segunda-feira, 21 de outubro de 2024

SERÁ POSSÍVEL UMA EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA À MARGEM DAS MUITAS IDEOLOGIAS QUE A CERCEIAM?

O Primeiro-Ministro anunciou hoje o que se esperava: (mais) uma mudança do currículo do ensino obrigatório (não de "programas", como disse, pois faz tempo que eles foram revogados, passando as disciplinas a ser guiadas por documentos designados por "Aprendizagens Essenciais").
 
E colocou a tónica na componente de Cidadania (não "disciplina" de Cidadania, como disse, pois a agora designada Cidadania e Desenvolvimento pode ou não ser concretizada numa disciplina, consoante se trate do ensino básico ou secundário, admitindo também o enquadramento em projectos).
 
O argumento para justificar a mudança nesta componente é que ela está cativa da ideologia. Infiro que isto queira dizer "por uma certa ideologia", aquela que, em termos sociais, se entende como tal. Se não, veja-se a notícia do jornal Público de hoje:
"Em 2020, [a educação para a cidadania] tornou-se mesmo motivo de polémica depois de dois alunos de Vila Nova de Famalicão terem faltado à disciplina durante um ano lectivo por decisão dos pais, que alegaram objecção de consciência aos temas que ali são leccionados e se envolveram numa disputa judicial com o Ministério da Educação".

Ora, os temas de cidadania são, no momento, 17 (ou, feitas bem as contas, 18, havendo escolas que lhe acrescentam outros) e os temas no caso aqui invocado seriam talvez os de "igualdade de género" ou "sexualidade". É muito neles que a discordância entre esquerdas e direitas se concentram. E fazem-no por razões ideológicas. Porque uns "acham" isto e outros "acham" aquilo. Expurgar a ideologia por razões ideológicas é um contrassenso.

Acontece que noutras áreas que não estas (mas talvez não em todas) a ideologia está lá; será distinta, mas está: é a ideologia do empreendedorismo, da gestão financeira, do sucesso... que produz o perfil desejável de produtor-consumidor, funcional no mercado de trabalho. E isto sob influência e presença de múltiplos  stakeholders, sobretudo de representantes de marcas comerciais que entram na escola pública por via da dita "cidadania". Presumo que seja esta que vai manter-se travestida, evidentemente, de neutralidade ideológica.

Vemos que a escola, desde os seus primórdios (quando assume a sua expressão educativa, o que nem sempre aconteceu/acontece), se preocupou com a cidadania, com a preparação das novas gerações para (bem) viver no espaço comum. E isto tem de continuar a ser um dos seus desígnios. 

Ou seja, a escola pública não pode abdicar de educar as novas gerações num quadro de cidadania, segundo valores éticos (universais e universalizantes), que têm de ser conhecidos, preservados e tidos como guias de acção. Mas para benefício do mundo.

De modo mais claro: é preciso entender que educar para a cidadania é um dever da escola pública, proporcionada pelo Estado, destinada a todos, não doutrinal. Por isso tem de ser guiada por princípios que concorrem para a formação do ser humano, na esperança de que isso constitua uma mais valia para a humanidade. Orientações partidárias, religiosos, comerciais ou congéneres não têm, não podem ter ter lugar, nessa escola. Isso mesmo está consagrado na Constituição da República e na Lei de Bases do Sistema Educativo.

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