sexta-feira, 18 de outubro de 2024

PREFÁCIO AO LIVRO "APRENDER A GOSTAR DE SABER", DE A. GALOPIM DE CARVALHO

Dentro de um mês, nas bancas
 
O livro de alguém que continuará a existir depois de todos partirmos Este prefácio arrisca-se, e logo ao primeiro parágrafo, a ser profundamente redundante, mas ainda assim arrisco: António Galopim de Carvalho é um farol, um dos poucos que nos consegue iluminar com uma sabedoria feita de procura da simplicidade, de encontro diário com um mundo que continua a valer a pena nos seus olhos ávidos e inquietos, esperançosos e otimistas – mesmo quando escreve palavras tristes ou cansadas é sempre a esperança que nos ocorre.

“Aprender a Gostar de Saber” é um livro obrigatório. Pode ser lido hoje ou amanhã, mas pode também ser lido numa qualquer eternidade pelos netos dos nossos netos. Há memória, mas o passado em tudo o que faz é sempre futuro. Quando nos escreve sobre o que lhe sabia a comida na infância, conseguimos sentir o cheiro do que nos faz falta; quando nos conta de episódios que só a ele importariam, são os nossos episódios que vamos buscar; quando nos fala de ser professor, ambicionamos uma escola que não existe; quando nos exalta com a geologia, navegamos num sonho mais largo; quando nos confessa detalhes familiares da sua relação com Isabel, ou dos seus dois filhos, é ternura e compromisso e amor; quando nos diz do Alentejo, e dos seus cismas, percebemos tudo o que é aquele lugar e as suas sombras.
António Galopim de Carvalho deixa-nos estes textos quando acaba de completar 93 anos. 
 
Nasceu em 1931, antes de Hitler se apresentar a mundo, antes até da Guerra Civil Espanhola. Os seus olhos viram muito sobre a história e a condição humana. Nasceu num lugar agreste e isolado e nunca foi bom aluno até ser um grande aluno na universidade. Quem seria capaz de dizer em Évora que aquele menino, irmão de Francisco José, estrela da música portuguesa, um dia viria a tornar-se um dos melhores portugueses, um dos cientistas mais reconhecidos, um dos professores mais aplaudidos, um dos defensores da nossa identidade histórica, mais apaixonados, e o diretor do Museu de História Natural mais emblemático e popular? Quem adivinharia?

Bastaria estar atento às suas fotografias de criança e adolescente. Aqueles olhos cheios de curiosidade e espanto, aquela vontade de saber, de se encontrar, de partir à conquista de um mundo maior, mais largo, menos aprisionado a um destino que nos obriga a desistir de sonhar. Bastaria isso para termos percebido que o pequeno António um dia poderia ser o que quisesse ser. E ele foi o que quis ser. Com Isabel, sua companheira de sempre, navegou para fora de pé sem ter garantias de nada, apenas a sua curiosidade o poderia ajudar na tentação do acomodamento.

“Aprender a Gostar de Saber” é um livro para pais com crianças na escola. Um livro para os mais velhos e mais novos. Uns encontrarão o que são ou poderiam ter sido. Outros, ensinamentos que são puro ouro para quem caminha sem bússolas visíveis. Um livro também para os que gostam de viver e para os que têm dúvidas. Uns por perceberem o quanto a sua intuição estava certa, os outros pela constatação de que perderam um tempo que agora podem recuperar.

António Galopim de Carvalho é um dinossáurio. Não é o avô ou o pai dos dinossáurios, ele é um deles. Há 65 milhões de anos resistiu à extinção quando não se esperava que o fizesse. E hoje, tantas dezenas de milhões de anos depois, há quem não acredite que conseguiremos resistir à turbulência que causámos ao planeta. Oiçamo-lo então. Passemos pelos seus textos sem pressa, aprendamos com quem sabe do que está a falar. Afinal, ele é eterno e veio para nos contar estórias que fiquem antes do sono. Estórias que nos impeçam de adormecermos para a necessidade de não desistirmos, de continuarmos a combater por uma ideia de bem. Eis é um livro obrigatório de um homem que continuará a existir depois de todos partirmos. Um farol que ilumina quem o lê com a luz dos sábios.

Luís Osório

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