quarta-feira, 3 de setembro de 2025

NO INÍCIO DO ANO ESCOLAR MAIS UM APELO PARA SE VOLTAR AO PAPEL E AO LÁPIS

No jornal Público de hoje foi publicada uma entrevista realizada por Andreia Sanches a um ex-ministro da educação da Suécia, país que cedo adoptou políticas de autarquização da educação escolar e de participação directa das famílias na mesma, bem como de digitalização da aprendizagem (ver, por exemplo, aqui). Mas foi também um dos países que cedo percebeu que, para manter a democracia, tinha de arrepiar caminho. Dado o grande interesse do que foi perguntado e respondido — ainda que não seja novo —, tomamos a liberdade de transcrever alguns passos do texto:

"Nos anos 1990, a Suécia era considerada um modelo em termos de Educação. Os seus alunos conseguiam lugares de destaque nas avaliações internacionais feitas regularmente pela OCDE. E várias das políticas que tornavam aquele país especial — transferência de poder para as comunidades locais, grande investimento no ensino independente, garantia da "liberdade de escolha" total às famílias — serviram de inspiração a outros. O país foi também pioneiro na digitalização da educação. As escolas foram equipadas com computadores e tablets. Livros de papel foram substituídos por manuais digitais. Mas, desde o início dos anos 2000, os resultados dos alunos começaram a piorar. Johan Pehrson, que foi ministro da Educação até Junho, sublinha que não foi só na Suécia. "Coincide com a entrada dos smartphones no mundo ocidental", e em especial na vida das gerações mais novas. E também na vida das escolas (...). 

Lembrou que, por detrás de cada aplicação nas redes sociais, há milhares de engenheiros a pensar como é que a vão tornar mais atraente para as crianças. E viciante. É por isso que a escola deve ser "uma zona livre" de smartphones e redes sociais. Mas é preciso mais.

É preciso assumir que se foi demasiado longe no uso de ecrãs nas escolas, e que, afirma, é mesmo preciso ter livros, físicos, para aprender. "Pensámos que quanto mais ecrãs, quanto mais plataformas digitais utilizássemos, melhor sistema educativo teríamos." Foi um erro, reconhece. Foi por isso que o Governo anunciou uma reforma que passa por "regressar ao essencial": ler, escrever, saber matemática, garantir calma e disciplina nas aulas... (...)

A Suécia tem muito medo de uma coisa: de não ser um país moderno. Pensámos que quanto mais ecrãs, quanto mais plataformas digitais utilizássemos, melhor sistema educativo teríamos (...). Estava errado. Estamos a voltar ao que é essencial, ao papel e à caneta, e aos livros em papel para os mais novos... Queremos ter engenheiros, os melhores e mais qualificados do mundo, queremos inteligência artificial (IA) e digitalização, mas isso é para a universidade e para depois da universidade (...).

Depois, as redes sociais estão a envenenar a geração mais jovem.

A escola é financiada pelo Estado, é o local onde as crianças de famílias desfavorecidas devem ter a oportunidade de se equipararem às outras crianças, porque a educação é a verdadeira ferramenta para tornar as pessoas independentes e prepará-las para o futuro (...). Também temos de trabalhar no sentido de os pais serem responsáveis para que as crianças tenham uma infância mais livre de smartphones. Esta era a minha visão enquanto ministro da Educação. Mas o Governo sueco continua nesta via, o que me deixa muito satisfeito (...). 

Tudo foi muito subsidiado pelas empresas tecnológicas (...) e havia uma enorme concorrência entre as duas maiores (...). Ofereceram muitas plataformas digitais, muitos computadores e ecrãs inteligentes, iPads ou similares. No início, argumentou-se que esta era uma forma de tornar o acesso a este tipo de tecnologias mais justo, porque também as crianças de famílias desfavorecidas podiam obter os seus equipamentos... Mas hoje em dia vê-se que é ao contrário, que os miúdos privilegiados têm pais que lhes tiram os smartphones e lhes põem um livro à frente e dizem: "Leiam!" (...).

É claro que se pode ter o equipamento e utilizá-lo na educação, mas tem de ter um valor acrescentado (...) no computador da escola, onde não há redes sociais e outras coisas a perturbar, e tem de haver os livros físicos, em cada disciplina (...).

Além disso, a criança deve poder ir para o pátio da escola no intervalo entre as aulas, deve encontrar-se com os seus colegas, deve discutir com eles, deve brincar, deve mexer-se para não ficar sentado, obeso e doente. É preciso conhecer pessoas, é uma forma de combater o bullying, de acabar com a solidão. Eu quero ter um dos países mais digitalizados do mundo, mas isso é para os adultos e as crianças aprenderam a usar a digitalização de forma sensata. Na Suécia, hoje, aos 15 anos, as crianças usam [ecrãs] seis horas por dia, não dormem. E não estão concentradas na sala de aula.

Depois, há 30 anos, começámos a ter um problema com aquilo a que chamamos as friskolor. Que são escolas independentes, que podem ser geridas por empresas privadas [ou fundações, ou cooperativas de pais] financiadas pelo Estado, para que os pais tenham liberdade total de escolha da escola para os seus filhos, seja pública ou privada.

O meu partido era muito favorável a isto (...) mas depois ficou demasiado desregulado e acabámos por ter um sistema escolar em que as grandes empresas ganham dinheiro com a educação, o que não é aceitável. A tendência é para reduzirem as bibliotecas, para reduzirem o equipamento necessário para fazer experiências (...). E há grandes diferenças [no investimento na educação] entre regiões (...) houve [com as escolas independentes] uma inflação das notas. Passou a ser um argumento para “vender” a escola: “Venham, porque aqui temos boas notas! Damos notas altas!"

(...) Houve aqui um cocktail negativo: o Estado entregou a educação a pequenos municípios sem capacidade (enquanto grandes municípios tiveram capacidade); houve demasiada liberdade dada a grandes empresas para gerir escolas como negócios (mas existem diferentes tipos de ONG, diferentes tipos de outros actores que não trabalham para ter lucro e têm uma boa reputação (...). 

O Estado tem de assumir mais controlo. E temos de voltar ao que é essencial. Não se aprende com um iPhone. E todas as pessoas que trabalham com crianças e estudam a forma como elas aprendem sabem que elas são muito vulneráveis, e é muito fácil ficarem muito viciadas.

A única forma de Portugal, a Suécia e todos os países semelhantes protegerem os seus valores (...) e manterem a democracia é concentrarmo-nos na educação".

1 comentário:

Anónimo disse...

Em Portugal, a digitalização desenfreada das escolas, leva a aberrações como a de advogados, com ou sem diploma, incentivarem os encarregados de educação, que muitas vezes são os pais dos alunos, a meterem o bedelho nos "sumários" das aulas, propondo aos professores, muitas vezes com ameaças veladas as formas mais corretas de escrever sumários digitalizados.
Neste caldo de cultura educativa persistente, apesar da mudança de governos, feita de imensas rubricas e avaliações por domínios, devidamente registadas em grelhas digitais, onde o sucesso educativo generalizado precede a adoção de um ensino com qualidade, nas palavras ocas dos especialistas, sobressai a desautorização dos professores, a todos os níveis, que nos está a conduzir para o abismo, apesar dos insistentes apelos para um regresso a um ensino em que se aprenda a ler, escrever e contar, com papel e lápis, mas agora também com a ajuda preciosa de alguma parafernália digital.

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