Parte final do artigo de Anselmo Borges no DN de sábado, que me cita:
«Neste domínio, nestes tempos de debates fundamentais à volta da Inteligência Artificial, a questão decisiva é se algum dia teremos uma explicação científica da consciência. Mais: se haverá máquinas com consciência.
O físico Carlos Fiolhais, apresentou recentemente num dos seus escritos semanais no Correio da Manhã, precisamente à volta da Inteligência Artificial.uma famosa aposta precisamente sobre a consciência: “Em 1994, em Tucson, nos Estados Unidos, realizou-se uma conferência intitulada ‘Em direcção a uma base científica da consciência’.” O neurocientista Christof Koch defendeu aí que a consciência tinha uma base física: dar-se-iam disparos síncronos de neurónios 40 vezes por segundo. O filósofo David Chalmers retorquiu, dizendo que era impossível descrever a consciência por um fenómeno físico. Chamou ao entendimento da consciência ‘o problema difícil’.”
Passados quatro anos, os dois reencontraram-se e, mantendo as suas posições, fizeram uma aposta: o primeiro apostou com o segundo uma caixa de garrafas de vinho que, nos próximos 25 anos, os cientistas iam descobrir um comportamento neuronal claramente responsável pela noção do “eu”.
Numa reunião da Associação para o Estudo Científico da Consciência realizada em Nova Iorque, em fins de Junho passado, os dois voltaram a encontrar-se. O antigo modelo de Koch estava ultrapassado, havendo outros em contenda. Mas nenhum deles era claro, dando uma resposta inequívoca, disse Chalmers.
O neurologista teve de admitir: “É claro que as coisas não são claras.” E foi buscar uma caixa de garrafas de vinho português, no qual se destacava uma de Madeira antigo.
O perdedor, pretendendo desforrar-se, propôs que repetissem a aposta: “Apostou que daqui a mais 25 anos o assunto estará finalmente claro. Chalmers aceitou com um sorriso.”
E Carlos Fiolhais, com o seu humor: “Os cientistas gostam de fazer apostas. Mas é por saber que os cientistas perdem apostas que sigo um precioso conselho da minha avó: ‘Teima, teima, mas nunca apostes’.” E acrescenta: “Estou em crer que as máquinas só terão consciência no Dia de São Nunca.”
Tenho a mesma opinião.»
Anselmo Borges
1 comentário:
Apostem o que puderem e creiam no que quiserem, que não temos nada com isso.
Já quanto a misturar tintas, seja pela razão que for, sinceramente, não é compatível com a necessidade de promover e de alcançar esclarecimento, antes pelo contrário.
Quando alguém não está interessado em esclarecer, ou ser esclarecido, o primeiro passo costuma ser confortar-se com a ignorância ou o mistério, em que assentam os seus pressupostos, ou crenças, assim se julgando justificado, como se esses pressupostos obrigassem à humildade de quem não se resigna à ignorância e se atreve desvendar.
Causa mais satisfação a um crente, seja de uma religião, seja de uma teoria científica, seja de um apostador, ou mesmo de um investigador imparcial e isento, a confirmação das suas suspeitas, ou hipóteses, do que o contrário. Isto pode ser discutível, mas é muito curioso que o conhecimento obtido por confirmação possa dar mais satisfação do que o conhecimento adquirido por infirmação ou mesmo contradição.
É manifesto, notório e ostensivo, até no discurso dos cientistas mais experimentados, que, por formação e dever profissional, estariam imunes a essa espécie de fanatismo relativamente ao resultado do seu trabalho, um desejo, mais do que uma expectativa, desse resultado. É como se não fosse possível fazer um jogo, ou assistir a um jogo, sem torcer por um dos lados. Neste aspeto os cientistas não se distinguem dos não cientistas. Até eu, que não sou cientista, nem sou religioso, mas não tenho outro remédio senão viver em função da verdade dos factos, sou um fanático que, no jogo da verdade contra a mentira e as meias tintas, torço e sofro para que a verdade triunfe.
E não me atirem com autoridades aos olhos para me calarem, nem me deem chá para adormecer o tigre, como se eu não tivesse o direito de me pronunciar, porque isso é o contrário do que deve ser feito, para tentarmos sair da sombra das figuras, que devem a sua imponência à sombra que projetam e amplificam, e para percebermos e comunicarmos qualquer coisa, por mais misteriosa que possa parecer.
Aliás, em matéria de mistérios, bem podemos dizer que não há autoridades, ou que somos todos.
Daí que me aventure com confiança até onde me aprouver, em abono da verdade e contra a falsidade, a mentira e a ignorância, que são motivos mais do que suficientes para não me limitar a adormecer ou a acordar a ouvir o zumbido das palavras.
Quem começar por dizer que não sabemos o que é a consciência, ou, ainda mais enfaticamente, que não há explicação científica da consciência, estará a dar e a propor, ousada e displicentemente, que demos um passo em falso nos degraus dos problemas que envolvam a noção da consciência.
O resto já não importa, se são neurologistas, ou filósofos, ou profetas, se é vinho português, se a aldeia dos maus é daquele lado ou deste, porque isso já não tem a ver com o problema, é só para turvar o raciocínio.
E porque razão alguém haveria de crer que as máquinas nunca terão consciência?
Seria pela razão de não saber o que é a consciência?
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