Meu texto no último número da revista RUA LARGA:
Em 1784, Immanuel Kant publicou um folheto em que
respondia à questão: O que é o Iluminismo? “Iluminismo
é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio
é culpado. A menoridade é a incapacidade de se
servir do entendimento sem a orientação de outrem.
Tal menoridade é por culpa própria, se a sua causa não
residir na carência de entendimento, mas na falta de
decisão e de coragem em se servir de si mesmo, sem
a guia de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de te
servires do teu próprio entendimento!” O Iluminismo
consiste, portanto, em seguir a voz interior da razão.
Kant era um newtoniano que, depois de ter escrito
um tratado de mecânica celeste, procurou “a lei moral
interior”. O ideal iluminista consistia em seguir sempre
a razão, tanto nas coisas da Natureza como nas coisas
do homem. E a razão significava conhecimento, mas
também liberdade, igualdade e direitos. O Iluminismo
triunfou na ciência, ao acelerar um progresso material que
dura até hoje, mas, tendo lançado as sementes de progresso
moral e social, não assegurou, porém, o seu crescimento
ao mesmo ritmo. Cedo se percebeu que, se o método
científico era adequado para descrever a Natureza, conduzindo
a uma visão racional universalmente aceite, em
matérias sociais e humanas esse método de nada servia.
Tinha de se avançar de forma lenta e errática.
Em 1784, reinava em Portugal D. Maria I. Quando foi
entronizada, em 1777, virava-se uma página da história
marcada pela forte ação do Marquês de Pombal, secretário
de Estado de, D. José, pai de D. Maria. Costuma associar-se
o Marquês ao Iluminismo luso, em virtude da reconstrução
de Lisboa após o terramoto de 1755 e da reforma da
Universidade de Coimbra de 1772, implantando
o newtonianismo, para não falar das grandes mudanças
económicas e religiosas que empreendeu. O seu conflito
com os jesuítas, que teve o auge na sua expulsão do reino
em 1759, ilustra bem a disputa pelo poder na época.
Mais do que uma questão teológica, estava em jogo a afirmação
do Estado e do regalismo, já que os jesuítas tinham
um voto de obediência ao Papa. Era a razão de Estado
contra a razão da Companhia de Jesus. A moderna historiografia
ensina-nos a não ver o passado a preto e branco:
nem os jesuítas eram tão maus quanto a implacável
propaganda pombalina fazia crer – por exemplo, padres
como Inácio Monteiro eram iluministas – nem o Marquês
era um modelo de racionalidade. Ele acendia a sua luz,
mas, para que ela se visse melhor, apagava a dos outros
(o historiador britânico Kenneth Maxwell chamou-lhe o
“paradoxo do Iluminismo”). Não desprezando o papel
transformador do Marquês, a verdade é que D. João V,
o nosso “rei Sol”, já antes tinha feito luz. A construção da
Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra, do Convento de Mafra e a fundação
da Academia Real da História Portuguesa foram
momentos brilhantes do nosso Iluminismo.
Hoje somos todos descendentes do Iluminismo.
Apreciamos o conhecimento e apreciamos também os
valores sociais e humanos que esse extraordinário tempo
histórico nos legou. Há, além do mais, uma atitude
optimista no Iluminismo – resumida no Sapere aude!
Ousa saber! –, que continua a ser muito útil nos enevoados
dias de hoje. Não nos devemos deixar levar pelos
profetas da desgraça, mas antes confiar que, com decisão
e coragem, acabaremos por encontrar soluções para os
problemas que nos afligem.
quinta-feira, 7 de dezembro de 2017
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3 comentários:
Ui, o Carlos Fiolhais tem de admitir o seu cientificismo. A liberdade, igualdade e direitos são regras práticas (pragmática), não princípios (que jamais se contradizem). A Escolástica refutará sempre o pensamento filosófico moderno, fruto da burguesia. O Erro da Escolástica foi passar da Experiência (como modo de percepção da realidade) à Doutrina, por isso, as coisas vieram a falhar como refere em "matérias sociais e humanas esse método de nada servia". O problema da Filosofia Moderna está em colocar toda a prioridade cognitiva no Sujeito, como se o Sujeito não fosse ele próprio Objecto. A Percepção e a Representação são duas coisas distintas. Daí aos disparates teóricos em que se baseia a Epistemologia foi um saltinho. A Consciência é uma RELAÇÃO com o Objecto. O Qualitativo nunca será a soma das partes Quantitativas. Não é por acaso que o totalitarismo é reflexo do próprio Humanismo, da civilização humanista. Estamos órfãos e delirantes, inebriados pelo sonho gnóstico que confunde a realidade com o seu próprio pensamento. O que poderá correr mal neste estado de consciência!
Olavo Carvalho - Erro da Escolástica
https://www.youtube.com/watch?v=123C9jC0ypo
Olavo Carvalho - FILOSOFIA MODERNA É UMA PALHAÇADA
https://www.youtube.com/watch?v=9CR5QYuj0q8
Não é de mais elogiar o iluminismo, desde que isso não implique ofuscar outras luzes, como está bem referido no texto.
O Fiolhais só tem de se orgulhar do seu "cientificismo" (palavra idiota) e escarnecer muito de pseudo-intelectuais como esse Olavo Carvalho.
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