Não tenho prestado grande atenção aos exames nacionais, aos seus enunciados e critérios de correcção, mas no que ouvi e li destacam-se dois aspectos: 1) aumento do número de perguntas de escolha múltipla com diminuição do número de perguntas que implicam elaboração escrita e 2) digitalização da avaliação, tanto na realização de provas pelos alunos como na sua correcção pelos professores.
Vejo os mesmos aspectos presentes no ensino superior, devidos, neste caso, à organização do ano escolar por semestres, às diversas épocas de avaliação que preveem e ao curto intervalo entre elas, ao controlo, feito por meio de plataformas, dos diversos passos dos processos avaliativos, mas também aos muitos alunos que, em geral, cabem a cada professor, à dificuldade de escrita que revelam e à falta de preparação para responder a solicitações mais complexas. Isto para não falar da evidente desvalorização do ensino em favor da investigação; a carreira depende dela, não do trabalho pedagógico, visto como uma perda irremediável de tempo e de esforço.
"... o que se está a fazer na educação em Portugal é, por via de uma verdadeira política de terraplanagem das artes e das humanidades a preparar a sociedade futura portuguesa para um modo acrítico de ser e de estar neste país. O que vemos é mesmo uma política de terraplanagem em relação à língua portuguesa.
Os exames digitais anunciam o óbvio: a dominação do Poder sobre as gerações desmemoriadas nascidas já no século XXI. Depois de 12 anos sem terem de ler nada de nada, nem de saber escrever seja o que for, é da mais leviana falsidade dizer-se que, pelo facto de serem exames digitais, os alunos estão a ser preparados para um mundo cada vez mais competitivo.
O que acontece é justamente o contrário: as nossas crianças e adolescentes estão embrutecidas a um ponto tal que mais ecrãs só significa mais estupidez, mais banalidade e divórcio total com a cultura, o pensamento, a liberdade."
2 comentários:
A política de terraplanagem das artes e das humanidades, referida por António Carlos Cortez, também está a matar o ensino da Ciência, no sentido em que a entendia Galileu. Eu, enquanto professor de Física do ensino secundário, não posso deixar de alertar o vastíssimo auditório deste magnífico blogue, bem como as autoridades nacionais que superintendem na área da educação e ensino, que os exames estão a dar uma indicação clara de que não vale a pena estudar para obter boas classificações escolares. O caso que conheço mais de perto é o exame Final Nacional de Física e Química A do 11.º Ano de Escolaridade. De ano para ano, o grau de dificuldade da prova vem decaindo exponencialmente, as respostas por cruzinhas enxameiam o enunciado e os “itens de construção” são facilmente resolvidos, de uma forma mecânica, sem entender os conceitos e leis físicas envolvidos, por mera repetição das resoluções de exercícios semelhantes, disponíveis na net, dos exames dos anos anteriores. Antigamente, quando os exames eram coisa séria, com valor avaliativo de 100 %, o que significa que determinavam a aprovação, ou a reprovação, do examinando, criticava-se quem estudava apenas para o exame; agora, na era do facilitismo, são as próprias escolas que “oferecem aulas de preparação para exame”, onde se ensina como resolver mecanicamente os exercidos sem precisar de saber a matéria!
Por outro lado, mas dentro do mesmo desprezo pelo conhecimento e pensamento livre, os professores corretores dos exames são sujeitos, por imposição da sua tutela ministerial, ao uso de palas, designadas por critérios gerais e específicos de classificação, que vão ao pormenor de indicar as etapas que os examinandos devem cumprir nas suas respostas, para que haja justiça e igualdade na correção. A equipa ministerial desconfia, ao mesmo tempo, do conhecimento científico do professor e da sua competência para corrigir exames. Quem é capaz de dizer à equipa que o professor aprendeu o que quer que seja no curso universitário que frequentou?!
Se, por exemplo, o incauto professor verificar que, por má utilização da máquina de calcular, o aluno conclui que a velocidade da luz, no vazio, é de 1 m/s, só pode penalizá-lo em 1 ponto, de acordo com a norma dos critérios de classificação válida para todos os professores do continente e ilhas adjacentes! Isto é uma vergonha – um professor não pode ser um burro vendado, preso a uma nora que o faz andar à roda!
Sem pensamento próprio, crítico e livre não se pode ser professor.
Estes aspetos seriam facilmente corrigidos se voltássemos ao ensino e aprendizagem para além da festa constante em que foram convertidos e dessem liberdade aos professores para corrigirem exames bem elaborados. Se os exames são feitos para passarem a malta todas com altas classificações, na prática não servem para nada; são como as provas de aferição.
Prezado Leitor, partilho consigo (e sublinho) a ideia de que o aniquilamento mais visível do conhecimento escolar é a das artes e das humanidades, mas às ciências está a ser tirada a alma, reduzindo-as à política STEM ou STEAM. A escola pública está orientada para produzir "capital humano", "recursos humanos" não para formar pessoas para a humanidade. Como professores, com consciência disso, temos obrigação de insistir na importância do conhecimento que nos eleva como seres humanos. Cordialmente, MHDamião
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