-americano de origem alemã, é considerado não só um dos maiores cientistas de todos os tempos como um dos principais ícones do século XX. O artista pop Andy Warhol fixou-lhe em 1980 o rosto numa das suas famosas litografias (uma outra é de Marilyn Monroe) e a revista Time elegeu-o no ano 2000 para “Pessoa do Século”.

Deixo aqui um esboço da relação de Einstein com a arte, aflorando tanto a relação da ciência que ele criou – focarei principalmente a teoria da relatividade, proposta em duas versões, a restrita em 1905, e a geral, em 1916 – com várias formas de arte do século XX como a relação de um grande criador de ciência com a prática e a apreciação artística. Para um aprofundamento do tema, pode consultar-se [1].

A relação entre ciência e arte é bastante maior do que geralmente se crê [2] nas duas actividades a imaginação humana desempenha uma função nuclear, embora na ciência ela seja bastante menos livre do que na arte por se ter a natureza sempre como referente. Declarou Einstein de um modo muito claro que a imaginação é a fonte perene do conhecimento, estando obviamente a pensar no conhecimento científico:

“A imaginação é mais importante do que o conhecimento. O conhecimento é limitado. a imaginação dá a volta ao mundo.

Esta resposta foi dada à pergunta “Confia mais na sua imaginação do que no seu conhecimento?”, numa entrevista dada a G. S. Viereck [3].

 E, tanto na arte como na ciência, embora tal seja menos evidente na ciência, um ideal estético serve muitas vezes de fio condutor na procura de novos caminhos. Henri Poincaré (1854-1912), o matemático francês bastante mais velho do que Einstein que esteve perto de chegar à teoria da relatividade restrita mais cedo do que ele – sobrando-lhe a imaginação matemática faltou-lhe talvez alguma da intuição física que sobrava a Einstein – escreveu, em 1908, no seu livro Science et méthode (Ciência e Método) [4], portanto já após a teoria de Einstein que revolucionou as nossas concepções do espaço e do tempo, este trecho que expressa bem o primado do belo na ciência:

 “O cientista não estuda a natureza porque isso é útil, estuda-a porque tem prazer nisso, e tem prazer nisso, porque ela é bela. Se a natureza não fosse bela, não valeria a pena conhecê-la, e se não valesse a pena conhecê-la, não valeria a pena viver. Claro que não estou a falar da beleza que atinge os sentidos, a beleza das qualidades e das aparências, não que subestime tal beleza, longe disso, mas não tem nada a ver com a ciência, estou a referir-me à beleza mais profunda que vem da ordem harmoniosa das partes, e que uma inteligência pura pode compreender. “ 

E, mais adiante:

 “A beleza intelectual basta a si mesma e é por ela, mais talvez do que pelo bem futuro da humanidade, que o sábio se condena a longos e penosos trabalhos.” 

Albert Einstein, aprofundando a mesma linha de paralelismo entre arte e ciência, escreveu em Out of my later years [5]:

 “Todas as religiões, artes e ciências são ramos da mesma árvore. todas estas aspirações apontam para o enobrecimento da vida humana, elevando-a acima da mera existência física e conduzindo o indivíduo à liberdade”.

E, noutra altura, em “What I believe” [6], acrescentou:

 “A coisa mais maravilhosa que podemos experimentar é o mistério. Ele é a raiz da verdadeira arte e da verdadeira ciência”. 

 Portanto, para Einstein a ciência e a arte são ambições humanas que radicam no mistério. as duas, cada uma a seu modo, tentam romper as trevas do desconhecido. Vejamos como a teoria da relatividade restrita exerceu influências sobre a arte. Para alguns autores é mais do que uma coincidência curiosa que tenha ocorrido em 1905 uma revolução na ciência com a teoria da relatividade restrita, e passados dois escassos anos, tenha havido uma revolução nas artes plásticas, com a introdução do cubismo pelo artista espanhol Pablo Picasso (1881-1973), que foi seguido logo por outros como o francês George Braque (1882-1963). O quadro de Picasso Les Demoiselles d’Avignon, de 1907 (Fig. 1), que hoje se pode ver no Museu de arte Moderna de Nova Iorque (MoMa), representa um grupo de prostitutas da rua de Avinhão em Barcelona mostrando cinco figuras humanas distorcidas, com partes dos seus corpos como que vistos de diferentes referenciais. Mas é decerto arriscado afirmar que a ciência de Einstein influenciou a arte de Picasso. talvez Poincaré, que abordou as geometrias quadrimensionais, o tenha feito, por intermédio de um actuário que pertencia ao grupo de amigos de Picasso em Paris.

O historiador de ciência Artur Miller descreve pormenorizadamente o assunto no seu livro de 2002 Einstein, Picasso: Space, Time And The Beauty That Causes Havoc [7]. ao contrário do que dá a entender uma peça de teatro contemporânea (Picasso e Einstein, do norte-americano Steve Martin, n. 1945, que foi representada em tradução portuguesa no teatro da trindade em Lisboa, no ano de 2004 [8]), os dois nunca se encontraram. Mas o certo é que havia na arte de Picasso uma atitude conceptual muito diferente dos pintores impressionistas que o antecederam que representavam a paisagem natural e humana de uma forma bem mais próxima da realidade sensível. Picasso declarou uma vez como que auto-justificando-se:

“Pinto as formas como as penso, e não como as sinto”.

Isto é, Picasso representava o que via não com os olhos da face mas com os olhos da mente. Precisamente como Einstein, embora os olhos da face e da mente estejam em comunicação estreita.

A primeira obra de arte na qual há uma introdução de um elemento einsteiniano, ainda que difícil de reconhecer, é da autoria da artista alemã Hannah Hoech (1889-1978): Corte com a faca da cozinha na primeira época da cultura de barriga de cerveja de Weimar (Fig. 2), de 1919, que hoje se encontra no Staatliche Museum de Berlim, na Alemanha. Trata-se de uma colagem dadaísta em que um dos elementos da composição era a capa de uma revista germânica (Berliner Illustrierte Zeitung, de 14 de Dezembro de 1919), que exibia o rosto de Einstein, pouco depois de ele ficar famoso com a confirmação da deflexão dos raios estelares pelo Sol numa situação de eclipse observada no Príncipe no Brasil. O estilhaçar bem nítido na colagem dadaísta é uma boa metáfora de uma Europa destruída pela Primeira Guerra Mundial, que ia entrar numa fase conturbada antes de uma nova grande guerra.

O dadaísmo viria a dar lugar ao surrealismo, lançado com o manifesto de André Breton (1896-1966) de 1924, um escritor a quem as notícias vindas da ciência não eram de modo nenhum estranhas. no surrealismo o primado era dado às associações psíquicas automáticas, reflectindo o funcionamento da mente. Mais tarde, o espanhol Salvador Dali (1904-1989), o grande mestre espanhol do surrealismo que várias vezes se confessou influenciado pela ciência do seu tempo [9], pintou A persistência da memória (Fig. 3), de 1931, um quadro que também se encontra no MoMa e que mostra relógios em fusão, que pode ser visto como uma metáfora da relatividade do tempo: o tempo corre de maneira diferente para diferentes observadores (o tempo “mole” e “variável” em vez de “rígido” e “uniforme”). interrogado muito mais tarde pelo belga e Prémio Nobel da Química Ilya Prigogine, Dali não reconheceu, porém, a influência einsteiniana: referiu simplesmente a lembrança de um queijo camembert derretido ao Sol. O mesmo artista voltaria ao tema ao pintar em 1954 A desintegração da persistência da memória (Fig. 4), uma clara sequela da obra anterior que pode ser vista no Museu Dali, em St. Petersburg, na Flórida, EUA, na qual o chão está agora dividido em blocos e inundado.

A obra de Einstein haveria também de encontrar ecos no cinema como no filme The Day the Earth Stood Still (1951), uma obra de ficção científica de Robert Wise (1914-2005) que conheceu uma revisitação cinematográfica recente, em que um dos personagens é um cientista que se assemelha bastante a Einstein, e na peça de teatro Os Físicos (1961) [10], do dramaturgo suíço Friedrich Dürrenmatt (1991-1990), comédia em que um dos personagens, internado num manicómio, julga que é Einstein. Praticamente não houve nenhuma forma de expressão artística que tenha ignorado Einstein e a relatividade. Por vezes aconteceu mesmo que a sua fórmula mais famosa, E = mc^2, que expressa a equivalência entre massa e energia, foi o mote para várias obras de artes plásticas.

Einstein encontrava o maior prazer na ciência, isto é, no desvendar do mistério do mundo usando a lógica matemática sempre com a observação e a experiência como guias. Mas o seu segundo prazer era a música, gozada tanto de forma passiva como activa. é bem conhecida a sua paixão pelo violino, embora os seus dotes de violinista estivessem muito aquém dos seus dotes como físico teórico. Declarou um dia o cientista na referida entrevista a G. S. Viereck [11]:

 “Se eu não fosse músico, seria provavelmente músico. Penso muitas vezes na música. Vivo os meus sonhos diurnos com música. Veja a minha vida com base na música... O maior prazer da vida tiro-o do violino”.

 Os seus compositores favoritos eram Bach e Mozart, especialmente este último, mostrando que se pode ser um criador de ciência moderna mantendo gostos artísticos manifestamente clássicos. O mesmo se passou com o seu contemporâneo e amigo Sigmund Freud (1856–1939) (os dois pugnaram pelo pacifismo). Como nos conta Peter Bucky [12], com Allen G. Weakland, The Private Albert Einstein (Kansas City: Andrews and McMeel, 1992, edição original de 1933):

“A música de Mozart é tão pura e bela que a vejo como um reflexo da beleza interna do Universo”. 

 Dos compositores do século XIX apreciava sobretudo Schubert. E o seu gosto nunca foi além desse século. nunca apreciou a música que foi sua contemporânea. De certeza que nunca teria compreendido a ópera Einstein on the Beach que, inspirado nele, o compositor norte-americano Philip Glass (n. 1937) criou, tendo estreado no ano de 1976.

Tal como Glass muitos outros artistas se inspiraram na obra de Einstein, alguns mesmo em vida do sábio. O arquitecto alemão e judeu Erich Mendelsohn (1887-1953) construiu em 1921 em Potsdam, nos arredores de Berlim um observatório astronómico que ficou conhecido por Torre Einstein (Einsteinturm) (Fig. 5). há nesta obra de arquitectura moderna uma ligação profunda com a arte pois a torre destinava-se mesmo a observações que permitissem confirmar a teoria da relatividade geral de Einstein. Quando Einstein a visitou, inquirido sobre o que achava da obra, respondeu que a palavra mais apropriada para o designar era “orgânico”. Embora sendo uma apreciação sucinta, não estava mal como comentário de um crítico amador a respeito de um edifício extravagante (já houve quem o comparasse a um pénis), filiado na chamada arquitectura expressionista, cujo autor tinha preferido as formas redondas às clássicas ou neo-clássicas construções geométricas.

Outro arquitecto alemão e judeu, Konrad Wachsmann (1901-1980), construiu para o físico uma casa de Verão em Caputh, um pouco a sul de Potsdam, que ele teve de abandonar em 1933 tal como a sua residência principal em Berlim para fugir à perseguição que os nazis moviam na época aos judeus. Einstein haveria de passar o resto dos seus dias numa pequena vivenda em Princeton, enquanto a Europa era varrida pela guerra. a torre Einstein foi, em parte, destruída. Foi em Princeton que Einstein recebeu em 1946 o famoso arquitecto francês de origem suíça Le Corbusier pseudónimo de Charles-Édouard Jeanneret-Gris (1887-1965), que se tinha deslocado aos Estados Unidos para participar no projecto multinacional do edifício das nações Unidas em nova iorque. Le Corbusier estava muito entusiasmado com a definição matemática da harmonia na arte, que encontra expressão na famosa “razão dourada”, a proporção que muitos querem ver em obras de arte como fórmula superlativa de beleza que vão do Parténon de Atenas ao “homem de Vitrúvio” de Leonardo da Vinci. Sobre este assunto ancestral Le Corbusier escreveu o livro Le Modulor [13], saído originalmente em dois tomos em 1948 e 1955 e do qual há uma tradução portuguesa recente. Mas, discutindo a razão dourada com Einstein, este deu-lhe uma resposta lapidar:

 “O senhor está à procura de uma maneira de tornar o belo fácil e o feio difícil”.

Trata-se, forçoso é reconhecer, de uma tarefa difícil, se não mesmo impossível. O belo, porque subjectivo, escapará sempre a qualquer definição matemática, ou, em geral, científica, que procura centrar-se em elementos objectivos. aí reside a grande diferença entre arte e ciência

Para distinguir ciência e arte pode-se dizer, embora simplificando, que a ciência procura a verdade enquanto a arte procura a beleza. a verdade parece mais objectivável que a beleza. Mas as coisas não são assim tão simples pois verdade e beleza estão ou pelo menos parecem por vezes estar relacionadas. Um antigo aforismo latino afirma Pulchritudo splendor veritatis, que significa A beleza é o esplendor da verdade. Na mesma linha desse dito, o poeta romântico inglês John Keats (195-1821) escreveu, no final de Ode on a Grecian Urn (1819), estes versos [14]:

“Beauty is truth, truth beauty, - that is all 
Ye know on earth, and all ye need to know”.

 que se podem traduzir por;:

“A beleza é a verdade, a verdade é a beleza – e isto é tudo
O que sabemos na terra e tudo o que precisamos de saber.” 

Em 1954, um ano antes de falecer em Princeton do rompimento de um aneurisma, Albert Einstein confessou, num registo auto-biográfico [15], que também ele emparelhava a verdade e a beleza, acrescentando a bondade a esses dois ideais de vida, para compor um triângulo perfeito:

 “Os ideais que guiaram a minha vida, e repetidamente me deram nova coragem para encarar alegremente a vida têm sido: Bondade, Beleza e Verdade.” 

 Referências:

 [1] Peter Galison, Gerald Holton and Silvan Schweber (eds.). Einstein for the 21st Century. His legacy in science, art, and modern culture, Princeton and Oxford: Princeton University Press, 2008.
 [2] C. Fiolhais, Imaginação, ciência e arte, Biblos VI (2.ª série) (2008) pp. 3-16.
[3] G. S. Viereck, “What life means to Einstein”, Saturday Evening Post, 26/October/1929, reimpresso em G. S. Viereck, Glimpses of the Great, new York: Macauley, 1930, p. 447).
[4] Henri Poincaré, Science et méthode, Paris: Flammarion, 1924 (o original é de 1909).
 [5] Albert Einstein, Out of my later years, Philosophical Library, new York, 1950.
[6] Albert Einstein, What I believe, in Forum and Century 84 (1930), 193-194 (transcrito em Rowe and Shulman, Einstein on Politics, Princeton: Princeton University Press, 2007, pp. 229-230).
[7] Arthur Miller, Einstein, Picasso: Space, Time And The Beauty That Causes Havoc, New York, Basic Books, 2002.
 [8] C. Fiolhais, Curiosidade Apaixonada, Lisboa: Gradiva, 2005.
[9] J. Wagensberg et al., Noves Fronteres de la Ciencia, l’Árt i el Pensament, Barcelona: Generalitat de Catalunya, 2005.
[10] Friedrich Duerrenmatt, A visita da velha senhora e Os físicos, Lisboa: Portugália Editora, 1965.
 [11] G. S. Viereck, “What life means to Einstein”, Saturday Evening Post, 26/October/1929, reimpresso em Viereck, Glimpses of the Great, new York: Macauley, 1930, p. 436):
[12] Peter Bucky with allen G. Weakland, The Private Albert Einstein, Kansas City: andrews and McMeel, 1992 (edição original de 1933).
 [14] Le Corbusier, O Modulor: Ensaio sobre uma medida harmónica à escala humana aplicável universalmente a arquitectura e à mecânica, Lisboa: Orfeu negro, 2010.
[15] C. Fiolhais, Universo, Computadores e Tudo o Resto, Lisboa: Gradiva, 1994.
[16] Albert Einstein, The World As I See It, publicado originalmente em “Forum and Century,” vol. 84, pp. 193-194; foi o vol. 13 da série Living Philosophies; está incluído em Living Philosophies, pp. 3-7, new York: Simon and Schuster.

TESOURO E TESOURA

Estamos em plena Semana da Cultura Científica, ocasião excelente para mostrar os tesouros da ciência. Por todo o lado se multiplicam iniciativas, que culminarão no dia Nacional da Cultura Científica, dia 24 de Novembro, domingo próximo, o aniversário de Rómulo de Carvalho.

Abro a página da FCT, Fundação para a Ciência e Tecnologia, a agência nacional de apoio à ciência e tecnologia, que para o ano verá o seu orçamento mais tesourado, para ver o que organizaram e nada encontro sobre esta semana. Por alguma razão que eu não descortino, a cultura científica passa-lhe ao lado.

Mas parece que não é só a FCT que passa ao lado da cultura científica. Abro a página do MEC, Ministério da Educação e Ciência, e também nada encontro sobre a semana. Também, inexplicavelmente, a Semana da Cultura Científica passa ao lado do Ministério.

É, em Portugal, a Semana da Cultura Científica. Mas a Cultura Científica não está onde mais devia estar. Já não me admira que a Cultura Científica não esteja nas Finanças, mas admira-me que não estejas na casa que devia ser a maior da educação e ciência.

Talvez não por acaso foi nesta semana que os Reitores se cansaram finalmente dos cortes a que as universidades, onde está a esmagadora maioria dos cientistas nacionais, têm sido sujeitas. Sem cultura científica forte e entranhada, receio que esses cortes venham a prosseguir, pela mão de tesoureiros que tesouram sem saber o que é um tesouro. Não se tesouram os tesouros!

JÁ NÃO HÁ PAPEL NAS REPARTIÇÕES DE IMPOSTOS

O Estado português está aparentemente falido. Estamos perante a falência total da máquina do Estado, que não tem ideia nenhuma sobre como sobreviver.

Fui a uma Repartição de Finanças e quiseram não só ver o BI (hoje CC), um costume muito português, como quiseram fotocópia dele, outro costume muito português. Não sei francamente por que razão  tantas repartições do Estado querem fotocópia de informação que lá têm.

Autorizei-os a fotocopiarem o cartão. Mas disseram-me que não, que eu é que tinha de fazer a fotocópia. Ofereci-me então a ir para o outro lado do balcão e fazer o que me era sugerido. Responderam-me que não podia fotocopiar ali. Porquê? Perguntei. Porque não havia papel. Como faltava  papel-moeda no Estado, faltava a moeda para o papel. Havia, de facto, uma grande crise. As Finanças que sempre tinham tido papel, agora não tinham dinheiro nem para comprar uma resma. Eu não tinha trazido papel, mas, condoído, ofereci-me para ir buscar papel (teriam ainda na casa de banho, ou seroa melhor trazer também um rolo desse além das folhas A4?). Não, não queriam o meu papel. O meu papel seria apenas ir ao quiosque da esquina fazer uma fotocópia. Um contributo ao comércio local, portanto. Uma  parceria público-privada.

Foi então que me deu um clique e sugeri, sem êxito, uma saída para a crise das Finanças que deu na falta do papel. Simples, muito simples. Só tinham que cobrar as fotocópias que faziam às pessoas directamente interessadas de modo a que as Finanças, graças aos contribuintes, não só tivessem o papel, mas pudessem ter um pequeno lucro. Um cidadão nas Finanças paga tudo o que for preciso, paga couro e cabelo, pagar fotocópias é, na verdade, uma insignificância. Mas não quiseram aceitar a minha sugestão. Eis por que fica aqui depositada. A recusa foi de uma funcionária,  que não pode funcionar por míngua de papel,  e pode muito bem ser que que a responsável do Ministério das Finanças leia esta mensagem, e decida aceitar o pagamento das fotocópias  À atenção da Dr.ª Albuquerque.

PS)  Parti do princípio que as Finanças não podem viver sem papel. Mas podem, embora elas não saibam. Hoje em dia há scanners muito baratos que guardam a cópia do documento, sem necessidade do papel.  Da próxima ver que lá for vou sugerir que digitalizem o meu CC e guardem os bits bem guardados num bocadinho de disco.

CIÊNCIA, ECONOMIA E CRISE: NÃO DEITAR FORA A CHAVE DO FUTURO


Meu depoimento hoje sobre a relação entre "Ciência, economia e crise" a propósito transmitido no noticiário de hoje da Antena 1 a propósito da Conferência com esse nome que a Fundação Francisco Manuel dos Santos vai organizar na próxima sexta-feira, pelas 14h30, na Reitoria da Universidade do Porto. A entrada é livre. E  a discussão também.

Minha frase que foi destacada:

"Estão a deitar fora a chave que abre as portas do futuro".

Ouvir aqui. 20 novembro 2013 15h00 - Edição de Miguel Soares.

ENFATIZAR A COMPONENTE EXPERIMENTAL


Meu depoimento ao JL/Educação sobre Programas e Metas de Física e Química do Ensino Secundário (prestado na qualidade de coordenador da equipa de professores que o elaborou, na sua maioria do secundário):

Na Fìsica e na Química demos maior destaque aos conceitos essenciais, que colocámos numa forma flexívil para poderem ser adaptados a contextos diversos pelos professores, designadamente a situações do dia-a-dia dos alunos.

Retirámos alguns conteúdos mais difíceis para este nível de escolaridade e introduzimos outros mais fáceis, que são estruturantes e necessários ao prosseguimento de estudos, sempre com a preocupação de tornar o programa exequível no tempo disponível.

Procurámos enfatizar a componente experimental, que deve fazer motivar os alunos.

Identificámos, com as metas, os desempenhos que traduzem os conhecimentos a adquirir pelos alunos e as capacidades que se querem desenvolvidas. A última revisão do programa tinha sido há 13 anos e era precisa uma actualização.

Queremos uma melhoria no desempenho dos alunos na disciplina, que é por vezes injustamente considerada considerada difícil. Queremos que os alunos gostem de Física e Química, pois elas servem de base à nossa descrição do mundo e a muitas aplicações úteis.

Além disso, identificámos um referencial para avaliação interna e externa, em particular para as provas dos exames nacionais.

Por último, gostaríamos muito de receber contributos para melhorar a proposta que fizemos. É uma proposta aberta à colaboração de todos..

Na figura: sabe como meter um ovo (cozido) dentro de uma garrafa? É uma experiência de Física (ou de Química) muito fácil. Ver aqui de duas maneiras diferentes.

EM QUE ACREDITA O SENHOR MINISTRO DA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E INOVAÇÃO E A SUA EQUIPA?

No passado Ano Darwin, numa conferência que fez no Museu da Ciência, em Coimbra, o Professor Alexandre Quintanilha, começou por declarar o s...