Motivo
permanente de atenção e das expectativas dos crentes a terceira parte do
chamado “Segredo de Fátima” seria relativa a Portugal, de acordo com a tese do
padre José Geraldes Freire, docente da Universidade de Coimbra e notório
investigador da problemática de Fátima. Essa pretensa profecia seria alvo de
uma curiosa interpretação deste primeiro responsável pela publicação da
Documentação Crítica de Fátima, elaborada com base num estranho sinal observado
no céu na noite de 21 de Janeiro de 1976, maioritariamente em território
português, mas também espanhol, e que causou comoção e perplexidade nas
populações crentes e descrentes.
No jornal
Mensagem de Fátima, de Março-Abril de 1976, o padre José Geraldes Freire
questionava “se esta parte da mensagem de Fátima não for atendida a única
alternativa é o império dos erros geradores de guerras e perseguições”.
Pretendia assim o diligente investigador católico que este sinal representado
sobre o céu de Portugal poderia ser uma advertência críptica de que “o perigo
do domínio comunista em Portugal ainda não havia passado”. No epicentro desta
suposição estão as dimensões proféticas do “Segredo de Fátima”, fecundado pelas
“Memórias” tardias (1935) da Irmã Lúcia, que revelam as orientações dos seus
confessores jesuítas, os padres Gonçalves e Aparício. Será de lembrar, desde
logo, que estas “revelações” tardias do ambiente conventual de Tuy e Pontevedra
não raro constituem sedutoras vias de inspiração para alguns exegetas católicos
de Fátima que correm o risco de produzir, deste modo, exercícios de ficção
teológica, por via destas dissonâncias cognitivas... O caso em preço é um
exemplo convincente.
Ora,
curiosamente no sul alentejano, a leitura deste “prodígio celeste” de 21 de Janeiro
de 1976 traduziu-se por manifestações de… alegria (!), com que o povo de Monte
do Trigo, concelho de Portel, leu o referido fenómeno celeste: a de que o
comunismo iria vencer em Portugal! É que o bizarro “sinal” foi evoluindo na sua
formatação até sugerir um aparente S ou um 5, mas também evocativo de uma
foice, de tonalidade avermelhada! A frase retirada do texto da segunda parte do
discutido como temido “Segredo” falava de uma “noite alumiada por uma luz
desconhecida e que constituiria O GRANDE SINAL para a punição de Deus”. Afinal,
para os crentes, todos os fenómenos, naturais ou desconhecidos, podem ser
usados por Deus para assinalar os seus esconsos desígnios…
Só que o
fenómeno da “foice” havia sido também observado sobre Espanha. E, em breve,
teríamos a resposta científica, certificada, para a natureza e origem de tão
profetizada “foice”: tão só o singular efeito do lançamento de quatro foguetes
Petrel, de rastreio de nuvens de vapor de lítio, nesse mesmo dia 21 de Janeiro
de 1976, a cargo da agência espacial e aeronáutica do país vizinho (INTA), a
partir de Huelva. Quis o “pintor do acaso” que as correntes da estratosfera,
além dos 30 quilómetros de altitude, propiciassem um incrível desenho de uma
aparente “foice” no imenso quadro noturno. Afinal e apenas um mero capricho da
dispersão de um gás bem natural – o lítio…
Dispersava-se
também assim a temida profecia do padre José Geraldes Freire, reduzida a uma
piedosa especulação. O maravilhoso transcendente do céu que nos castiga acabou
assim por diluir-se na frieza tecnológica do céu que experimentamos.
Joaquim Fernandes, Doutor em História, membro da Direção do
CTEC – Centro Transdisciplinar de Estudos da Consciência,
Universidade Fernando Pessoa
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