quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O palácio dos Sarafanas

Texto de João Boavida, saído antes em As Beiras, sobre um enorme palácio em ruínas em Alpedrinha, Fundão (segundo a monografia referida no texto "consta em Alpedrinha, e o povinho acredita piamente, que este grandioso edifício não foi acabado devido a um embargo real, pois era obra de tal sumptuosidade que o rei teve inveja d'um palácio assim, e proibiu terminantemente a sua conclusão." )

«Mesmo ao cimo da vila, e junto ao antiquíssimo caminho romano que conduz à Portela de Alpedrinha, por cima do Chafariz, está situado o palácio dos Sarafanas, mais conhecido por Picadeiro, dominando, sobranceiro, das suas altas e rasgadas janelas e varandas, a maior parte da vila, e todo o Campo, num panorama deslumbrante, d’esses que não esquecem». Assim começa Salvado Mota a descrição do palácio do Picadeiro, na sua Monografia de Alpedrinha, livro escrito, composto e impresso nesta vila, em 1933, numa «Tipografia particular e curiosa do autor», e com uma reedição fac-similada em 2004.

O palácio, construído no século XVIII pelo Dr. Francisco Lopes Sarafana Correia da Silva, ficou por metade, pois estava prevista uma fachada igual e simétrica, voltada a nascente, e que a morte do proprietário interrompeu. Se o plano tivesse sido concretizado, o edifício seria imponente, mas, mesmo assim, é uma magnífica construção barroca, de linhas elegantes e poderosas, que enquadra, ao alto, o belíssimo Chafariz Real de D. João V. O conjunto arquitectónico é notável. E mais ainda se tivermos em conta o acesso desde a Igreja Matriz, até ao largo, no cimo da vila, as construções graníticas em redor, a rampa da estrada romana, que começa ali, e a capela que lhe fica encostada, por detrás e acima, anterior igreja dos jesuítas e actualmente de São Sebastião.

A entrada do palácio, o «picadeiro», tem carácter, pois é largo, lajeado a granito e com o miradouro «com quatro parapeitos com assentos aos lados», no dizer ainda de Salvado Mota. As vistas são rasgadas: para trás de nós e a Nascente, a Gardunha, para Sul e Poente, o «campo», ou seja, o começo do Portugal do Sul, com a planície das Idanhas, velha e nova, e Castelo Branco, até ao amarelo e castanho de Castela, que, da tão longínquo, é azul.

A história do palácio foi atribulada. Com a morte de Francisco Sarafana começou uma agonia de abandonos, maus usos e abusos durante dois séculos, com esporádicas notícias de que ia ser recuperado para isto e para aquilo. Mas nada. Nunca.

Com o advento da democracia, e a chegada ao poder autárquico de gente de menos estatuto que o tradicional, talvez, mas mais capacidade para agir, constitui-se uma comissão, que trabalhou e lutou durante trinta anos e muitos governos. E que ajudada pela boa vontade da actual autarquia fundanense, conseguiu finalmente recuperar o Palácio do Picadeiro.

Para quem toda a vida viu aquilo ao abandono, poder agora pisar o seu pátio magnífico, andar pelas suas salas e subir ao piso superior «por uma escadaria construída no interior de uma das paredes», tão largas elas são, não só sente uma funda emoção como agradece aos que concretizaram a obra.

Na confluência do Portugal do Norte, montanhoso, húmido e frio com o do Sul, plano, mais árido e quente, o Palácio do Picadeiro, no alto da vila, aberto aos ventos e aos horizontes, tem-se vindo a tornar um lugar de referência e muito mais no futuro o poderá ser. Ainda em ruínas, aproveitando o seu espaço e as suas pedras, houve ali concertos musicais e outros eventos de relevo. Pensado agora para centro de estudo e interpretação da transumância ele pode ser isso e muito mais. Um centro cultural, um lugar de atracção turística, um miradouro, um ponto de vendas de produtos qualificados da região, uma livraria, lugar de reuniões, exposições, concertos, representações ao ar livre, enfim quase tudo o que os responsáveis pela sua gestão forem capazes de imaginar e levar a efeito. Mas a cultura não é isso mesmo? E as coisas não são aquilo em que se vão tornando? E não se vão tornando naquilo em que já são ou poderão vir a ser? Os lugares qualificam as pessoas; as pessoas qualificam os lugares. Apesar de vila com alguma tradição de nobreza, Alpedrinha tem trabalhado, e bem, para honrar os seus pergaminhos.

HUMOR: UTILIDADES DOMÉSTICAS





Novas edições da "Classica Digitalia"

Informação recebida da biblioteca e editora online Classica Digitalia.

De acordo com a nossa política editorial, tanto o acesso à biblioteca digital como o descarregamento dos volumes são livres e gratuitos.

Ainda assim, além da ligação para o livro digital, indicam-se os preços dos mesmos em formato tradicional de papel. Quem desejar adquirir algum exemplar, pode fazê-lo através dos emails de contacto classicadigital@fl.uc.pt ou leo@fl.uc.pt

Temos o gosto de anunciar a publicação de mais três livros.

Colecção Autores Gregos e Latinos - Série Textos

Carlos A. Martins de Jesus: Plutarco. Obras Morais – Diálogo sobre o Amor. Relatos de Amor. Tradução do grego, introdução e notas (Coimbra, CECH, 2009). 145 p. PVP: 8 Euros

Série Humanitas Supplementum

Maria Helena da Rocha Pereira, José Ribeiro Ferreira & Francisco de Oliveira (Coords.): Horácio e a sua perenidade (Coimbra, CECH, 2009). 180 p. PVP: 22 Euros

José Luís Lopes Brandão: Máscaras dos Césares. Teatro e moralidade nas vidas suetonianas (Coimbra, CECH, 2009). 461 p. PVP: 36 Euros.

SELECÇÃO SEXUAL


Informação recebida do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra:

PRÓXIMA CONFERÊNCIA DO CICLO DARWIN E A EVOLUÇÃO NO MUSEU DA CIÊNCIA
15 DE OUTUBRO, 16 horas


SELECÇÃO SEXUAL. A IMPORTÂNCIA DO SEXO NA EVOLUÇÃO
PAULO GAMA MOTA
Biólogo, Dep. de Antropologia da Universidade de Coimbra

A teoria de selecção sexual de Darwin é menos conhecida que a teoria de selecção natural. Mas é mais uma evidência do pensamento genial de Darwin. Durante muitos anos foi uma teoria esquecida. Hoje sabemos que a selecção sexual é uma forma de selecção natural extremamente importante que condiciona inúmeros aspectos da evolução das espécies. Algumas características insólitas e insuspeitas de muitos organismos são resultado da competição pela reprodução.

A Maçonaria e a Implantação da República”


Informação recebida da Fundação Mário Soares:

Lançamento de livro a 5 de Outubro, com documentação inédita

O livro “A Maçonaria e a Implantação da República” vai ser lançado no próximo dia 5 de Outubro, em sessão pública que decorrerá no Auditório da Fundação Mário Soares, em Lisboa, com início às 18 horas. João Alves Dias apresentará a obra. Mário Soares, Presidente da Fundação, e António Reis, Grão Mestre do Grande Oriente Lusitano-Maçonaria Portuguesa, estarão presentes.

“A Maçonaria e a Implantação da República”, que conta com um posfácio do Prof. Doutor A. H. de Oliveira Marques, reúne um conjunto de documentos inéditos referentes à Comissão de Resistência da Maçonaria e à participação desta nos preparativos do 5 de Outubro de 1910, bem como alguns textos de enquadramento geral da situação que então se vivia no nosso país, uma cronologia dos principais acontecimentos, fotografias e notas biográficas sobre os intervenientes.

A Fundação Mário Soares e o Grémio Lusitano entenderam publicar, nas vésperas do Centenário da República, este espólio documental inédito que ilustra a intervenção da Maçonaria na impantação da República.

Reunidos e anotados por Simões Raposo Júnior, destacado elemento da Maçonaria, os documentos agora reunidos em livro e reproduzidos em facsimile constituem um retrato insubstituível dos preparativos do movimento republicano e das movimentações que o precederam.

A documentação publicada foi depositada na Fundação Mário Soares por Sérgio Carvalhão Duarte. Este acervo documental havia sido entregue, em vida, a seu pai, Jaime Carvalhão Duarte, por José António Simões Raposo Júnior, tendo permanecido durante muitos anos devidamente resguardado fora de Lisboa.

No dia 5 de Outubro será também inaugurada nas instalações da Fundação Mário Soares uma exposição intitulada “Quem Fez a República”.

Local: Auditório da Fundação Mário Soares, Lisboa

Recordar os Portugueses mortos na Primeira Grande Guerra


Novo post numa série sobre a 1ª República de António Mota de Aguiar:

Vai fazer no próximo dia 5 de Outubro 99 anos que foi implantada a 1ª República Portuguesa. Cerca de cinco anos depois deste acontecimento, Portugal entrava na 1ª Grande Guerra Mundial e, durante o ano de 1917, chegavam a França os primeiros contingentes portugueses, na sua maioria pessoas pobres, na flor da vida, arrancados da vida rural das suas terras natais.

Como testemunha esta carta:

“Mãe. Afinal fez bem vendendo a nossa cabrinha, se precisava de comer. Eu bem sei o que lhe devo como filho e não me zango. Mas tenho muita pena, isso tenho. E às vezes ponho-me a lembrar que quando aí for já ela não vem da horta, entrando em casa, para me comer à mão. A gente também ganha amizade aos animais. Mas não me zango, pois se era precisão…” [1]

Foi com muitos destes homens como soldados que foi organizado um exército ad hoc, feito num espaço de tempo de cerca de dez meses, para defrontar a maior potência militar europeia destes tempos, a Alemanha.

O texto a seguir informa-nos sobre a Batalha de La Lys de 9 de Abril de 1918, onde os portugueses enfrentaram os alemães:

“À l’Ouest, en mars de 1918, c’est-à-dire au moment où les conditions atmosphériques permettent d’engager de grandes opérations, le commandement allemand, grâce à l’armistice russe, dispose de cent quatre-ving-douze divisions d’infanterie – vingt de plus que les Franco-Anglais. Ludendorff (…) sait que «la lutte sera formidable» (…). À trois reprises, le 21 mars sur le front de Saint-Quentin, le 9 avril sur le front de la Lys, le 27 mai sur le front du chemin des Dames, les troupes allemandes, bien qu’elles ne possèdent pas de chars d’assaut, réussissent ces opérations de rupture du front que, depuis la fin de 1914, les belligérants, en France, avaient vainement cherché à réaliser. Elles obtiennent de grands succès …
”.[2]

Tinha razão o general Erich Ludendorff, chefe do Estado Maior do exército alemão, quando dizia que a luta ia ser formidável: os soldados portugueses sentiram-na bem na Batalha de La Lys.

De toda a parte chegam sinais de que a luta se intensifica:

“… Ao atravessar os campos as granadas caíam aos milhares! Alevantavam o chão todo! A terra fervia em cachão! (…) As aldeias ardiam como archotes alumiando a noite! (…) Lembrava o Inferno, a terra toda a arder!”
[3]

O texto do historiador francês acima referido dá-nos conta da fortaleza do exército alemão. Ainda por cima, no momento da batalha do 9 de Abril de 1918, as tropas portuguesas estavam enfraquecidas, resultante dos acontecimentos políticos ocorridos em Portugal em Dezembro de 1917:

“Mas, - coisa inevitável, - os nossos soldados, começam a revoltar-se. Sim, inevitável. Pois se de Portugal não mandam reforços e nos esquecem, e os altos comandos, sem a coragem de protestar por todas as formas contra esse desprezo, fazem todos os dias aos soldados promessas de descansos e licenças que nunca chegam, e exigem dalguns milhares de homens o doloroso esforço, que nos outros exércitos se distribui por centenas de milhares, que menos se poderá esperar? O desfalecimento, a exaustão, o desespero atingiram o auge nas nossas fileiras.” (…) “Às dez da manhã sabe-se já que os alemães, numa ofensiva de grande estilo, (…) romperam as nossas linhas e avançam. (…) Lançados ao acaso sobre as macas, os feridos de mais gravidade esperam a sua vez. Um cheiro pesado e morno a éter, sangue e entranhas violadas entontece e engulha. À beira deste ou daquele pingam nascentes de sangue. O chão é todo manchado pelo rio vermelho da vida que extravasa.”
[4]

Em poucas horas cerca de 7500 homens perderam a vida nesta batalha.

No próximo dia 5 de Outubro colocar-se-ão flores nas estátuas nacionais “aos mortos da Grande Guerra”, são as flores oficiais de homenagem do regime republicano a esses homens. Porém, em muitos países da Europa, o reconhecimento aos soldados mortos na grande guerra também vem das pequenas comunidades (embora o nosso caso não tenha comparação com o ocorrido nesses países). Por exemplo, em França, encontramos por toda a parte obeliscos, padrões e monumentos, [5] como, por exemplo, este pequeno padrão, algures numa minúscula aldeia francesa, à memória deste soldado:

“Souvenez-vous dans vos prières de // Bussat Eugène // mort pour la France // à vingt ans // 1916”.

Valeu a pena a vida dos 10.000 soldados da República mortos na Primeira Guerra Mundial? Já sabemos o que o poeta diz. O homem está vivo enquanto perdura na memória de alguém. Por isso trazemos aqui estes homens de volta, nem que seja por um dia, para que a nossa memória colectiva não os esqueça.

António Mota de Aguiar

REFERÊNCIAS:
[1] Jaime Cortesão, Memórias da Grande Guerra, Vol. I, p. 81, Portugália Editora, Lisboa, 1969
[2] Pierre Renouvin, L’Armistice de Rethondes, pp. 18-19, Gallimard, Paris, 1968
[3] Jaime Cortesão, Memórias da Grande Guerra, Vol. I, p. 225, Portugália Editora, Lisboa, 1969
[4 ] Jaime Cortesão, Memórias da Grande Guerra, Vol. I, pp. 218-221, Portugália Editora, Lisboa, 1969
[5] Sobre este assunto, ver: Sílvia Correia, A Memória da Guerra, pp.349-370, in Fernando Rosas e Maria Fernanda Rollo, História da Primeira República Portuguesa, Tinta da China, Lisboa, 2009.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Noites de Galileu

Informação recebida do Ano Internacional da Astronomia (AIA 2009).

Exploradores do céu, amadores e profissionais, vão participar em maratona de três dias. O objectivo é redescobrir os objectos de Galileu Galilei.

Foi um dos achados astronómicos do ano e teve como protagonista um astrónomo amador. Depois da detecção do violento impacto de um asteróide ou cometa na superfície de Júpiter, os olhos dos exploradores do céu de todo o mundo vão concentrar-se em simultâneo no gigante gasoso observado por Galileu Galilei há precisamente 400 anos. Nas Noites de Galileu, de 22 a 24 de Outubro, milhões tentarão repetir uma das descobertas mais aplaudidas do ano.

“As observações amadoras sempre desempenharam um papel importante na Astronomia, algo que pode ser sublinhado pelo facto de um dos mais excitantes acontecimentos astronómicos deste ano - o impacto violento em Júpiter de um asteróide ou cometa - ter sido detectado por um astrónomo amador. É por isso apropriado que as 'Noites de Galileu' continuem esta tradição no momento em que milhares de astrónomos amadores e o público vão voltar a atenção para Júpiter e para os outros objectos observados por Galileu há 400 anos.”, avança Catherine Cesarsky, Presidente do Comité Executivo do AIA2009.

Para os astrónomos portugueses o desafio não podia ser maior: Portugal quer continuar a ser o país mais dinâmico da Europa e um dos melhores do mundo no AIA2009, estatuto que alcançou no primeiro mega-projecto 100 Horas de Astronomia, a maratona de observação do céu que, em Abril, mobilizou milhões de pessoas por todo o globo.

Ao longo dos três dias das Noites de Galileu, os olhos dos astrónomos amadores, profissionais e de curiosos de todo o país vão estar postos em Júpiter e nos seus anéis, mas também nas crateras da Lua. Pelo território nacional, as entidades associadas da Comissão Nacional do AIA2009 e todos aqueles que queiram juntar-se ao projecto vão disponibilizar telescópios e material informativo que permitirão a todas as pessoas, inclusive sem qualquer experiência anterior em observações astronómicas, redescobrir os objectos que Galileu Galileu observou há quatro séculos.

"Pedimos a todos os astrónomos que disponibilizem os seus meios de observação para mostrar Júpiter e os seus satélites, a Lua e tudo mais que queiram mostrar a qualquer pessoa disposta a encostar o olho nas oculares dos telescópios", apela o coordenador nacional das Noites de Galileu, Ricardo Reis.

As actividades podem ser apenas para um pequeno grupo de amigos ou vizinhos, ou para multidões em eventos de grande dimensão. No entanto, todas as entidades ou pessoas que queiram associar-se deverão registar a sua participação no site oficial das Noites de Galileu. Neste site, poderão encontrar todas as informações de que necessitam para o projecto. As Noites estão também num twitter .

Para levar o Universo ao grande público, o AIA2009 lançou ainda um concurso mundial de astrofotografia. Promovido em parceria com a Europlanet, o objectivo é que, com ou sem a ajuda de telecópios, astrónomos, interessados em fotografia e meros curiosos possam captar diferentes faces do céu nocturno.

As Noites de Galileu surgem em Portugal associadas ao projecto E agora eu sou Galileu , que pretende dar a conhecer ao público a importância do trabalho de Galileu Galilei para a ciência e, em particular, para a Astronomia. Graças ao E agora eu sou Galileu, foram já organizadas de norte a sul do país, desde o início do ano, centenas de sessões de observação do céu.

O Ano Internacional de Astronomia é organizado em Portugal pela Sociedade Portuguesa de Astronomia, com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), da Fundação Calouste Gulbenkian, do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, da Agência Ciência Viva e da European Astronomical Society (EAS).
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Imagem: http://www.astronomy2009.org/resources/multimedia/images/

História da Matemática em Portugal ganha Prémio internacional

Bernardo Mota, do Centro de História das Ciências da Universidade de Lisboa, ganhou o Prémio «Jeune Historien» da Académie Internationale d'Histoire des Sciences do ano de 2009, pela sua tese de doutoramento «O estatuto das matemáticas em Portugal nos séculos XVI e XVII».

O prémio, a mais alta distinção internacional concedida a uma tese em história da ciência, foi entregue numa cerimónia pública em Budapeste, no passado mês de Julho. No relatório de um dos proponentes do prémio (Paolo Mancosu, U. C. Berkeley, EUA), pode ler-se: "Mota’s achievement is outstanding. It is a major contribution to the history of the philosophy of mathematics; to the institutional history of mathematics and philosophy, especially (but not only) in Portugal; and to theinstitutional history of the Jesuits".



Bernardo Mota apresentou publicamente o seu doutoramento em Junho de 2008. Foram seus orientadores Henrique Leitão, do Centro de Históriadas Ciências da UL, e Arnaldo Espírito Santo da Faculdade de Letras da UL. É a primeira vez que um português é homenageado com esta distinção.

É o primeiro investigador português a ser galardoado com um prémio da Académie, referência internacional na área. O trabalho que conduziu a este prémio é profundamente original. Tendo origem num problema central da História da Matemática, Bernardo Mota descobriu e trabalhou documentação original que mostra o papel desconhecido desempenhado pela Matemática portuguesa no séc XVI. Este trabalho veio a constituir a sua Tese de Doutoramento.

Publicamos a seguir uma entrevista a Bernardo Mota, conduzida pelo Prof. Jorge Nuno Silva.

Jorge Nuno Silva (JNS): Parabéns! Diz-me: de que trata a tua tese?

Bernardo Mota (BM): A tese estuda a evolução de um antigo debate sobre o estatuto epistemológico das ciências matemáticas e a sua relação com os outros ramos do conhecimento humano. Esta discussão, que assentava numa análise contrastiva entre a teoria da ciência aristotélica e a geometria euclidiana, já vem da Antiguidade Clássica, acabando por ser introduzida nos currículos de filosofia das principais universidades europeias durante a Idade Média. Mais tarde, foi retomada no século XVI, com novo vigor e sob uma nova perspectiva renascentista. O debate ficou conhecido como a Quaestio de certitudine mathematicarum e enquadrou o processo de revisão da filosofia aristotélica e a construção da moderna cultura científica ocidental.

A tese pretende ilustrar como, ao contrário do que pensamos usualmente, a ciência moderna é o culminar de um processo iniciado na antiguidade clássica e que o conhecimento científico moderno não nasceu da oposição revolucionária a ou da negação das ideias dos autores antigos ou medievais. A ciência moderna é antes o natural desenvolvimento da especulação daqueles.

O meu trabalho procura reinterpretar a ideia que os especialistas tinham do debate histórico sobre o estatuto científico da matemática e determinar o contributo dos autores nacionais para o debate (realçando a significativa contribuição para a discussão a nível nacional e a nível internacional por parte dos Jesuítas portugueses).

JNS: Como surgiu o tema?

BM: O tema tinha de incluir estudo de tópicos usualmente integrados no corpo de saberes a que chamamos ciências puras e outros integrados na área das humanidades. Tinha de ser um tema “de ponta” meio trabalhado, ou seja, o trabalho tinha de estar relacionado um tópico unanimemente reconhecido como fundamental na história da ciência, mas para o qual não havia tratamento compreensivo e diacrónico. Tinha de ser um tema universal, mas em que a cultura portuguesa estivesse presente de forma tão peculiarmente interventiva que inflectisse de alguma forma a evolução da cultura europeia. Outra condição era o tema interessar a pessoas de muitas áreas diferentes (filosofia, história da ciência, estudos clássicos, matemática, história da educação, etc.).

JNS: Que dificuldades particulares apresentou?

BM: As principais dificuldades foram trabalhar com fontes tão diversas (textos em Grego e Latim), de épocas tão diversas (antiguidade clássica, época medieval, renascimento, séculos da chamada Revolução Científica); com textos manuscritos às vezes quase impossíveis de ler e de áreas tão diferentes (matemática: Euclides, p.e.; filosofia: Aristóteles, p.e.).

JNS: Como foi o trabalho com os teus orientadores?

BM: Óptimo. Fundamental o orientador estar tão envolvido na matéria a tratar quanto o orientando. Muito importante uma relação de trabalho muito próxima. Com o meu orientador de História da Ciência (Henrique Leitão) tive um período inicial com trabalho tutorial muito intenso (às vezes mais que uma reunião por semana) e muitos emails trocados diariamente (isso mesmo: diariamente). Foi ele quem me passou a maior parte da bibliografia fundamental ao longo destas reuniões, nem sequer a tive de procurar por mim. Muito relevante também integrar projecto(s) dirigidos pelo(s) orientador(es). Fica mais fácil trabalhar em diversas frentes ao mesmo tempo. O meu orientador da área de Estudos Clássicos foi sempre uma bóia de salvação para o Latim, o Grego e para a Cultura Clássica. Regra número um: é preciso perceber ritmos e modos de trabalho dos orientadores (é preciso que tanto quem orienta como quem é orientado puxe a carroça ao mesmo tempo); regra número 2: é preciso exigir sempre mais do orientador do que aquilo que nos é exigido por ele, o que nem sempre é fácil; regra número 3: aconselho vivamente a escolha de orientadores pluridisciplinares, com formação vasta e diversificada, entusiasmados e plenos de juventude intelectual.

JNS: Tu tens formação e profissão ligadas à Faculdade de Letras. Como é que uma pessoa como tu faz uma tese num assunto destes?

BM: Não aceitando a tradicional separação entre letras e ciências a que a escola nos habitua, forçando sempre uma formação forte nas vertentes de cultura e ciência, lutando por uma unidade dos saberes que convencionámos não existir.

Falámos também com Henrique Leitão, que não esconde o orgulho no trabalho do Bernardo.

JNS: As palavras de Mancosu impressionam: “Mota’s achievement is outstanding. It is a major contribution to the history of the philosophy of mathematics… One is struck in such a young scholar by the depth of the analysis as well as by the vision of synthesis displayed in the dissertation…”. Sei que trabalharam com grande entendimento. O que gostavas de salientar no trabalho do Bernardo?

Henrique Leitão (HL): Acerca deste trabalho e do importante prémio internacional que recebeu, em primeiro lugar, como é evidente, gostava de dar os parabéns ao autor e desejar-lhe boa sorte para o futuro. Espero que esta tenha sido apenas a primeira de muitas boas notícias que ainda vamos receber do Bernardo Mota. Mas importa observar o seguinte: trata-se de uma tese escrita em português e sobre um tema essencialmente português. Porém, nada disso foi obstáculo a que recebesse a mais alta distinção internacional para uma tese em história da ciência. Ou seja: a qualidade do conteúdo é tudo e não há razão para pensar que um trabalho só porque versa algum aspecto da história científica portuguesa tenha menos interesse internacional.

JNS: Sobre a relevância do tema versado, o que nos podes dizer?

HL: O tema desta dissertação prende-se com discussões culturais e científicas ocorridas em Portugal durante o século XVII -- talvez o século mais mal conhecido da nossa história intelectual. Como se sabe, uma certa historiografia eliminou de cena, a priori, alguns dos acontecimentos mais interessantes da nossa história científica. É evidente para todos os historiadores de ciência que uma das tarefas mais importantes hoje em dia consiste em ultrapassar esses espartilhos, que tantas vezes paralisaram historiadores de outras gerações, olhando para a nossa história científica e cultural sem baias nem preconceitos. Há ainda muito à espera de ser estudado (e premiado!, esperamos todos nós) por quem tenha o talento, a determinação e a liberdade de espírito para o fazer.

JNS: O Bernardo Mota evidenciou grande virtuosismo e versatilidade intelectual ao abordar assunto tão complexo...

HL: Esta dissertação relembra uma verdade incontornável: a história da ciência é uma disciplina difícil que exige uma preparação especial e muito exigente para ser praticada. No caso deste trabalho, sem conhecimentos avançados de latim, de grego, de matemática, de história intelectual, de filosofia, etc., nem sequer se poderia ter começado a investigação. Os investigadores (como o Bernardo Mota) que reúnem estas capacidades e talentos são sempre raros e por isso nada é mais importante do que detectá-los, treiná-los e estimulá-los.

JNS: Este prémio reflecte a existência de historiadores da ciência de qualidade em Portugal, ou trata-se simplesmente de um caso isolado?

HL: Bernardo Mota foi o primeiro português a receber o famoso «Prix Jeune Historien» da Académie Internationale d'Histoire des Sciences. Fica absolutamente claro que em Portugal há pessoas e grupos de investigação a trabalhar em história da ciência ao mais alto nível internacional.

"Quanto mais soubermos sobre uma coisa, mais podemos voar"

Daniel Barenboim, o grande maestro e pianista, com cidadania israelita e palestiniana, que idealizou e concretizou com o palestiniano Edward Said, a Orquestra West-Eastern Divan que integra jovens músicos israelitas, palestinianos, sírios, jordanos, egípcios e libaneses, esteve recentemente em Portugual na Fundação Caluste Gulbenkian e ali deu uma entrevista ao jornal Público. Dessa entrevista destaco a seguinte passagem pela relação que estabece entre várias áreas do saber.

"Escreveu que Furtwängler dirigia os ensaios como um filosófo e os concertos como um poeta. Este princípio também é válido para si?

Tento. Mas acho que temos de ensaiar como cientistas e não como filósofos. Devemos observar as coisas como num laboratório: esta nota tem de ser mais curta, esta passagem tem de ser mais forte, etc. Mas não podemos tocar ou dirigir num concerto dessa forma. Tem de haver uma compreensão natural.

Faz trabalho analítico antes de interpretar uma obra, mas por outro lado fala muito de liberdade na interpretação. Como se conciliam as duas vertentes?

Há uma grande diferença entre liberdade e anarquia. Liberdade é também o resultado do pensamento e da necessidade de fazer isto ou aquilo para expressar determinada coisa. Não é o mesmo que dizer: "Não quero saber, sinto assim e vou fazer assim."

A verdadeira liberdade vem da disciplina?

Absolutamente. Quanto mais soubermos sobre uma coisa, mais podemos voar."

Sítios 3: Comer bem até aos 100


Já aqui referimos o blpgue "Comer bem até aos 100" sobre alimentos, nutrição, saúde e longevidade. A última notícia interessante é sobre as propriedades do vinagre, mas há lá outras...

Sítios 2: O humor dos objectos




Veja mais aqui.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

A Humanidade e o Cosmos

Informação recebida da Comissão Organizadora do 3.º Simpósio Internacional Fronteiras da Ciência:

A 3. ª edição do Simpósio é celebrada sob os auspícios do Ano Internacional da Astronomia e subordinado ao tópico A Humanidade e o Cosmos.

O encontro decorrerá nos dias 13 e 14 de Novembro próximos na Universidade Fernando Pessoa.

O programa está aqui. Todos os pedidos de informação e de inscrição devem ser enviados por email: pdias@ufp.edu.pt

Melhores filhos para o nosso planeta!?

Informação que circula na Net:

Esta foi a pergunta vencedora num congresso sobre vida sustentável:

"Todos pensam em deixar um planeta melhor para os nossos filhos... Quando é que pensarão em deixar filhos melhores para o nosso planeta?"


Uma criança que aprende o respeito e a honra dentro da própria casa e recebe o exemplo dos seus pais, torna-se um adulto comprometido em todos os aspectos, inclusive em respeitar o planeta onde vive...

A ESTRUTURA DAS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS

Informação recebida da Guerra e Paz Editores

«O mais influente livro de filosofia em língua inglesa da segunda metade do século XX.» (Richard Rorty)

«Um dos 100 livros mais influentes desde a Segunda Guerra Mundial.» (Times Literary Supplement)

«Por vezes aparece um livro cuja influência vai muito para além do público que visava... A Estrutura das Revoluções Científicas... é claramente um desses livros.» (Ron Johnston, Times Higher Education Supplement)

O livro: Considerado pelo New York Times um dos 100 livros mais influentes do século, A Estrutura das Revoluções Científicas chega esta semana às livrarias portuguesas.

Concebido originalmente como monografia da International Encyclopedia of Unified Science, A Estrutura das Revoluções Científicas acabaria publicado em livro pela editora da Universidade de Chicago em 1962. A obra colocava em causa a assunção generalizada de que toda a mudança científica passa por um processo estritamente racional, tese que influenciou não apenas cientistas das áreas naturais, mas também economistas, historiadores, sociólogos e filósofos,desencadeando um poderoso debate.

Comporta três conceitos fundamentais: paradigma – termo que aqui se popularizou –, ciência normal e revolução científica. O paradigma representa um conjunto de teorias, regras e métodos comummente aceites pela comunidade científica. Cada paradigma tem subjacente uma
dada visão do mundo, correspondendo a mudança de paradigma a uma alteração radical dessa visão. A ciência normal traduz a circunstância em que o paradigma tem a sua vigência. Porém, durante esse período, podem surgir anomalias, que se revelam quando os esquemas explicativos dominantes já não se adequam à realidade. Surge, então, uma nova fase que se materializa numa revolução científica.

Trata-se de um clássico absoluto na história e filosofia da ciência que vendeu mais de um milhão de exemplares, tornando-se leitura obrigatória em cursos superiores das mais variadas áreas.

O autor: Físico norte-americano nascido em Cincinnati, Thomas Samuel Kuhn (1922 -1996) foi professor emérito de linguística e filosofia no Massachusetts Institute of Technology. Começou por estudar física em Harvard, mas cedo mudou o rumo da sua investigação ao dedicar-se à história e filosofia das ciências. Para além do seu trabalho mais celebrado, A Estrutura das Revoluções Científicas, a sua obra inclui A Tensão Essencial, A Teoria dos Corpos Negros e a Descontinuidade Quântica, 1894 -1912 e A Revolução Copernicana.

Nas livrarias a partir de 28 de Setembro.

Espelho do mundo

Informação recebida nossa caixa de correio.

Título: Espelho do mundo - Uma nova história da arte
Autor: Julian Bell
Editora: Orfeu Negro
Tradução: Luís Leitão e Cláudia Brito
Número de páginas: 496
Formato; 20 x 26,5 cm

Espelho do Mundo é uma história da arte para os leitores do século XXI. Numa visão transversal, que interliga culturas e continentes, Julian Bell apresenta uma nova concepção da história da arte dirigida a um mundo globalizado, uma análise da diversidade das obras de arte e do modo como estas podem relacionar-se entre si ou mesmo enraizar-se umas nas outras e nos respectivos contextos sociais e políticos.

Ele próprio pintor, Julian Bell interpreta a arte do ponto de vista do criador, procurando estabelecer uma afinidade entre o espectador e o artista. O seu propósito é o de incentivar o espectador a, antes de mais, observar a obra de arte e, só depois, equacionar a sua essência e significado. Desafia-nos aqui a olhar a arte enquanto espelho da condição humana.

Julian Bell é pintor, professor de história e teoria da arte e crítico de arte. Colabora regularmente com o New York Review of Books e o The Guardian. É também autor de What is Painting? (Thames and Hudson, 1999).

À venda nas livrarias a partir de 1 de Outubro.

Na Cova dos Leões

Informação recebida da editora Antígona

Título: Na Cova dos Leões - Fátima Cartas ao Cardeal Cerejeira
Autor: Tomás da Fonseca

Prefácio: Reis Torgal

"Este livro é porventura um dos mais emblemáticos textos «subversivos» impressos em Portugal durante o salazarismo. Foi escrito por um republicano racionalista e livre-pensador abjurado pela Igreja Católica e pelo regime autoritário e «catolaico» do Estado Novo. Depois, a democracia nascida da revolução de 25 de Abril de 1974 acabou também por o ostracizar. Estas serão, de resto, razões suficientes para que alguns títulos da sua prolífica obra logrem ser redescobertos e reeditados pela Antígona numa altura em que se aproxima o centenário da proclamação da Primeira República em Portugal (1910-2010).

À venda nas livrarias a partir de 9 de Outubro

PINTAR O UNIVERSO COMO SE FOSSE O FAROESTE

Informação recebida do Ano Internacional da Astronomia

Artes plásticas, multimédia, conto, poesia ou música: os alunos do Ensino Básico e Secundário de todas as escolas do país, privadas ou públicas, poderão agora dar largas à sua imaginação e criarem obras de arte a pensar na Astronomia. O objectivo é motivar as crianças e jovens para o estudo da Astronomia e quebrar barreiras no diálogo entre ciência e arte. Os trabalhos terão de ser entregues até ao dia 31 de Janeiro de 2010. O regulamento do concurso e a ficha de inscrição estão disponíveis no site www.astronomia2009.org/astroarte.

Um estudo concluiu que os astrónomos do Hubble Heritage Project manipulam as imagens fazendo-as parecer com pinturas do oeste americano. Agora, o Ano Internacional da Astronomia desafia os alunos portugueses a fazerem do Universo uma obra de arte.

Quando manipulam as imagens para dar cor aos gases que detectam no espaço, os astrónomos do Hubble Heritage Project fazem-nas parecer com pinturas do oeste americano. Mas como será que se parece o Universo visto de Portugal? O Ano Internacional da Astronomia quer descobrir e, até ao final de Janeiro, vai desafiar os alunos de todas as escolas portuguesas a recriarem os astros, através de uma qualquer forma de expressão artística. O lançamento nacional do concurso Astronomia Artística terá lugar no dia 30 de Setembro às 15 horas na Escola Secundária Jaime Moniz, no Funchal.

Na sessão de lançamento estarão presentes entidades regionais e o presidente da Sociedade Portuguesa de Astronomia, Miguel Avillez, que dará uma palestra sobre a procura de vida na Via Láctea.

"A separação entre ciência, como uma actividade exclusivamente racional, e a arte, como algo de mais emocional, criativo, onde o imaginário tem um papel primordial, desfaz-se nos dias de hoje", explica a coordenadora nacional do projecto, Fernanda Freitas. "Muitos autores têm escrito sobre a separação/aproximação entre ciência e arte. O livro de Snow, As Duas Culturas (1959), que discute o aparente fosso entre as ciências e as humanidades, é um dos exemplos. Nesta obra, Snow argumentava que a quebra de comunicação entre as ciências e as humanidades era um impedimento para resolver os problemas do mundo", sublinha. "A História revela-nos que as culturas florescem quando a ciência e a arte evoluem de modo unificado, existindo diversas e variadas evidências de que as artes foram enriquecidas com as mudanças paradigmáticas na ciência e a disponibilização de novas tecnologias", avança Fernanda Freitas. "São inúmeros os exemplos de referências astronómicas nas artes (literatura, poesia, música, teatro e artes plásticas), ao longo da História. Apesar de em menor número, é possível identificar exemplos de influências da arte sobre os cientistas e a sua pesquisa. Por exemplo, as considerações dos físicos das partículas quando desenvolveram o modelo padrão foram influenciadas por noções artísticas de simetria; Einstein foi influenciado pelo conceito de beleza da física quando elaborou as teorias da relatividade e os pitagóricos tinham teorias da matemática e da música que estavam integradas numa única imagem do mundo", explica.

Um outro exemplo da proximidade entre arte e ciência é o estudo de Elizabeth Kessler a propósito do Hubble Heritage Project. "Elizabeth Kessler comparou as imagens que os astrónomos do Hubble Heritage Project manipulam quando adicionam cor aos gases que detectam no espaço, com pinturas do oeste americano. Entrevistou membros do projecto e concluiu que as fotos finais reflectem um equilíbrio entre a informação científica relevante e o desejo de fazer uma imagem atractiva para o público", sintetiza a coordenadora do concurso nacional de Astronomia Artística.

Em Portugal, são múltiplas as presenças da Astronomia na Arte. Na Literatura, informação científica de alta precisão esconde-se nos versos d'Os Lusíadas, mas não só. Ela é encontrada no "incontroverso arauto do pré-romantismo" José Anastácio da Cunha (1744-1787), no "ultra-romântico" João de Lemos, mas também em Soares dos Passos, António Nobre, Gedeão, António Osório, Nemésio, Saramago e Manuel Alegre.

Encabeçando a coordenação do projecto, o Funchal continua a estar entre os distritos portugueses mais activos do Ano Internacional da Astronomia (AIA2009). Pedro Augusto, da Universidade da Madeira, é o representante do AIA2009 na Madeira e um dos principais responsáveis pelo empenho do arquipélago nas celebrações decretadas pelas Nações Unidas. Além de exposições, conferências, sessões de observação do céu e ciclos de cinema, os madeirenses viram ainda a iluminação do Natal de 2008, as festas de fim de ano e o célebre cortejo de Carnaval serem inteiramente dedicados à Astronomia.

O Ano Internacional de Astronomia é organizado em Portugal pela Sociedade Portuguesa de Astronomia, com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), da Fundação Calouste Gulbenkian, do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, da Agência Ciência Viva e da European Astronomical Society (EAS).

Imagem: Universo Poético (2008) pintura de Saulo Silva

"Agora só releio"

Na sequência do texto anterior, transvrevo uma outra passagem do livro de Cristóvão de Aguiar, Com Paulo Quintela à Mesa da Tertúlia, onde se conta uma conversa entre Vitorino Nemésio (na imagem), quando era estudante da Universidade de Coimbra e Eugénio de Castro, seu professor.

“No último ano do curso Nemésio transferiu-se para a Faculdade de Letras de Lisboa. Isso deveu-se apenas a atritos com o poeta Eugénio de Castro, professor de Literatura Francesa, que não o classificava com as notas que Nemésio julgava merecer. A gota de água que fez transbordar o copo da paciência do autor de Oaristos terá sido uma conversa que o aluno manteve em sua própria casa. Já Nemésio andava nesse tempo a par das novas correntes literárias francesas. Lia tudo o que lhe vinha à mão sobre o assunto. A fim de mostrar ao professor de Literatura Francesa as suas habilidades perguntava-lhe, insistentemente, no decorrer da conversa: «O senhor Doutor já leu este livro?», e debitava o título e o nome do autor, assim como o que nele se tratava. A pergunta repetiu-se variadíssimas vezes ao longo da conversa e com outras tantas obras literárias. Eugénio de Castro, visivelmente agastado com a insistência insolente e do ar de sabatina que estava imprimindo ao diálogo, interrompeu-o e respondeu-lhe: «Saiba, meu caro senhor, eu já li o que tinha a ler, agora só releio», e assim arrumou o assunto e a conversa.”

Referência completa: Aguiar, C. (2005). Com Paulo Quintela à Mesa da Tertúlia. No centenário do seu nascimento. Coimbra: Imprensa da Universidade, página 33.

Quintela, Nemésio e Torga

Já não é recente o livro Com Paulo Quintela à Mesa da Tertúlia. Tive dele uma primeira edição que comprei em finais dos anos oitenta e que depois dum empréstimo não voltou às minhas mãos. Lembro-me disso, porque me ficou a fazer falta: a escrita de Cristóvão de Aguiar dava-me a conhecer melhor um mítico professor de Filologia Germânica da Universidade de Coimbra, que penso nunca ter visto mas de que muito me falavam na Faculdade de Letras – Paulo Quintela.

Comprada a segunda edição, reli-a de ponta a ponta, detendo-me em algumas passagens que me tinham ficado na memória durante mais de vinte anos. Partilho com os leitores uma dessas passagens em que se refere a longa e estreita e nem sempre pacifica amizade amizade entre três grandes nomes das Literatura: Vitorino Nemésio, Paulo Quintela e Miguel Torga.

“Nemésio estudava pouco. Não teria muito tempo! Antes das frequências chegava-se a Quintela para se informar da matéria que vinha para o exame. Ouvia o que dizia o colega, ia tomando notas num cartão-de-visita, e por fim entrava na sala. Perante o papel da prova, escrevia o que sabia e inventava o que não sabia. Numa frequência de História Medieval, da regência do Doutor Gonçalves Cerejeira, Nemésio, como de costume, chegou-se à beira do amigo e perguntou-lhe as linhas gerais da matéria. Durante a prova desunhou-se a escrever. Dias mais tarde, o professor apreciava e comentava na aula, as provas escritas uma por uma, tão poucos seriam os alunos. Ao chegar ao exercício de Nemésio, «Quanto ao exercício de frequência do senhor Vitorino Nemésio Mendes Pinheiro da Silva, tenho a dizer que mais me parece uma página de Anatole France…», tal era a sua capacidade de escrita.
Lá escrever bem, venha aí quem o negue, e como facilidade, o que já poderá ser um estorvo, mas segundo Paulo Quintela, Nemésio escrevia com a mesma naturalidade com que mijava. Anos mais tarde, leitor de Português em Bruxelas, Nemésio havia de surpreender Miguel Torga pela facilidade de escrita. O passo que a seguir se transcreve do tomo III de Criação do Mundo ilustra bem essa agilidade: «Ao cabo de algumas horas de comboio, fui encontrá-lo confortavelmente instalado num quarto burguês, a matraquear à máquina um ensaio sobre Valéry. Depois das primeiras efusões, com medo de o interromper, fiquei calado. – Vai dizendo, que isto tem de seguir hoje… – Acaba lá primeiro. – Ainda demora. Conta, conta… – Pasmado, assisti então ao fenómeno de o ver a conversar e escrever ao mesmo tempo»”

Imagem: Reprodução do quadro de Bárbara Borges. Nele se pode ver Cristóvão de Aguiar e Paulo Quintela com o seu inseparável cachimbo. Aguiar foi seu aluno e amigo e durante muitos anos encontravam-se com regularidade para conversar em tom de tertúlia.

Referência completa: Aguiar, C. (2005). Com Paulo Quintela à Mesa da Tertúlia. No centenário do seu nascimento. Coimbra: Imprensa da Universidade, página 32.

sábado, 26 de setembro de 2009

O sexto valor

O Professor Alexandre Quintanilha, na conferência que, na passada quinta-feira, proferiu no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, enunciou cinco valores que entende serem inerentes à Ciência: (1) Exactidão preditiva, ou a capacidade de se prever aquilo que ainda é desconhecido; (2) Coerência interna, ou a exigência de os vários elementos de uma teoria não se contradizerem; (3) Consistência externa, ou a ideia de que não se devem violar princípios científicos estabelecidos que, por serem sólidos, muito dificilmente podem ser questionados; (4) Capacidade unificadora, ou a possibilidade, que infelizmente só raramente surge, de se conseguirem esclarecer, em simultâneo, vários dados; (5) Fertilidade (ou fecundidade), ou a aptidão para abrir novos domínios de pensamento.

Adicionou a estes, um sexto valor: a simplicidade ou elegância, que remete para a ideia de que uma teoria científica tem sempre qualquer coisa de esteticamente atraente ou apelativa. Trata-se de um valor que, na sua perspectiva, se afigura como problemático, pois parece estar mais ligado à Psicologia do que à Lógica.

Este valor fez-me lembrar uma entrevista a Gunther S. Stent, Físico-Químico de formação, que veio a destacar-se na área de Biologia Molecular.

"G. Stent: (...) quando trabalhei no Japão. Foi num ano sabático, em 1960. Nos laboratórios havia gente de bata branca a trabalhar com ultracentrifugadoras, fagos, mutações, etc., como qualquer outra. Mas fiquei espantado ao descobrir que eram fundamentalmente diferentes na maneira de atacar os assuntos. A opinião acerca do que estavam a fazer parecia bastante diferente da minha. Foi assim que essa experiência pessoal da diferença radical entre a ciência japonesa e aquilo que eu sei ser a ciência ocidental (...).

Entrevistador: Então qual é a diferença?
G. Stent: Tem a ver com a noção de realidade e verdade (...) o que descobri no Japão foi uma noção muito mais estética. O elemento verdade não era primordial. Para eles, escrever documentos elegantes era muito mais importante e a beleza do documento sobrepunha-se à verdade. Deparei primeiro com isto quando percebi que a noção de uma experiência controlada parecia estranha aos Japoneses. São pensadores muito mais positivos. Para eles uma experiência controlada é negativismo, bem vê, como se fosse uma tentativa para destruir coisas. Não gostam. Durante os seminários, o tipo de perguntas que faziam também não eram críticas. Primeiro julguei que se tratava só de delicadeza, porque os Japoneses são muito delicados. Mas, na realidade, existe uma base filosófica e religiosa muito mais profunda. É o budismo, por contraste com o cristianismo. Julgo que a ciência ocidental depende da noção de lei e ordem. Do ponto de vista histórico pode fazer-se remontar essa noção àquela de um Universo ordenado e criado por Deus, que fez as suas leis. Mais, ainda, Ele criou-nos à Sua imagem e, por conseguinte, é-nos permitido adivinhar as razões que teve, na Sua infinita sabedoria, para conseguir construir o mundo. E assim toda a empresa da ciência, metafisicamente — refiro-me à base metafísica da ciência ocidental — depende dessa crença: Deus, o Criador, fez as suas leis, criou-nos à Sua imagem e, por conseguinte, procuramos saber o que são as Suas ideias. Há algumas probabilidades de as descobrirmos, bem vê. Mas, para os budistas, um tal conceito é considerado o cúmulo da candidez. Porque, para eles, qualquer pessoa com o mínimo de raciocínio, sabe que o mundo é infinitamente complexo. É aí, pois, que encontramos a diferença fundamental. Porque se crê que não existem leis e que não há qualquer ordem, também não existe qualquer verdade. Não passa tudo de uma questão subjectiva, que é exactamente o que dizem agora os filósofos avant gard da ciência. Mas a opinião enraizada dos Japoneses tem sido essa, há milénios.

Entrevistador: Mas eu sempre acreditei na ordem, pura e simplesmente porque o mundo me parece ordenado (...).
G. Stent: É claro que a regularidade faz parte da nossa experiência e aprendemos isso desde o berço. Mas já não é a mesma coisa acreditar que no mundo existe a ordem. Ensinaram-nos que a ordem é o reflexo das leis subjacentes que nos é dado descobrir. Mas isso não é necessariamente o mesmo. Isso, julgo eu, é de certo modo um reflexo de uma crença deísta. E acredito que enquanto os budistas estavam errados a curto prazo, porque o mundo se revelou mais compreensível do que eles pensavam, acabaram por estar certos a longo prazo. Agora que empurrámos a ciência até aos seus limites, vemos que, afinal de contas tinham razão.”

Referência bibliográfica:
Stent, G.
(1988). Descrever a natureza. L. Wolpert & A. Richards (1988). Uma paixão pela ciência. Lisboa, Edições Salamandra, 103-112.

EDGAR ALLAN POE NO FUNDÃO


Informação recebida da Moagem - Cidade do Engenho e das Artes, no Fundão:

EDGAR ALLAN POE 200 ANOS

Dia 7 de Outubro
21:30h. Auditório
- Cinema: O Gato Negro (Gatto Nero) de Lucio Fulci (1981)

Dia 8 de Outubro
Todo o dia (A Moagem e E.S.F.)
- Exposição/venda de livros de e sobre Edgar Alan Poe
- Leitura de poemas de Edgar Alan Poe (E.S.F.)

Dia 9 de Outubro
Até dia 10 de Outubro
- Exposição/venda de livros de e sobre Edgar Alan Poe
21:30h. Auditório
- Leitura de poesia
- O Poço e o Pêndulo (The Pit and the Pendulum) de Roger Corman (1961)

Dia 10 de Outubro

Todo o dia
- Instalação “POE(SIA)” – Projecto Videolab

“Num ecrã, imagens da actriz a declamar o poema, do outro o texto surge e passa cadenciadamente. Actriz sem som, texto sem declamador. Cabe ao espectador preencher os vazios e tornar-se co-agente do acto criativo. Que gesto ou expressão facial correspondem a cada verso? Este é o desafio que se lança e para o qual não há vencedor.”

16:00h. Auditório
Cinema: Projecto Videolab & Põe (poesia – curtas-metragens)
1. A Dream Within a Dream de Chuck Kluesner – E.U.A.
2. Annabel Lee de George Higham – E.U.A.
3. The Raven de Peter Bradley – E.U.A.
4. Midnight de Eyrun Eyjolfsdottir – Islândia


21:30h. Auditório
Cinema: Projecto Videolab & Põe - (contos – curtas-metragens)
1. Il Ritratto Ovale (The Oval Portrait) de Giorgio Galbiati – Itália
2. El Corazon Delator (The Tell Tale Heart) de Alfonso S. Suarez - Espanha
3. Der Verrückte, das Herz und das Auge (The Tell Tale Heart) de Annette Jung – Alemanha
4. Do Abismo os Horrores de Marco Martins - Brasil
5. The Pit and the Pendulum de Marc Lougee - Canadá
6. The Assignation de George Snow – Inglaterra
7. The Cask of Amontillado de Mario Cavalli – Grã-Bretanha/Itália

Projecto VIDEOLAB de Sérgio Gomes e Pedro Almeida

Organização: Cine Clube Gardunha e A Moagem – Cidade do Engenho e das Artes

Parceria: Alma Azul, Grupo de Teatro Histérico, Escola Secundária do Fundão

A LÓGICA AOS QUADRADINHOS


Uma recensão no New York Times de hoje remete para um livro de "comics" com base científica:

"Algorithm and Blues, Jim Holt

Well, this is unexpected — a comic book about the quest for logical certainty in mathematics. The story spans the decades from the late 19th century to World War II, a period when the nature of mathematical truth was being furiously debated. The stellar cast, headed up by Bertrand Russell, includes the greatest philosophers, logicians and mathematicians of the era, along with sundry wives and mistresses, plus a couple of homicidal maniacs, an apocryphal barber and Adolf Hitler.(...)"

Ver o resto aqui.

A referência do livro é:

LOGICOMIX
Written by Apostolos Doxiadis and Christos H. Papadimitriou
Illustrated by Alecos Papadatos and Annie Di Donna
347 pp. Bloomsbury. $22.95

OS TELEMÓVEIS SÃO PERIGOSOS?


O físico Robert Park, na sua coluna "What's News" fala esta semana dos fictícios perigos dos telemóveis:

"CELL PHONES: "INCONCLUSIVE" MEANS THEY FOUND NOTHING.

Last week, Senate hearings were held asking whether cell phones cause brain cancer. Brian Walsh, writing for Time, described the outcome as "inconclusive." A collective groan rose from the nation’s physicists. "Not again?" It's been almost 17 years since David Reynard, whose wife died from brain cancer, was on Larry King Live. Reynard was suing the cell phone industry. He said his wife, "held it against her head, and talked on it all the time." That was enough for Larry King. However, all known cancer agent act by breaking chemical bonds, producing mutant strands of DNA. It would be like suing me for hitting someone with a rock thrown across the Potomac River. George Washington is said to have thrown a silver dollar across the Potomac. I can't throw that far, and microwave photons can't break chemical bonds. Not until you get up to the near ultraviolet, about 10,000 times more energetic than microwaves, are photons capable of causing cancer.

For more see here "

Robert Park

A MATEMÁTICA DO LEGADO DE DARWIN



Informação recebida da organização do Encontro:

No Ano Darwin, o Centro Internacional de Matemática (CIM) e a European Society for Mathematical and Theoretical Biology organizam uma conferência dedicada aos aspectos matemáticos da teoria da evolução. Durante 2 dias, 12 convidados internacionais se reunirão em Lisboa para o que a jornalista da Science Elisabeth Pennisi chamou-lhe a “Darwin Fest” dos matemáticos.

A conferência celebrará os 150 anos de publicação de "A Origem das Espécies" e tem por objectivo apresentar um panorama geral dos mais recentes desenvolvimentos na intersecção entre a matemática e a biologia. Teoria de jogos, evolução da cooperação, dinâmica adaptativa, genética populacional são alguns dos assuntos que serão tratados no Complexo Interdisciplinar da Universidade de Lisboa, nos dias 23 e 24 de Novembro. Entre os palestrantes convidados teremos W. Ewens (U. Penn), detentor do Weldon Memorial Prize, Peter Schuster (U. Vienna), pioneiro na aplicações das ideias darwinistas à química, Peter Taylor (U. Queens, Canadá), um dos introdutores da dinâmica do replicador, e Benoit Perthame, que recebeu o prémio Blaise Pascal pelo desenvolvimento de aplicações da matemática.

Para mais informações, veja esta página.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

E agora, José?


Minha crónica no "Público" de hoje:

“E agora, José?" é o primeiro verso do famoso poema “José” do escritor brasileiro Carlos Drummond de Andrade (inserto no volume “Poesias”, Livraria José Olympio, 1942): “E agora, José?/ A festa acabou,/ a luz apagou,/ o povo sumiu,/ a noite esfriou,/ e agora, José?/ e agora, você?”. O poder da poesia é tão grande que, em português, a pergunta já adquiriu o significado que tem no poema: beco, impasse, situação sem saída óbvia. Esta será previsivelmente a situação após as próximas eleições. José Sócrates bem se poderá sentir na pele do José do poema se se esfumar a confortável maioria absoluta de que hoje dispõe no Parlamento e se vir confrontado com a necessidade de negociar uma coligação ou, pelo menos, obter os apoios mínimos que permitam a sobrevivência de um governo minoritário.

Se um líder é sempre um homem só, o líder do Partido Socialista (PS) estará particularmente só ao fazer aquela pergunta por uma circunstância simples: O PS é, tem sido, o seu líder. Os os cartazes mostram um só rosto e o discurso é na primeira pessoa. Nem era preciso ter havido campanha para chegar a essa conclusão. A bancada parlamentar do partido da maioria absoluta praticamente não existiu, limitando-se a ser instrumental da liderança. O problema não é de agora, embora se tenha vindo a agravar. Marco Lisi, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, no seu livro “A Arte de Ser Indispensável – Líder e organização no PS português” (ICS, 2009), analisou as lideranças do PS entre 1976 e 2006 – Soares, Constâncio, Sampaio, Guterres, Ferro Rodrigues e Sócrates –, tendo concluído que “o PS existe sobretudo em função do líder”. Segundo um despacho da Lusa que resume o estudo, “o PS já alcançou um carácter personalizado, ou seja, há uma crescente identificação do partido com o seu líder. O partido age em função do sucesso do seu secretário-geral, que dispõe da estrutura partidária como de um instrumento para a conquista e manutenção do poder.” Isso poderá ser também verdade para outros partidos, mas é sobretudo verdade para o PS, que agora, temendo perder o poder, juntou toda a sua gente em torno do seu líder.

Tal circunstância poderá pesar na decisão dos eleitores. Não terão tanto de escolher entre partidos (aliás os partidos do bloco central parecem-se mais do que eles próprios dão a entender), mas mais entre pessoas. O sufrágio será basicamente um referendo a José Sócrates: quem gostar dele quererá dar-lhe uma “nova oportunidade” e quem não gostar dele preferirá dar uma oportunidade a um outro líder partidário. A questão “E agora, José?” coloca-se, assim, a cada um de nós, Zés Povinhos, antes de se colocar a José Sócrates. Podemos diminuir-lhe, quiçá drasticamente, o leque das possíveis opções.

Nas últimas eleições legislativas a ponderação foi mais fácil. Desta vez confesso ter alguma dificuldade em fazê-la, pelo que não vou prescindir do dia da reflexão. A fulanização do PS é, ao mesmo tempo, uma enorme vantagem e uma terrível desvantagem. Se, por um lado, reconheço no primeiro-ministro algumas das qualidades exigidas a um governante, como a determinação (podem aplicar-se-lhe os versos de Drummond “Mas você não morre,/ você é duro, José!”), por outro lado não posso deixar de me indignar com algumas das suas determinações, de que há abundantes exemplos na área da educação (por exemplo, ele parece acreditar nos poderes mágicos do Magalhães e procura usá-los, qual Harry Potter da política). As alternativas não são, porém, famosas, exibindo a oposição fragilidades que, em muitos casos, pedem meças às do governo.

Vêm aí tempos difíceis, com a velha crise nacional, que não é só económica, a ser agravada pela nova crise económica internacional. A saída tem necessariamente de residir na democracia, segundo Winston Churchill “a pior forma de governo, salvo todas as outras que têm sido experimentadas” (disse-o no Parlamento em 1947, já depois de ter perdido as eleições). É nesse quadro que temos de procurar a melhor escolha, isto é, a menos má.

CIENTISTAS AO PALCO


Minha crónica no "Sol" de hoje (na foto, cena dos ensaios da peça "Sr. de Chimpanzé"):

“Cientistas ao Palco” é o nome de um projecto que pretende, através do teatro, aumentar a comunicação entre os cientistas e o público. Vários cientistas portugueses fizeram os necessários ensaios (os químicos deixaram os tubos no laboratório) para se apresentarem em palco perante expectantes plateias hoje, dia 25 de Setembro, quando tem lugar por toda a Europa, com o apoio da Comissão Europeia, a “Noite dos Investigadores”.

Os cientistas-actores actuam no Porto (Praça dos Leões), em Coimbra (Museu da Ciência da Universidade), em Lisboa (Jardins da Fundação Gulbenkian) e em Olhão (no Ria Shopping). Em Coimbra, foram não uma nem duas mas logo três peças sobre a teoria da evolução preparadas especialmente para a ocasião, constituindo estreias absolutas entre nós: Stupid Design, de David Marçal, um bioquímico que integra a equipa de humoristas do jornal Inimigo Público, Nascer da Evolução, do mesmo David Marçal em co-autoria com André Levy, e Sr. de Chimpanzé, de Júlio Verne, numa tradução e adaptação de Mário Montenegro, um engenheiro que dirige o Teatro Marionet.

O escritor francês Júlio Verne, autor dos famosos livros de aventuras e de ficção científica, escreveu dezenas de peças de teatro pouco conhecidas, algumas das quais ainda permanecem por representar. A comédia musical Sr. de Chimpanzé, que glosa as relações entre o homem e o macaco, foi escrita em 1857, dois anos antes da Origem das Espécies de Charles Darwin, mas só foi publicada em 1981, no Bulletin de la Société Jules Verne. O enredo é muito divertido: Como um conservador de um museu zoológico não autoriza o namoro da sua filha, o pretendente vê-se obrigado a vestir uma pele de chimpanzé (um fato de macaco, portanto) para chegar à fala com a sua amada. Os quiproquos que se seguem, e que incluem uma tentativa de embalsamamento do primata, chegam e sobram para fazer rir o mais sisudo dos espectadores. A conclusão bem pode ser que quem não quer ser macaco não lhe veste a pele. Mas o leitor fará bem em ver a peça para tirar as suas próprias conclusões...

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Breve História dos Vírus 3



Continuação da série sobre os vírus da autoria do bioquímico António Piedade, também publicado em "O Despertar":

Uma vez no interior da célula, os genes virais entram em acção, enganando a célula ao dar-lhe novas instruções. Como já disse, os vírus necessitam da maquinaria bioquímica, altamente especializada, existente nas células e bactérias (sim, também estas padecem com invasões virais). Sem estes processos inerentes e essenciais à vida não é possível “ler” os planos de construção codificados nos genes virais e “traduzi-los” para a forma funcional e estrutural que são as proteínas. Esta tradução é efectuada em unidades de montagem proteica que são os ribossomas. Estes funcionam como “máquinas” de tradução da linguagem genética em proteínas e estão presentes em todas as células. Mas os vírus não possuem ribossomas. Este é um dos aspectos fulcrais para a total dependência dos recursos interiores da célula. Qual atracção “nostálgica” do citoplasma celular, este é destino incontornável no ciclo de replicação viral e fado fatal para a célula hospedeira. Percebemos, assim, porque é que os vírus procuram células para se replicarem. Ademais, a célula confere-lhes um ambiente seguro, recheado das matérias-primas e da energia necessária para a sua síntese.

Com o que atrás ficou dito, é mais fácil antever que a infecção de uma célula por um vírus faz com que o metabolismo daquela se desvie muito da sua actividade normal e vital, em direcção à síntese das “peças” necessárias para fabricar novos vírus (nesta etapa designados por viriões). A célula transforma-se assim numa autêntica unidade fabril de produção em série de inúmeras cópias idênticas (clones) do vírus que a infectou. “Obcecada” por esta actividade, a maquinaria celular “desleixa-se” e/ou é impedida de efectuar os processos normais necessários à sua própria manutenção, acabando por entrar em colapso ao fim de algum tempo. Nessa altura, ou porque a célula não é mais capaz de garantir a sua integridade, ou porque o número de viriões por ela sintetizados é muito elevado, ocorre uma ruptura celular e os viriões são libertados para o exterior. Cada um dos novos vírus passa a estar, desta forma, pronto para infectar uma nova célula reiniciando assim o ciclo e processo infeccioso.

Como os vírus não possuem metabolismo próprio, não é possível utilizar a estratégia intrínseca aos antibióticos que usamos para combater bactérias. Algumas das estratégias na investigação nesta área tentam impedir que os vírus consigam reconhecer a sua célula de eleição e se fixem nela. Outras linhas de investigação dirigem-se para a tentativa de evitar que os vírus dêem ordens de operação à célula para a sua síntese. Outras ainda (como a acção efectuada por drogas como o Tamiflu, passe a publicidade) intrometem-se numa etapa necessária à libertação dos viriões, travando a difusão do programa viral para outras células.

As vacinas actuam de outra forma: instruem o nosso sistema imunitário, “ensinando-o” a reconhecer e a “inactivar” alguns dos vírus que nos visitam. Continua a ser a mais eficaz forma de defesa preventiva que conhecemos. Contudo, alguns vírus sofrem mutações genéticas (alterações no genoma, por exemplo por deriva genética), no decurso da sua replicação, que lhes permitem mudar de “aspecto” exterior e escapar à vigilância do nosso sistema imunitário previamente instruído pela vacinação. É como se mudassem de disfarce entre visitas, tornando a sua identificação difícil, e ineficaz a preparação antecipada que a vacinação dá ao nosso próprio sistema de segurança interna contra estes agentes patogénicos.

António Piedade

Legenda da figura:

Entrada de um vírus influenza para dentro de uma célula epitelial. O vírus é internalizado (endocitado) numa vesícula que o transporta até ao interior da célula. Imagem gerada por computador. Créditos: Russell Kightley Media – http://www.rkm.com.au (http://www.mcb.uct.ac.za/tutorial/virusentanimal.htm)

SÍTIOS 1: MEMÓRIA DE ÁFRICA E DO ORIENTE


Portal da "Memória de África e do Oriente", projecto da responsabilidade da Fundação Portugal-África: aqui.

ROBERT CRUMB SOBRE DEUS


A Folha de S. Paulo de 16/09/2009 inclui uma entrevista com Robert Crumb, o cartunista norte-americano cuja versão do "Genesis" em banda desenhada está quase, quase a ser lançada. Transcrevemos o início da peça e indicamos o sítio do jornal para ver o resto:

"Robert Crumb fala sobre sua versão ilustrada do primeiro livro da Bíblia
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RAQUEL COZER
da Folha de S.Paulo

Crumb descansou no quarto ano. Antes, criou Deus, o paraíso, Adão e Eva. E viu que Eva era boa. Ou melhor, avantajada. Após extensa pesquisa, o cartunista Robert Crumb, 66, lança em outubro aquela que é considerada a principal publicação em HQ no ano. "Gênesis", versão ilustrada do primeiro livro da Bíblia, respeitou "palavra por palavra" do texto original. O livro deve sair logo depois no Brasil, pela Conrad.

O autor de "Fritz the Cat" e "Mr. Natural", símbolo da contracultura nos anos 60, conversou com a Folha por telefone na sexta-feira, com a voz tranquila e a ironia que lhe são características. Falou sobre o novo trabalho e sobre não saber (quase) nada de francês após 18 anos vivendo na França - mora no sul do país com a mulher, a cartunista Aline Kominsky-Crumb -, deu opiniões como sempre ácidas sobre sua terra natal, defendeu teorias conspiratórias e comentou o uso de sua obra. Veja trechos a seguir.

Folha - Foi difícil definir como desenharia Deus?
Robert Crumb - Bem, tive esse sonho em que vi Deus, em 2000. Foi intenso e vívido, teve efeito profundo em mim. Mas não pude olhar por muito tempo. A forma como o desenhei lembra só vagamente como era no sonho. Também me baseei em imagens de Deus na cultura ocidental, o patriarca de barba branca e expressão severa."

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

HUMOR: "REGRESSO ÁS AULAS"

VÊM AÍ OS PRÉMIOS NOBEL

Outono é a estação dos Prémios Nobel. O "New York Times" de ontem conta, numa entrevista, o que aconteceu a Martin Chalfie, um biólogo que foi um dos premiados no ano passado na área da Química por trabalhos sobre a proteína verde fluorescente (na figura):
"Q. IS IT TRUE YOU SLEPT PAST THE PHONE CALL INFORMING YOU OF THE NOBEL PRIZE?

A. It’s true. (...) Well, on that night, I heard this phone ringing in the distance but assumed it was a neighbor’s. So I woke at 10 after 6 the next morning and assumed the chemistry prize had gone to someone else. I then opened my laptop and went to Nobelprize.org to see who the schnook was who’d gotten it. And there I saw my name along — along with Osamu Shimomura’s and Roger Tsien’s. I was the schnook! I woke my wife, Tulle: “It’s happened.” She said, “What? Have we overslept taking our daughter to school?”

Then, the phone really started ringing. It was a reporter from The A.P. who said she was in front of our apartment and wanted to get a picture of me. I said, “I’m in my pajamas.” She said, “That’s exactly the photo I want.” I said, “But you’re not going to get it.” "
Para mais ver aqui.

UM POR CENTO PARA A CULTURA

A revista "Focus" perguntou-me que identificasse as melhores propostas dos partidos na área da cultura. Apesar de não ter ainda lido as propostas eleitorais, respondi com um número: um por cento do Orçamento de Estado. Transcrevo a peça da "Focus" que também faz o resume do que dizem os partidos sobre a cultura:
"O Director da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra considera que "se algum dos partidos propõe um por cento ou mais para a cultura é uma excelente ideia". Para Carlos Fiolhais o "importante é que se cumpra e que se gaste bem as verbas, nomeadamente na defesa do património ao abandono". Estando ligado à área da cultura, o especialista recorda que o PS indicou no seu programa em 2005 que um por cento do Orçamento de Estado seria destinado à Cultura e, na realidade, tem sido 0,4 por cento, ou seja, menos de metade. Carlos Fiolhais critica as promessas não cumpridas: "ou é a crise económica ou é outra crise qualquer", explicando que se trata quase sempre de "uma crise de memória", sejam quais forem os governos".

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...