quinta-feira, 31 de outubro de 2024
A SOMBRA DA CENSURA REQUER UMA ESPECIAL ATENÇÃO DOS EDUCADORES
quarta-feira, 30 de outubro de 2024
A MATANÇA DO PORCO
Com parte do sangue recolhido, de mistura com vinagre, para não coalhar, confeccionava-se a rechina, no que se consumiam as fressuras. Bem aromatizada com cominhos, servia-se logo nesse dia, ao almoço, com sopas de pão cortadas às fatias finas e rodelas de laranja, para desenjoar, constituindo o festim dos que sempre apareciam para ajudar e, também, para comer. O sangue restante era cozido e, depois de frio, cortado às fatias e temperado com azeite, vinagre e alho.
Das lides da matança, competia às mulheres cortar as carnes para os enchidos e temperá-las de acordo com os destinos a dar-lhes, seleccionando-as para os paios, as linguiças, os chouriços e as farinheiras. Só não se ocupavam desse trabalho as que, na ocasião, estivessem menstruadas, uma crença, como muitas outras, que ninguém explicava mas que todas respeitavam.
Mantas de toucinho alto de uma mão-travessa, chispes inteiros, faceiras, orelhas e ossos eram acondicionados na salgadeira. Esvaziada do sal e dos restos amarelecidos da conserva do ano anterior, este baú de madeira, a ressumar salmoura antiga, era raspado e lavado para receber o sal novo, cristalino e branco de neve, para conservar, por mais um ano, a nova provisão. Havia sempre quem aproveitasse o toucinho velho que, embora com um leve pico de ranço, sempre dava jeito àqueles que o levavam. Uma lasquinha deste toucinho, bem raspado do sal, e uma rodela de cebola, dentro de duas grossas fatias de pão, faziam a ceia de um pobre, dizia-se.
sexta-feira, 25 de outubro de 2024
PASSADO O DESLUMBRAMENTO, É PRECISO DECIDIR
"(...) os pais gostam de estar em constante contacto com os filhos, o que nem os deixa crescer. (...) Todos se queixam que o uso é exagerado, contudo, do que me apercebo é que não há grande controlo parental.Em suma, como é notado pela jornalista, Margarida Alvarinhas, além de uma divergência de opiniões, há também uma considerável “falta de coragem no assumir de posição”, mal do seguidismo do século XXI, que leva a crer que ter uma opinião condizente com a realidade do século passado é andar para trás ou ser resistente à mudança. Pois, nem tudo o que é “inovador” favorece o desenvolvimento humano, fim último da educação escolar, nem tudo o que é “tradicional” nos atrasa.
(...) nos intervalos os alunos estão mais ocupados a jogar do que a falar e quando entram na sala sentem a necessidade de conversar o que não conversaram no tempo disponível no exterior.
Deixariam de ter bengalas sociais e teriam de olhar uns para os outros, comunicar, exprimir o que sentem.
Em caso de necessidade, haverá sempre forma de comunicação com os pais.
É de todo errado que os professores utilizem o telemóvel como ferramenta de pesquisa ou testes (...) até porque todos os alunos têm acesso a computadores."
quarta-feira, 23 de outubro de 2024
MOLUSCOS, ALGAS E OUTROS SERES MARINHOS, NA ORIGEM DA GRANDE MAIORIA DOS CALCÁRIOS.
Por Galopim de Carvalho
No que respeita a origem orgânica destes calcários, ditos biogénicos ou organogénicos, a pergunta que se coloca à partida é: - Como é que os seres vivos marinhos e, à semelhança destes, os lacustres e outros aquáticos, sintetizam o carbonato de cálcio com que edificam os respectivos esqueletos?
Num esquema muito geral, especialmente simplificado para o efeito, a resposta é simples de abarcar.
Recuemos, então, por exemplo, uns 170 milhões de anos, ao Jurássico médio, muito bem representado em Portugal, nos calcários das Serras do Sicó, Aires e Candeeiros, num tempo em que o território a que corresponde a Península Ibérica se encontrava numa latitude intertropical, sob um clima de tipo tropical húmido, com temperaturas sempre superiores aos 20.ºC e acentuada pluviosidade anual, à semelhança do que acontece nos dias de hoje nesta zona da Terra.
Nestas condições climáticas, a alteração dos minerais de muitas rochas das terras emersas é imensa, quer nos continentes (granitos calcoalcalinos, granodioritos, dioritos e gabros, entre ouros), quer nas ilhas vulcânicas (sobretudo, andesitos e e basaltos). Muitos minerais dessas rochas (plagioclases, horneblenda e augite, entre outros) contêm cálcio nas respectivas composições.
Por um processo químico conhecido por hidrólise, aqui apresentado, como se disse, de forma muito esquemática, (essencial à compreensão do mesmo), a água no estado líquido, morna e abundante, como é próprio destas latitudes, dissocia os iões destes minerais (mais intensamente do que em qualquer outra zona climática), entre eles o catião cálcio, bivalente positivo (Ca2+) que transporta, através dos rios, a caminho do mar e dos lagos.
Também a calcite (carbonato de cálcio) dos calcários e a dolomite (carbonato de cálcio e magnésio) dos dolomitos, existentes nas terras emersas se deixam dissolver pelas águas gasocarbónicas da chuva, que, como é sabido, contêm dióxido de carbono em solução, libertando o dito catião. Recorde-se aqui que, juntamente com a água, o dióxido de carbono comporta-se como um ácido.
Para que os seres vivos “fabriquem” o carbonato de cálcio dos respectivos esqueletos, têm de juntar o catião Ca2+ ao anião carbonato (CO32-) sempre presente e abundante na água do mar, uma vez que esta dissolve o dióxido de carbono (CO2) do ar, no imenso contacto que tem com a atmosfera.
Uma vez na água, o dióxido de carbono dá origem ao referido anião. O carbonato de cálcio surge então da combinação:
Ca2++ CO32- → CaCO3
Quando atacamos o calcário com um ácido, como, por exemplo, o ácido clorídrico diluído em água (a 10%) a efervescência, ou seja, o borbulhar gasoso que se produz corresponde à libertação, sob a forma de dióxido de carbono, do oxigénio e do carbono da atmosfera contemporânea da sua formação. O cálcio envolvido nesta reacção química fica dissolvido na água sob a forma de cloreto de cálcio, segundo o esquema:
2HCl + CaCO3 → CaCl2 + H2O + CO2
Representando a imensa maioria dos calcários, os classificados de biogénicos resultam directa ou indirectamente da actividade de seres vivos, em águas litorais pouco profundas e mornas, mais precisamente, nas zonzas neríticas (do grego nerítes, alusivo a conchas, moluscos), das regiões intertropicais. Referidos por alguns como calcários neríticos, uns são o produto da acumulação seguida da diagénese (petrificação ou litificação) de restos esqueléticos ricos em carbonato de cálcio, acumulados mecanicamente, por gravidade e, nesta medida, são ditos bioacumulados. Outros resultaram da actividade de certos organismos fixos, construtores de recifes, sendo, por isso, referidos como bioconstruídos ou bioedificados.
A EDUCAÇÃO NÃO PODE SER UM PRODUTO COMERCIALIZÁVEL
A conferência e a entrevista que indico de seguida aconteceram há alguns meses mas vale a pena revê-la/relê-la (e guardá-las) pela orientação que nelas se vê da educação escolar: suportada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, é afirmada como bem público e comum, sublinhando-se a responsabilidade dos Estados na sua concretização.
Eis um extrato da entrevista realizada pelo jornalista Jorge Andrade do Diário de Notícias:
Teme que os sistemas educacionais se estejam a tornar produtos e serviços comercializáveis? Estou profundamente preocupada com o facto de a educação parecer ter um objetivo cada vez mais restrito de desenvolver pessoas que possuam competências comercializáveis, em vez de nutrir a criatividade humana, proporcionando oportunidades e um ambiente de aprendizagem para pensar de forma crítica e diferente, para questionar, para explorar e realizar ao longo da vida o potencial de aprendizagem. Estou também preocupada com a redução do financiamento para a educação, ou para certas disciplinas não consideradas “dignas de mercado”, o que restringe a criatividade humana. A redução do financiamento também obriga as instituições educativas a procurarem fundos noutros locais, abrindo a porta a uma influência crescente de intervenientes empresariais que têm agendas específicas, bem como de instituições educativas privadas com fins lucrativos que atendem a grupos demográficos específicos, excluindo ainda mais os marginalizados.
Referiu a questão das tecnologias digitais. Como as vê enquanto ferramenta ao dispor da educação? Alarma-me a opinião generalizada de que a digitalização é uma panaceia para o fracasso educativo. Primeiro, a tecnologia digital é apenas isso: uma tecnologia, e o que importa é como ela é utilizada. Em segundo lugar, a chamada digitalização “gratuita” disponibilizada durante a covid-19 não era gratuita, os estudantes, os seus amigos e familiares pagaram o preço através da invasão da sua privacidade e da recolha de dados. Terceiro, a digitalização provavelmente aumentará a divisão entre pessoas, comunidades e países que possuem boa conectividade e dispositivos e aqueles que não os possuem. Em quarto lugar, na urgência para se tornar digital, não é dada atenção suficiente aos efeitos que isto pode ter no bem-estar psicológico e nos sentimentos de isolamento dos alunos, bem como na saúde física e no desenvolvimento. A inteligência artificial (IA), especialmente a IA generativa, traz novos desafios. Embora existam muitos aspetos positivos na IA, o perigo surge quando confiamos nela para a tomada de decisões ou para a normalização de, por exemplo, testes. A utilização de IA generativa pelos alunos levanta a questão de como avaliar se a aprendizagem ocorreu. Em termos de utilização da IA para padronização, um problema sério é que os metadados, nos quais os algoritmos se baseiam, excluem as realidades dos marginalizados. Os algoritmos em que confiamos cada vez mais são, portanto, tendenciosos e discriminam os já marginalizados, que podem então ser penalizados.
Estas e outras ideias são desenvolvidas no vídeo (a partir do 25 minuto - aqui)
segunda-feira, 21 de outubro de 2024
A NOVA PAISAGEM ALENTEJANA
Em contrapartida, o olival, a vinha e, também, o amendoal (uma inovação no panorama agrícola local) ganharam lugares cimeiros na economia desta vasta região do país.
“Uma açorda comida por estes dias dificilmente será confecionada com pão de trigo alentejano. Em contrapartida, a possibilidade de ser temperada com azeite da região aumentou, e muito, nos últimos anos”. Esta expressiva e feliz frase do jornalista Aníbal Fernandes, do Diário do Alentejo, tem o aroma dos poejos e diz, com palavras a condizer, uma realidade que estamos a viver.
Em aproveitamento da água da barragem do Alqueva, o maior lago artificial da Europa Ocidental, assegurando, em 2022, cerca de 120 mil hectares de regadio”, em crescimento, temos assistido, nos últimos anos, à substituição da “seara de pão”, não só pelo olival (ocupando mais de 70 mil hectares e em crescimento), como também por outras culturas de regadio, como o amendoal (com cerca de 20 mil hectares), o girassol, o milho, as pastagens e as forragens (azevém, luzerna e sorgo).
Falemos agora do olival.
O olival de que falam Orlando Ribeiro e Alfredo Saramago é o que hoje chamamos de olival antigo. Antigo, porque há um novo, dito moderno. Em uma trintena de anos, passou-se de um trabalho tradicional, duro, da colheita manual no chão, feita no inverno, para uma colheita mecanizada, onde a azeitona é colhida em verde, sem ser batida, nem cair ao chão, permitindo a produção de azeites de alta qualidade.
Inclino-me para o lado dos ambientalista e duvido sempre das boas intenções destes superemprendimentos.
O Homem: questão para si mesmo. 11 - Máquinas com consciência?
Parte final do artigo de Anselmo Borges no DN de sábado, que me cita:
«Neste domínio, nestes tempos de debates fundamentais à volta da Inteligência Artificial, a questão decisiva é se algum dia teremos uma explicação científica da consciência. Mais: se haverá máquinas com consciência.
O físico Carlos Fiolhais, apresentou recentemente num dos seus escritos semanais no Correio da Manhã, precisamente à volta da Inteligência Artificial.uma famosa aposta precisamente sobre a consciência: “Em 1994, em Tucson, nos Estados Unidos, realizou-se uma conferência intitulada ‘Em direcção a uma base científica da consciência’.” O neurocientista Christof Koch defendeu aí que a consciência tinha uma base física: dar-se-iam disparos síncronos de neurónios 40 vezes por segundo. O filósofo David Chalmers retorquiu, dizendo que era impossível descrever a consciência por um fenómeno físico. Chamou ao entendimento da consciência ‘o problema difícil’.”
Passados quatro anos, os dois reencontraram-se e, mantendo as suas posições, fizeram uma aposta: o primeiro apostou com o segundo uma caixa de garrafas de vinho que, nos próximos 25 anos, os cientistas iam descobrir um comportamento neuronal claramente responsável pela noção do “eu”.
Numa reunião da Associação para o Estudo Científico da Consciência realizada em Nova Iorque, em fins de Junho passado, os dois voltaram a encontrar-se. O antigo modelo de Koch estava ultrapassado, havendo outros em contenda. Mas nenhum deles era claro, dando uma resposta inequívoca, disse Chalmers.
O neurologista teve de admitir: “É claro que as coisas não são claras.” E foi buscar uma caixa de garrafas de vinho português, no qual se destacava uma de Madeira antigo.
O perdedor, pretendendo desforrar-se, propôs que repetissem a aposta: “Apostou que daqui a mais 25 anos o assunto estará finalmente claro. Chalmers aceitou com um sorriso.”
E Carlos Fiolhais, com o seu humor: “Os cientistas gostam de fazer apostas. Mas é por saber que os cientistas perdem apostas que sigo um precioso conselho da minha avó: ‘Teima, teima, mas nunca apostes’.” E acrescenta: “Estou em crer que as máquinas só terão consciência no Dia de São Nunca.”
Tenho a mesma opinião.»
Anselmo Borges
Entrevista Professor Carlos Fiolhais à revista Contextual, da Associação de Solidariedae Social dos Professores
A ASSP preocupa-se com muitas das vertentes da nossa vida pública, com destaque para o seu cruzamento com as questões da Ciência e da Educação. É neste terreno que privilegiamos a sua opinião sobre os seguintes pontos:
1. Ciência
e Tecnologia sempre desempenharam um papel fundamental no desenvolvimento das
sociedades. Qual a influência que a divulgação da Ciência, através de todos os
meios disponíveis, pode ter na promoção do interesse pelo conhecimento destas
áreas?
CF- Não pode haver
criação e aplicação da ciência e tecnologia se a sociedade não reconhecer a
relevância desses processos. Estou em crer que, em todo o mundo, mais nuns
sítios do que noutros, o papel da ciência e da tecnologia é reconhecido: é
graças a estas que vivemos hoje mais e melhor. Mas há muito espaço para
progresso: muita gente não tem ainda suficiente consciência do valor da
ciência. E a maioria das pessoas que a têm podem ter mais. Somando-se ao papel
imprescindível da escola, a divulgação da ciência desempenha um papel essencial
na compreensão da ciência pelo público.
Onde há mais ciência é também onde há mais divulgação científica,
alimentando-se as duas uma à outra.
Chama-se cultura científica a essa penetração da ciência da sociedade.
Melhores índices de cultura científica significam a melhoria do conhecimento do
mundo, incluindo o conhecimento de nós próprios.
2. Que
papel pode o ensino da Ciência desempenhar nas questões ambientais?
Sem
ensino das ciências, feito a seu tempo na escola, não pode haver cultura
científica. Sem acabar nela, a ciência deve começar na escola, e começar o mais
cedo possível, logo no jardim de infância, quando as crianças alargam o seu
contacto com o mundo. Hoje vivemos grandes desafios ambientais, derivados do
sobreaquecimento do planeta causado pelas nossas emissões de dióxido de carbono
para a atmosfera. Do ponto de vista científico compreendemos bem a questão e
também desenvolvemos algumas soluções, designadamente substituir as energias
provenientes de combustíveis fósseis por energias ditas alternativas. Tudo isso
deve ser ensinado e discutido nas escolas, porque estas servem para preparar
para a vida. Deve ser transmitido não só o estado do planeta, mas também os
métodos que usámos e usamos para conhecer esse estado, porque a ciência, mais
do que um corpo de conhecimentos, é um método para os obter. Contudo, o
referido desafio ambiental não tem solução fácil, porque, para além da ciência,
há questões sociais, económicas e políticas, que dividem os países. A escola
também devia transmitir essa realidade humana, para além da realidade da
Natureza, ligando as ciências exactas e naturais com as ciências sociais e as
humanidades. E a consciência ambiental não pode acabar na escola, desempenhando
os media um papel fulcral, para que os cidadãos possam fazer escolhas quando
fazem intervenções políticas.
3. Que
avaliação faz da situação atual da Educação em Portugal?
Temos
grandes problemas nessa área. À partida e desde logo a progressiva
desconsideração dos professores, cujo papel importa valorizar. Cheios de
trabalho, não apenas pedagógico, mas infelizmente também burocrático, e mal
pagos, os professores estão desmotivados. Muitos querem reformar-se o mais cedo
possível. E foram cometidos erros de planeamento (ou houve falta dele…),
descurando a formação de professores para ocupar vagas em aberto ou que vão
abrir. É preciso que o corpo docente volte a ter estímulos, sendo o maior o
reconhecimento pela sociedade da sua nobre tarefa de educar. Depois, há
questões organizativas – como os currículos, o espaço escolar, os meios
pedagógicos (incluindo os computadores)), etc. – que nem sempre têm sido bem
tratadas. Vários governos têm tentado conduzir políticas que por vezes se
«atropelam» umas às outras, confundindo quem está na escola e fora dela.
4. O
ensino das Ciências está a cumprir a sua função de estimular conhecimento,
curiosidade e sentido crítico na Educação básica?
A
educação básica é básica: nela assenta todo o edifício escolar. Respondendo de
forma sumária, sim, está, mas pode fazer melhor. Os educadores e professores dão todos os dias
o seu melhor para estimular a curiosidade natural dos mais novos. Mas as
distrações são muitas – incluindo as distrações dos telemóveis e da Internet –
e o seu trabalho não é fácil. Fez-se já
um grande caminho de integração de elementos de ciência no ensino básico, mas
pode-se fazer melhor: por exemplo, as boas práticas do ensino experimental
deviam ser mais conhecidas e os bons exemplos deviam ser premiados.
5. Considera
que atualmente há uma boa ligação entre a Ciência, a Tecnologia e as Empresas?
A
actividade da maioria das empresas assenta hoje, de uma forma ou de outra, na
ciência e na tecnologia. Estas empregam os jovens que o ensino superior forma. As
instituições de ensino superior têm tentado aprofundar a sua ligação às
empresas. Mas há aqui um amplo espaço para melhoria: ainda há alguma
desconfiança mútua e alguns entraves burocráticos a projectos conjuntos. As
estatísticas dizem que a maior parte da investigação científica e tecnológica é
feita no sector privado, nas empresas, mas julgo que esses dados estão um pouco
inflacionados. As empresas podem e devem, para seu próprio benefício, investir
mais em ciência e tecnologia e devem fazê-lo em boa integração com os centros
de investigação, que na sua grande maioria estão ligados ao ensino superior.
Isto é, há que multiplicar os contactos entre as instituições de ensino
superior e as empresas. Têm objectivos diferentes (por exemplo, as instituições
de ensino superior não têm de ter lucro), mas complementares.
6. Se
não, o que falta fazer? Qual o papel dos dois subsistemas do ensino superior
neste processo?
O
ensino superior está, pelo menos desde os tempos do ministro Veiga Simão, no
regime anterior, articulado em ensino universitário e politécnico (uma divisão
que existe tanto no sector público como no sector privado). Falamos, por isso,
de um sistema dual. Mas o certo é que essa divisão não é nítida - por exemplo
há universidades com ensino politécnico e politécnicos com ensino universitário.
E, além disso, cada vez mais os politécnicos reclamam uma parte do q1ue era
apenas estatuto universitário. A referida
dualidade, que, num país muito desigual, liga muito à questão do
desenvolvimento regional, devia ser debatida. E não deveria haver medo de fazer
mudanças se estas forem julgadas necessárias.
7. Qual
a avaliação que faz do incremento que a Inteligência Artificial está a ter nas
sociedades em geral?
A
Inteligência Artificial está em explosão por via do desenvolvimento da sua
modalidade generativa: isto é, programas como o ChatGPT, permitem criar obras
que parecem humanas. A sociedade tem aqui também um grande desafio. Haverá
mudanças que não sabemos ainda bem quais são – alguns trabalhos humanos
passarão a ser automatizados, por exemplo, como de outros modos já aconteceu no
passado. Mas há, claramente, alguns perigos, designadamente a capacidade de
fazer e espalhar concepções virtuais que muitos podem confundir com reiais. O
real e o virtual estão cada vez mais difíceis de distinguir e isso acarreta
perigos sociais. È cada vez mais fácil sermos enganados.
8. Qual
o papel que a Inteligência Artificial pode ter no Ensino Básico/Secundário e
nas Universidades e Politécnicos?
Sei
que há algumas tentativas em curso do seu uso e a experiência devem ser
avaliadas. O papel dessa Inteligência será maior nas Universidades e
Politécnicos do que no básico e secundário. Há mudanças que se antecipam: por
exemplo, a avaliação por escrito terá de ser feita com mais critério. Sendo a
favor da inovação, não posso deixar de chamar a atenção para a cautela que é
sempre preciso quando se introduzem novidades no ambiente educativo. A escola pode
e deve ser inovadora, mas tem também de ser conservadora. Não pode trocar o
certo pelo duvidoso. E vejo muitos estudos hoje que põem em causa o excessivo
uso de ecrãs na escola. A pandemia mostrou-nos que, se os ecrãs são uteis, a
presença pessoal tem componentes insubstituíveis. Estou em crer que os professores
nunca serão substituídos por máquinas, porque a escola é acima de tudo um lugar
de promoção da humanidade.
9. Os
manuais escolares estão a ser substituídos pelo digital. Considera essa
substituição positiva do ponto de vista dos protagonistas da Educação?
O
digital tem o seu papel, se me é permitido o trocadilho. Mas eu sou, por
formação, um leitor e autor do papel. Aprendi por manuais em papel e acho que
este tem enormes vantagens. Sou autor de vários manuais, dos quais há versões
digitais, que terão uma vantagem ou outra, por exemplo a leveza ou a procura
rápida de texto. Ensaios feitos em países mais desenvolvidos estão a desfazer
uma «ilusão tecnológica» que foi criada apregoando a total superioridade do
digital. Para os governos há a tentação de supor que os problemas da educação
se curam com tecnologia. Mas não: a educação é um problema humano, que se cura,
ou melhor que temos de procurar curar, com mais humanidade, em especial
formando melhor os nossos professores e confiando mais neles.
NOVOS CLASSICA DIGITALIA
Os Classica Digitalia têm o gosto de anunciar 2 novas publicações com chancela editorial da Imprensa da Universidade de Coimbra. Os volumes dos Classica Digitalia são editados em formato de papel e também na biblioteca digital, em Acesso Aberto.
Série “Humanitas - Supplementum” [estudos]
- Maria Aparecida Oliveira Silva & Maria de Fátima Silva (Coords.), Heródoto e a invenção do outro: confrontos e conflitos culturais (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2024). 264 p.
DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-2601-7
[Este título reúne um conjunto de textos agrupados em duas secções: uma Parte 1, nas questões suscitadas pela narrativa de Heródoto, e uma Parte 2, sobre a receção que o autor conheceu na própria Antiguidade. Suscita, assim, as linhas de força numa discussão hermenêutica que foi somando leituras ao longo dos séculos, a que o texto de Heródoto – essencialmente focado nas relações entre Oriente e Ocidente, Ásia e Europa – sempre traz um inesgotável contributo.]
- Alberto Jesús Quiroga Puertas & Ángeles Jiménez-Higueras (Coords.), En busca del tiempo y del espacio: ucronías y utopías desde la Antigüedad hasta la actualidad (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2024). 208 p.
DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-2629-1
[Esta propuesta aborda cómo las categorías “tiempo” y “espacio”, entendidas en su dimensión física, han sido manipuladas para crear otras realidades, otros mundos en los que distintos autores y artistas han proyectado sus ideologías, miedos y esperanzas desde el mundo antiguo hasta nuestros días. Al amparo de la cada vez más recurrente pregunta “qué hubiera pasado si…”, este proyecto persigue sondear los mecanismos literarios y los mundos paralelos creados cuando nos imaginamos otros mundos así como unos futuros y unos pasados alternativos.]
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Classicadigitalia_pt mailing list Classicadigitalia_pt@uc.pt http://ml.ci.uc.pt/mailman/listinfo/classicadigitalia_pt
PROGRAMA DA ESTAÇÃO ELEVATÓRIA DE COIMBRA / BIBLIOTECA CARLOS FIOLHAIS
- 9/10/2024, 18h Diálogo entre Religiões: a guerra e a paz, com
João Gouveia Monteiro,e P. Nuno Santos, moderação de Carlos Fiolhais, no Seminário Maior de
Coimbra
- 11/10, 14h30
Gravação do «Prova Oral» com Fernando Alvim e Carlos Fiolhais
https://www.facebook.com/watch/live/?ref=watch_permalink&v=489106564115581
- 24/10, 14h30 Apresentação
para uma turma do ensino básico do livro «Toda a Física Divertida» (Gradiva) de Carlos
Fiolhais, por David Marçal, com apresentação por Carlos Fiolhais de «Históerias que metem água e chumbo», e 15h30, apresentação para o público em geral.
- 5/11, 18h Diálogos sobre Ética: Ética na ciência e
tecnologia, com Luís Adriano Oliveira, autor de «Responsabilidade
ética e profissional em ciência e Engenharia» (Lidel), com moderação de Carlos Fiolhais.
- 6/11, 14 h, Apresentação para uma turma do jardim-escola do livro “As peças mais pequenas. Tudo o
que vemos é feito do que não vemos” (Planeta Tangerina) , com Miriam Alves
e Yara Kono. Carlos Fiolhais falará sobre «O que há num copo de água»?
- 12/11, 18 h,
Apresentação do livro «História Global da Literatura em Portugal» (Temas e
Debates), dirs. Annabela Rita, Isabel Ponce de Leão, José Eduardo Franco e
Miguel Real, com Francisco Manuel Viegas.
- 13/11,14h, Apresentação para uma turma do ensino básico do livro infantil «No Mundo dos Porquês» (Canto das Cores) de Daniel Completo,
Luísa Ducla Soares e Carlos Fiolhais, com
actuação musical de Daniel Completo.
- 16/11, 16h Abertura da exposição e apresentação do livro
« Ver na Terra o Paraíso: nos 500 anos de Camões» (edição da autora), de Katia Andrade, com apresentação
de Rita Marnoto e actuação musical de Bruno Costa (guitarra de Coimbra)
- 19/11, 18h Apresentação do vol. I das «Obras Completas do
Marquês de Pombal», dirs. José Eduardo Franco , Pedro Calafate e Viriato
Soromenho Marques, coord. do vol. de Ana Leal
Faria (Imprensa da Universidade de Coimbra)
- 10/12, 18h Apresentação de “Os Lusíadas,” de Luís de Camões
(edição anotada por António José Saraiva, Gradiva) por Regina Rocha
- 18/12, 18h Diálogos sobre Educação: apresentação do livro «Diálogos Cruzados» (Edições Esgotadas), de Luísa Paolinelli e outros, com a
presença dos autores.
SERÁ POSSÍVEL UMA EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA À MARGEM DAS MUITAS IDEOLOGIAS QUE A CERCEIAM?
"Em 2020, [a educação para a cidadania] tornou-se mesmo motivo de polémica depois de dois alunos de Vila Nova de Famalicão terem faltado à disciplina durante um ano lectivo por decisão dos pais, que alegaram objecção de consciência aos temas que ali são leccionados e se envolveram numa disputa judicial com o Ministério da Educação".
Ora, os temas de cidadania são, no momento, 17 (ou, feitas bem as contas, 18, havendo escolas que lhe acrescentam outros) e os temas no caso aqui invocado seriam talvez os de "igualdade de género" ou "sexualidade". É muito neles que a discordância entre esquerdas e direitas se concentram. E fazem-no por razões ideológicas. Porque uns "acham" isto e outros "acham" aquilo. Expurgar a ideologia por razões ideológicas é um contrassenso.
Acontece que noutras áreas que não estas (mas talvez não em todas) a ideologia está lá; será distinta, mas está: é a ideologia do empreendedorismo, da gestão financeira, do sucesso... que produz o perfil desejável de produtor-consumidor, funcional no mercado de trabalho. E isto sob influência e presença de múltiplos stakeholders, sobretudo de representantes de marcas comerciais que entram na escola pública por via da dita "cidadania". Presumo que seja esta que vai manter-se travestida, evidentemente, de neutralidade ideológica.
Vemos que a escola, desde os seus primórdios (quando assume a sua expressão educativa, o que nem sempre aconteceu/acontece), se preocupou com a cidadania, com a preparação das novas gerações para (bem) viver no espaço comum. E isto tem de continuar a ser um dos seus desígnios.
Ou seja, a escola pública não pode abdicar de educar as novas gerações num quadro de cidadania, segundo valores éticos (universais e universalizantes), que têm de ser conhecidos, preservados e tidos como guias de acção. Mas para benefício do mundo.
De modo mais claro: é preciso entender que educar para a cidadania é um dever da escola pública, proporcionada pelo Estado, destinada a todos, não doutrinal. Tem de ser guiado por princípios que concorrem para a formação do ser humano, na esperança de que isso constitua uma mais valia para a humanidade. Orientações político-partidárias, religiosas, comerciais e congéneres não podem ter lugar, nessa escola. Isso mesmo está consagrado na Constituição da República Portuguesa e na Lei de Bases do Sistema Educativo.
sexta-feira, 18 de outubro de 2024
PREFÁCIO AO LIVRO "APRENDER A GOSTAR DE SABER", DE A. GALOPIM DE CARVALHO
“Aprender a Gostar de Saber” é um livro obrigatório. Pode ser lido hoje ou amanhã, mas pode também ser lido numa qualquer eternidade pelos netos dos nossos netos. Há memória, mas o passado em tudo o que faz é sempre futuro. Quando nos escreve sobre o que lhe sabia a comida na infância, conseguimos sentir o cheiro do que nos faz falta; quando nos conta de episódios que só a ele importariam, são os nossos episódios que vamos buscar; quando nos fala de ser professor, ambicionamos uma escola que não existe; quando nos exalta com a geologia, navegamos num sonho mais largo; quando nos confessa detalhes familiares da sua relação com Isabel, ou dos seus dois filhos, é ternura e compromisso e amor; quando nos diz do Alentejo, e dos seus cismas, percebemos tudo o que é aquele lugar e as suas sombras.
António Galopim de Carvalho deixa-nos estes textos quando acaba de completar 93 anos.
Bastaria estar atento às suas fotografias de criança e adolescente. Aqueles olhos cheios de curiosidade e espanto, aquela vontade de saber, de se encontrar, de partir à conquista de um mundo maior, mais largo, menos aprisionado a um destino que nos obriga a desistir de sonhar. Bastaria isso para termos percebido que o pequeno António um dia poderia ser o que quisesse ser. E ele foi o que quis ser. Com Isabel, sua companheira de sempre, navegou para fora de pé sem ter garantias de nada, apenas a sua curiosidade o poderia ajudar na tentação do acomodamento.
“Aprender a Gostar de Saber” é um livro para pais com crianças na escola. Um livro para os mais velhos e mais novos. Uns encontrarão o que são ou poderiam ter sido. Outros, ensinamentos que são puro ouro para quem caminha sem bússolas visíveis. Um livro também para os que gostam de viver e para os que têm dúvidas. Uns por perceberem o quanto a sua intuição estava certa, os outros pela constatação de que perderam um tempo que agora podem recuperar.
António Galopim de Carvalho é um dinossáurio. Não é o avô ou o pai dos dinossáurios, ele é um deles. Há 65 milhões de anos resistiu à extinção quando não se esperava que o fizesse. E hoje, tantas dezenas de milhões de anos depois, há quem não acredite que conseguiremos resistir à turbulência que causámos ao planeta. Oiçamo-lo então. Passemos pelos seus textos sem pressa, aprendamos com quem sabe do que está a falar. Afinal, ele é eterno e veio para nos contar estórias que fiquem antes do sono. Estórias que nos impeçam de adormecermos para a necessidade de não desistirmos, de continuarmos a combater por uma ideia de bem. Eis é um livro obrigatório de um homem que continuará a existir depois de todos partirmos. Um farol que ilumina quem o lê com a luz dos sábios.
Luís Osório
terça-feira, 15 de outubro de 2024
domingo, 13 de outubro de 2024
DOIS NOBEL PARA A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Viva a Inteligência Artificial!
Este ano a Academia das Ciências Sueca premiou-a na Física e na Química. Depois de o Prémio Nobel da Física ter sido anunciado o premio para as redes neuronais, para o físico John Hopfield e e para o cientista de computação Geoffrey Hinton, por trabalhos usando redes neuronais, o Nobel da Química foi para o seu uso para prever a estrutura das proteínas a partir dos seus constituintes, os aminoácidos. A lista dos ingredientes está nos nossos genes, no nosso ADN, em cada uma das nossas células. Dois dos premiados. Demis Hassabis e John Jumper, lideram a DeepMind, a empresa da grupo da Google (Alphabet), que a seguir a ganhar no jogo do Go a um campeão sul-coreano, um jogo mais difícil que o xadrez, com o programa AlphaGo criou o Alphafold, programa que resolveu o problema do enrolamento das proteínas, dados seus constituintes. Uma proeza inacessível aos humanos foi, em 2020, realizada por uma máquina! As aplicações já existem: novos fármacos estão a ser desenhados por ferramentas de IA. Nas moléculas, a forma serve a função: é indispensável saber a forma para conhecer melhor a função.
NOVIDADES DA GRADIVA
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sábado, 12 de outubro de 2024
O corpo e a mente
Por A. Galopim de Carvalho Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...
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Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
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Cap. 43 do livro "Bibliotecas. Uma maratona de pessoas e livros", de Abílio Guimarães, publicado pela Entrefolhos , que vou apr...