segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Solstício de Inverno com Eclipse Lunar.



Dia 21 de Dezembro. Pelas 23h38 ocorre o solstício de Inverno e entramos nesta Estação.
Mas a alvorada deste dia vai presenciar, a partir das 6h38, um eclipse lunar total (ver aqui detalhes e explicação), observável até 10h01. O fenómeno celeste será mais distinto sobre o disco lunar entre as 07h41 e as 08h53. Como a meteorologia prevê céu nublado, poderemos seguir via internet no sítio que a NASA lhe dedica (aqui). Mas espreite na mesma.

Esta coincidência, eclipse e solstício de inverno, verificou-se pela última vez em 1638.

CRISTO EM SÃO PAULO

Independentemente da crença, dúvida ou negação religiosa de cada poeta, o Natal sido inspiração para muitos. Paulo Rato, nosso leitor, profundo conhecedor de poesia, envia-nos Cristo em São Paulo, de Lêdo Ivo, escritor brasileiro, viajante pelo mundo.

CRISTO EM SÃO PAULO

Na noite de Natal
quando os sinos tocavam
vi Cristo caminhando
numa rua de São Paulo.
Na hora em que nascia
era já homem feito
trazendo do seu berço
a solidão e a morte.
─ Como a vida era breve
para os homens e deuses,
um suspiro de Cristo
exalado na treva!
E carregando a Cruz
Jesus ia sozinho
caminho do Calvário.
ninguém o acompanhava.
Luminoso rumor
de uma noite de festa.
Jesus estremecia.
Como a noite era fria!
E a boca do metrô
dentro do nevoeiro
engoliu os seus passos.

LÊDO IVO (Brasil)

HUMOR: O impossível é banal e até mesmo aborrecido segundo a física teórica actual

A minha terceira participação no Canal Q:

LUZ



Crónica publicada no "O Despertar".

Pela janela do meu planeta entra a Luz que o enche de vida.

É uma janela admirável, debruada com pôr-de-sóis, alvoradas e outros fenómenos celestiais.
Por ela entra a Luz Solar com que “retino” e admiro os dias terrestres. Por ela vejo outros pontos irradiadores e reflectores de luz quando, por ausência ou diminuição da primeira, me encho de noite, me tapo com ócio, ou me deslumbro com o que estava ofuscado. De noite, reflecte no solo Lunar, mostrando-o diferente de quarto em quarto.

Luz é a parte visível ao meu olho de toda a radiação electromagnética que as estrelas, como o Sol, irradiam para o espaço. Luz é energia que aquece o meu planeta e que as plantas usam para juntar peças de carbono na forma de açúcares.

A janela do meu planeta não está sempre com a mesma abertura ao longo da sua viagem de translação solar. O trilho elíptico e o eixo inclinado do meu pião planetário fazem com que, ao longo do ano, a luz passe pela janela com intensidades e periodicidades diferentes. Como resultado, o meu planeta veste-se com estações de vida, composições e estados físico-químicos diferentes, de quarto em quarto, por estas latitudes.

É como se a janela do meu planeta tivesse uma portada e uma persiana. A luz que por ela entra depende da posição combinada dos dois obliteradores.

A persiana sobe e desce com uma periodicidade diária. Ao subir, enche o dia de Luz. Quando desce, apaga as sombras deixando breu.

A portada abre e fecha com uma frequência e amplitude que depende da latitude em que estou no meu planeta. No equador, está sempre aberta. Nos trópicos oscila a um ritmo quaternário, mas nunca está totalmente aberta ou fechada. Nos pólos é binário: seis meses aberta, seis meses encerrada.

Nesta altura natalícia, mais precisamente no dia 21 de Dezembro, pelas 23h38 (hora universal), a portada da janela do meu planeta recomeçou a abrir-se, para semear, dia a dia, a noite de luz.

Dizem os antigos que é a vitória da luz sobre as trevas. Diz a ciência que ocorreu o solstício de inverno. Dizemos todos que, por estas latitudes, os dias vão ter cada vez mais luz, vão ser cada vez mais compridos, até que a janela do meu planeta fique o mais aberta que lhe é possível por alturas do solstício de verão. Mas isso é só para o Ano Novo que, por estes dias de festa, também começa.

Luz crescente, renovada esperança, acordam as sementes adormecidas, florescem os botões de fertilidade. Maior exposição solar e com maior intensidade, maior a fotossíntese. Maior também a temperatura e os cristais de gelo, refulgentes estrelas de natal, recompõem-se na água líquida, fluído de vida, de viagem, de mudança.

Bom Natal e Próspero Ano Novo.

António Piedade

Dyson no sapatinho de Natal

Freeman Dyson: 87 anos de excelência

A minha crónica semanal no jornal i, esta semana totalmente dedicada a Freeman Dyson. Seriam precisas crónicas às dúzias para o descrever minimamente e falta tanto nesta crónica. Falta dizer, por exemplo, que não consigo ler muitas páginas seguidas dos seus livros, tal não é a cascata de ideias, provocações e sonhos que ele tão carinhosamente nos tenta transmitir...

Franzino, olhos profundos, negros, de mocho, orelhas grandes e pontiagudas, sorriso de criança que tem sempre o mundo por descobrir. Fez, no passado dia 15 deste mês, 87 anos, mas é talvez a mente mais jovem e refrescante do nosso tempo. Lembro-me como se fosse hoje de todo o empolgamento, do delírio imaginativo (mas com realismo científico), da onda de futuro que cada capítulo do seu livro "Infinito em Todas as Direcções" (Gradiva, 1990) me provocou. A ciência é apenas um mosaico; para Dyson, o futuro era uma das suas casas. Um futuro pensado por um cientista, é certo, mas com economia, história, política, teologia e emoção misturadas numa manta de retalhos, de "pormaiores" do âmago da humanidade. O seu tempo levou-o a combater na 2.a Guerra Mundial, gerando um conflito entre a sua intimidade moral e o dever. No seu livro mais tocante, "Disturbing the Universe", tristemente sem edição portuguesa, Dyson conta-nos que aquela que viria a ser sua mulher se tinha refugiado num bunker alemão quando o seu esquadrão bombardeou a sua aldeia. 30 anos depois, quando visitou o local com o seu filho de sete anos, este perguntou- -lhe: "Então a mãe estava aqui escondida enquanto os teus amigos a bombardeavam?" Dyson não teve resposta, mas os seus livros são uma contrição com esperança embrulhada em papéis de sonhos no espaço, harmonia do homem com a natureza e o futuro das nossas relações. Num mundo sedento de mitos de excelência, convido-o a apreciar Dyson!

Retirar os apoios à homeopatia?


Destaque semanal para a coluna electrónica "Whats New" do físico Robert Park (na imagem, Hahneman,o fundador da homeopatia):

"HOMEOPATHY: FUNDAMENTAL LAWS OF NATURE TAKE PRECEDENCE
The Science and Technology Committee of the UK Parliament released a report urging the government to withdraw funding and licensing of homeopathy. It is unlikely to happen; even the Queen has her own personal homeopathist. This year is the 200th anniversary of Samuel Hahnemann's "Organon of the Medical Art."  The prevailing philosophy of medicine at the time was "vitalism,” the belief that life involves some spiritual essence. "Medicinal energy," Hahneman wrote, "is most powerful when it communicates nothing material."  He was unaware of the extent to which he achieved this ideal by sequentially diluting his medications.  It would be another 50 years before Loschmidt determined Avogadro’s number.  It is now clear that Hahnemann was many dilutions beyond the dilution limit.  Last week I commented on the mistaken belief that cell phone radiation causes cancer. The photon energy in the microwave region of the spectrum is only about 1 millionth of the energy required to create a mutant strand of DNA, which is the initiation of cancer.  There is no need to go any further. Epidemiology is expensive, time-consuming, and prone to statistical errors and faulty recall."

Robert Park

Sobre o pensamento de António Gião


Novo post recebido de António Mota de Aguiar (na figura, Albert Einsrtein):

Na terceira década do século XX, Einstein investigava uma teoria do campo unitário, que procurava resumir, numa série de equações, as leis que governam duas forças fundamentais do Universo: a gravitação e o electromagnetismo. Einstein manteve este tipo de investigação até ao fim da sua vida, embora nunca tenha obtido êxito (ainda nos dias de hoje o problema não tem solução consensual).

António Gião foi um defensor da teoria da relatividade geral de Einstein, que tem a ver com o espaço, o tempo, a matéria e a energia e que tem implicações sobre a estrutura global do Universo.

A 16 de Janeiro de 1946 Einstein recebeu uma carta de Reguengos de Monsaraz a propósito da teoria unitária. António Gião era o físico de Reguengos que assim se começou a corresponder com o autor da teoria da relatividade, propondo-lhe "acertos" na teoria das forças fundamentais. Para grande felicidade do físico português, Einstein respondeu-lhe com celeridade. A consideração que o físico de origem alemã mostrou ao responder rapidamente a Gião mostra bem a qualidade dos argumentos do físico português.

Em 1965, ocorreu uma descoberta científica de grande significado para a astronomia: os americanos Arno Penzias e Robert Wilson descobriram uma radiação isótropa – isto é, repartida igualmente em todas as direcções – do fundo do céu. Esta descoberta veio de certo modo confirmar a teoria da relatividade geral, na medida em que esta conseguia prever que o Universo estava em expansão. António Gião, quando morreu quatro anos mais tarde, estava ao corrente das mais recentes descobertas da astronomia. Mas não pôde, infelizmente, assistir ao posicionamento de grandes e sofisticados instrumentos na Terra para observar os astros, que se seguiu na década de setenta.

A noção da grandeza do Universo contribuiu para reforçar a sua ideia da “angústia existencial” do homem, mostrando-se preocupado com o que chamou “o carácter trágico do mundo”. Dizia ele que: “Qualquer que seja porém o caminho que seguir, o Homem só encontrará a verdadeira felicidade como um limite, talvez inacessível, de Conhecimento e de Amor”.

Gião amava “o Belo” e, para aprofundar a sua relação com ele, serviu-se da música e, sobretudo, da poesia, revelando uma elevada sensibilidade, como podemos ler no soneto em francês que a seguir transcrevo:

"Pourquoi décrire les choses que l’on aime?
Parlant de toi, du ciel et des fleurs
On ne fait que tracer des courbes blêmes :
Tangentes fugitives du bonheur.

Nous ne voulons pas que la simple image
Du souvenir de tous les jours passés
Soit la fée solitaire de cette page:
Aile volant vers toi par la pensée

L’absence est source de schémas qui meurent
Dans la mémoire. Les dons de ces symboles
S’éteignent pour toujours, mais nos yeux pleurent.

Depuis trop longtemps dans l’espace aride
Nous cherchons la nouvelle parabole:
Remède intérieur de notre vide.
"

Em 1967, Gião escreveu umas “Considerações sobre Poesia” onde expunha as suas ideias sobre a relevância da arte na vida humana. Dizia ele:

“Cada um de nós traz consigo, no mais íntimo de si mesmo, uma Mensagem que por assim dizer resume a sua Vida. Constantemente impelidos pelas exigências dessa Mensagem, tentamos exprimi-la pela acção, pelo pensamento, pela criação plástica ou ainda pelo Canto.
(…)
É esta a razão de ser do Canto incompleto e da Poesia, necessária ilusão da Vida Única, Objecto e imagens confundidas, Forma e Matéria transparentes, reconciliação com o Espaço, dissolução dos fantasmas do Tempo, Paraíso reencontrado.
(…)
Acumulando progressivamente todas as experiências interiores e exteriores, incorporando no mais fundo do ser, no Castelo interior, como dizia Santa Teresa, todas as visões espontâneas e provocadas, sintetizando, fundindo e cristalizando todas as influências que nos vão formando, depressa o nosso eu toma a forma, a substância e as cores definitivas que constituem a essência da nossa identidade. A riqueza desta substância pode manifestar-se pela irradiação do canto e da Palavra, tentativa incompleta de transformação da linguagem inefável da Mensagem em linguagem comunicável. O resultado desta tentativa é essencialmente a Poesia quando consegue revelar o Absoluto Subjectivo que reside no Castelo Interior do Poeta”.

O cientista e poeta de Reguengos de Monsaraz foi um intelectual exigente e rigoroso, legando-nos um trabalho científico que hoje está, em parte, depositado na sua Casa Museu nessa localidade alentejana. E foi também um amante da poesia. Merece a nossa curiosidade.

António Mota de Aguiar

domingo, 19 de dezembro de 2010

Sobre a clareza da linguagem: Caraça e Gama

Na sequência de texto anterior e centrando-me ainda em Bento de Jesus Caraça, devo acrescentar que a sua preocupação de usar uma linguagem acessível para chegar aos diversos "públicos" com quem contactava, não se restringia à escrita, incluindo também a oralidade. Maria Alice Chicó (1998, 52-53) relembra-o, neste aspecto, da seguinte maneira:
“O que era maravilhoso era que, quando falava connosco, Bento Caraça nunca tomava atitudes magistrais. Tem-se dito que ele falava com simplicidade à gente simples. O que se deve acentuar é que a sua simplicidade na exposição era o produto de uma reflexão profunda que estava subjacente a todos os assuntos de que nos falava, e que lhe permitia tirar deles a síntese que os tornava imediatamente claros e apreensíveis a toda a gente. Havia nele uma grande serenidade, um jeito de nos envolver no calor da sua presença e de encontrar a palavra amiga que animava, que fazia julgar a vida difícil, menos árdua de se viver com dignidade.”
Trata-se de uma descrição que me parece assentar bem a um outro professor, mas de Português, e, além disso, poeta, que, em finais dos anos quarenta e princípios dos cinquenta se detinha igualmente na linguagem que sem trair o próprio educador, lhe permite chegar ao outro, lhe permite educá-lo. Refiro-me a Sebastião da Gama (1924-1952), que num extracto do seu Diário explicava:
“Está provado que não nasci para falar a doutores. Um dos meus professores viu direito quando, no meu exame de admissão ao estágio, lamentou que a minha linguagem nem sempre fosse a mais conveniente (…). Isto é uma qualidade e um defeito: ao pé deles fico apagado, e escuso de ter razão, porque até a razão tem de andar bem vestida para entrar nas salas (…). Esta folha vem a propósito de eu neste dia, em vez de dar aula, ter ido conversar com o metodólogo e de ter sido este um dos pontos que tratámos. Perguntei-lhe se devia falar caro ou falar acessível; e ele achou, comigo, que devia falar acessível, porque «serei sempre diferente deles». Isto de ser «diferente deles» vem lembrar-me outro assunto sobre que falámos — se não neste, noutro dia. O do professor que sente a necessidade de se impor ao aluno pelo alardeamento de uma vastidão e complicação de conhecimentos com que o amachuca e que se irrita ou inventa, se necessário for, quando o aluno lhe pergunta qualquer coisa que ele não sabe. Por mim, nego-me a impor-me desta maneira medrosa e desonesta e será, como tem sido sempre, sem vergonha que direi que não sei.”
Não se veja, porém, nesta duas referências a defesa da linguagem trivial, próxima daquela que se usa no quotidiano dos alunos, para os interessar e apenas isso.

Referências bibliográficas:
- Chicó, M. A. (1998). Entramos pela sua mão no mundo das ideias. História. Ano XX (nova série), n.º 9, 52-53.
- Gama, S. (1993). Diário. Lisboa: Ática.

Sobre a clareza da linguagem: Caraça versus Sérgio

A propósito da clareza que deve caracterizar a comunicação do conhecimento, é famosa, entre nós, a discórdia entre Bento de Jesus Caraça, matemático e António Sérgio, engenheiro e filósofo.

A história, que muitos conhecerão, surge na sequência da publicação, no início dos anos quarenta, do livro Conceitos Fundamentais de Matemática, da autoria de Caraça. Acresce que tal livro não foi publicado por uma qualquer editora, mas sim pela Biblioteca Cosmos, fundada pelo mesmo Caraça para aumentar a educação do povo e, em sequência, o seu entendimento do mundo, nas suas mais diversas vertentes.
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Por essa altura, livro e editora impunham uma nova maneira de encarar o acesso ao conhecimento académico: este não deveria ficar apenas na posse de quem o produzia e de quem, por formação erudita, o conseguia compreender sem intermediários; deveria ser acessível a todos, mesmo aqueles que tivessem uma escolaridade restrita, que, ao tempo, eram a maioria.

Assim, os cientistas e pensadores, uma vez que estavam próximo do conhecimento, teriam por dever divulgá-lo do modo mais acessível possível, sem nunca abdicarem do máximo de rigor. Desta maneira se proporcionaria, nas palavras de Bento de Jesus Caraça, ao "homem comum" o "património cultural comum" (Bebiano, 2001, 15).

Tal propósito estava longe de se afigurar pacífico, destacando-se António Sérgio entre os seus diversos contestatários. Luís Farinha (1998, 35) explica que enfrenta Caraça, acusando-o de...

“... com o livro (...), contribuir para um incitamento à incultura filosófica, à incompreensão da genialidade, à barbarização dos leitores, em virtude da vulgarização do saber que o livro tinha como objectivo realizar."

Por seu lado, continua Farinha,
"Bento Caraça deplora em Sérgio os exercícios que o levam a afastar-se da realidade e a edificar um modelo assente «na beleza intelectual e na limpidez do verbo», quando na verdade expressões verbais como «a unidade transcendental da percepção no eu» de Sérgio não constituíam para Caraça, como ele afirma, mais do que, «flautus vocis, porque não consigo ligar-lhes um sentido preciso» (B. Caraça, Conferências…, 323).
Se alguém conseguiu implantar a ideia da importância e necessidade da divulgação científica, esse alguém foi Bento de Jesus Caraça, alicerçando, entre nós, a tradição de dar a conhecer a todos o que só alguns conseguem construir.

Referências bibliográficas:
- Bebiano, N. (2001). Bento Caraça e a Matemática, aquela Difusa Substância. Gazeta de Matemática, n.º 141, pp. 11-23.
- Farinha, L. (1998). Um homem uno e integral. História. Ano XX (nova série), n.º 9, pp. 28-41.

Sobre a clareza da linguagem: De certeza que não é professor

Vários têm sido os textos publicados no De Rerum Natura que destacam uma característica fundamental da linguagem em geral e da linguagem científica em particular: a clareza. Característica que não se pode dissociar do conhecimento profundo por parte de quem o apresenta e da precisão com que o faz.

A este propósito recordo um episódio da vida académica de Richard Feynman, investigador em Física, Prémio Nobel, mas também professor:
“Nesse encontro só aconteceu uma coisa... divertida... tinham lá um estenógrafo a anotar absolutamente tudo. No segundo dia o estenógrafo veio ter comigo e perguntou-me:
«Qual é a sua profissão? De certeza que não é professor.»
«Mas sou», disse eu.
«De quê?»
«De Física, ciência.»
«Oh! Deve ser essa a razão», disse ele.
«Razão para quê?»
Ele disse: «Sabe eu sou estenógrafo e anoto tudo o que se diz aqui. Ora, quando os outros falam, escrevo tudo o que dizem, mas não percebo nada. Mas, cada vez que você se levanta e faz uma pergunta ou diz alguma coisa, percebo exactamente o que quer dizer... pelo que pensei que não podia ser professor!»
Referência bibliográfica:
- Feynman, R. (1988). Está a brincar Sr. Feynman: retrato de um físico enquanto homem. Lisboa: Gradiva, páginas 267-268.

A Ciência de 2010 em imagens


LHC: uma das imagens de 2010

Certinho como a morte e os impostos, os finais de ano são aproveitados por jornalistas, bloggers, portais virtuais e outros meios de comunicação para fazerem o balanço do ano. Não querendo quebrar com essa tradição, deixo-vos, aqui, uma lista das 72 imagens mais excitantes do mundo da Ciência e Tecnologia deste ano, um trabalho elaborado pela revista PopSci.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Curso Intensivo de Latim

Face à ausência do Latim no currículo do Ensino Básico e quase ausência do currículo do Ensino Secundário, é com grande alegria que divulgamos um Curso Intensivo de Latim que terá lugar na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, de 10 a 21 de Janeiro de 2011, entre as 16.00 e as 19.00 horas.

Apresentação: O Curso oferece uma introdução à língua latina como chave de acesso a todo um património literário, científico, filosófico, jurídico, artístico e espiritual, de que é herdeiro todo o Ocidente. Estudar-se-ão textos simples, preferencialmente adaptados e seleccionados de acordo com a formação do público inscrito, passando por pequenas expressões latinas, densas de significado, que tendem a ser usadas erroneamente ou antes a ser suprimidas.

O curso integra um forte componente gramatical (que inclui a aquisição das principais estruturas da língua) com o estudo ocasional da etimologia que ilumina as diversas línguas maternas. Pretende assim ser também um auxílio para todos quantos desejam conhecer e dominar melhor as estruturas da sua própria língua.

Público-alvo: Investigadores (de todas as áreas), estudantes de 2.º ou de 3.º ciclo, historiadores, arqueólogos, juristas, músicos e musicólogos, eclesiásticos e religiosos, bibliotecários, arquivistas, profissionais de comunicação, professores, jovens licenciados, ou todos quantos, por interesse próprio, desejem iniciar-se no estudo da língua latina, ou simplesmente renovar as suas competências e recuperar o estudo que fizeram há anos.

Mais informações aqui.

Dez estratégias

Há algum tempo que circula pela internet e pelas caixas de correio electrónico um texto intitulado As 10 Estratégias de Manipulação Mediática, atribuído a Noam Chomsky. Apesar de não ter podido confirmar a autoria, arrisco reproduzi-lo no De Rerum Natura, pois, ainda que não tenha sido escrito pelo linguista americano, parece-me uma análise interessante da realidade que nos cerca.

"1- A ESTRATÉGIA DA DISTRACÇÃO.
O elemento primordial do controle social é a estratégia da distracção que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e económicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundações de contínuas distracções e de informações insignificantes. A estratégia da distracção é igualmente indispensável para impedir o povo de interessar-se pelos conhecimentos essenciais, na área das ciências, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. "Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à quinta como os outros animais (citação do texto 'Armas silenciosas para guerras tranquilas')".

2- CRIAR PROBLEMAS, DEPOIS OFERECER SOLUÇÕES.
Este método também é chamado "problema-reacção-solução". Cria-se um problema, uma "situação" prevista para causar certa reacção no público, a fim de que este tenha a percepção que participou nas medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público exija novas leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou ainda: criar uma crise económica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.

3- A ESTRATÉGIA DA GRADAÇÃO.
Para fazer com que se aceite uma medida inaceitável, basta aplicá-la gradualmente, a conta-gotas, durante anos consecutivos. É dessa maneira que condições socioeconómicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990: Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários baixíssimos, tantas mudanças que teriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.

4- A ESTRATÉGIA DO DEFERIDO.
Outra maneira de se fazer aceitar uma decisão impopular é a de apresentá-la como sendo "dolorosa e necessária", obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é aplicado imediatamente. Segundo, porque o público - a massa - tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que "tudo irá melhorar amanhã" e que o sacrifício exigido poderá vir a ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para acostumar-se à ideia da mudança e de aceitá-la com resignação quando chegar o momento.

5- DIRIGIR-SE AO PÚBLICO COMO SE DE CRIANÇAS SE TRATASSE
A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entoação particularmente infantis, muitas vezes próximos da debilidade mental, como se cada espectador fosse uma criança de idade reduzida ou um deficiente mental. Quanto mais se pretende enganar ao espectador, mais se tende a adoptar um tom infantilizante. Porquê? "Se você se dirigir a uma pessoa como se ela tivesse 12 anos ou menos, então, em razão da sugestionabilidade, ela tenderá, com certa probabilidade, a dar uma resposta ou reacção também desprovida de um sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade (ver "Armas silenciosas para guerras tranquilas")".

6- UTILIZAR MUITO MAIS O ASPECTO EMOCIONAL DO QUE A REFLEXÃO.
Fazer uso do discurso emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, e pôr fim ao sentido crítico dos indivíduos. Além do mais, a utilização do registo emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para incutir ideias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos...

7- MANTER O PÚBLICO NA IGNORÂNCIA E NA MEDIOCRIDADE.
Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para o seu controle e escravidão. "A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que paira entre as classes inferiores e as classes sociais superiores seja e permaneça impossível de eliminar (ver 'Armas silenciosas para guerras tranquilas')".

8- ESTIMULAR O PÚBLICO A SER COMPLACENTE NA MEDIOCRIDADE.
Promover no público a ideia de que é moda o facto de se ser estúpido, vulgar e inculto...


9- REFORÇAR A REVOLTA PELA AUTOCULPABILIDADE.
Fazer o indivíduo acreditar que é somente ele o culpado pela sua própria desgraça, por causa da insuficiência da sua inteligência, de suas capacidades, ou do seu esforço. Assim, ao invés de revoltar-se contra o sistema económico, o indivíduo autocritica-se e culpabiliza-se, o que gera um estado depressivo, do qual um dos seus efeitos mais comuns, é a inibição da acção. E, sem acção, não há revolução!


10- CONHECER MELHOR OS INDIVÍDUOS DO QUE ELES MESMOS SE CONHECEM.
No decorrer dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência têm gerado um crescente afastamento entre os conhecimentos do público e os possuídos e utilizados pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o "sistema" tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto física como psicologicamente. O sistema tem conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que ele mesmo conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos do que os indivíduos sobre si próprios."

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Breves sobre o fósforo e o arsénio na vida


Texto publicado no sítio da Associação Viver a Ciência.

Tanto quanto é possível saber, com a tecnologia e conhecimentos geológicos actuais, quer o fósforo quer o arsénio, e seus derivados óxidos, estiveram presentes em abundância biodisponível antes do início da vida no planeta Terra (aqui). Compostos de arsénio até estiveram em níveis de concentração tóxicos para as actuais formas de vida, em locais onde a vida existiu e deixou registos.

Por outro lado, existem inúmeras evidências de que, antes do desenvolvimento de bactérias fotossintetizantes, compostos de arsénio foram mobilizados pela vida unicelular para a obtenção de energia através de processos de oxi-redução (ver aqui por exemplo).

A convivência do arsénio com a vida emergente está registada na existência de complexos proteicos respiratórios, genericamente designados por arsenato reductases, presentes em algumas bactérias anaeróbias (ou seja, que não precisam de oxigénio molecular para os seus processos energéticos).

De facto, a utilização de compostos de arsénio pela vida, para processos de vida, é conhecida pelo menos desde o princípio deste século. Em 2001, uma bactéria, a Thermus HR13, foi identificada numa fonte geotermal com temperaturas próximas dos 100 ºC, e caracterizada pela sua capacidade de utilizar o “venenoso” arsénio inorgânico, em processos “respiratórios” na ausência de oxigénio!

Igualmente “disponíveis” para integrarem a viagem evolutiva da vida, a prevalência do fósforo, em aparente detrimento do arsénio, terá tido mais a ver com a estabilidade dos compostos formados pelo primeiro com o oxigénio e com os outros elementos denominadores comuns na equação da vida (hidrogénio, carbono, nitrogénio, enxofre).

Em seres aeróbios, quer unicelulares ou multicelulares, o arsénio inorgânico e os sais de arsenato, interferem com o normal funcionamento metabólico. Causando stress oxidativo, inactivando proteínas, entre outras “bisbilhotices” bioquímicas, a semelhança dos arsenatos com os fosfatos, por exemplo, permite aos primeiros substituírem-se aos segundos, perturbando funções vitais.

Os compostos de arsénio são estruturalmente “parecidos” com certas matérias-primas necessárias ao metabolismo celular. Quase se poderia dizer que alguns compostos de arsénio são autênticos cavalos de Tróia. Arsenatos são transportados para o interior celular pelas mesmas proteínas membranares que transportam os tão necessários (ler mais à frente) fosfatos.

O engodo biomolecular está inscrito ainda mais profundo na intimidade celular. A frequência da substituição é suficientemente elevada para ser “rentável”, na bioeconomia celular, o investimento evolutivo de proteínas anti-arsénio (aqui). De facto, algumas espécies de bactérias possuem genes de resistência ao arsénio (ver aqui).

Os perigos da substituição, a toxicidade do arsénio e companhia, são tanto maiores quanto as parecenças com o fósforo e seus derivados. E isto apesar da clara diferença química elementar. O fósforo (símbolo químico P) é constituído por 15 protões e 15 neutrões, o arsénio (símbolo químico As) por 33 protões e 33 neutrões. As propriedades semelhantes, mas com nuances reactivas diferentes, são dadas pelo mesmo tipo de configuração electrónica de valência (3s2 3p3 para o P, 4s2 4p3 para o As), ou seja, pelas semelhantes possibilidades de interacção com outros átomos. Rodeado pelos mesmos átomos, com que pode interagir da mesma forma do que o fósforo, o arsénio insiste em perturbar algumas formas de vida, como a nossa.

E porque é que o fósforo é essencial à vida?

O anião fofasto (PO42-) é parte integrante do esqueleto da estrutura helicoidal da molécula de DNA (ácido desoxirribonucleico), “argamassa” dos nossos genes, assim como de outros tipos de ácidos nucleicos como sejam os “multifacetados RNAs (ácidos ribonucleicos). Mal formações embrionárias e a acção teratogénica dos arsenatos são há muito conhecidas pela interferência destes na estabilidade genética necessária ao desenvolvimento normal (ver aqui).

As células utilizam as ligações que o grupo fosfato estabelece para armazenar e transportar energia sendo a adenosina-tri-fosfato, ou ATP, a moeda energética franca a nível da biosfera terrestre.


Os fosfolípidos que formam as membranas celulares têm, como o próprio nome indica, fósforo na sua constituição. A presença do grupo fosfato na constituição lipídica é responsável, em grande parte, pelas propriedades membranares intrínsecas à vida em meio aquoso.

Compostos com o grupo fosfato, como o AMPc, o GTP, são ainda utilizados pela célula para comunicar com outras células ou para regular o fluxo e a transdução de informação, por exemplo, hormonal. De facto, a adição de um grupo de fosfato (designado por fosforilação) pode activar ou desactivar a função fisiológica de determinada proteína, ligando ou desligando determinada via metabólica e/ou de sinalização celular em resposta a um sinal hormonal, factor de crescimento, entre muitos outros.

Por fim, não é preciso grande imaginação, ou mais informação, para entender os distúrbios que as substituições por aparências podem causar na fina organização da vida.

António Piedade

Pérolas livreiras

Há compilações bem mais interessantes, mas não resisto a deixar aqui este pequeno apontamento do The Huffington Post sobre pérolas ouvidas em livrarias; gostei particularmente do conselho de Glenn Beck para não comprarem o livro dele em "livrarias socialistas" e a procura por outros livros de Anne Frank...

António Gião, apontamento biográfico

Post recebido do historiador António Mota de Aguiar:

António Gião foi um importante cientista português do século XX. Fez o liceu em Évora e, antes de emigrar para França, frequentou durante dois anos a Universidade de Coimbra. Nascido a 1906 em Reguengos de Monsaraz, faleceu em Lisboa em 1969. Infelizmente, teve uma vida relativamente curta: tivesse ele vivido mais alguns anos e talvez tivesse tido a possibilidade de divulgar mais o seu trabalho, permitindo-nos conhecer hoje melhor a sua obra científica.

A sua obra científica foi assaz relevante, uma vez que foi “desde os anos 40 e até à sua morte nos finais de 60 a figura central da Relatividade e da Cosmologia em Portugal”. Isso é tanto mais notável quanto António Gião nasceu num país de parca tradição científica e numa região pobre de Portugal, como era o Alentejo no início do século XX.

Emigrou para França e, em 1927, com 21 anos, obteve em Estrasburgo o diploma de Engenheiro Geofísico. A partir daí, e até à sua morte, Gião teve um percurso profissional e científico de renome internacional: trabalhou nas Universidades de Bergen, Florença, Génova e Dublin, no Real Instituto Meteorológico da Bélgica, no Instituto Nacional Meteorológico de Paris e no Instituto Poincaré, também de Paris.

Em 1960 foi nomeado Professor Catedrático da Faculdade de Ciências de Lisboa, tendo na década de 60 sido director científico do hoje extinto Centro de Cálculo Científico do Instituto Gulbenkian de Ciência.

Ao longo da sua carreira de investigador, Gião deixou-nos numerosos trabalhos, em particular na área da Física-Matemática, apresentou numerosas comunicações à Academia das Ciências de Paris, deu lições e conferências em várias universidades europeias tendo escrito mais de cem trabalhos de investigação, na sua maioria publicados em jornais científicos europeus e norte-americanos.

António Gião foi também um amante da música e, como “um cientista apaixonado pela poesia”, deixou-nos muitos poemas, que serão aqui recordados em próxima ocasião. O cientista, poeta e humanista é um dos nossos grandes valores da nossa ciência do século XX. Não o devemos esquecer.

António Mota de Aguiar

Julien Assange


Artigo de opinião de J. L. Pio de Abreu no "Destak" de hoje:

A personagem do momento é a do fundador da WikiLeaks, Julien Assange, preso no Reino Unido. E porquê? Porque, ao que parece, o homem foi acusado de violar uma senhora enquanto ela dormia (na cama dele, supomos) e de não usar preservativos. Tudo pelas mãos da sagrada Justiça do Reino Unido, depois de um alarme internacional emitido pelo circunspecto Governo sueco.

Não é novidade a acusação de mau comportamento sexual quando se intenta destruir alguém. Em geral, são acusações que não se podem provar mas que, nos países ocidentais, implicam penas pesadas, prisão preventiva e exposição no pelourinho mediático. A prisão e exposição chegam para destruir, mas Julien vai sair incólume porque já ninguém acredita nas patranhas desta justiça.

Julian Assange é, a vários títulos, um símbolo. Usando inteligência e conhecimento tecnológico, põe em causa as elites do poder que reagem de um modo infantil e tosco. Enquanto desvenda segredos institucionais com provas, é atacado com a suposta violação dos segredos privados que ninguém poderá provar. Mostra como as leis e a justiça estão inadequadas às realidades actuais e como a Internet tornará as instituições transparentes.

O congelamento de uma pequena conta num banco suíço foi a última infantilidade. As elites estão nervosas, e não é pelo mal que aconteça aos governos. O conhecimento da actividade de um banco português já deu o mote. Segue dentro de momentos a divulgação dos grandes negócios secretos.

J.L. Pio Abreu

EGAS MONIZ, A BIOGRAFIA


Minha crónica no "Sol" de hoje:

Ainda a tempo do Natal acaba de chegar às livrarias, em edição da Gradiva, uma biografia do cientista luso que, com o prémio Nobel, ganhou, no século XX, maior reconhecimento internacional: o professor de Medicina e neurocirurgião António Egas Moniz. É seu autor outro professor de Medicina e neurocirurgião, João Lobo Antunes. O autor foi sensível ao filósofo Fernando Gil, que comentou que “teria um dia de escrever um livro, e não se limitar a colectâneas de ensaios de temáticas variadas”. O livro é este. O subtítulo diz, com alguma modéstia, que se trata de “uma biografia”. Mas é, antes, “a biografia” do grande sábio.

Não é preciso falar muito sobre o autor, bastando dizer que da sua pena tem saído alguma da melhor prosa ensaística em língua portuguesa. Mas convém acrescentar que, servindo-se dos seus apurados dotes de investigador, pesquisou com profundidade praticamente todas as fontes que havia sobre Egas Moniz, avaliando-as com singular espírito crítico e oferecendo ao leitor o destilado produto dessa avaliação. Fala com vivo interesse de uma personagem de quem está próximo, não só por praticar a mesma profissão, mas também por o seu pai ter sido colaborador próximo do biografado.

O leitor lerá com gosto neste livro uma descrição completa da vida de Egas Moniz, desde os anos de formação, primeiro na ria de Aveiro, depois no colégio jesuíta de Castelo Branco e depois ainda na Universidade de Coimbra, até aos anos finais de fama e glória, na Universidade de Lisboa, proporcionadas pelas numerosas láureas, passando pela sua precoce carreira política e diplomática e, evidentemente, por todos os trabalhos científicos que conduziram às suas duas obras maiores: a invenção da angiografia e da leucotomia pré-frontal. Encontrará relatos de peripécias pouco conhecidas, como a sua “descoberta” dos raios X através de um trabalho académico solicitado por um mestre coimbrão, quando esses raios ainda eram novidade, ou o seu duelo com Norton de Matos, com quem mais tarde haveria de se reconciliar. Ficará a saber que Fernando Pessoa e Mário de Sá Carneiro foram doentes de Egas Moniz. A biografia tem, como assinala com ironia Lobo Antunes, sexo e violência: sexo porque A Vida Sexual foi a tese de doutoramento do biografado, que havia de tornar-se um bestseller, e violência porque ele foi atingido a tiro, já em idade madura, por um seu paciente.

Lobo Antunes demora-se na descrição das invenções de Egas Moniz. Se a primeira, revolucionária na época, resistiu à erosão do tempo, a segunda tem sido alvo de críticas. O autor critica as críticas: para ele, o Nobel foi merecidíssimo. Refere mesmo o renascimento actual da psicocirurgia. Este é o livro que nos faltava sobre um dos nossos maiores cientistas!

Exposição e Colóquio sobre a Royal Society de Londres

A exposição "Membros portugueses da Royal Society" está patente na Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra até final de Fevereiro. A WebTV da Universidade (UCTV)fez uma reportagem durante o Colóquio sobre relações científicas luso-britânicas que se desenrolou no local da exposição a 10 de Dezembro:

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Carlos Pinto Coelho

Fui colega dele na tropa, ou melhor, nos seus começos, ambos cadetes da Escola Prática de Administração Militar (EPAM), no Lumiar, em Lisboa. Fazíamos parte do curso de Acção Psicológica do Exército Português, e éramos muito poucos, uma dúzia se tanto, de jovens cadetes do 1.º Ciclo. Isto nos idos de 70, mais coisa menos coisa.

Depois separámo-nos, ele nunca mais me viu, nem com ele contactei, mas continuei a vê-lo muitos anos depois, nas televisões, em noticiários, programas de fim de semana, em reportagens e sobretudo no Acontece, que foi, pela simplicidade, a economia de tempo e meios, a originalidade, um acontecimento cultural, durante anos; um momento diário, vivo e rico, numa televisão pesada, balofa e com alguma fobia cultural.

Nesses verdes anos era jornalista do Diário de Notícias e estava no começo de uma carreira, que a tropa acabava de interromper, como a muitos de nós. À conta dele, e por diligência sua, fomos, enquanto cadetes, fazer uma visita de estudo a essa instituição do Regime que era o Diário de Notícias. Uma visita informal, à noite, em regime pós-laboral, se assim se pode dizer, mas com intuitos educativos e culturais, por que não? E até fomos recebidos pelo director do jornal, o impagável homem de salão que era Augusto de Castro, e pelo subdiretor, Fernando Fragoso, suponho. Andamos pelas salas de redação, de paginação, de impressão, era ainda no tempo das grandes rotativas e dos linotypes, da impressão a chumbo, que era uma maravilha de técnica e de invenção. Imagino que os antigos jornalistas terão muitas saudades desse tempo, apesar das enormes vantagens e possibilidades dos actuais computadores. Dessa visita veio notícia no próprio jornal, mas sem fotografia, que, contudo, nos foi tirada. Pinto Coelho andou por lá mexendo os cordelinhos para que não saísse “boneco” do acontecimento porque nós, como cadetes, não podíamos andar à paisana, e era, portanto, melhor não criar problemas.

Era um tipo vivo, inteligente, simpático, fraternal, amigo dos seus amigos, e que sabia ser, ao mesmo tempo, frontal e diplomático. Mas, tanto quanto me pude aperceber, um bom vivant, de que, pelos vistos, não se corrigiu, e ainda bem. Conhecia, já nessa altura, imensa gente, contava histórias do meio jornalístico, estava ainda muito marcado pela sua infância e juventude moçambicanas, e acabava por ser, por estes trunfos, uma mais-valia, do nosso curso, face aos comandos da Escola Prática.

Guardo dele uma pequenina memória pessoal, de que nunca me esqueci e que me foi, durante anos, grato recordar. Eu tinha acabado o meu curso e conseguira, nas vésperas da incorporação, terminar a tese de licenciatura. Este trabalho era, então, obrigatório para se ficar de facto licenciado, mas poucos faziam a tese; uns, porque começavam a trabalhar e deixavam de ter tempo, outros, porque casavam, outros, porque iam para a tropa e perdiam o jeito e o feitio, etc. A expansão do sistema educativo e a grande procura de professores, nessa altura, acabava por, na prática, dispensar esse complemento de formação, a que a Revolução veio dar fim pelo modelo habitual da extinção.

Mas eu, que tivera a felicidade de ter, anos antes, nos começos do curso, uma ideia entusiasmante para a minha tese, trabalhei afincadamente nela e consegui terminá-la justamente antes desse incorporação. Mas como ainda não a tinha defendido em acto, andava, nas minhas horas livres, pela parada da EPAM e pela sala dos cadetes, com o calhamaço debaixo do braço, lendo passagens, fazendo anotações nas margens, enfim, preparando a minha defesa.

Até que o Carlos Pinto Coelho deu por isso e me pediu para ver. Era um tema abstruso e inesperado (Da infinidade – ensaio sobre a essência da natureza infinita ou análise dos limites possíveis à consciência). Afastou-se, foi para outra mesa, e sozinho, durante um bom pedaço de tempo folheou da frente para trás e detrás para a frente as mais de seiscentas páginas, viu o índice, leu algumas partes, e depois, teve uma atitude inteligente e disse-me isto mais ou menos: o tema é-me algo estranho, como deves calcular, mas tenho feito muita recensão crítica a livros que enviam para o jornal, e por aquilo que vi e li, embora pouco, parece-me sólida e bem estruturada a tua tese, gosto da linguagem, palpita-me que tens aí algo de interessante e original; portanto, força! Nunca me esqueci desta sua atitude cuidadosa e estimulante, mostrando consideração por um trabalho que, ao tempo, era tudo para mim.

Esta memória e esta evocação é, pois, uma pequena homenagem a um Amigo que cheguei a ter há muitos anos.

João Boavida

O MINISTRO DA EDUCAÇÃO QUE ENSINA LITERACIA FINANCEIRA

A notícia é do Diário de Coimbra de hoje (ver aqui ): o Ministro da Educação, Ciência e Inovação regressou à escola secundária onde foi alun...