A ASSP preocupa-se com muitas das vertentes da nossa vida pública, com destaque para o seu cruzamento com as questões da Ciência e da Educação. É neste terreno que privilegiamos a sua opinião sobre os seguintes pontos:
1. Ciência
e Tecnologia sempre desempenharam um papel fundamental no desenvolvimento das
sociedades. Qual a influência que a divulgação da Ciência, através de todos os
meios disponíveis, pode ter na promoção do interesse pelo conhecimento destas
áreas?
CF- Não pode haver
criação e aplicação da ciência e tecnologia se a sociedade não reconhecer a
relevância desses processos. Estou em crer que, em todo o mundo, mais nuns
sítios do que noutros, o papel da ciência e da tecnologia é reconhecido: é
graças a estas que vivemos hoje mais e melhor. Mas há muito espaço para
progresso: muita gente não tem ainda suficiente consciência do valor da
ciência. E a maioria das pessoas que a têm podem ter mais. Somando-se ao papel
imprescindível da escola, a divulgação da ciência desempenha um papel essencial
na compreensão da ciência pelo público.
Onde há mais ciência é também onde há mais divulgação científica,
alimentando-se as duas uma à outra.
Chama-se cultura científica a essa penetração da ciência da sociedade.
Melhores índices de cultura científica significam a melhoria do conhecimento do
mundo, incluindo o conhecimento de nós próprios.
2. Que
papel pode o ensino da Ciência desempenhar nas questões ambientais?
Sem
ensino das ciências, feito a seu tempo na escola, não pode haver cultura
científica. Sem acabar nela, a ciência deve começar na escola, e começar o mais
cedo possível, logo no jardim de infância, quando as crianças alargam o seu
contacto com o mundo. Hoje vivemos grandes desafios ambientais, derivados do
sobreaquecimento do planeta causado pelas nossas emissões de dióxido de carbono
para a atmosfera. Do ponto de vista científico compreendemos bem a questão e
também desenvolvemos algumas soluções, designadamente substituir as energias
provenientes de combustíveis fósseis por energias ditas alternativas. Tudo isso
deve ser ensinado e discutido nas escolas, porque estas servem para preparar
para a vida. Deve ser transmitido não só o estado do planeta, mas também os
métodos que usámos e usamos para conhecer esse estado, porque a ciência, mais
do que um corpo de conhecimentos, é um método para os obter. Contudo, o
referido desafio ambiental não tem solução fácil, porque, para além da ciência,
há questões sociais, económicas e políticas, que dividem os países. A escola
também devia transmitir essa realidade humana, para além da realidade da
Natureza, ligando as ciências exactas e naturais com as ciências sociais e as
humanidades. E a consciência ambiental não pode acabar na escola, desempenhando
os media um papel fulcral, para que os cidadãos possam fazer escolhas quando
fazem intervenções políticas.
3. Que
avaliação faz da situação atual da Educação em Portugal?
Temos
grandes problemas nessa área. À partida e desde logo a progressiva
desconsideração dos professores, cujo papel importa valorizar. Cheios de
trabalho, não apenas pedagógico, mas infelizmente também burocrático, e mal
pagos, os professores estão desmotivados. Muitos querem reformar-se o mais cedo
possível. E foram cometidos erros de planeamento (ou houve falta dele…),
descurando a formação de professores para ocupar vagas em aberto ou que vão
abrir. É preciso que o corpo docente volte a ter estímulos, sendo o maior o
reconhecimento pela sociedade da sua nobre tarefa de educar. Depois, há
questões organizativas – como os currículos, o espaço escolar, os meios
pedagógicos (incluindo os computadores)), etc. – que nem sempre têm sido bem
tratadas. Vários governos têm tentado conduzir políticas que por vezes se
«atropelam» umas às outras, confundindo quem está na escola e fora dela.
4. O
ensino das Ciências está a cumprir a sua função de estimular conhecimento,
curiosidade e sentido crítico na Educação básica?
A
educação básica é básica: nela assenta todo o edifício escolar. Respondendo de
forma sumária, sim, está, mas pode fazer melhor. Os educadores e professores dão todos os dias
o seu melhor para estimular a curiosidade natural dos mais novos. Mas as
distrações são muitas – incluindo as distrações dos telemóveis e da Internet –
e o seu trabalho não é fácil. Fez-se já
um grande caminho de integração de elementos de ciência no ensino básico, mas
pode-se fazer melhor: por exemplo, as boas práticas do ensino experimental
deviam ser mais conhecidas e os bons exemplos deviam ser premiados.
5. Considera
que atualmente há uma boa ligação entre a Ciência, a Tecnologia e as Empresas?
A
actividade da maioria das empresas assenta hoje, de uma forma ou de outra, na
ciência e na tecnologia. Estas empregam os jovens que o ensino superior forma. As
instituições de ensino superior têm tentado aprofundar a sua ligação às
empresas. Mas há aqui um amplo espaço para melhoria: ainda há alguma
desconfiança mútua e alguns entraves burocráticos a projectos conjuntos. As
estatísticas dizem que a maior parte da investigação científica e tecnológica é
feita no sector privado, nas empresas, mas julgo que esses dados estão um pouco
inflacionados. As empresas podem e devem, para seu próprio benefício, investir
mais em ciência e tecnologia e devem fazê-lo em boa integração com os centros
de investigação, que na sua grande maioria estão ligados ao ensino superior.
Isto é, há que multiplicar os contactos entre as instituições de ensino
superior e as empresas. Têm objectivos diferentes (por exemplo, as instituições
de ensino superior não têm de ter lucro), mas complementares.
6. Se
não, o que falta fazer? Qual o papel dos dois subsistemas do ensino superior
neste processo?
O
ensino superior está, pelo menos desde os tempos do ministro Veiga Simão, no
regime anterior, articulado em ensino universitário e politécnico (uma divisão
que existe tanto no sector público como no sector privado). Falamos, por isso,
de um sistema dual. Mas o certo é que essa divisão não é nítida - por exemplo
há universidades com ensino politécnico e politécnicos com ensino universitário.
E, além disso, cada vez mais os politécnicos reclamam uma parte do q1ue era
apenas estatuto universitário. A referida
dualidade, que, num país muito desigual, liga muito à questão do
desenvolvimento regional, devia ser debatida. E não deveria haver medo de fazer
mudanças se estas forem julgadas necessárias.
7. Qual
a avaliação que faz do incremento que a Inteligência Artificial está a ter nas
sociedades em geral?
A
Inteligência Artificial está em explosão por via do desenvolvimento da sua
modalidade generativa: isto é, programas como o ChatGPT, permitem criar obras
que parecem humanas. A sociedade tem aqui também um grande desafio. Haverá
mudanças que não sabemos ainda bem quais são – alguns trabalhos humanos
passarão a ser automatizados, por exemplo, como de outros modos já aconteceu no
passado. Mas há, claramente, alguns perigos, designadamente a capacidade de
fazer e espalhar concepções virtuais que muitos podem confundir com reiais. O
real e o virtual estão cada vez mais difíceis de distinguir e isso acarreta
perigos sociais. È cada vez mais fácil sermos enganados.
8. Qual
o papel que a Inteligência Artificial pode ter no Ensino Básico/Secundário e
nas Universidades e Politécnicos?
Sei
que há algumas tentativas em curso do seu uso e a experiência devem ser
avaliadas. O papel dessa Inteligência será maior nas Universidades e
Politécnicos do que no básico e secundário. Há mudanças que se antecipam: por
exemplo, a avaliação por escrito terá de ser feita com mais critério. Sendo a
favor da inovação, não posso deixar de chamar a atenção para a cautela que é
sempre preciso quando se introduzem novidades no ambiente educativo. A escola pode
e deve ser inovadora, mas tem também de ser conservadora. Não pode trocar o
certo pelo duvidoso. E vejo muitos estudos hoje que põem em causa o excessivo
uso de ecrãs na escola. A pandemia mostrou-nos que, se os ecrãs são uteis, a
presença pessoal tem componentes insubstituíveis. Estou em crer que os professores
nunca serão substituídos por máquinas, porque a escola é acima de tudo um lugar
de promoção da humanidade.
9. Os
manuais escolares estão a ser substituídos pelo digital. Considera essa
substituição positiva do ponto de vista dos protagonistas da Educação?
O
digital tem o seu papel, se me é permitido o trocadilho. Mas eu sou, por
formação, um leitor e autor do papel. Aprendi por manuais em papel e acho que
este tem enormes vantagens. Sou autor de vários manuais, dos quais há versões
digitais, que terão uma vantagem ou outra, por exemplo a leveza ou a procura
rápida de texto. Ensaios feitos em países mais desenvolvidos estão a desfazer
uma «ilusão tecnológica» que foi criada apregoando a total superioridade do
digital. Para os governos há a tentação de supor que os problemas da educação
se curam com tecnologia. Mas não: a educação é um problema humano, que se cura,
ou melhor que temos de procurar curar, com mais humanidade, em especial
formando melhor os nossos professores e confiando mais neles.
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