Novo texto de Eugénio Lisboa:
A política é a arte de
impedir
as pessoas de se intrometerem
naquilo que lhes diz respeito.
Paul Valéry
O espanto ou
a capacidade de nos espantarmos é o motor de arranque da maior parte das
descobertas. Quando alguém perguntou a Newton como se descobria a lei da
gravitação, diz-se que o grande cientista respondeu deste modo: “Pensando nisso
o tempo todo.” Pensar nisso o tempo todo é o segredo dos que se espantam e se demoram tempos intermináveis, detidos por esse fecundo espanto,
diante de algo que os surpreende. A concentração dos que se espantam e
obstinadamente buscam decifrar o motivo desse espanto, aparece como
irresistivelmente cómica aos que nunca se espantam e tudo têm como um dado
evidente e inquestionável.
Conta-se que
o filósofo Schopenhauer se deteve, um dia, num jardim público, diante de uma
flor. E ali ficou, fascinado, a olhar para aquela beleza floral, durante imenso
tempo, totalmente absorvido por aquele pedacinho de universo. As pessoas que
por ali passavam, não compreendendo aquela teimosa imobilidade do filósofo,
faziam comentários jocosos. Até que um polícia que por ali cirandava, desconfiado
daquele comportamento insólito, lhe perguntou o que estava ali a fazer,
especado tanto tempo, diante de uma flor. Schopenhauer olhou fixamente para o
guarda, sem qualquer arrogância, antes com grande candura, e respondeu-lhe, com
acento sincero: “Se o senhor guarda fosse capaz de me explicar o que estou aqui
a fazer, ficava-lhe muito grato.” Schopenhauer (que, aliás, escreveu um soberbo
ensaio sobre o “espanto” como motor de arranque de todo o conhecimento), estava
ali, simplesmente, perplexo, espantado, perguntando não sabia bem o quê, em
suma, “pensando o tempo todo”.
Sirva isto
de introdução a algo que, por estes dias, muito me tem espantado, levando-me,
por isso, a uma persistente conversa com os meus botões.
O meu
espanto, causa de inquietação e infinita distracção – já me fez perder um
guarda-chuva e deixar as chaves penduradas na porta de casa, enquanto ia
almoçar - diz-me isto que, à primeira
vista, me parece difícil de explicar. O mundo todo vive, actualmente, à beira
do abismo: a economia ameaçada de terramotos demolidores, as
grandes potências, dirigidas por
gente pouco sábia, a prepararem-se para uma estúpida confrontação económica e
militar, a probabilidade de futuras pandemias duradouras e altamente mortíferas
e produtoras de grave desaceleração económica, como se tem visto, desemprego,
fome, quebra de recursos financeiros para a saúde, alterações climáticas de
consequências assustadoras para a vida neste belo e maltratado planeta, sem
falar noutros flagelos, que não vou enumerar.
Tudo isto, ameaçando
o mundo todo, é óbvio que não vai poupar Portugal, à beira do mar plantado.
Pois bem,
diante deste sinistro Apocalipse, com que se preocupa a nossa inefável
comunicação social, dando-lhe abundante e estridente palco? Por mais que pareça
inacreditável, preocupa-se com esta ínfima coisa: com as balbúrdias internas de
um micropartido – o CDS – já hoje totalmente irrelevante e, no futuro próximo,
mais do que provavelmente, extinto. As escaramuças estridentes entre duas
cómicas nulidades, Nuno Melo e Rodrigues dos Santos, pela conquista da
liderança do CDS, trazem-me ao espirito a imagem de dois cães esfomeados,
lutando furiosamente por um osso despido de qualquer vestígio de carne ou
tutano! Em suma, dois alienados pretendentes, disputando coisa nenhuma. Isto,
confesso, estas pequeninas escaramuças entre insignificantes comadres, perante
um dilúvio de catástrofes que se aproximam a grande velocidade, causa-me um
espanto muito maior e mais angustiante do que aquele que terá causado uma bela
flor ao autor de O Mundo como Vontade e
Representação, ou a queda de um grave, ao espírito taciturno e teimoso de
Newton. Porque, sim, como se explica isto? Como se explica que os seres
humanos, à beira de desaparecerem do planeta – e, com eles, outras formas de
vida – sem disso deixarem memória, por não haver a quem, se preocupem com
ninharias e com disputas que não interessam nem à vaquinha do Presépio? Eu só
vejo, depois de me espantar, uma plausível explicação: trata-se de pura
caridade; de uma manobra de diversão, caridosamente engendrada por políticos
bem intencionados, para nos distraírem do pavoroso Apocalipse que se avizinha.
Paul Valéry, a quem lestamente roubei o aforismo que dei a este texto, tinha
razão. Os políticos querem apenas impedir-nos de metermos o nariz naquilo que
nos diz respeito. O mesmo Valéry que, um dia, nos avisou com grande
clarividência: “Nós outras, civilizações, sabemos agora que somos mortais”.
Infelizmente, sabemos, num agora posterior ao de Valéry, que não são só as
civilizações que são mortais: toda a vida, no planeta, também é.
Eugénio Lisboa
6 comentários:
Há creio que uma contradição neste texto com outros do autor já anteriormente aqui publicados. Houve textos em que Eugénio Lisboa, implicitamente atribui a existência da Guerra à maldade dos homens. Neste texto, é mais preciso, ao aproximar-nos dos verdadeiros motivos e da natureza da Guerra, e que nada tem que ver com a psiquiatra.
Seria interessante que Eugénio Lisboa, escreve-se sobre os fenómenos que levam à Guerra, e nos esclarecesse para que, melhor ou pior, compreendendo, estejamos preparados para evitar a catástrofe que se aproxima.
Não existe espaço para outro paradigma que não seja o de bem e mal? Então a cultura ocidental, judaico-cristã, não deixou espaço para mais nada? E o tempo que é preciso para o comum dos mortais perceber isso? Torna-se tão longo que é quase garantido que, até ver, não haverá nada de novo. É como aqueles estudos que ninguém tem paciência ou interesse para ler, que muitos dizem ter lido, que fazem sucesso, que só cem anos depois algum excêntrico descobre que está errado e que, na realidade, é a ciência a progredir.
Ocorre-me pensar que o bem e o mal, enquanto realidades, comportamentos, condutas humanas, referidos a um padrão de moralidade, apesar de, ou por causa de, ser sobretudo prescritivo e impositivo heterónomo, a que as religiões, à falta de melhor, deram carácter totalizante, senão absoluto, constitui um verdadeiro desafio à inteligência quando tem de julgar se o mal é o que amamos, e se não tudo, e se o bem pode ser o que odiamos, e se não tudo.
O amor e o ódio têm sido tratados, pela política e pelas ciências, como algo da competência de poetas e romancistas, ou seja, como algo imaginário, que não tem catalogação na lista canónica dos instintos, ou da fisiologia, mais focada no aparelho digestivo e outras mecânicas anatómicas.
Mas é claro que, numa lista de prioridades, até pela atenção e preocupação que lhe dispensa a cultura em geral, o amor e o ódio estão à frente do resto.
Nada é mais importante para o homem que o amor e o ódio.
As guerras não se travam por causa do bem e do mal.
Nas democracias as campanhas não debatem o bem e o mal.
Nem nos parlamentos.
Ninguém mata por causa do bem e do mal. Nem dá a vida.
Nas religiões o bem e o mal tem a ver com deuses e demónios, não tem a ver com pessoas.
Nos tribunais, o bem está de um lado, o mal está do outro. Na economia, bem é valor com expressão pecuniária.
Pois bem, enquanto não encararmos a realidade do amor e do ódio como é necessário ou, pelo menos, conveniente, estaremos a negligenciar o maior problema da humanidade, a ignorar o que não pode ser ignorado.
As guerras não se travam por causa do bem e do mal.
Ninguém quer saber do bem e do mal, a não ser os filósofos, os teólogos, os clérigos e os religiosos.
Eugénio Lisboa defendeu que um determinado presidente de um país deveria estar na cadeia. Certamente porque foi mau. Mas esse homem que é mau, é diferente dos outros que o precederam, porque, não iniciou uma guerra, não invadiu e destruiu nenhum país, é certo que não terminou as guerras iniciadas pelos outros e que as continuou...
Como Eugénio Lisboa jamais pedirá cadeia para todos aqueles que iniciaram guerras, porque esses até podem ser os bons... Por absurdo, é evidente, que a guerra não se deve à maldade dos homens.
Para Eugénio Lisboa só devem ir para a cadeia os maus. Há contudo uma dificuldade que é saber porque é que uns são maus e outros são bons, se a guerra não é critério, e Eugénio Lisboa, classificando, não nos deu um critério de classificação de uns e outros.
Há nos comentários acima qualquer confusão. O texto que os Srs, Ildefonso Dias e Carlos Ricardo Soares comentam nada tem que ver com a guerra. Suponho que se quereriam referir à recensão crítica que fiz, noutro lugar, ao livro de Rui de Azevedo Teixeira. Mas, mesmo sendo isso, confesso que tenho grande dificuldade em perceber o que agora dizem nos seus comentários. Misturar Presidentes maus, com guerras e o Mal, faz-me imensa confusão. Falei de um escritor português que foi comando e amante do império e da evolução que sofreu ao contacto da realidade que é a guerra e foi o colonialismo. O Sr. Ildefonso Dias quer-se chegar subrepticiamente ao velho problema das guerras boas e das guerras más, mas eu já não dou para esse peditório. As guerras, seja quem for que as inicie, são todas más. O preço que se paga por aquilo que se consegue é sempre desproporcionalmente elevado. Mesmo uma guerra "justificável" é má. Matar e destruir é indigno do homem do século XX. Pela primeira vez, no século passado, se começou condenar a guerra como forma de resolver conflitos. Grandes escritores como Romain Rolland, Roger Martin du Gard (um deles viu a guerra por dentro, nas trincheiras do conflito de 14/18) ou Stefan Zweig, foram pacifistas convictos. As guerras são todas monstruosas. Tirando a formiga, o homem é o único ser vivo que se organiza para destruir maciçamente o adversário. Destruir o nazismo foi inevitável, mas essa guerra continuou a ser monstruosa e podia ter sido evitada muito a tempo. Tornou-se inevitável devido à cobardia e estupidez humana. Mantenho: não há guerras boas.
De qualquer modo, o meu texto é sobre a validade da política (pergunta irónica para quem não perdeu de todo o sentido de humor) e não sobre a guerra.
Eugénio Lisboa
Explicado, claramente explicado, Eugénio Lisboa1
Rui de Azevedo Teixeira 5.7.2022
Claro como sempre!
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