quinta-feira, 12 de junho de 2025

A FALÊNCIA DA EDUCAÇÃO PARA A PAZ?

"O ódio cresce em escolas", escreveu um ex-ministro da educação (ver aqui). Deve estar informado, confio na sua avaliação, até porque ela é corroborada por professores sensatos que conheço. 

Mas, há que perguntar: seria de esperar que o ódio crescesse nas escolas com tantos domínios de Educação para a Cidadania/Cidadania e Desenvolvimento previstos para aí serem tratados, desde a educação de infância até ao final da escolaridade obrigatória? São dezassete domínios ou mais, em cujos documentos curriculares abunda a referência a valores como a Paz, a Tolerância, a Democracia, a Empatia...

Estará a sociedade a sobrepor-se à escola, impondo um modo de ser que contraria esses valores? Estarão as redes sociais a conseguir uma tal instrumentalização que mais velhos e mais novos são levados a abastardá-los? Estarão, de facto, os adultos a demitir-se de educar crianças e jovens ? Será que perante isto e, por certo, mais do que isto, a escola nada pode fazer? 

Não sei responder. Não pensei devidamente no assunto que é sério e de escala global. Poderia dar uma opinião, mas as opiniões valem o que valem e, na verdade, pouco valem. Esta foi a minha resposta à pessoa que hoje me fez chegar o artigo de onde tirei a frase que inicia este texto. Perguntou-me essa pessoa, não há um domínio de Educação para a Paz? Sim, há, mais precisamente de Educação para a Segurança, a Defesa e a Paz.
 
Em 2014 foi publicado um Referencial para orientação do trabalho escolar, a que prestei atenção (ver aqui), o qual foi republicado em 2022 com actualizações que, alega-se, a "crescente digitalização do mundo atual" exigia (ver aqui).
 
Na nota de apresentação disponível no site da Direção-Geral da Educação, diz-se que ambos resultam de uma parceria entre essa entidade, o Instituto da Defesa Nacional e o Centro Nacional de Cibersegurança. E que assentam "no conjunto de princípios e condições que tornam a atividade da Defesa um elemento essencial no reforço da cidadania e da construção da Paz."

Assim, "pretende-se incentivar os alunos a conhecer, refletir e agir em torno de questões como a segurança, os novos riscos, perigos e ameaças emergentes num mundo globalizado, interdependente e em mutação contínua, bem como a familiarizar-se com as condições e instrumentos que favorecem a construção e preservação da paz. As atividades de aprendizagem deverão combinar a perspetiva individual com a compreensão da inserção geopolítica de Portugal e do papel das instituições internacionais cuja função primordial é assegurar a paz, a cooperação e a preservação dos direitos humanos."

Para perceber melhor o espírito deste domínio, pode o leitor consultar um webinar explicativo aqui (que tem publicidade incluída!)

5 comentários:

Anónimo disse...

Eis-nos chegados a esta encruzilhada de caminhos civilizacionais, com alguma noção dos progressos alcançados até agora, mas ainda sem o rasgo necessário para enfrentar o mar tempestuoso que se adivinha quando perscrutamos para lá do horizonte do presente, de que também não gostamos, dentro da esfera da educação, cultura e ciência para o povo.
Com Marcelo Caetano e o seu ministro da educação, Veiga Simão, consolidámos os primeiros passos no sentido da massificação do ensino de qualidade. Com o 25 de Abril de 1974, a tropa, juntamente com a intelectualidade política, muito pressionados por meia dúzia de pedagogos comunistas, estabeleceram que a escola da burguesia, onde começavam a entrar os filhos dos merceeiros e de outros pequeno-burgueses, como os filhos dos carteiros, dos polícias e dos barbeiros, tinha de deixar de discriminar negativamente os filhos da classe operária e do campesinato ascendente, abrindo-se assim o caminho que levou à construção daquilo que muitos autores, entre os quais me incluo, designam por “escola dos pobrezinhos”. Entendiam alguns especialistas da educação da altura, estribados em orientações e pareceres de organizações económicas internacionais, que o povo português queria para si, e merecia, uma escola onde se cultivassem os saberes tradicionais, como saber confecionar a sardinha assada, com batata cozida e pimentos regados por um fio de azeite, o caldo verde, com rodela de chouriça, o fígado de cebolada, o bacalhau à Brás, os chocos grelhados, temperados com molho verde, entre muitos outros pratos da nossa cozinha rústica, que viessem substituir os saberes escolares burgueses, feitos de matemática, literatura, história, filosofia, entre outras disciplinas inúteis e difíceis de ensinar e aprender. Com esse autêntico pacto de regime para a educação e cultura, plasmada na lei de bases do sistema educativo, os dois maiores partidos portugueses, respeitando a via original portuguesa para o socialismo consagrada na constituição de inspiração comunista, com o apoio de sindicatos progressistas de professores, como a fenprof, desencadearam lutas sucessivas que acabariam por desembocar no sistema inclusivo das aprendizagens essenciais, cuja cereja no topo do bolo é o perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória, com 18 anos de idade. Sintetizando, as escolas EB 1,2,3 + S + JI, agrupadas e não agrupadas, onde o estudo empenhado e o conhecimento são votados ao desprezo para que possa florescer o pseudodossucesso escolar de todos os alunos, incluindo todos os mandriões e todos os ignorantes da matéria dada, estão agora transformadas em pavilhões de acantonamento vigiado de crianças e adolescentes, permitindo assim que os encarregados de educação estejam focados no seu trabalho na agricultura e pescas, nas fábricas e nos serviços, impulsionando o desenvolvimento da economia nacional.
Perante a falência da transmissão dos valores republicanos de cidadania ativa, por parte da escola inclusiva dos pobrezinhos, evidente no ambiente de balbúrdia e ódio que se vive nas escolas, proponho que se contratem mais polícias, psicólogos, bombeiros, médicos e enfermeiros especialistas, profissionais mais vocacionados para trabalharem com as consequências da violência escolar do que os docentes. Ainda por cima, a maioria dos professores do ensino secundário ainda não se aperceberam que as escolas atualmente funcionam apenas como salas de espera para os alunos do sucesso obrigatório e inclusivo, enquanto não entram triunfalmente nas universidades ou nas faculdades dos politécnicos. As orientações grandiloquentes do ministério da educação, lançando centenas de domínios inexequíveis para o ar, só querem dizer aos professores que a violência e o ódio são questões de segunda ordem quando comparadas com o grande objetivo nacional do sucesso escolar para todos, doa lá a quem doer. O ensino e a aprendizagem já não moram nos jardins de infância, nem nas escolas básicas ou secundárias. As crianças e os jovens não devem ser incomodados. Quando entrarem nas universidades terão muito tempo para começar a aprender!

Carlos Ricardo Soares disse...

Ao longo da vida, a criança, o jovem, o jovem adulto, o adulto, constrói e destrói todo o tipo de representações das situações e dos contextos em que vive. Mais ou menos vincadamente, mais ou menos verbalizadamente, mais ou menos escaldadamente, mais ou menos obedientemente, mais ou menos compensadamente, seja em que contexto social for, o principal objetivo de integração é conciliar as diferenças e negociar, ou anular, os conflitos. Mas a base, normalmente, é um conjunto vastíssimo de limitações, por um lado, e um indeterminado e infindo rol de deveres e obrigações, por outro. Os seres vivos têm em comum a experiência da integração e a experiência da hospitalidade, ou, pelo menos, da tolerância. Não se confunda tolerância com aceitação. Somos obrigados a tolerar muitas coisas que não queremos, apesar de não as aceitarmos. Também nos é comum, a experiência da adversidade, da hostilidade e da exclusão. Os que não superaram estas experiências do meio adverso e hostil morreram. Independentemente do modo como superarmos as adversidades e as hostilidades, o simples facto de estarmos vivos comprova que o saldo entre dificuldades, obstáculos e o sucesso é favorável a este. Mas isto, no fundo, não nos conforta se a quantidade de stress associada à luta pela sobrevivência for de tal ordem que esta passe a depender da luta entre a nossa sobrevivência e a sobrevivência dos outros, e não apenas contra os elementos naturais (stricto sensu).
Mas, ainda muito antes de uma luta pela sobrevivência (mata/mata) devemos equacionar o problema da sobrevivência enquanto acesso aos meios básicos. Este acesso é amplamente disputado e nada é garantido. Os humanos instituíram formas de integração e de exclusão que têm um preço, sentido por uns, mas não pelos outros.
A educação e o ensino não devem ser a arquitetura sublimada desta realidade social e cultural alicerçada no domínio e na capacidade de aceder a esse domínio a troco de algo, dentro da lógica desse domínio, e não podem legitimamente esperar que os valores contraditórios por si proclamados sejam levados a sério.
A educação e o ensino, aliás, não têm formas de serem o areópago a partir do qual toda a miscelânea social, cultural e política, tanto nacional como internacional, é escrutinada criticamente. E, por outro lado, também não têm forma de se livrarem disso, no sentido em que laboram e fazem parte instrumental dessa miscelânea, quer como causa quer como efeito, mas muito longe de serem determinantes.
De qualquer modo, falar de ódio que cresce nas escolas, se é que é verdade, e falar de educação, ou preparação, para a Defesa, Segurança e Paz não têm muito a ver uma coisa com a outra, nem sequer existe entre essas duas matérias, um paralelismo plausível.
Já aqui tenho escrito que a liberdade, a paz, o amor, o conhecimento, a educação, o respeito, a honestidade, a honra, a democracia, a empatia, não têm modos de serem interiorizados senão pela prática e pela experiência e que, de pouco adiantará exortar ao entendimento e à obediência aos conceitos, princípios e doutrinas se eles, simplesmente, dependem de contextos de interação social que, não raro, sugerem a sua invocação em contrário.
A tentativa de transformar a Escola numa estrutura de cariz religioso, ou ideológico, com o seu catecismo, ou cartilha, por mais laico ou ateu que se assuma ser, é sentido por alguns professores no modo de abordagem por parte das diretivas, mais ou menos explícitas, que lhes vão chegando, de modo mais ou menos subtil, quiçá ardiloso na discriminação por áreas disciplinares, acerca de todo o tipo de procedimentos a seguir, nomeadamente, no tratamento das matérias e nas avaliações.

Carlos Ricardo Soares disse...

Quanto mais a Escola reclamar para si a função de santuário ou de torre de marfim guardiã de ideais, mormente comportamentais, maior será o contraste e o choque, para os aprendizes, entre a apregoada santidade dos mandamentos e a realidade carunchosa da sociedade que os despreza. Com a consequente descredibilização da instituição Escola.
A paz, a tolerância, a liberdade, a democracia, a empatia são processos vivos, sempre em aberto, em constante devir, não imunes a conflitos e disputas, que requerem negociações, reajustamentos, segundo formas organizadas e jurisdicionalizadas de dirimir litígios e contendas.
No limite, a ausência desta turbulência, com mais ou menos sanha política, pode significar uma ditadura, ou o rescaldo de uma grande guerra ou de uma terrível tragédia.

Rui Ferreira disse...

De nada vale à escola apresentar o tema aos alunos. A escola não serve para isso. Ainda que servisse, o afrouxamento evidente da disciplina nas escolas não daria para que os alunos o levassem a sério.

BARRIGUINHAS disse...

Sempre me perguntei porque é que o famoso RASI, não inclui um capitulo referente aos Processos Disciplinares ocorridos nas Escolas, bem como ao ambiente escolar, especialmente nas "Áreas Problemáticas".
A minha experiência indica que, infelizmente, estamos a antecipar as notícias CM de 6 a 10 anos ....

DE "SABEMOS QUE NÃO SABÍAMOS" AO DECIDIR O QUE TEMOS DE FAZER

Não sei se entendi bem: há poucos dias, o Ministro da Educação, Ciência e Inovação, reconheceu a impossibilidade de saber quantos alunos, q...