sábado, 6 de maio de 2017

Revolução silenciosa? O potencial do sequenciamento de nova geração





No dia que Watson e Crick compuseram um modelo com estrutura da molécula de DNA, o entusiasmo de Crick não lhe permitiu sossego. Nesse mesmo dia, à hora de almoço, no Eagle pub, Francis Crick anuncia que ele e James Watson haviam descoberto o “segredo da vida”. Esta descoberta, que lhes valeu um prémio nobel da medicina e fisiologia*, mudou a biologia abrindo portas, até então inimagináveis, na medicina, genética, evolução, biogeografia, delineação de espécies, antropologia, ciências forenses ...

Nas primeiras décadas, os ditos RFLP e os AFLPs popularizaram-se e estabeleceram-se enquanto práticas comuns. Estas técnicas permitiram a comparação de fragmentos de DNA, onde se correlacionavam variações de tamanho destes fragmentos com fenómenos biológicos. A possibilidade de “leitura” do DNA veio mais tarde com a reação em cadeia da polimerase (PCR; Mullis e Smith nobel da química em 1993). Através da reacção de PCR, um troço de DNA (escolhido pelo utilizador e por volta de 1000 pares de bases) é amplificado milhões de vezes e depois “lido” através de uma reacção de fluorescência, onde cada par de base (A; C; G; T) origina uma cor diferente e assim permitindo o registo da sequência do DNA (Método de Sanger). Até aqui tenho utilizado a denominação “leitura” do DNA – substituo agora pelo termo correcto: sequenciação. Portanto, o sequenciamento de porções modestas (1000 pares de bases) é bastante limitado tendo em conta o potencial tamanho do genoma de um organismo (o DNA completo de um organismo). Por exemplo, o genoma de um humano tem cerca de 3.234.830.000 pares de base (3 biliões de bases). Ora, considerando o genoma de um humano, necessitamos de cerca de 3234830 PCRs e sucessivas sequenciações para obtermos um genoma completo – assim começa o projecto do genoma humano que custou entre 2.7  biliões de dólares, durando 13 anos entre 1990 e 2013.

Se 2.7 biliões de dólares saltam à vista de qualquer orçamento, nos últimos anos temos assistido a uma revolução: a queda abismal no preço de sequenciamento (ver imagem acima) porventura das técnicas de sequenciamento de nova geração, as ditas cujas NGS (next-generation sequencing**). Estas técnicas abriram portas ao sequenciamento massivo do genoma, diminuindo de forma abrupta o preço de sequenciação. A meio 2015 a sequenciação de um genoma humano estava pouco acima de 4000 $, em 2016 os preços rondavam os 1500 $. Hoje fala-se (anuncia-se/compete-se) no genoma de 100$.

Coloquemos a história em nossa perspectiva: 1953 – descoberta do DNA; 1985 – Primeiro PCR (datas referentes às publicações); 2003 – sequenciamento do genoma humano por PCR; 2016 – sequenciamento de um genoma humano por 1500$ (num par de dias). A quantidade (e qualidade) de dados proporcionados por estas técnicas tem aberto portas onde até à 10 anos não se achavam possíveis. Hoje procuram-se e contractam-se bioinformáticos para análise computacional de dados e as teses de doutoramento em biologia já possuem, de forma vulgar, um “mero” capítulo de sequenciação de um genoma. Se até então grande uma considerável parte das descobertas da biologia visavam o estudo de um, dois, um grupo limitado de genes, a possibilidade de sequenciar cromossomas e genomas por inteiro está a abrir uma nova era na biologia – na detecção de variantes genéticas que geram doenças; na precisão de ancestria de espécies; a estudar processos evolutivos como seleção natural; a estudar a história evolutiva de populações e espécies...


 Mas isto é hoje, e daqui a 10 anos?


* A história da descoberta do DNA (e respectiva atribuição do nobel) é bastante controversa. Existem fontes que sugerem a apropriação de dados, sexismo, misoginia, entre outros eventos.
** Sem ser muito técnico o NGS refere-se a uma família de técnicas cuja finalidade é a sequenciação de partes consideráveis do genoma. As companhias mais populares são a Illumina e a PacBio. Cada método possui diferentes especificidades, taxas de erro e tamanho de fragmento sequenciado, sendo úteis em diferentes ocasiões. Aqui fica um vídeo explicativo da química por detrás da PacBio: https://www.youtube.com/watch?v=NHCJ8PtYCFc ; e da illumina https://www.youtube.com/watch?v=fCd6B5HRaZ8 .


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