Por Maria Helena Damião e Isaltina Martins
No jornal Público do passado dia 19 saiu um artigo do sociólogo José Pacheco Pereira com o título "O mundo é dos brutos: a ascensão da violência e a queda da empatia. Não é por optimismo superficial que destacamos a frase final - se os justos não respondem aos brutos e à suas manifestações de violência ainda vai ser pior - mas porque queremos acreditar - é, reconhecemos, uma questão de crença - que os brutos não podem ter a última palavra, não podem ter a última acção.
É claro que, sob o ponto de vista racional, a nossa observação coincide com a de José Pacheco Pereira: o mundo - nos seus mais diversos lugares, nas suas mais diversas instâncias e instituições, incluindo a escola e a universidade - está a ser tomado de assalto pelos brutos. E quando não querem ou não lhes interessa dar a cara, arranjam uns quantos "flexíveis" para tanto.
Os educadores, os directores, os professores dignos destes nomes, não podem pactuar com brutos, têm de ficar do lado dos justos e, como noutros tempos perigosos, defender a justiça. Isso implica, naturalmente, coragem.
Foi nesta perspectiva que lemos o artigo em causa, de que nos permitimos reproduzir uma parte substancial e introduzir destaques:
"Qualquer pessoa que conheça história sabe que aquilo a que chamamos “civilização” é muito mais frágil do que a crueldade, a violência, a prepotência, a vingança, o poder absoluto e brutal. Não é preciso sequer escolher grandes períodos da história, a “civilização” é uma raridade, acontece por pequenos períodos, torna a vida dos que vivem nesses tempos melhor e depois esgota-se e acaba.
Não me interessa fazer grandes exercícios analíticos sobre qualquer das palavras que estou a usar, seja civilização, seja barbárie, toda a gente sabe a diferença entre um mundo, imperfeito que seja, desigual, muitas vezes injusto, mas onde as pessoas são senhoras do seu destino pelo voto, vivem no primado da lei, têm liberdade religiosa, acedem a condições mínimas de existência. Para contrariar o meu argumento podem vir com mil exemplos de imperfeição, de injustiça, de exclusão, mas o que sobra é melhor do que um mundo com pena de morte, tortura, censura, ausência de direitos, em que todos são indefesos face aos mais fortes.
A “civilização” como a conhecemos no mundo democrático ocidental está a acabar, diante dos nossos olhos, pela ascensão da brutalidade, da educação dos jovens pela distracção, da ignorância e do valor da força, do individualismo agressivo, do culto da ignorância e do pseudo-igualitarismo das redes sociais. A violência torna-se a regra nas relações como “outro” (...).
Não adianta virem-me dar lições de que este catastrofismo civilizacional é recorrente em certos momentos da história cultural, o que é verdade. Mas também é verdade que a catástrofe já ocorreu várias vezes, uma das quais nos anos 20-30 do século passado. O mundo que filósofos como Comte entendiam ter entrado numa senda de “progresso”, com a revolução técnico-científica do final do século XIX, entrou na barbárie da I e da II Guerra com milhões de mortos e anos de brutalidade em vários países “civilizados” da Europa e na URSS.
Há muitas explicações socioeconómicas para esta crise civilizacional, muito sérias, mas a guerra cultural dos nossos dias tem um papel fundamental. O culto imberbe pela modernidade, assente num deslumbramento tecnológico que oculta muita preguiça e manipulação, em que meia dúzia de gestos num telemóvel, explorando três ou quatro funções simples, passam por um saber semelhante ao falar português sem um erro ortográfico a cada palavra, a arrogância de dar opiniões sobre coisas que não se viram, ouviram e leram - tudo isto ajuda a erodir a frágil democracia porque “molda” a cabeça. É o que já cá está e o que vem aí.|
Este submundo é hoje o mundo. Sem princípios, sem saber, sem mediação, com apologia da força, elogio da violência e hostilidade aos mais fracos. Já estão a ganhar e, se os justos não lhes respondem alto e bom som, ainda vai ser pior.
Tentemos pois tudo fazer para que a “civilização, como a conhecemos no mundo democrático ocidental", se mantenha, ainda que debilitada pelas suas muitas feridas.
6 comentários:
Em contraste com o baquear da civilização às mãos dos brutos, as autoridades na área da educação insistem em ver as escolas como oásis de paz e amor. As escolas são atualmente instituições vocacionadas essencialmente para afastarem os jovens dos perigos da rua: a brutalidade, os crimes e a droga estão fora do confortável espaço escolar. Os alunos, aliciados com o diploma fácil e de concessão garantida e obrigatória, não têm razões para se portarem mal, e os professores, coagidos a não ensinar – para que os alunos possam melhorar as aprendizagens! – sentem-se bem agindo como uns paus mandados ao serviço da educação por grelhas (com imensas linhas e colunas), dos domínios transversais e longitudinais, do projeto maia (mitigado) e da filosofia ubuntu (em abundância).
Não é fácil resolver o problema da indisciplina e violência nas escolas, mas, enquanto nos limitarmos a varrer o lixo para debaixo do tapete, vai tudo piorar!
Os temas da civilização e da barbárie, do que é um civilizado e um bárbaro, remetem-me para outro dos assuntos já tratados neste blogue: as Humanidades e a sua importância, numa associação à ideia de que estamos a assistir a um recuo no investimento nesta área de estudos justificado, entre outras razões, pela desvalorização a que vêm sendo votadas.
Um bárbaro não deixa de ser bárbaro por o vermos vestido de fato e gravata, em palácio dourado, a ser servido de requintadas e raras iguarias, em vez de o vermos a chafurdar nas próprias imundícies. Um bárbaro não deixa de o ser porque utiliza as tecnologias e usufrui das vantagens da civilização. Um bárbaro continua a ser bárbaro onde quer que esteja e qualquer que seja a sua aparência.
O que define um bárbaro é a civilização. A civilização define o que é a barbárie e o que é um bárbaro, mas a barbárie e os bárbaros não definem nada, nem o que é a civilização, nem o que é a barbárie.
Mas os humanos não são bárbaros por defeito. Ninguém é bárbaro por não fazer nada. É preciso fazer muito para ser bárbaro. Não é apenas a civilização que dá trabalho e exige sacrifício e disciplina. Há modos civilizados de fazer as coisas e modos mais ou menos bárbaros. Os bárbaros gostam de ser tratados de modo civilizado e detestam ser tratados do mesmo modo que eles tratam os outros, mas não gostam da civilização e esta, para mim, é a principal causa do meu espanto.
Não é o problema de não saberem retribuir o modo civilizado com que são tratados, que é realmente um problema para eles. Ninguém é civilizado porque recebe um carimbo no passaporte, ou é ungido com água benta, ou diz “bem, eu faço-vos a vontade, a partir de hoje sou muito civilizado”. Ser civilizado é uma condição social que um bárbaro não satisfaz, mas é muito mais do que isso. Um bárbaro é, no mínimo, réu de delito grave contra as pessoas, a vida, os bens culturais, ainda que o seja apenas na forma tentada, ou mesmo de ameaça. A presunção de que se é civilizado só é posta em causa quando os atos são contrários à civilização. A barbárie é avaliada e julgada objetivamente.
Os bárbaros não beneficiam de presunção de inocência porque, simplesmente, não é a inocência, nem a estupidez, nem a intenção, o que está em causa quando se trata de barbárie.
De qualquer modo, estúpidos ou não, inocentes ou não, o que importa é a necessidade de nos defendermos da brutalidade, dos bárbaros, entenda-se, dos atos de barbárie. Existirá algo mais legítimo? Concebo, por outro lado, que os bárbaros preferissem que os civilizados não lhes fizessem frente, que a civilização se limitasse a fornecer-lhes as tecnologias e os produtos de que necessitam, mas a civilização é uma força incomensurável, muito maior do que a força bruta.
A civilização tem sido capaz de determinar e de controlar a força bruta, de gerir a desordem, o caos e a violência, mas deixará de o ser se perder este controlo.
Pacheco Pereira é sociólogo?
Pacheco Pereira não é sociólogo. O que é que no resto da crónica estará retorcido, deturpado ou (in)convenientemente selecionado?
O artigo pode ser lido aqui: https://entreasbrumasdamemoria.blogspot.com/2025/07/o-mundo-e-dos-brutos-ascensao-da.html
Vivemos entre brutos e embrutecidos.
Dos BRUTOS apenas sei que os há manifestos e ostenciosos, declaradamente estúpidos e burgessos, cultivando: a falta de carácter e o insulto, a mentira e a falácia, o ódio e a raiva, o racismo e a xenofobia. Mas, pior ainda são os BRUTOS DISSIMULADOS, esses que cultivam: a desqualificação e o descrédito dos seus próximos; vivem numa profunda raiva e inveja, o ciúme é-lhes nato; empertigam e contaminam, são mineiros de natureza, minando qualquer relação de honestedidade e cordialidade; cultivam a desonestedidade e o descrédito para chegar aos seus objetivos, tendo um séquito de interessados a quem interessa o "status quo", para nutrirem os seus interesses. Este último nutre-se do ardil pseudo-legal, da endogamia, do nepotismo e afins.
Os embrutecidos estão cansados, apenas querem o silêncio e já nem querem contestar essa matilha de BRUTOS. Apenas dizem: "Também tu, Brutos?", perante os sucessivos golpes desferidos. Estão feridos no corpo e na alma, refugiam-se em redes sociais em formato anónimo como se de confessionário se tratasse, ignoram e tornam-se ignorantes.
Perante o desconhecimento e o descrédito do conhecimento "m'espanto às vezes, outras m'avergonho", citando Sá de Miranda, revolto-me para ser espezinhado. O insulto é demasiado grande:
"We are the hollow men
We are the stuffed men
Leaning together
Headpiece filled with straw. Alas!
Our dried voices, when
We whisper together
Are quiet and meaningless
As wind in dry grass
Or rats’ feet over broken glass
In our dry cellar
Shape without form, shade without colour.
Paralysed force, gesture without motion (...)
(T.S. Eliot, "The Hollow Men")
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