quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

ELOGIO DO ILUMINISMO

Meu texto no último número da revista RUA LARGA:

Em 1784, Immanuel Kant publicou um folheto em que respondia à questão: O que é o Iluminismo? “Iluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria, se a sua causa não residir na carência de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo, sem a guia de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento!” O Iluminismo consiste, portanto, em seguir a voz interior da razão. Kant era um newtoniano que, depois de ter escrito um tratado de mecânica celeste, procurou “a lei moral interior”. O ideal iluminista consistia em seguir sempre a razão, tanto nas coisas da Natureza como nas coisas do homem. E a razão significava conhecimento, mas também liberdade, igualdade e direitos. O Iluminismo triunfou na ciência, ao acelerar um progresso material que dura até hoje, mas, tendo lançado as sementes de progresso moral e social, não assegurou, porém, o seu crescimento ao mesmo ritmo. Cedo se percebeu que, se o método científico era adequado para descrever a Natureza, conduzindo a uma visão racional universalmente aceite, em matérias sociais e humanas esse método de nada servia. Tinha de se avançar de forma lenta e errática.

Em 1784, reinava em Portugal D. Maria I. Quando foi entronizada, em 1777, virava-se uma página da história marcada pela forte ação do Marquês de Pombal, secretário de Estado de, D. José, pai de D. Maria. Costuma associar-se o Marquês ao Iluminismo luso, em virtude da reconstrução de Lisboa após o terramoto de 1755 e da reforma da Universidade de Coimbra de 1772, implantando o newtonianismo, para não falar das grandes mudanças económicas e religiosas que empreendeu. O seu conflito com os jesuítas, que teve o auge na sua expulsão do reino em 1759, ilustra bem a disputa pelo poder na época. Mais do que uma questão teológica, estava em jogo a afirmação do Estado e do regalismo, já que os jesuítas tinham um voto de obediência ao Papa. Era a razão de Estado contra a razão da Companhia de Jesus. A moderna historiografia ensina-nos a não ver o passado a preto e branco: nem os jesuítas eram tão maus quanto a implacável propaganda pombalina fazia crer – por exemplo, padres como Inácio Monteiro eram iluministas – nem o Marquês era um modelo de racionalidade. Ele acendia a sua luz, mas, para que ela se visse melhor, apagava a dos outros (o historiador britânico Kenneth Maxwell chamou-lhe o “paradoxo do Iluminismo”). Não desprezando o papel transformador do Marquês, a verdade é que D. João V, o nosso “rei Sol”, já antes tinha feito luz. A construção da Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra, do Convento de Mafra e a fundação da Academia Real da História Portuguesa foram momentos brilhantes do nosso Iluminismo.

Hoje somos todos descendentes do Iluminismo. Apreciamos o conhecimento e apreciamos também os valores sociais e humanos que esse extraordinário tempo histórico nos legou. Há, além do mais, uma atitude optimista no Iluminismo – resumida no Sapere aude! Ousa saber! –, que continua a ser muito útil nos enevoados dias de hoje. Não nos devemos deixar levar pelos profetas da desgraça, mas antes confiar que, com decisão e coragem, acabaremos por encontrar soluções para os problemas que nos afligem.

3 comentários:

Anónimo disse...

Ui, o Carlos Fiolhais tem de admitir o seu cientificismo. A liberdade, igualdade e direitos são regras práticas (pragmática), não princípios (que jamais se contradizem). A Escolástica refutará sempre o pensamento filosófico moderno, fruto da burguesia. O Erro da Escolástica foi passar da Experiência (como modo de percepção da realidade) à Doutrina, por isso, as coisas vieram a falhar como refere em "matérias sociais e humanas esse método de nada servia". O problema da Filosofia Moderna está em colocar toda a prioridade cognitiva no Sujeito, como se o Sujeito não fosse ele próprio Objecto. A Percepção e a Representação são duas coisas distintas. Daí aos disparates teóricos em que se baseia a Epistemologia foi um saltinho. A Consciência é uma RELAÇÃO com o Objecto. O Qualitativo nunca será a soma das partes Quantitativas. Não é por acaso que o totalitarismo é reflexo do próprio Humanismo, da civilização humanista. Estamos órfãos e delirantes, inebriados pelo sonho gnóstico que confunde a realidade com o seu próprio pensamento. O que poderá correr mal neste estado de consciência!

Olavo Carvalho - Erro da Escolástica
https://www.youtube.com/watch?v=123C9jC0ypo

Olavo Carvalho - FILOSOFIA MODERNA É UMA PALHAÇADA
https://www.youtube.com/watch?v=9CR5QYuj0q8

Carlos Ricardo Soares disse...

Não é de mais elogiar o iluminismo, desde que isso não implique ofuscar outras luzes, como está bem referido no texto.

Anónimo disse...

O Fiolhais só tem de se orgulhar do seu "cientificismo" (palavra idiota) e escarnecer muito de pseudo-intelectuais como esse Olavo Carvalho.

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