“Há um interesse global em estupidificar as pessoas”
1.
No final do século passado, "foi êxito estrondoso na Alemanha" o livro do professor de literatura Dietrich Schwanitz intitulado Cultura — tudo o que é preciso saber, tradução portuguesa de 2004, edições D. Quixote. Logo a abrir, numa "Introdução sobre o estado das escolas", o autor, lembrando o naufrágio de Robinson Crusoe, escreve:
"No que à cultura diz respeito, encontramo-nos na situação de Robinson. Naufragámos. Isto é grave, mas não é uma catástrofe, desde que não percamos o moral, não entremos em pânico, sejamos capazes de aprender e tenhamos determinação e persistência suficientes para nos reorganizarmos."
E continua:
"O ensino transformou-se num reino das trevas. No seu interior evaporaram-se as ideias sobre o que devemos, afinal, aprender. Uma reflexão séria, apoiada numa base científica sólida, sobre os objetivos do ensino, é algo que não se vislumbra acontecer em parte alguma."
2.
O escritor Afonso Cruz, no seu mais recente livro, sugestivamente intitulado O vício dos Livros II (Companhia das Letras, Maio de 2025), reflecte, em textos curtos, sobre os problemas inerentes à relação entre os livros e os leitores, na procura de resposta a questões: como tornar a leitura apelativa? como levar os jovens a ler? como levar os adultos a ler? O escritor deve escrever para o leitor?
São questões de sempre que estão intimamente ligadas a outras — literacia, conhecimento, educação e cultura. É na escola que tudo começa...
Num desses capítulos, o autor, cita John Carey, professor emérito de Literatura Inglesa, que num livro publicado em 1992, no qual analisa a relação entre a literatura e as massas entre 1880-1939, escreveu:
"Os intelectuais não poderiam, evidentemente, impedir a alfabetização das massas. Mas podiam impedi-las de ler literatura, tornando-a extremamente difícil de ser compreendida — e foi isso que fizeram. O início do século XX assistiu a um esforço deliberado, por parte da intelectualidade europeia, de excluir as massas da cultura. Em Inglaterra, o movimento ficou conhecido como modernismo. Noutros países europeus, recebeu nomes diferentes, mas os ingredientes eram essencialmente os mesmos, revolucionando as artes visuais e também a literatura. O realismo do tipo que se supunha que as massas apreciavam foi abandonado. O mesmo aconteceu com a coerência lógica. A irracionalidade e a obscuridade foram cultivadas."
Os escritores não estavam sozinhos... Este elitismo faz parte das políticas culturais da época e de uma determinada definição de cultura, defendida e apoiada pelas determinações oficiais, em termos de educação, de divulgação do livro. Cultura era, então, a alta cultura... Havia, assim, os intelectuais cultos e o povo inculto.
3.
Lembremos:
— Entre nós, o Estado Novo, criou, em 1936, o Instituto Alta Cultura, designado Instituto para a Alta Cultura a partir de 1952, com o fim de apoiar a investigação científica e a divulgação da cultura portuguesa.
— Este Instituto só foi extinto em 1976. Deixou de ter funções na área da Investigação Científica, funções que passaram para o Instituto Nacional de Investigação Científica (INIC), agora Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), um I.P. que iniciou a sua actividade em 1997.
Perdeu-se, entretanto, o termo "Cultura", ficando apenas "Investigação"...
Mas os Programas de Governo iam manifestando a sua preocupação com as questões culturais:
— no primeiro governo após o 25 de Abril de 74, havia o Ministério da Educação e Cultura
— em 1983, surge, pela 1.ª vez, um Ministério da Cultura.
E a CULTURA foi passando de Secretaria de Estado a Ministério, e vice-versa.
Significativamente, ou não, no actual governo a designação passou a ser "Ministério da Cultura, Juventude e Desporto".
Isaltina Martins
1 comentário:
Como professor do ensino secundário, da disciplina de Física e Química, embora também já tenha lecionado Matemática, Geografia e Biologia, entendo perfeitamente as lúcidas palavras de António Carlos Cortez e Dietrich Schwanitz sobre descalabro do ensino nas escolas. Eu sou do tempo em que ainda se aprendia a calcular raízes quadradas “à mão”. De então para cá, foi-se instalando o paradigma de que muito mais importante do que aquilo que se ensina e aprende na escola são os diplomas que nos habilitam a todos, sem exceção, para o mundo do trabalho ou para entrarmos na universidade, se preferirmos o prosseguimento de estudos. Dentro desta conformidade, os professores limitam-se a ensinar um mínimo de matéria e de muito fácil aprendizagem pelos alunos. Numa dada altura, introduziram o ensino por objetivos para os alunos identificarem facilmente o muito pouco que tinham de aprender. Dietrich Schwanitz levanta a questão sobre os objetivos do próprio ensino. Efetivamente, o atual rumo de prosseguir com a redução do que se pode ensinar e aprender na escola, poderá conduzir ao fim estupidificante do ensino e da aprendizagem.
Tenho para mim que alguns destes problemas do ensino têm a ver com a sua massificação nas últimas décadas, mas sou um fervoroso defensor da igualdade de oportunidades. Igualdade absoluta, não!
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