segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

“BOLO” FINAL da “AVALIAÇÃO” PELA FCT-ESF DAS UNIDADES DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

Artigo recebido de Arnaldo Dias da Silva, professor de Ciências Agrárias da UTAD: 

 Entendo que nunca é tarde para denunciar erros e omissões, mais ainda, se forem erros que parecem ter sido cometidos maquiavelicamente, por serem verdadeiras ofensas à inteligência das pessoas. Dia após dia, erros desse tipo persistem teimosamente. Tenhamos esperança que este estado de coisas acabe por mudar depressa. Não acredito que, neste pobre país, não existam pessoas com verdadeira noção do que é a ciência. 

Como não quero deixar de lutar por aquilo que, racionalmente, considero ser a verdade, elaborei o quadro de baixo. Nele reuni a informação que, após reclamação da “avaliação” anterior das várias unidades de ID do Sistema Científico e Tecnológico Nacional que se sentiram prejudicadas aquando da primeira fase de “avaliação” – nas Universidades e nos Institutos Politécnicos com Centros de ID financiados pela FCT. Este Quadro respeita apenas àquilo que é, actualmente, chamado em Portugal "ciências agrárias". Como não tenho veleidade de querer ou poder saber de tudo, limitei-me àquilo que a FCT no seu alto critério, considera áreas científicas de ciências agrárias. Entendo, porém, que, em todos ramos de saber, os nomes das ciências, puras ou aplicadas, devem mudar de acordo com o avanço do conhecimento científico.

Para facilidade de análise, dividi este quadro em quatro partes. Uma primeira respeita aos Centros sediados na Universidade de Lisboa; a segunda respeita aos Centos sediados em Vila Real; a terceira respeita aos Centros sediados na Universidade do Porto; e, finalmente, surgem os Centros sediados no resto do país. 

No passado ainda recente, existiu na FCT uma Comissão de Ciências Agrárias, Comissão que, julgo eu, integraria, obrigatoriamente, engenheiros agrónomos, médicos veterinários, engenheiros silvicultores e engenheiros zootécnicos – porque existem todos estes profissionais hoje - nacionais ou predominantemente nacionais. Todos eles eram doutorados, como é óbvio, em Portugal e/ou no estrangeiro. Deviam possuir prestígio amplamente reconhecido pela comunidade científica nas suas áreas. Estes profissionais deveriam avaliar bolsas de doutoramento ou pós-doutoramento, projectos de Investigação e Unidades de investigação Científica. Não sei se eles  foram ouvidos.  

CLASSIFICAÇÃO DAS UNIDADES  DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS 

- Center for Interdisciplinary Research on Animal Health (CIISA) UTL - FMV, Lisboa,  Muito Bom, 200 mil Euros

-  Centro de Estudos Florestais UTL – ISA, Lisboa, Muito Bom, 258 mil Euros

 - Ligando Paisagem, Ambiente, Agricultura e Terra, UTL – ISA, Lisboa,  Muito Bom, 352,638 mil Euros

 - Center of Research on Environmental Agro-Technologies (CITAB), UTAD, Vila Real,  Muito Bom, 200 mil Euros

-  Centro de Estudos Transdisciplinares (CETRAD), UTAD, Vila Real,  Muito Bom, 75 mil Euros

 - Research Network in Biodiversity Instituto de Ciências e Evolucionary Biology- Instituto de Ciências e Tecnologias Agrárias, U. Porto,  Muito Bom, 754 mil Euros

 - Centro de Estudos de Ciência Animal (CECA), U. Porto,  Bom, 10 mil Euros

  - Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas, ICAAM, U. Évora, Financiamento: ? .

- Centro de Estudos de Agricultura de Montanha (CIMO), ESA Bragança, Financiamento: ?

 Outras Unidades não constam da lista divulgada pela FCT.

 BREVES COMENTÁRIOS 

1. Em primeiro lugar, quero destacar uma clara ilação que se extrai deste Quadro: para os avaliadores da FCT-ESF, na investigação agrária, algumas Unidades foram ignoradas no "bolo final" ou, talvez mais polidamente, não puderam ser consideradas. Teremos de concluir que boa parte das propostas foram consideradas fracas, sem mérito científico algum, ou com grandes faltas de mérito em diversos pontos. Não passaram de medíocres ou mesmo más ou, quem sabe, muito más. Se assim foi e uma vez que este governo, sem cessar, usa o termo "excelência", só entendo uma solução coerente com tal discurso: mudem-se (despeçam-se, se for preciso!) os professores que ensinaram ou tentaram ensinar aquilo que em todo o mundo avançado é conhecido por ciências agrárias. Na linha da moda, (re)qualifiquem devidamente os professores e/ou instituições e revejam-se urgentemente as matérias que nestas Escolas os professores ensinam. 

Esclareço que alguns Centros foram classificados com Bom ou com Regular. Certamente generosidade dos avaliadores, tão maus, na sua opinião, devem eles ser. Os Centros assim classificados não vão receber financiamento algum. Nem uns míseros 10 mil euros - como um Centro constante do Quadro receberá (da Universidade do Porto, que teve Bom)! Em palavras simples: estes Centros vão morrer. Se ainda não morreram já...

2. O Research Network in Biodiversity and Evolucionary Biology, da Universidade do Porto, teve um financiamento de 754 mil Euros, um pouco menos (47 mil Euros) do que os três Centros de Lisboa financiados pela FCT – dois na área florestal (acolhidos pelo Instituto Superior de Agronomia) e um na área da saúde animal (acolhido pela Faculdade de Medicina Veterinária), todos eles, é justo que se diga, com créditos bem firmados no mundo cientifico. Todavia, quando consultamos na Internet Research Network in Biodiversity and Evolucionary Biology aparece-nos de imediato a palavra CIBIO. Ora nenhuma das valiosas publicações do CIBIO – quer de 2014 quer já de 2015 (nos anos anteriores foram muitas: não as procurei), cobrem – ao de leve que seja – assuntos de ciências ou de tecnologias agrárias. De resto nem seria de esperar que o fizessem; seria sinal de que as publicações estavam absolutamente deslocadas – o CIBIO é um Centro com elevada credibilidade científica no seu sector, mas este não é o das ciências agrárias. Então parece inevitável a pergunta: este “jogo” é limpo ou está viciado à partida? 

3. E quanto ao resto do país? Bem, sobre o CECAV (UTAD), no essencial, já me pronunciei em Agosto passado neste blogue. Mantenho o que então afirmei que posso resumir num sábio ditado popular: quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele... 

4. E para o fim deixo a Universidade de Évora, talvez por hoje me ficar distante. Que se passou no domínio da “avaliação” em ciências agrárias? Num número do jornal PÚBLICO de Agosto passado, investigadores responsáveis pelo ICAAM protestaram – e bem! - contra a inacreditável decisão tomada pela dupla FCT-ESF - nem Muito Bom nem sequer Bom! Pergunto: com aquelas condições, materiais e humanas, no país poder-se-á reunir melhor? Não será preciso o trabalho do ICAAM para o desenvolvimento harmonioso daquela vasta região do país? Terá um planeamento descabido? 

Enfim, não entendo nada, mesmo nada, dos critérios de classificação das Unidades de Investigação Agrária. Os actuais “responsáveis” apregoam que é necessário fazer investigação (também agrária, certamente) de alta qualidade – de excelência, dizem eles! Mas o CICAAM não parece reunir qualidade suficiente para a sua investigação ser financiada pela FCT. 

Segundo O DICIONÁRIO DA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS de LISBOA, "excelência" significa ”qualidade do que é muito bom, excelente”. Neste processo de “avaliação” parece que as palavras não se aplicam com o significado que se conhece. Neste aspecto, será justo dizer que a FCT tem mostrado grande desenvoltura.

Arnaldo Dias da Silva

“PRIX DE LA LITTERATURE GASTRONOMIQUE”, 2014


Texto recebido de Galopim de Carvalho: 

 A Academia Portuguesa de Gastronomia acaba de divulgar a atribuição do “Prix de la Littérature Gastronomique” recentemente conferido, em Paris, pela Académie Internationale de la Gastronomie, ao fotógrafo português Jerónimo Heitor Coelho, pelo seu último livro, COMER EM ÉVORA, das edições Visual Factory. 

 Alvo de merecidas distinções por parte da Associação de Fotógrafos Profissionais e da Qualified European Photographer, que lhe conferiu o grau de Mestre Fotógrafo (Master QEP), em 2010, o galardoado, de reconhecida craveira na arte e na tecnologia fotográficas, focou esta sua obra na gastronomia da “cidade museu”. De invulgar excelência no discurso e, em especial, nas imagens, o livro agora premiado está a revelar-se um dos de maior impacto na valorização deste nosso património cultural que orgulhosamente conservamos, a par do histórico, do arquitectónico, do artesanal e do único e inconfundível cante alentejano, também ele recentemente distinguido como Património Cultural Imaterial da Humanidade, pela UNESCO. 

Sendo a gastronomia «um discurso sobre o prazer da mesa», como afirmou Alfredo Saramago, “COMER EM ÉVORA” é, ao mesmo tempo, um discurso sobre o prazer da mesa e dos olhos, tal a fidelidade e qualidade das imagens que ilustram esta obra de referência da gastronomia alentejana que faz, igualmente, jus ao profissionalismo do autor. É uma subida honra para mim ter prefaciado este livro com o texto que pode ler (aqui).

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Janelas para a Filosofia na Antena 2


Os autores de Janelas para a Filosofia falam diariamente na Antena 2 sobre as questões filosóficas discutidas no livro e não só. Trata-se de uma entrevista conduzida por Ana Paula Ferreira para o programa Império dos Sentidos, de que é produtora, e que está no ar nas manhãs de segunda a sexta, entre as 7 e as 10 horas, com apresentação de Pedro Alves Guerra.

A entrevista desenrola-se ao longo de vários dias do mês de fevereiro, com cerca de 10 minutos por dia, a transmitir pelas 8:30h. Na emissão de ontem (quinta-feira) o tema foi o dos valores, do relativismo dos valores e da crise de valores. No programa de hoje, o tema será a ética.

A entrevista é acompanhada de algumas sugestões musicais minhas e do Aires.



A ARBITRARIEDADE DA "AVALIAÇÃO" DA FCT

Como tenho vindo a dizer a "avaliação" dos centros de investigação feita pela FCT não é séria. E, para mais, o financiamento atribuído com base nela é arbitrário. Neste momento isso é  muito claro. Por que é que a direcção da FCT não se demite dado o péssimo trabalho que tem vindo a fazer? Ou por que é que Nuno Crato não a demite?

Ler notícia no Público de hoje: aqui.


sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Quem assumirá essa responsabilidade?

Em França o ensino da Cultura e das Línguas Clássicas no sistema público de educação atravessa momentos difíceis, ainda que a situação não possa ser comparada àquela a que se chegou em Portugal.

Num recente artigo - Latin: enseignement superflu pour jeunesse inculte? - publicado no Libération online, Anne-Cécile Schmitter, professora de estudos clássicos no colégio de Fronton, Haute-Garonne, escreve o seguinte:
Podemos assemelhar a cultura humanista aos airbags dos nossos automóveis: tranquiliza-nos saber que existem, mas preferimos não os ver muito próximos."
O diagnóstico, traçado com ironia, é certeiro. Mas a responsabilidade é de quem?

Vejamos: não diminuiu o número de alunos interessados em estudar latim, mas não há professores suficientes para ensinar esta língua. E isto porque a política educativa deixou de a valorizar e descuidou a formação de docentes.
Vamos continuar a fechar as aulas de latim, alegando que a juventude de hoje não está interessa por nada, que é inculta, e que o seu "nível é baixo"? Todos os dias tenho diante de mim turmas que provam que isso é falso. No entanto, se se recusar hoje uma aprendizagem à qual as gerações anteriores tiveram direito isso acabará por ser verdade. Quem assumirá essa responsabilidade? 

Nas livrarias

Cabe-me, desta vez, um truque de marquetingue: divulgar um livro meu. Está, nas livrarias e no site da Gradiva, um livro assinado por mim, e publicado no final de janeiro

. Trata-se de uma síntese que não espelha, exatamente, todas as minhas posições no De Rerum Natura, porque essas já estão divulgadas: não precisam de repetição. É, isso sim, um exercício de síntese. Algo que constitui muito mais uma afirmação — a afirmação de um desejo —, do que uma crítica de circunstância. Uma proposta de projeto educativo, muito para além da rabugice do dia-a-dia. Por muito que se afirme esboço, um esboço de fundo, mais do que uma futilidade de café. 

Trata-se da afirmação de um professor em final de carreira, com a carga de mais de quarenta anos a ensinar com prazer, e a cultura própria de quem nunca deixou o ensino secundário (e básico) público. Alguém de dentro do sistema. A proposta de um tema de debate, sobrepondo-se às certezas da opinião corrente, formada sabe Deus como, a partir de artigos de jornal, noticiários de televisão, blogues, diz-que-disse e banalidades que por aí andam: os temas apontados com conhecimento de causa, por alguém que vive a educação pública como profissão principal, presta duras contas a si próprio relativamente ao trabalho que vai fazendo, tenta melhorar todos os anos face àquilo que fez nos anos anteriores e tenta igualmente manter uma constância saudável da própria ideia de serviço público. Bom: um livro de um professor sobre a profissão. 

Passo a citar uma ou outra passagem:

Da introdução: «Este ensaio — assim o batizo — pretende ser o esboço de um sistema de ensino público, mais do que a crítica do que existe. Verá o Leitor como o próprio esboço acaba por conter a crítica, sem a maçada do panfleto.» 

Do 1.º capítulo: «O problema neste domínio é que, quando falha um sistema nacional, os custos sociais são dramáticos: são geracionais, e a reposição de boas práticas pode levar décadas.» 

Do 2.º capítulo: «Ora, o Ocidente moderno é terra de aprendizes de feiticeiro (no que é perfeitamente indestrinçável do Ocidente antigo), e bons e maus docentes vieram a ser hostilizados por reformas que pretendiam alterar a neutralidade das coisas, com o pretexto de melhorar, «humanizando» e «modernizando».» 

Do 3.º capítulo: «Até se pode aqui lembrar o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário que atribui ao pessoal docente «[...] o direito à autonomia técnica e científica e à liberdade de escolha dos métodos de ensino, das tecnologias e técnicas de educação e dos tipos de meios auxiliares de ensino mais adequados, no respeito pelo currículo nacional, pelos programas e pelas orientações programáticas curriculares ou pedagógicas em vigor [...]». Isto é uma daquelas peças de legislação que não constituem lixo: decorre do estabelecimento de uma carreira com princípios claros de acesso por competência, orientada por laços de confiança evidentemente geradores de estabilidade. Essas qualidades mereceram o respeito do legislador.»

Do 4.º capítulo: «Que Ministério é necessário manter? Que funções devem permanecer funções do Estado, e quais não o são forçosamente? Quem deve dedicar-se a construir (e como) um curriculum e programas? Como poderão ser geridas carreiras? Como poderão ser geridas as escolas? E de que tipos de ensino poderão elas encarregar-se? Como serão feitas as avaliações a todo este universo? São estas, à cabeça, as perguntas que ocorrem […]» 

Do 5.º capítulo: «[…] para se ser professor, é fundamental gostar de dar aulas. Para isso, é condição necessária gostar de transmitir conhecimentos, qualquer que seja o seu tipo, e de obter adesões entusiásticas ao que quer que seja que se transmite: aquilo que é o coração do espírito proselitista.» 

Do 6.º capítulo: «É ingénuo pensar que a escola pública pode estar lá para garantir que o aluno toma contacto com um pouco de tudo, realiza o seu percurso escolar e escolhe, infalivelmente, a profissão que o faz sentir-se ativo, útil e feliz.» 

Do 7.º capítulo: «Uma das maiores dificuldades no exercício do poder é que quem manda saiba com exatidão onde deve fazê-lo. Ou, pela inversa, onde não deve fazê-lo: onde ficar quieto.» 

Do 8.º capítulo: «Conheço muitos casos de grandes defensores do papel da escola na educação para a cidadania que fazem como a mulher honesta quando passam por um grupo de alunos que cruzam injúrias e palavrões, ou prometem chegar a vias de facto. Não tenho nada contra o recato e a prudência da mulher honesta. Apenas me oponho a que seja ela a responsável por ensinar os meus concidadãos.» 

Do 9.º capítulo: «Que fazer a jovens com certificações de nível 4 num qualquer domínio — literatura, serralharia, química, desporto, o que for? Dar-lhes saída para o mundo do trabalho, mantendo portas abertas no prosseguimento de estudos.»

Do 10.º capítulo: «São precisos manuais escolares para tudo quanto é disciplina? Claro que sim. É vantajoso deixar a gestão deste mercado nas mãos de editoras? Claro que não.» 

Da conclusão: «O quadro geral deve ser de gratuidade. Como já foi dito, extensiva aos materiais de estudo e prática da aprendizagem, às duas refeições que os estudantes terão durante o seu dia escolar, à assistência médica, dentária, medicamentosa, aos transportes escolares onde necessário, numa escola a funcionar, num só turno diário, em condições arquitetónicas dignas, equipada para o regular funcionamento de todas as atividades que por lá ocorrem.» 


Acabo de falar do livro de um professor sobre a sua profissão. Ao longo dos anos li alguns: um é português, os outros nem por isso. Todos são recomendáveis. Não resisto a juntá-los em fim de conversa:

BARZUN, Jacques — Teacher in America. Indianapolis: Liberty Fund, 1981.

 HIRSH, Jr., E. D. — The Schools We Need; And Why We Don’t Have Them. [nova intr. pelo Autor]. New York: Anchor Books, 1996/99.

 LE BRIS, Marc — Et vos enfants ne sauront pas lire... ni compter!: La faillite obstinée de l’école française. Paris: Stock, 2004. 

RIBEIRO, Gabriel Mithá — A Pedagogia da Avestruz: Testemunho de um Professor. 2.a ed. Lisboa: Gradiva, 2004.
 

 António Mouzinho

A EDUCAÇÃO FÍSICA E A IGNORÂNCIA DE NUNO CRATO


“A ginástica não é uma questão de circo nem de barraca de feira, é uma alta e grave questão de educação nacional.” (Ramalho Ortigão, 1836-1915).

Numa importante e   extensa   entrevista a duas páginas inteiras, intitulada “Educação Física é o elo mais fraco”, de Alexandra Prado Coelho a Nuno Ferro, presidente da Sociedade Portuguesa de Educação Física, por este é criticado o “desinvestimento cada vez maior desta disciplina nas Escolas” (Público, 03/01/2015). Entre outras coisas, o referido desinvestimento reporta-se ao facto do Decreto-Lei 139/2012, de 5 de Julho, ter reduzido a carga horária da Educação Física no 3.º ciclo do ensino básico e no secundário que  passou de 180 minutos semanais para 150 minutos.

Este statu quo justifica o título deste meu artigo sobre a ignorância do Ministério da Educação no que respeita ao papel da disciplina de Educação Física nas escolas. Aliás, ignorância secular que mereceu farpas de Ramalho Ortigão, escritor que mais se bateu pela exercitação física da juventude. Avant la lettre, este vulto das letras portuguesas iluminou com o archote de polémica prosa, ateado por centelhas de génio, a defesa pertinaz do exercício físico, chamando a atenção da Câmara dos Pares para um estudo demonstrativo que os exercícios ginásticos eram úteis não só ao desenvolvimento físico dos alunos por, nas escolas inglesas em que se introduziu a ginástica,  os alunos aprenderem mais e em menos tempos do que nas aquelas em que ela não existia.

Em nosso tempo, trabalhos realizados, na década de 50, em França (Vanves) viriam a demonstrar  a influência benéfica da Educação Física no rendimento escolar dos alunos. O  Dr. Max Fourestier, médico escolar, responsável pela divisão de tempos iguais destinados às disciplinas ditas intelectuais e às práticas gimnodesportivas, não se exime em declarar: “Com métodos pedagogicamente novos não criaríamos apenas uma raça fisiologicamente nova. Faríamos, possivelmente, homens moralmente novos, e mais fraternos uns com os outros”.

Década depois, foi realizado, por professores do então Instituto Nacional de Educação Física (actual Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa) um trabalho de investigação, intitulado “Influência do Exercício Físico na Fadiga Intelectual”, a que foi atribuído o segundo prémio científico da prestigiada Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa, de colaboração com o Laboratório Pfizer (1963), “com o objectivo de contribuir para a dinamização da investigação em Ciências da Saúde em Portugal”. Incidiu este trabalho sobre os benefícios  dos exercícios de ginástica na melhoria do poder de concentração dos funcionários encarregados de proceder ao escrutínio dos boletins do Totobola e sobre essa mesma influência  na melhoria da fadiga intelectual de 36 crianças do ensino primário sujeitas a provas de ditado.

Com respaldo na autoridade científica dos seus autores, professores da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Carlos Fontes Ribeiro, Anabela Mota Pinto, Manuel Teixeira Veríssimo e João Páscoa Pinheiro, transcrevo excertos de um documento, datado de 10/07/2012, dirigido ao Ministro da Educação Nuno Crato, em que são tecidas críticas às “Matrizes Curriculares dos Ensinos Básicos e Secundário” (que reduz a carga horária da disciplina de Educação Física). A páginas tantas, escrevem os seus subscritores:
“São vários os benefícios que o exercício físico promove, contrariando as chamadas doenças da civilização como a obesidade, a diabetes melitus, a depressão, as doenças cardiovasculares isquémicas e o cancro, que são na realidade as epidemias do século XXI. Também numa sociedade em que a esperança de vida aumentou, o exercício físico é fundamental para um envelhecimento saudável, designadamente para que curse sem incapacidade física ou mental.As acções governamentais deverão ter em conta que a promoção da saúde, na qual se inclui o combate ao sedentarismo, deverá começar cedo sendo a escola um lugar privilegiado par valorizar as atitudes e incutir hábitos de vida saudável que irão nortear o indivíduo ao longo da vida.Prover a actividade física nas escolas é, pois, contribuir para uma sociedade mais saudável e, por conseguinte, ter uma saúde mais custo-efectiva no futuro. A promoção da actividade física permitirá ao Estado poupar significativamente gastos na saúde”.
Por tudo isto, inevitável a pergunta: deverá a Educação Física dos escolares portugueses continuar ajoujada ao peso de resquícios de falsos preconceitos que a subalternizem relativamente a outras disciplinas curriculares promovendo, desta forma, o seu empobrecimento por diminuição da horas curriculares a ela destinadas? Dando crédito aos testemunhos aqui deixados, não. Definitivamente não…a menos que a intenção do Ministério da Educação seja recriar eusébiozinhos, saídos da pena queirosiana, “molengões, tristonhos e de pernas flácidas habituados a memorizar todas as coisas do saber!”.

FACEBOOK – ANIVERSÁRIO – 4 de Fevereiro de 2015


Artigo recebido da escritora e colaboradora deste blogue Cristina Carvalho, que sai com atraso de poucos dias: 

 A rede social Facebook nasceu em 4 de fevereiro de 2004. Faz hoje 11 anos. E se estou a falar nisto é porque, na verdade, a vida das pessoas mudou muito nestes onze anos de ligação efectiva à internet e quem não entender isto, dificilmente se adaptará às novas regras da vida em sociedade, ou seja, da vida comunitária. Haverá sempre rebeldes, más-línguas, agressivos, intolerantes, teimosos e velhos antes do tempo. Uma pessoa tem todo o direito de não fazer parte dos quase 2 biliões de utilizadores da rede social Facebook. Era o que faltava! Não tem é o direito de não querer perceber o fenómeno. Nem sequer o querer perceber! Isso aí já roça as raias do analfabetismo mais primário, da intolerância, eu diria, da estupidez. Será o mesmo que não querer entender os malefícios ou os benefícios da luz eléctrica ou da água canalizada, ou disto, ou daquilo que compõe e anima o tempo em que vivemos. O tempo em que vivemos, todos nós, é o tempo. Com tudo o que advém do tempo. Não é “o meu tempo” ou o “teu tempo”. É o tempo. Ainda que outros tivessem vivido, tivessem tido carne e ossos a compor a sua condição humana noutros anos, noutras épocas, em outras eternidades. 

 Portanto, a rede social Facebook, criada pelo jovem de então, Mark Zuckerberg (n. 1984) juntamente com outros três colegas universitários, é tão importante e eficaz nos nossos tempos como foi o avião, ou o automóvel, ou a varinha mágica, ou o elevador nos prédios, etc, etc. Negar uma realidade prática e avassaladora é impossível. E não! O Facebook não é útil apenas para dizer «eu amo você»! Há mais utilidades! Bastantes mais!

Convém, pois, do mesmo modo que ensinamos aos nossos filhos não enfiar os dedos numa tomada de electricidade, ensinarmos também os perigos, desvantagens e vantagens desta rede social. Deverá ser ensinada e aprendida como qualquer outra matéria. Obviamente que o uso disparatado, estúpido e ignorante trará, fatalmente, consequências funestas. 

Muitos parabéns ao Facebook. E que possa melhorar, contribuir para o desenvolvimento – ainda que profundamente artificial, é bom que se diga – dos povos. Mais vale conhecer alguma coisa (e se quiser aprofundar, aprofunda nos livros e nas competências) do que não conhecer nada ou quase nada, como até 2004. 

 Este é o tempo!

 Cristina Carvalho

Já acabaram essa coisa de votar, já?...

Leio uma notícia que dá conta de que um tribunal de Coimbra anulou a decisão do executivo nacional de submeter professores a uma prova antes de poderem aceder à carreira. Claro que entre os meus amigos isto deu azo a intensa discussão sobre os méritos e os deméritos de se examinar alguém para ser professor e até poderia continuar este post a descrever a minha opinião, mas não é isso que me choca neste acto do tribunal. É o facto da minha opinião ser irrelevante. E não é só a minha que é irrelevante, é a nossa. E não é sobre isto, é sobre tudo.

Diz a notícia que a Fenprof (o autor da acção judicial) diz que o tribunal de Coimbra entende que a decisão do governo "ofende o princípio da segurança jurídica imanente da ideia de Estado de Direito Democrático, bem como a liberdade de escolha da profissão prevista na Constituição da República Portuguesa”. Do ponto de vista lógico, também prender um carteirista ofende a liberdade de escolha profissional. E  ninguém tem um direito nato de ser professor ou o que quer que seja. Por isso, aqueles que escolhemos para gerir a causa pública terão toda a legitimidade para escolher quem quiserem para o efeito. Porquê? Porque todos nós teremos a opinião que tivermos e essa está plasmada num parlamento. Parlamento esse que suporta este governo e por aí fora.

Isto para dizer que a decisão do tribunal de Coimbra mostra que as decisões de um juiz podem ter um âmbito semelhante ao Natal: é onde e quando um homem quiser. E nem sequer quero entrar pela discussão da sensação que dá ter-se feito "cherry picking" judicial para escolher um tribunal simpático e o que isso diz da nossa tolerância a comportamentos deploráveis.

Mas a verdade é que podemos ter a opinião que quisermos sobre o acto sobre o qual foi produzida a decisão. Esta ou a contrária. Qualquer uma é boa e até podemos todos ter essa opinião que, no fim, um qualquer sujeito que perdeu as eleições escolhe um tribunal a jeito, ignora um parlamento inteiro e o que vale é a opinião dele. Temos um opinião, votamos a favor dessa opinião, ganhamos as eleições, elegemos 250 deputados com essa opinião que tudo isso é perfeitamente irrelevante. A minha discussão com os meus amigos serve para quê? Para que alguém tenha um juiz amigo lá do clube ou da tropa poder ignorar completamente nossa opinião. Foi este o caso? Não sei. Mas o meu raciocínio lógico treinado para tal não consegue entender como é que se pode, num qualquer ponto do país mandar para o lixo a vontade do povo porque sim. E escolher um qualquer princípio constitucional e, ao mesmo tempo, ignorar aquele que é o mais fundamental de todos eles em qualquer democracia ocidental: o princípio da soberania popular. Como é possível que um tribunal, seja ele qual for não tenha, por defeito, o respeito por aquilo que é uma decisão dos representantes da vontade popular? 

O juiz de Coimbra lá terá as razões dele (e falo com o que li no jornal) mas a verdade é que o que esta decisão garante que o português se pode orgulhar de dois privilégios: a liberdade a ter uma opinião, o poder de a usar pelo voto e a garantia de que qualquer um pode usá-la para limpar o rabo.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

O QUE ACHO QUE SE DEVE FAZER QUANTO AO MEDICAMENTO DA HEPATITE C

1) Pagar os tratamentos aos doentes mais urgentes pelo preço que a farmacêutica Gilead Sciences quer.

2) Trabalhar para começar a produzir o medicamento Sofosbuvir à revelia da patente, de preferência em parceria com outros países.

3) Negociar com a farmacêutica os direitos para a produção do medicamento, descontando os valores pagos pelos tratamentos iniciais (na ordem dos 60 milhões de euros para tratar 600 doentes).

É absolutamente imoral que a farmacêutica cobre 100 mil euros para tratar cada doente, por um medicamento que custa entre 68 a 136 dólares produzir, para um tratamento de 12 semanas. Claro que há outros custos a considerar, para além da produção, como os de marketing, distribuição e os direitos justos pela investigação e desenvolvimento. Mas nada justifica esta imoralidade.

Face a esta imoralidade e ao interesse público, deveria avançar-se com a produção do medicamento, deixando para depois uma negociação de direitos, que seria feita numa situação muito mais favorável do que a actual. A patente do Sofosbuvir só expira em 2029. É muito tempo para estarmos reféns desta empresa, que já demonstrou não ter escrúpulos.



Não parece uma molécula fácil de produzir. Mas felizmente temos investigadores na área da química de síntese, engenharia química e de processos, capazes de a fazer. Pode demorar seis meses, um ano, dois anos. Mas a indústria farmacêutica faz isso a toda hora, quando as patentes começam a expirar.

Claro que isto era uma estratégia para a qual não se vislumbra centelha de coragem do nosso governo para adoptar. Mas é a que eu recomendo. A indústria farmacêutica não pode impunemente ter este tipo de atitudes. Acima dos acordos da Organização Mundial de Comércio (OMS) está a nossa Constituição e a Carta dos Direitos do Homem. E mesmo os acordos da OMS seriam cumpridos, após a obtenção de um acordo e um preço justo.

Em alternativa:

Ponto único, comprar o Sofosbuvir à Índia, cujo escritório de patentes já disse que não quer saber da patente do Sofosbuvir para nada.

Revista Atlantís

Informação chegada ao De Rerum Natura.



A Imprensa da Universidade de Coimbra e os Classica Digitalia têm o gosto de anunciar o primeiro número da revista ATLANTÍS Review.

A ATLANTÍS divulga de forma agregada as recensões disponíveis nas revistas alojadas na plataforma digital Impactum da Imprensa da Universidade de Coimbra, com o objetivo de promover a visibilidade da investigação e a transferência do saber.

As recensões cobrem um leque variado de temas e perspetivas de abordagem (literatura, cultura, história antiga, arqueologia, história da arte, filosofia, língua e linguística), mantendo embora como denominador comum os Estudos Clássicos e sua projeção na Idade Média, Renascimento e receção na atualidade.

As recensões são apresentadas na língua e contexto originais de publicação; as ferramentas de navegação estão disponíveis em inglês e português. A revista terá uma periodicidade bimestral e encontra-se disponível em acesso aberto

Pela equipa editorial,
Delfim Leão, Gabriele Cornelli, Maria do Céu Fialho

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Seminário “Dia da Internet Mais Segura 2015: Juntos vamos criar uma Internet melhor!”




Comemora-se no dia 10 de Fevereiro de 2015 o Dia da Internet mais Segura, evento organizado pela REDE INSAFE (rede de cooperação dos projectos que promovem a sensibilização para uma utilização mais segura da Internet pelas pessoas) e em Portugal pelo Centro Internet Segura, coordenado pela FCT- Fundação Para a Ciência e Tecnologia e que envolve a Direcção Geral da Educação (DGE), o Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) e a Microsoft Portugal.

A Direção-Geral da Educação (DGE), em parceria com Centro de Competência TIC Softciências, no âmbito do projeto SeguraNet, irá realizar o Seminário “Dia da Internet Mais Segura 2015: Juntos vamos criar uma Internet melhor!”, na Escola Básica e Secundária Quinta das Flores/Conservatório de Música de Coimbra, no dia 10 de fevereiro de 2015, das 10h00 às 17h00.

A participação no seminário é gratuita para toda a comunidade mas sujeita a inscrição. As inscrições encontram-se abertas, devendo os interessados preencher o formulário. Se não for professor coloque um "x" no campo Grupo Disciplinar.

Destaca-se a presença de:

             Secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário, Dr. Fernando Egídio Reis
             Project Coordinator in the Science Education team at European Schoolnet, Maité Debry
             Inspetor-chefe da Brigada de Investigação de Pornografia Infantil da Polícia Judiciária, Dr. Jorge Duque
             Coordenador do gabinete do Ministério Público no combate à cibercriminalidade, Dr. Pedro Verdelho
             Diretor de Serviços do Ministério da Defesa Nacional, Tenente-coronel César Reis

Esperamos que aceite o nosso convite para participar nestas celebrações, contribuindo para o seu sucesso e para uma navegação cada vez mais segura na Internet.

Consulte o programa do seminário. Mais informações em: www.seguranet.pt



O Prof. Mambo e Schrödinger

Artigo de opinião de David Marçal e Carlos Fiolhais, publicado no PÚBLICO de hoje, em resposta ao artigo de opinião de Fernando Belo.

DAVID MARÇAL e CARLOS FIOLHAIS

Lemos no PÚBLICO de 29 de Janeiro um artigo de Fernando Belo, em que este opina sobre ciência e falsa ciência, temas que nos interessam. Em defesa da homeopatia faz mais do mesmo, ou seja, usa argumentos de autoridade e todo um jargão que aparenta ser científico, mas que não tem qualquer significado.

Note-se que, entre os artigos de opinião favoráveis à homeopatia, menciona o “testemunho digno” de Paulo Varela Gomes (e nisso estamos de acordo) e o depoimento da “professora da Faculdade de Medicina da Universidade Nova de Lisboa” Telma Gonçalves Pereira (não consta que seja professora nessa faculdade, mas isso é irrelevante). Mais adiante especula sobre o comportamento de “um cientista a sério”, ficando implícito que nós, opositores à homeopatia, não o somos. Tudo argumentos de autoridade puros e duros, ou seja, Belo diz que devemos acreditar na homeopatia porque há pessoas dignas e importantes que acreditam, e porque as que se opõem não são “cientistas a sério”. Toda a sua argumentação passa pela enumeração de figuras de autoridade, de Montagnier a um psicanalista francês não identificado, que terá feito um workshop com os xamãs africanos para aprender a tratar os “indígenas” que vivem em Paris. Por muito divertido que seja este desfile de títulos nobiliários, a ciência não se baseia neles. Baseia-se em provas experimentais, que possam ser confirmadas por grupos de investigação. Uma coisa não é verdade por haver pessoas notáveis ou com histórias engraçadas que dizem que é verdade. Essa é uma das razões por que em ciência qualquer um pode ter razão desde que apresente provas. Pode até de início estar sozinho. Quando cem cientistas nazis contestaram Einstein, este perguntou: “Porquê cem? Se eu estivesse errado bastaria um.”

Belo invoca ainda o argumento clássico da homeopatia em crianças e animais, cujas aparentes melhorias, na sua opinião, não podem ser explicadas pelo efeito placebo. É mera retórica e podemos responder que quem avalia as melhorias em animais e bebés não são os próprios, mas os donos dos primeiros ou os pais dos segundos, todos eles adeptos da homeopatia. A este respeito, Belo indica sítios da Web. Mas a literatura científica não são páginas avulsas da Internet, nem se traduz por um ou dois trabalhos escolhidos a dedo, pois há disparates em todo o lado (a Internet está repleta deles!). No caso das ciências médicas, o padrão são revisões sistemáticas da literatura, que de um modo transparente levam em conta todos os ensaios clínicos sobre um assunto. É esta a exigência para qualquer tratamento médico que mereça esse nome. Belo pode não gostar, mas é isso a medicina baseada na ciência. Se a homeopatia quer ser uma ciência alternativa, então deve tratar doenças alternativas em pacientes alternativos e cobrar dinheiro alternativo.

Espantosamente, Belo invoca o artigo de Jacques Benveniste, publicado em Junho de 1988 na Nature, que apoia uma “memória da água”, coisa que daria jeito aos homeopatas que existisse. Mas é fantasia. Belo “esquece-se” de referir que esse artigo é uma fraude, desmascarada no mês seguinte na mesma revista, após a equipa de Benveniste ter tentado, sem sucesso, repetir os resultados na presença de uma comissão independente de peritos. Das duas uma: ou Belo acha que a literatura científica não interessa para nada e não se socorre do artigo de Junho, ou acha que interessa e não pode ignorar o de Julho. Claro que o que nos deixa é mais uma marca da pseudociência: escolher acriticamente algo que favoreça o seu ponto de vista e deitar fora tudo o que não convenha.

Belo compara a homeopatia com a vacinação, o que é absurdo. A diferença é abismal: nas vacinas há algo com efeito fisiológico: vírus ou bactérias (inteiros, em partes ou toxinas produzidas por esses agentes), que visam treinar o sistema imunitário. Aplica-se a doenças infecciosas e sabemos bem porque funcionam. A homeopatia não funciona, porque não há maneira nenhuma de poder funcionar.

O opinador espera talvez que surja uma prova que demonstra a eficácia da homeopatia e que um qualquer avanço mirabolante do conhecimento justifique o seu modo de acção. É certo que em ciência tudo é passível de ser posto em causa, face a novas observações ou experiências. Mas nem tudo está em pé de igualdade. Ninguém espera que se demonstre que a Terra seja plana. Com a homeopatia passa-se o mesmo: não são necessários mais estudos. Como tão bem disse Carl Sagan, devemos ter o cérebro aberto a todas as ideias, mas não tão aberto que os miolos nos caiam da cabeça.

Por último. O advogado da homeopatia insurge-se contra a medicina molecular. Se lhe for dado escolher entre o Prof. Mambo, que promete curar tudo, e Schrödinger (o Prof. não é preciso), o físico austríaco que descobriu a equação com base na qual se modelam as moléculas e se desenvolvem novos medicamentos, escolheria o Prof. Mambo. É livre de o fazer. Mas, se não se importa, nós preferimos Schrödinger, cuja equação tem funcionado comprovadamente para descrever as moléculas de que somos feitos.

Cientistas

Errata: É feita menção neste texto a um "psicanalista não identificado". Essa referência é um lapso, pois esse psicanalista está identifico no artigo de opinião de Fernando Belo.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

ARTIGO MEU SOBRE "AVALIAÇÃO" NA REVISTA RESISTANCE

Os alunos de Física da Universidade de Coimbra publicam uma revista - "Resistance Magazine" - cujo n.º 13, dedicado à Física e Engenharia Biomédica, acaba de sair: ler aqui. Nele escrevei um artigo intitulado: "A inacreditável 'avaliação' da ciência"

Os interessados poderão  também acompanhar a actividade da Resistance Magazine entre números, com artigos exclusivos e novidades do panorama científico actual, através da página de Facebook  https://www.facebook.com/magazine.resistance.

História alternativa da humanidade

Quando Os Dragões do Éden, de Carl Sagan, foi publicado entre nós na Gradiva, teve em mim um impacto profundo: nunca mais vi as origens da humanidade como antes. Sagan conseguiu transmitir-me uma curiosidade profunda sobre a natureza humana, coisa que a história tradicional nunca tinha conseguido porque sempre me pareceu mais uma conversa fiada sobre as coisas mais desinteressantes da humanidade: as invejas e guerras e tolices políticas humanas. A perspectiva mais abrangente de Sagan, mais enraizada no conhecimento científico, biológico, lançava uma luz completamente nova sobre a história.

Yuval Noah Harari conseguiu ter em mim o mesmo efeito, mas agora numa obra que trata especificamente da história completa da humanidade: história cósmica, diria eu. A Vogais editou já a obra em Portugal em Novembro de 2013, traduzida não sei por quem porque não tenho a edição portuguesa, mas antes a de língua inglesa. (Quando haverá em Portugal o reconhecimento de que o tradutor é um autor? É inaceitável que não só o seu nome não apareça na capa, como acontece em quase todos os livros de língua inglesa, como sequer seja mencionado nos sites dos editores. Uma falta de respeito pelo trabalho do tradutor.) São 496 páginas de leitura compulsiva, informativa, fascinante.



Nesta obra não se encontra o género tradicional de história da humanidade, geralmente bastante eurocêntrica e descrevendo quase exclusivamente pormenores da política e dos impérios. O que encontramos aqui é um enquadramento iluminante da história da humanidade, que é vista do ponto de vista do universo, como diria Sidgwick. A história de Harari abrange desde o aparecimento dos primeiros hominídeos até à previsível extinção do Homo sapiens. Mas é muito mais do que uma mera narrativa de factos biológicos, antropológicos, económicos e políticos: é uma tentativa de compreender a razão de ser das coisas. E, claro, muitas vezes essa é uma tentativa gorada, caso em que Harari expõe algumas teorias especulativas, os seus pontos fortes e os seus pontos fracos. Em muitos casos, Harari conclui que não sabemos, pelo menos para já, o porquê que procuramos. É o caso, logo no início do livro, do mistério da nossa solidão de espécie: ao longo de milhares de anos, o Homo sapiens conviveu com várias outras espécies de hominídeos, como aliás acontece hoje com as outras espécies. Subitamente, porém, as outras espécies desaparecem e ficamos apenas nós; porquê? Sabemos hoje, por exemplo, que muitos de nós temos alguns genes de outras espécies de hominídeos (temos genes de Neandertal, por exemplo), o que significa que houve cruzamento entre espécies. Mas não houve uma fusão de espécies porque se tivesse havido tal coisa, teríamos uma percentagem muitíssimo elevada de genes de outras espécies, coisa que não temos.

Harari divide a história da humanidade em três grandes períodos, que correspondem a três acontecimentos marcantes: a revolução cognitiva, a revolução agrícola e a revolução científica. Entre as duas últimas ocorre a unificação da humanidade, que deixa de estar separada em ilhas culturais, para passar a ser uma só cultura. Quando Hollywood imagina o faroeste do séc. XIX, com índios orgulhosos nos seus cavalos, dá a ilusão de uma cultura independente, o que é falso: os cavalos, por exemplo, foram reintroduzidos no continente norte-americano apenas no séc. XV, quando os espanhóis lá chegaram. (Reintroduzidos porque quando os antepassados dos indígenas norte-americanos, os primeiros hominídeos, chegaram ao actual continente norte-americano, havia cavalos, que prontamente se extinguiram com a pressão predatória humana.)

A revolução cognitiva ocorre quando os seres humanos desatam a imaginar coisas que não existem: nasceu a ficção. Deuses, demónios, espíritos, narrativas míticas, religiões, artes, surgem subitamente onde os Sapiens estão, desempenhando talvez, pensa Harari, o papel crucial de conseguir coordenar um número elevado de seres humanos, coisa que antes não era possível. Numa das muitas imagens memoráveis do livro, Harari faz notar que se colocarmos milhares de chimpanzés numa praça de uma cidade, o resultado será apenas uma cacofonia sem rumo; milhares de seres humanos, contudo, conseguem coordenar-se para se manifestar, por exemplo, contra o terrorismo. (Sobre os recentes ataques terroristas vale a pena ler o que me pareceu o mais lúcido dos artigos sobre o caso, da autoria de Yuval Harari, publicado pelo Guardian.)

O  livro surpreende a cada passagem pela simplicidade da sua linguagem, pela profundidade da visão do seu autor, e também pela verve, que põe ao serviço da compreensão de ideias profundas e por vezes difíceis. É um livro inteligente, pleno de ideias surpreendentes, de explicações iluminantes e de perspectivas novas. Desmontando sempre que pode muitas ideias feitas que hoje afogam o pensamento comum (como a ideia de que os seres humanos eram ecologicamente correctos antes da industrialização, ou a ideia de que só as relações heterossexuais são "naturais"), este livro presta um serviço inestimável ao esclarecimento da humanidade. Aconselho vivamente a sua leitura, e releitura, e penso tratar-se de um dos mais importantes livros de divulgação científica publicados nos últimos dez anos. Está de parabéns a Vogais, que soube publicar atempadamente um livro excelente.

Gradiva com 30% de desconto

A Gradiva está a promover um desconto nos livros da Ciência Aberta, entre outras publicações daquela casa editora. Vale a pena aproveitar, até porque os portes são gratuitos para Portugal.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Re-Nascer da Terra: Por Uma Cidadania Global

NASA/Apollo 8/W. Anders
Na consoada do Natal de 1968, o astronauta William Anders da missão Apollo 8 à Lua da NASA, tirou uma das mais icónicas fotografias de sempre: O Nascer da Terra  (tradução livre do inglês “Earth Rise”). Nela vemos a Terra  parcialmente na sombra e, em primeiro plano, a superfície da Lua. 

Esta imagem mudou em muito a forma de como vemos a Terra. Forçou-nos a vê-la como apenas mais um corpo celeste que faz parte de algo maior: o nosso Universo. Do espaço, a Terra não é delimitada pelas fronteiras artificialmente definidas pelo Homem. Vemos mares e oceanos ,uma massa de terra com diferentes cores, dependendo da sua cobertura  (ou não) de vegetação e uma atmosfera dinâmica e em constante mutação. Um planeta único, frágil, complexo e maravilhoso. O Planeta Terra é único planeta dos mais de 2000 que conhecemos que alberga vida. 

Quando olhamos para esta imagem é-nos impossível ficar indiferente. A nossa identidade como cidadãos deste planeta transcende  fronteiras geográficas ou políticas; somos uma única comunidade; a Humanidade é só uma, a que partilha o planeta terra. Quase meio século depois deste Nascer da Terra, a Humanidade ainda está longe desta visão de cidadania global. Na passada semana o nosso planeta foi de novo delimitado, estilhaçado e rasgado. 

Nas salas de aulas do ensino básico de toda o Mundo continuamos a ensinar com um globo terrestre geopolítico, no qual os alunos desde muito cedo aprendem que o mundo está dividido em fronteiras imaginárias entre eles e nós, os de lá e dos de cá. Desde 2006 que o projecto que coordeno, “Universe Awareness”, tem vindo a equipar salas de aulas com globos terrestres que representam realisticamente o nosso Planeta, tal como o vemos do espaço. Em mais de 10 000 salas de aulas espalhadas por 60 países, as crianças começam a conhecer a Terra como um planeta, a perceber a sua composição real e a assim fomentar noções básicas de cidadania global. 

Esta semana os ministros Europeus da Administração Interna e Justiça preparam-se para redefinir fronteiras num acto de resposta rápida aos actos terroristas a semana passada. No entanto, seria de esperar uma resposta a longo prazo dos ministros da Educação. Em conjunto deviam tomar medidas urgentes e eficazes para de uma forma clara introduzirem no sistema educativo um conceito transversal e essencial às novas gerações: A Cidadania Global.

O astrónomo americano, Carl Sagan resumiu o valor desta visão da Terra de uma forma simples e inspiradora: “Não há melhor demonstração da injustificável presunção humana do que esta imagem distante do nosso minúsculo mundo. Destaca a nossa responsabilidade de sermos mais amáveis uns com os outros, e para preservarmos e protegermos o "pálido ponto azul", o único lar que conhecemos até hoje.” 

Pedro Russo
Astrónomo, Universidade de Leiden, Países Baixos

"As novas tiranias"

Na continuação de textos anteriores (aqui e aqui) reproduzo um extracto do livro de Adela Cortina - Hacer reforma. La ética de la sociedad civil (1997), páginas 123-125 - muito esclarecedor acerca das opções axiológicas que temos vindo a tomar no respeitante à educação dos mais jovens.

Passados vinte anos (a primeira edição do livro é de 1994), as palavras desta filósofa espanhola não se desactualizaram nem, de modo muito particular, a recomendação que faz aos educadores: "é conveniente ponderar bem a «lista de valores» em que vamos basear a educação."

"Educar tem sido sempre uma tarefa partilhada e é-o cada vez mais. Não é apenas a escola que educa, mas também a família, o grupo de amigos e os meios de comunicação. Neste conjunto importa reconhecer (…) que a família e escola vão perdendo influência por comparação com o grupo de amigos e, claro, por comparação com os meios de comunicação.

Este dado é da maior importância para qualquer intento de educar as pessoas em autonomia e em solidariedade porque podemos estar a esforçar-nos para que, pouco a pouco, as crianças se comportem de forma autónoma em relação aos seus pais e professores, e se submetem à tirania do grupo de amigos e dos meios de comunicação.

Porque (...) há diferentes modos de tirania, e pode muito bem acontecer que uma criança acolha melhor o que ouve na televisão ou aos seus amigos do que os conselhos dos pais ou dos professores. Assim, não conseguimos autonomia que pretendíamos para ela. 

Por outro lado, os amigos funcionam em muitas ocasiões como correia de transmissão de publicidade e, evidentemente, da moda. Como a criança quer ser aceite no grupo, porque é uma das tendências básicas do todo o ser humano, estabelece-se uma curiosa relação de tirania: para ter a aprovação do grupo comporta-se de acordo com os modelos transmitidos pela televisão, através de anúncios e programas. Tem de usar as calças e os sapatos das marcas prestigiadas, beber as bebidas prescritas e sair às onze da noite, ainda que, de modo algum, lhe apeteça. [Isto] mandado por alguém que nunca dá a cara. E sentir-se-á muito autónomo porque crê que está a fazer o que deseja.

É muito curioso observar como, nos nossos dias, se reclama  (...) o «direito à diferença» e se critica até ao infinito a razão moderna, atribuindo-lhes a ânsia desmedida de universalização e de homogeneização, proclamando-se, com entusiasmo que a pós-modernidade veicula uma nova sensibilidade face às diferenças, uma capacidade para viver com a diferença e respeitá-la. Porém, todos os jovens dos mais diversos países querem usar as mesmas marcas e roupa ou de calçado, todos querem beber o mesmo, todos querem fazer praticamente as mesmas coisas.

Na realidade quem tem ganho a batalha são as grandes multinacionais, que estendem as suas redes por países ricos e pobres (...)

Não convém, pois, na hora de educar esquecer as novas tiranias e, sobretudo, estar bem consciente de que o único antídoto contra qualquer tipo de tirania é encorajar uma cultura de personalismo activo e a participação responsável e solidária face a uma cultura de individualismo e de gregarismo passivo".

2015 - ANO INTERNACIONAL DOS SOLOS
FALANDO DOS SOLOS (2)


Grande amigo pessoal do Prof. Orlando Ribeiro, o seu colega parisiense Pierre Birot, professor no Institut de Géographie de Paris, visitava frequentemente o nosso país a fim de aqui proceder a trabalhos de campo em colaboração com o seu colega português. Ainda como finalista de geologia, na Faculdade de Ciências de Lisboa, e a convite do Prof. Orlando, tive o privilégio de os acompanhar numa excursão de vários dias à chamada Bacia do Mondego, na região de Coimbra, uma experiência riquíssima que, estou certo, abriu o caminho ao que foi a minha opção no âmbito das Ciências da Terra - a dialéctica possível de estabelecer entre a geomorfologia e a sedimentologia ou, mais especificamente, entre a erosão e a sedimentação. Nesta excursão, as geografias física e humana e a geologia interligaram-se num todo multidisciplinar, harmonioso e atraente, fruto do muito saber dos dois notáveis geógrafos e ilustres humanistas.

Nesta saída de campo aprendi a olhar o solo (do latim, solum, solo, chão, base) como um dos processos geológicos ocorrentes à superfície do planeta, com ligações muito estreitas a múltiplas disciplinas (geomorfologia, geoquímica, prospecção mineira, agronomia, economia, etnografia e sociologia, entre outras).

Pouco tempo depois, na minha passagem por Paris, nos anos de 1962 a 1964, frequentei, com redobrado interesse, as aulas do Prof. Birot, no referido Institut de Géographie. Com início pelas 8 horas da manhã, bem de noite no frio Inverno parisiense, o nº 191 da Rue Saint-Jacques, a dois passos do Panthéon, era um formigueiro de gente, oriunda de todos os cantos do mundo, a caminho do grande auditório para ouvir o mestre. Foi nessas aulas que conheci a obra de outro grande geógrafo francês, Henri Herhart (1898-1982), La genèse des sols en tant que phénomène géologique: Esquisse d'une théorie géologique et géochimique, biostasie et rhexistasie, publicada, em 1956. Este magnífico trabalho que fez escola entre geógrafos e geólogos, despertou em mim o interesse que, à margem da minha actividade profissional, sempre nutri pelo “chão que nos dá o pão” a que Joaquim Vieira Botelho da Costa (1910-1965), professor catedrático do Instituto Superior de Agronomia (ISA), vulto maior na Ciência do Solo, se referiu, em 1960, como “Fazendo a transição entre esse manto vivo (a vegetação) e o esqueleto mineral do substrato geológico.”

A par da modelação das formas de relevo por erosão (gliptogénese), da formação das rochas sedimentares (sedimentogénese) e da origem e evolução dos seres vivos (biogénese), a pedogénese (do grego pédon, solo), ou seja, a origem e evolução do solo, não pode, pois, deixar de ser considerada um fenómeno geológico.

Sendo a alteração das rochas (meteorização) e a formação do solo as respostas da litosfera ao ambiente externo, e sendo a erosão a resposta dos produtos dessa alteração à atracção gravítica, a existência de um solo testemunha sempre uma situação de equilíbrio entre as taxas de meteorização e de erosão. E, assim, como escreveu, em 1980, outro nome grande da Ciência do Solo, o Prof. João Manuel Bastos de Macedo, do ISA, o solo é “uma solução de compromisso entre a meteorização e a erosão” e, como tal, fruto de um evidente processo geológico à escala do planeta. 

Recurso fundamental à sobrevivência da humanidade, o solo, surgido no Silúrico superior, há cerca de 425 milhões de anos, por força de um processo dinâmico, a um tempo geológico e biológico, alimentado pela energia solar, está cada vez mais sujeito ao impacto da actividade humana exponencialmente crescente.

Na sua imensa capacidade tecnológica, o homem pode destruir em horas um bem colectivo cuja formação necessita de milhares de anos a ser desenvolvido. Urge pois trazer este conhecimento ao cidadão, a começar na escola, onde os curricula estão longe de dar ao solo a importância científica, económica e social que, na realidade, tem. 

Pelo valor que lhe é atribuído, como um dos principais recursos naturais de que dispomos, ao lado da água e do ar e bem acima da maioria das matérias-primas minerais, o seu estudo, isto é, a pedologia1, para além da sua importância em ciências fundamentais, como a Geologia (em especial a geodinâmica externa) e a Biologia, constitui complemento indispensável em domínios do saber ligados à economia, como são, entre outros, a agricultura, a silvicultura, o ordenamento do território e a prospecção geológica e mineira. A pedologia recorre a meios que vão desde os mais simples, como seja a observação no terreno em amostra de mão, aos mais sofisticados, postos à disposição dos pedólogos, com destaque para a difractometria de raios X, as microscopias óptica e electrónica, os diversos equipamentos de análise química mineral, a fotografia aérea, a teledetecção via satélite, etc., sem esquecer os da biologia e da bioquímica, indispensáveis ao conhecimento da componente orgânica viva e morta do solo.

Na abordagem (sempre a nível básico) que me proponho fazer nos textos que se seguirão, focam-se os aspectos essenciais da ciência do solo indispensáveis à formação de biólogos e geólogos, em particular, dos professores de Biologia e/ou de Geologia, que os devem assimilar e transmitir aos seus alunos na forma e conteúdo adequados aos diferentes patamares de escolaridade.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Converter as crianças de hoje em consumidores de amanhã

Identificação da imagem aqui.
Na sequência de texto anterior, focado no livro Redes ou paredes - A escola em tempos de dispersão, faz-se a ligação a uma entrevista à sua autora, Paula Sibilia (na imagem ao lado), que, à altura da divulgação do livro, deu ao jornal Folha de S. Paulo.

Dessa alongada entrevista, que pode ser lida, na integra, aqui, destaco breves passagens que enfatizam de modo muito particular o sentido desse texto.

"A escola se destinava a formar a mão de obra para a sociedade industrial e os bons cidadãos. Mas as crianças de hoje se apresentam como seres completos e bem definidos. São consumidores, aos quais é preciso estimular, agradar, escutar e compreender. A crise se intensificou, impulsionada pela popularização dos dispositivos móveis de conexão às redes informáticas.
(...)
O mercado tem expandido sua abrangência. O espírito empresarial vai impregnando todas as instituições, inclusive a escola. Converter as crianças de hoje nos cidadãos do amanhã não parece ser a meta prioritária de boa parte dos colégios atuais, que tentam oferecer um serviço atraente para seus clientes. Mais do que uma educação, essas instituições com inspiração empresarial procuram fornecer uma capacitação - uma série de instruções úteis que prometem a seus clientes uma inserção com sucesso no mercado laboral. É muito grave o risco de que instâncias como o mercado e a empresa assumam os papéis antes desempenhados pelo Estado.
(...)
A capacidade de adaptação da escola é limitada. Pode chegar um momento em que não dê mais conta das mudanças e se quebre, perdendo sua eficácia e seu sentido. Assim como no passado essa instituição não existia, ela pode muito bem vir a desaparecer no futuro, ou a se transformar tão radicalmente que deva ser redefinida".

CINCO PLANETAS MUITO ANTIGOS

A partir do artigo publicado no Diário de Coimbra.

Imagem artística do sistema Kepler-444, com os seus cinco planetas do tipo terrestre, dois dos quais em trânsito. 
(Crédito: Tiago Campante/Peter Devine)


Há cerca de 13,8 mil milhões de anos ter-se-á iniciado a evolução do Universo em que existimos. Cerca de 380 mil de anos depois de ter ocorrido o evento designado por “Big Bang”, ter-se-ão formado os primeiros átomos e a luz pôde espalhar-se pelo espaço: o universo tinha-se tornado transparente à luz.

Os primeiros átomos, maioritariamente hidrogénio, deram origem à formação das estrelas de primeira geração, muito massivas, brilhantes e com tempos de vida muito curtos (3 milhões de anos, contra os 10 mil milhões para o nosso Sol). A explosão destas primeiras estrelas semeou o universo com o seu futuro. Novas estrelas formaram-se, com tempos de vida mais longos, e agregaram-se em galáxias. A galáxia a que pertencemos, a Via Láctea, ter-se-á formado há 13,6 mil milhões de anos. O nosso sistema solar formou-se há cerca de 4,6 mil milhões de anos. Ter-se-ão formado sistemas planetários antes do nosso? Se sim, há quanto tempo?

Na década de 90 do século passado, descobrimos que o Sol não é a única estrela a ser orbitada por planetas. Outras estrelas também têm planetas e respectivos sistemas planetários. Desde então, já foram descobertos cerca de 2000 planetas (mais precisamente, exoplanetas) a orbitarem outras estrelas da nossa galáxia, mais ou menos distantes de nós.

Mas os avanços na instrumentação astronómica e astrofísica não param de nos surpreender e revolucionar o que julgávamos estabelecido, com as novas descobertas que nos proporcionam.

Agora, graças a dados que a missão espacial Kepler da NASA recolheu ao longo de 4 anos, uma equipa internacional, da qual fazem parte os investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) Vardan Adibekyan, Nuno Santos e Sérgio Sousa, publicou a descoberta do sistema planetário Kepler-444 (ver animação) na edição do dia 27 de Janeiro da revista The Astrophysical Journal (ver artigo).

Este sistema tem cinco planetas, com tamanhos próximos do da Terra, e ter-se-á formado há 11,2 mil milhões de anos, próximo do início da Via Láctea. Quando a Terra se formou, os exoplanetas deste sistema já eram mais velhos do que a idade actual da Terra. Este é por isso o mais antigo sistema estelar conhecido a albergar exoplanetas do tipo terrestre.

Para Vardan Adibekyan, citado no comunicado de imprensa do IA, “a descoberta de um sistema com planetas do tipo terrestre, tão antigo como o Kepler-444, confirma que os primeiros planetas se formaram muito cedo na vida da nossa Galáxia, o que nos dá uma indicação de quando terá começado a era da formação planetária.

Este sistema, situado a pouco mais de 116 anos-luz, é um dos mais próximos observado pelo Kepler, que detectou o quinteto através do método dos trânsitos. Este sistema planetário é extremamente compacto, sendo as órbitas destes exoplanetas 5 vezes menores que a órbita de Mercúrio, o que significa que completam uma translação à volta da estrela em 10 dias ou menos. A estrela do sistema Kepler-444 é uma anã laranja, ligeiramente menor do que o Sol e com cerca de 5000 graus Celsius à superfície (o Sol tem cerca de 6000 graus).

Para o primeiro autor do artigo, o português Tiago Campante, da Universidade de Birmingham, esta descoberta tem implicações profundas nas teorias de formação planetária: “Agora sabemos que planetas do tamanho da Terra se formaram ao longo dos 13,8 mil milhões de anos do Universo, por isso potencialmente, poderão ter sido criadas as condições para o aparecimento de vida desde muito cedo na história do Universo”, pode ler-se no comunicado do IA.

Esta descoberta mostra, por outro lado, que apesar dos enormes avanços no conhecimento do universo, a nossa ignorância é ainda muito grande e temos muitas perguntas para as quais não temos respostas. Humildemente, continuamos a observar a fronteira do desconhecido.


António Piedade

Carl Djerassi, inventor da pílula, faleceu aos 91 anos

Carl Djerassi, inventor da pílula, faleceu aos 91 anos.


Foi uma figura multifacetada que, depois de terminar uma longa e activa carreira científica, se reinventou como escritor e dramaturgo. Escreveu muitas peças, algumas abordando assuntos problemáticos, como Taboos, sobre sexo, reprodução e paternidade. Algumas das suas peças foram representadas em Portugal, como Oxigen e Calculus.

Esta última estreou pela companhia de teatro Marionet - Associação Cultural no Museu da Ciência. E com a presença do próprio Djerassi, que se deslocou de propósito para o efeito. Graças isso, tive o grande privilégio de conhecer uma grande figura do Séc. XX. Muito interessante e acutilante. Tinha recentemente publicado a sua segunda autobiografia  (in retrospect).