segunda-feira, 28 de outubro de 2019

O NOBEL DA FÍSICA DE 2019: BIG BANG E EXOPLANETAS


Meu artigo no último As Artes entre as Letras (na imagem, vista do Universo aos 300.00 anos possibilitada pela radiação cósmica de fundo):


Em 1929 o astrónomo norte-americano Edwin Powell Hubble, baseado nas suas observações no que era então o maior telescópio do mundo, o telescópio de Monte Wilson, em Pasadena, na Califórnia, chegou á conclusão que as galáxias se estavam a afastar, em média, uma das outras, e que a velocidade de afastamento era maior para as mais distantes. Foi o início da teoria do Big Bang (ou grande explosão), segundo a qual o Universo teve início há cerca de 14 mil milhões de anos. A lei de Hubble diz que há uma relação de proporcionalidade directa entre velocidade das galáxias, que se pode medir graças a um efeito óptico chamado “desvio para o vermelho” e a distância à Via Láctea, a nossa Galáxia.

Parece óbvia a ideia de que um Universo muito denso é muito quente e que, á medida que o tempo passa, esse universo arrefece enquanto se expande. O físico americano de origem russa George Gamow avançou com essa ideia em 1946. Mas demorou até 1948 para que dois astrofísicos norte-americanos (Robert Herman e Ralph Alpher) aparecerem a afirmar que havia uma maneira de provar a origem do Universo a partir do Big Bang. Segundo eles devia existir  um “fundo de radiação cósmica”, isto é, uma radiação com o comprimento de onda na zona das de micro-ondas (o tipo de radiação que é usada pelos nossos telemóveis) preenchendo todo o espaço.. A sua detecção seria uma marca inequívoca da formação dos primeiros átomos, por todo o lado, pouco depois do instante inicial (cerca de 300.000 anos depois). Essa mesma radiação foi detectada inadvertidamente em 1965 pelos físicos americanos  Arno  Penzias e Robert Wilson, que estavam a montar antenas de microndas para telecomunicações quando repararam na existência de um estranho “ruído de fundo”.  Foi o astrofísico Robert Dicke que lhes chamou a atenção para o facto desta radiação poder ser a que tinha prevista por Hermann e Alpher.  Hubble, Gamow, Herman e Alpher não ganharam o prémio Nobel, mas sim Penzias e Wilson, em 1978. O  estudo desse fundo de microondas através de uma missão da NASA usando um satélite  denominada COBE  (Cosmic Background Explorer) deu o prémio Nobel da Física de 2006 aos físicos americanos George Smoot e John Matter, que dirigiram o projecto. O registo do fundo de radiação cósmica é a imagem mais antiga que temos do Universo, uma vez que este era completamente opaco antes da formação dos átomos.

O cosmólogo norte-americano (de origem canadiana) James Peebles, professor da Universidade de Princeton, que recebeu metade do Prémio Nobel da Física deste ano, forneceu contributos notáveis para a decifração dos sinais recolhidos, ao chamar a atenção para pequenas inomogeneidades, que são devidas a pequenas diferenças densidade de átomos num fundo que é bastante uniforme em todas as direcções. Segundo Peebles, que estudou a distribuição angular do fundo de radiação cósmica, não apenas tal radiação nos permite concluir que o Universo é, em larga escala, essencialmente plano – isto é, vale a geometria de Euclides – como nos permite tirar conclusões acerca da existência de “matéria negra” e de “energia negra”. A primeira é matéria que não vemos directamente, por não emitir luz, mas que se manifesta pela força da gravidade. Não fazemos ideia nenhuma do que é. A segunda é a manifestação de uma força cósmica em larga escala que também não vemos, e sobre cuja natureza também não fazemos qualquer ideia. Sabemos hoje, graças aos trabalhos pioneiros de Peebles, que a matéria normal, a matéria de que somos feitos, não representa mais do que cinco por cento de toda a matéria e energia do cosmos. O resto é matéria escura (26%) e energia escura (69%). Sabemos, portanto, que há muita coisa no Universo que não sabemos. Na resolução destes dois mistérios, o da matéria escura e da energia escura, talvez esteja a chave para chegarmos a uma nova física.

A segunda metade do prémio premiou a descoberta de novos planetas, astros que andam à volta de estrelas. Até 1995 só conhecíamos os nove planetas do sistema solar (de Mercúrio a Plutão; Plutão foi relegado para “planeta-anão” já neste século). Mas, nesse ano, os astrónomos suíços Michel Mayor e Didier Queloz, da Universidade de Genebra, identificaram um planeta semelhante a Júpiter, de seu nome 51 Pegasi b, que circula à volta de um estrela semelhante ao Sol (essa estrela, chamada 51 Pegasi, está a cerca de 50 anos-luz da Terra, o que, na nossa Galáxia, é mesmo perto de nós). Foi um marco notável na história da Astronomia, pois inaugurou o estudo dos exoplanetas ou planetas fora do sistema solar. Hoje conhecemos mais de 4100 exoplanetas e, com a sua sistematização, começámos a perceber melhor como se formam os sistemas planetários como o nosso: estrela e planetas formam-se ao mesmo tempo à medida quando um disco de matéria, girando a grande velocidade, arrefece. O 51 Pegasi b está muito próximo de 51 Pegasi, pelo que é extremamente quente. É por isso que lhe chamamos um “Júpiter quente”.

Há uma questão que nos preocupa sobremaneira:  Haverá outros planetas semelhantes à Terra, mais pequenos e mais frios do que 51 Pegasi b ? Hoje sabemos que há. Falta, porém, saber se algum deles albergará alguma forma de vida, seja esta semelhante à que povoa à Terra ou não. Investigadores de todo o mundo, incluindo Portugal, estão a olhar para essas “novas Terras” e a procurar novos planetas (os físicos Nuno Santos, da Universidade do Porto, e Alexandre Correia, da Universidade de Coimbra, que têm trabalhos conjuntos com Mayor e Queloz, são protagonistas desses esforços). Eles estão a “dar novos mundos ao mundo”. Uma das questões mais importantes da ciência contemporânea é a de saber a origem da vida. Indicações vindas de outros sistemas solares poderão ajudar a esclarecer esse mistério.

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