Em 2011, Joel Costa, autor do programa de rádio Questões de Moral, dedicou um episódio à legislação sobre a educação sexual em meio escolar, por certo, à lei de 2009 e à portaria de 2010 que a regulamenta. Podia ter sido escrito e dito hoje, os pontos da discórdia mantêm-se e os paradoxos repetem-se. Pela actualidade e pelo humor, que ajuda a viver com certo nonsense, tomo a liberdade de o reproduzir, na transcrição que dele fiz na altura (aqui), mudei apenas o título e alguns sublinhados.
"O sexo, enfim, deixou de ser aquilo que todos nós, até ao início do presente ano lectivo pensávamos que fosse um facto privado, uma questão
pessoal. Não, passaria, passará… não sei… a ser um problema de saúde pública.
Um problema de saúde pública tratado nas escolas normais, em aulas de
educação sexual presumivelmente dadas por especialistas na matéria. Eis,
portanto, o bom Portugal, sempre na vanguarda do progresso, inclusive
na educação como, de resto, todos sabemos. Estamos tão avançados nos
nossos níveis educacionais que, a juntar às cargas horárias dos alunos,
tinha de vir outra disciplina essencial para o crescimento do estado,
para a dívida, para a competitividade externa e interna.
Com a educação sexual a estes níveis, governamentalizada, ah! agora sim, as exportações vão crescer, e sem dúvida que o futuro do
sexo português está garantido, será até produto de exportação, agora, por
falar disso, de exportação para os mercados nórdicos, sei lá… esses
coitados que não percebem nada disso, o que dá a medida da larga visão
estratégica do governo.
Muitos pais recusavam a assistência dos filhos às aulas de educação sexual e, a meu ver, bem, não percebem o que terá o estado a ver com a sexualidade dos filhos.
Mas se os pais não quisessem os filhos nas aulas de Educação sexual
teriam de bem fundamentar a recusa, e o problema seria saber que
fundamentações seriam consideradas pelos burocratas: “Não quero, porque
não”, seria razão atendível pelas autoridades sexuais?
Como digo,
houve pais que recusaram para os filhos o ensino sexual dado pelo
estado nas escolas. Houve até uma plataforma de resistência nacional
para isso, foi obra. E o problema para justificar as faltas a educação
sexual é que a matéria poderia vir a ser dada não numa disciplina
específica, mas de modo transversal, incluída em várias disciplinas.
Não sei como estão as coisas, claro, não sou um entendido, nem um expert nem
nada, nem sequer um interessado, não sei como está a ser feito, mas
estou a imaginar uma professora de Matemática, uma daquelas antipáticas,
como eram no meu tempo, a ensinar sexo aos alunos, ou mesmo uma
simpática professora de português a incluir no léxico expressões
relacionadas com o sexo (…) e até se pode recorrer ao latim.
E professores houve que se propuseram ensinar sexo, ou sexualidades, aos próprios pais,
o zelo legislativo de gabinete e a ânsia governamental de normalização
burocrática e de correcção política pode ter destas… sei lá… aberrações e
chegar a extremos ridículos.
As dúvidas dos pais quanto à
propriedade destas aulas eram perfilhadas por alguns professores. O
assunto apresentava logo à partida em dificuldades e espinhosas
ambiguidades, a abordagem para começar. Mas alguém resolvera
tranquilamente a questão… não, não, não, não se vai ensinar sexo não se falará do acto sexual, vai-se educar sexualmente, que é uma coisa muito diferente e que deve dispensar muito bem qualquer referência ao acto sexual.
A educação sexual seria não dirigida para o sexo em si, mas para os afectos.
Podiam ter-lhe dado outro nome, mas fiquei a saber que, por directiva
ministerial, os afectos do meu filho não serão livres e espontâneos terão de ser educados pelo Estado, orientados pelo Estado,
a espontaneidade afectiva com quem os alunos sentirem afinidades, não
será, pelos vistos, recomendável, nem politicamente correcta sem exame
prévio, pode até ser obrigatório um certificado oficial.
Os
professores, alguns, admitiam aulas sobre o aparelho reprodutor, que
não é sexo, evidentemente, é biologia, é medicina, é enfermagem,
ciências da natureza (…). Sexo julgava eu que era outra coisa, julgo…, mas também, como nunca tive aulas, saber a matéria, e nunca ninguém me ensinou sexualidade, admito que não percebo muito do assunto.
Um
"profe" perguntava como iriam os profes ocupar as muitas horas (…), com
trabalhos práticos? E eu pergunto o que são trabalhos práticos em sexo.
O "profe" em questão também aventava a possibilidade dos trabalhos de
grupo, seria sexo em grupo? Lá sofisticado era, se fosse… e avançado. O
"profe" citado, certamente por escorreito exercício de humor, perguntava
se nas muitas horas de aulas… cabiam os trabalhos manuais. Bem, quanto a
trabalhos manuais em educação sexual, naquelas idades, digo eu, que não
tenho dúvidas nenhumas, que os alunos se mostrarão estudiosos e
diligentes. E como somos um país tecnologicamente em dia, avança ainda
aquele profe com a possibilidade de utilização de meios audiovisuais que
explicassem visualmente como se praticavam os diferentes tipos de sexo,
que ele discrimina, incluindo sexo sado-masoquista (…). Uma grande
pouca vergonha, digo eu… maliciosamente.
Outro "profe" infere da obrigatoriedade da educação sexual a matriz ideológica
que se contém na sexualidade. Por mim, não percebo lá muito bem porque é
que um "profe" fascista não há-de perceber mais de sexo do que um
comunista ou vice-versa, ou porque não um professor liberal mais
sexualmente expressivo e didáctico do que um professor socialista, ou
vice-versa, claro está.
Ou essa ideologia a que o profe se referia seria ideologia sexual? O que será ideologia sexual? Sei lá, não sei. Mas palpito que, como na política, seja uns inclinarem-se mais para a esquerda, outros inclinarem-se mais para a direita, uns a inclinarem-se mais umas práticas e outros mais para outras (…).
Também não sabia, mas lendo umas coisas na internet fiquei
a saber que somos o país com maior taxa de infectados (…) por doenças
sexualmente transmissíveis e que continuamos a ter uma taxa altíssima de
mães adolescentes e daqui pode decorrer forçadamente, admito, que os
nossos jovens não percebem nada de sexo, que os adolescentes não fazem
ideia do que seja educação sexual.
Bem, pelo que precisamente se
invoca, eles percebem até muito, e se não sabem a teoria, sabem a
prática e os resultados estão à vista, tristemente, mas estão: as
infecções, as mães adolescentes. Isto significa que as adolescentes mães
e os adolescentes pais não sabem o que estão a fazer? (…). Sexo mal
gerido, sexo mal dirigido, dir-me-ão. Então, quando um jovem e uma jovem
estão juntos, livres, cheios de amor, exaustos de carícias e beijos e
com uma cama por perto, na melhor das hipóteses, para onde haverão eles
de dirigir os respectivos ímpetos (…) como saberão gerir melhor a tensão
que têm no corpo e, atenção, no espírito?
Leio e aprendo coisas assombrosas
sobre este tema da educação sexual, a auto-estima que nestas idades é
fundamental para os alunos se iniciarem no sexo. E eu sem querer
“bancar” o subversivo, peço imensa desculpa de me rir destas coisas e poder ofender quem leva isto a sério, e não como iniciativa de governo para ficar bem na fotografia da modernidade, para efeitos, obviamente, eleitorais.
Auto-estima, é claro que ela é precisa seja para o que for
e não vejo que seja especialmente necessária para se iniciar no sexo.
Mas o que é trazido a terreiro por este professor que leio, é que a
auto-estima permite um sexo por opção própria e não influenciado por
parceiros (…). Mas desde quando é que o impulso sexual não foi induzido
também pelo parceiro? E desde quando, ainda que induzido pelo parceiro, o
ser-se desejado para fazer sexo com o parceiro indutor não é um
elemento a favorecer a auto-estima, desde quando, por essa causa, o sexo
não foi uma opção própria?
Mas o governo não poupou alunos, professores e pais às suas burocráticas directivas orientadoras, até em matéria sexual. E aqui está um caso em que sou um empedernido liberal, porque aprovo o estado social e desaprovo de todo o estado sexual, ou o sexo estatalmente instituído.
Só me perguntei na altura como
se iriam ver os jovens de hoje na realidade adulta do sexo de amanhã
depois de terem beneficiado das orientações do governo na matéria. Teremos no futuro também uma burocratização da vida sexual?
Os
pais temiam os catecismos, os moralismos, logo a hipocrisia, os tabus,
as abstinências, os recalcamentos, e pronto, as consequentes taras.
Sexo, pergunta-se, educação sexual, ou auto-didactismo tradicional? Os
serviços do Ministério da Educação tinham certezas absolutas: era
preciso esclarecer tudo sobre a educação sexual, a vida sexual e coisas
assim. Os serviços do Ministério andavam apreensivos com os fantasmas,
queriam uma juventude a viver a sua sexualidade e os seus afectos de
modo lúcido, explicável, saudável, incluindo aqueles afectos que se
inclinam para pessoas do mesmo sexo. Ora, sobre isto alguns profes,
ainda que favoráveis à educação sexual, achavam que as políticas
governamentais haviam sido, nesta matéria, influenciadas por lobbies… não me custa nada a crer.
Educação
sexual, pensando no caso: fazer sexo deve ser o cúmulo da má educação, é
má educação até aludir a ele em sociedade: sexo não pode ser feito em
público, pois não, à vista de toda a gente, pois não; é uma prática que
não admite transparências, onde tudo pode ser proibido ou permitido, é
coisa que se faz às escondidas de todos, em privado (…) ou então pode
ser feito onde calhar, arriscando-se sanções, maus olhados, má fama…
Neste mundo do politicamente correcto, do socialmente correcto, o sexo
deve ser a maior das incorrecções, sim, porque como digo, só se faz às
escondidas. E, então, como ensinar a correcção e a educação do sexo se a própria prática dele é uma incorrecção,
uma pequena violência confortável, o sexo é uma indecência, ou pelo
menos assim a sociedade o julgou. O sexo é interdito nos cinemas, quer
na plateia, quer nos intervalos, quer no ecrã, e, quando é permito no
ecrã, os filmes (identificados, são para adultos) e taxados pelo estado.
Educando o sexo, vai educar o que ele mesmo proíbe, ou que simplesmente
condena como imoral (…).
Mas, pelos vistos os governos entendem
que há uma correcção para o cúmulo da incorrecção que é o sexo; que há
uma educação para o cúmulo da má educação que é o sexo, ao ponto de o
quererem ensinar e educar nas escolas. Não, não será o sexo que se
pretende ensinar e educar nas escolas: é educação sexual, educação… mas para quê, se eu não posso mostrar à sociedade os refinamentos da minha educação sexual?
(…) Sempre ouvi dizer, embora como eufemismo, que praticar o sexo é
fazer amor, mas então como se pode administrar boa educação sexual se
não se explicar muito bem, por miúdos, aos alunos, em que consiste
realmente o amor e os respectivos nobres sentimentos?
Mas ninguém
soube explicar como deve ser o amor, não sei se o governo ou o
ministério têm algumas directivas sobre o assunto, sobre o sentimento
amoroso. Só me admira que não tenham, que não legislem sobre o amor.
É grave lacuna na fachada do furor legislativo nacional, porque haveria
alguma correcção a ensinar respeitante ao amor, ao amar correctamente,
educadamente… caso de saúde pública, quanto mais não seja porque muitas
tragédias pessoais já aconteceram por causa do amor.
Sexo: causa
ou consequência (…) do amor? Mas se ao dar educação sexual ao povo
adolescente, o ministério não ensinar o que é verdadeiramente o amor, do
qual o sexo, de uma maneira geral, correcta, educada, deve ser a
consequência, se o ministério não ensinar o que é amor e como se vive
educadamente um grande amor irão ensinar bem a consequência disso ou
seja, fazer bom sexo? Então vai ensinar o quê?
O ministério através dos seus doutos professores, seguramente especializados em matéria sexual, vai ensinar os jovens a
pôr um preservativo, bom, senhores, isso não é educação sexual isso
serão primeiros socorros, quando o jovem tiver de se desembaraçar numa
emergência (…). Ensinar a jovem a tomar a pílula, educação sexual, não
me parece, será farmacologia, educação cívica, higiene, ou outra coisa
parecida.
Mas depois, em vez de amor e de magníficos sentimentos
a serem complementados com o sexo, vem a burocracia ministerial e lê-se
no normativo sobre a (…) educação sexual, a impor umas quantas coisas
(…): “o aumento e a consolidação de conhecimentos sobre”, por exemplo,
“as dimensões anatomo-fisiologicas”… não esperava indecências destas
numa norma governamental (…). “É preciso aumentar e consolidar
conhecimentos acerca de regras de higiene corporal”, tem a ver com sexo e tem a ver com a condução de camiões TIR,
sei lá… tem ver com tudo. “Da diversidade dos comportamentos sexuais ao
longo da vida” (…), pois é: é o “ao longo da vida” que dá cabo de nós,
aí é que está, e nos ensina melhor… acerca dos mecanismos de reprodução.
Acerca
do planeamento familiar, dos métodos contraceptivos, das infecções, sua
prevenção e tratamento. Acho que hoje já ninguém ignora com quem é
arriscado fazer sexo, e não será caso para dar uma aula… bom… aumentar e
consolidar conhecimentos, também acerca das ideias e dos valores com
que as diferentes sociedades encaram a sexualidade (…). “Aumentar e
consolidar conhecimentos sobre os vários tipos de abuso sexual e das
estratégias do agressor” uff!... Abuso e estratégias do agressor, enfim…
educação sexual num país e numa sociedade em que nos últimos anos, como
o caso Casa Pia acabava de tomar conhecimento de uma infinidade sórdida
de pormenores acerca de pedofilia e de agressões e em que os alegados
acusados e já condenados era tudo gente bem-educada e culta ou, pelos vistos, mal-educada sexualmente (…). Valha-me Deus!
As normas ministeriais impõem ainda o desenvolvimento de competência para uma data de coisas,
eu sei lá: “expressar sentimentos e opiniões” (…). É verdade, há muita
gente incompetente a expressar sentimentos e opiniões e também há os
demasiado competentes quando expressam, e bem, sentimentos falsos, para
tomar decisões e aceitar decisões dos outros, ora uma lição de
democracia, em suma, não de sexualidade, mas, está bem, passo… Não me apetece ler mais normas governativas, parecem-me mais burocracias jurídico-institucional do que regra para lidar com assuntos humanos complexos.
Porque
depois será preciso competência para reconhecer situações de abuso
sexual. Ensinar a reconhecer rapazes e raparigas (…) o que é um abuso
sexual!? Estas normas puseram-me a alma num inferno, ao fazerem
dos alunos perfeitos atrasados mentais a quem têm de ser ensinadas
matérias com que eles contactam todos os dias, ou pessoalmente ou por
meio dos média.
Houve professores a pensar que no campo da
educação sexual deve ser deixado espaço aos pais, os pais deveriam falar
com os filhos… sim… em princípio acharia mais natural que assim fosse,
mas depois somos esmagados pelo argumento da indisponibilidade de tempo dos pais e pelo eventual talento dos pais
no ensino de matéria tão delicada e tão mal-educada, mas mesmo que os
pais tivessem tempo e talento coloquemo-nos, por um momento, no lugar
deles (…). A preparação sexual dos pais seria aquela de toda a gente: a
que a vida lhes dera (…). “Mas eu sei lá o que hei-de dizer ao rapaz? E,
tu sabes o que vais dizer à miúda? Vês? A mim nem pai, nem mãe, nem avô,
nem avó, nem tio, nem tia me explicou coisas que eram consideradas
poucas-vergonhas e que não eram para falar diante dos gaiatos, não é?”.
“Mas, os tempos são outros, diria a mãe”. “Pois, mas é com essa que me
entalas (…) se tudo isso estivesse informatizado…”